Passado de Princesa Princess From The Past
Caitlin Crews
Uma princesa que fora esquecida... Rodeada pelos altos muros de um castelo, Bethany Vassal descobriu que seu casamento às pressas com o príncipe Leo Di Marco estava muito longe de ser o conto de fadas que ela imaginara. Não demorou muito para ela fugir, levando em seu coração a esperança de que o homem pelo qual era apaixonada caísse em si e partisse em sua busca. Porém, casar com Bethany fora o único descuido que Leo cometera em sua vida, pelo qual iria pagar caro. Havia chegado a hora de ter um herdeiro, e isso significava que Bethany precisava retornar ao castelo do qual fugira! Digitalização: Vicky Revisão: Cassia
Querida leitora, Casamentos por interesse são promessas de um final nada feliz... O que fazer quando se descobre que o amor não aconteceu? É possível torná-lo realidade?
Paixão nº 266
Passado de Princesa
Caitlin Crews
Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books Tradução: Rodrigo Peixoto Harlequin 2012 PUBLICADO SOB’ ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: PRINCESS FROM THE PAST Copyright © 2011 by Caitlin Crews Originalmente publicado em 2011 por Mills & Boon Modem Romance Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração Eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11)2148-3500 www.rrdonnelley.com.br
Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o: DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
CAPÍTULO UM
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Paixão nº 266
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Bethany Vassal nem precisou olhar para trás. Ela sabia exatamente quem acabara de entrar naquela exclusiva galeria de arte do elegante bairro de Yorkville, em Toronto. Mesmo que não tivesse ouvido o barulho feito pela multidão presente no coquetel, ou mesmo que não tivesse sentido a forte energia que tomara conta do salão como um terremoto, ela teve certeza. Seu corpo notou e reagiu instantaneamente. Os pelos da nuca ficaram eriçados. Seu estômago ficou tenso. Os músculos, contraídos. Ela parou de fingir admirar as formas e cores do quadro a sua frente e deixou seus olhos se aproximarem de antigas lembranças. E de muita dor... Muita mesmo. E lá estava ele. Após tanto tempo, após toda aquela agonia, os anos de isolamento, estavam no mesmo ambiente. E Bethany disse a si mesma que estava pronta. Tinha de estar. Ela girou o corpo lentamente e se postou no canto mais distante da chique galeria, pois assim teria uma visão privilegiada até a porta, preparando-se para sua chegada. Porém, ao virar-se, foi obrigada a admitir a si mesma que era impossível preparar-se para a emoção de ver aquele príncipe, Leopoldo di Marco, atravessando as portas de vidro. Seu marido. Que logo seria ex-marido, disse ela a si mesma, decidida. Pois, caso continuasse repetindo isso, um dia seria realidade, certo? Ela sofrerá muito ao separar-se dele, quase três anos antes, mas tudo mudara desde então. Ela era uma nova mulher. E estava tão arrasada quando o conheceu... Pois ainda não se recuperara da morte do pai, de quem cuidara durante anos, e continuava assustada com a ideia de, aos 23 anos, finalmente poder ter a vida que escolhesse para si. Mas a verdade é que nunca pensara nisso. O único mundo que conhecia era bem estreito... Até que surgiu Leo, como se fosse o sol após anos de chuva. Ele parecia perfeito, um príncipe de conto de fadas. E ela acreditou que, a seu lado, seria uma princesa que viveria numa espécie de sonho tornado realidade. Bethany mordeu os lábios. Aprendera tanta coisa... Especialmente quando ele despedaçou esse sonho, ao deixá-la completamente abandonada no exato momento em que chegaram a sua casa na Itália. Ela ficou mais sozinha do que nunca estivera em toda a sua vida, e tão longe de casa... Até o momento em que ele resolveu que era hora de incluir uma criança naquela vida de desespero. Isso foi á gota d'água. Bethany trincou as mãos. Respirou fundo. Não seria refém da raiva naquele momento... Tinha objetivos a cumprir aquela noite. Queria sua liberdade e não deixaria que o passado a paralisasse. Ela ergueu os olhos e o viu. E o mundo pareceu contrair-se e, depois, expandir-se a seu redor. O tempo pareceu parar... Ou talvez fosse simplesmente ela prendendo a respiração. Ele começou a atravessar o corredor da galeria, flanqueado por dois seguranças com expressão de pedra. Como sempre, Leo arrasava corações de cabelos negros e olhos brilhantes, um perfeito exemplo da beleza masculina à italiana. E vestia, impecavelmente, um elegante terno escuro feito sobre medida que conseguia deixá-lo ainda mais bonito, valorizando seus ombros largos e o físico de dar água na boca.
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Mas Bethany não poderia permitir-se admirá-lo. Seria muito perigoso. De alguma maneira, ela se esquecera de como ele era tão... Incrível. Em suas lembranças, Leo ficara mais baixo, mais fraco. Ela se esquecera de sua força, que obrigava todos os que estavam á seu redor a dar um passo atrás para fitá-lo. Isso também a deixou muito triste. Ela engoliu em seco e tentou livrar-se de sua melancolia, pois não ajudaria em nada. Seu corpo longilíneo e lindo era puro músculo e sensualidade, movendo-se entre a multidão com facilidade. Suas bochechas, pronunciadas e altas, podiam ser vistas de qualquer ponto do salão. Ele caminhava como um rei ou um deus. A boca, mesmo fechada numa expressão dura, deixava entrever uma sensualidade brutal que ela conhecia muito bem e que ele costumava usar como uma arma devastadora. Seus cabelos escuros e muito bem cortados eram uma demonstração clara do magnata que era... Tudo o que ele vestia, e também a forma como se comportava, eram uma clara demonstração de sua riqueza, poder e magnetismo. Tão característico quando sua pele morena, os músculos bem torneados e seu cheiro amadeirado... Um detalhe de que só ela poderia lembrar-se, pensou, pois ele não estava tão perto para que pudesse sentir. Franzindo a testa, disse a si mesma que nunca voltaria a estar tão perto dele a ponto de sentir seu cheiro. Pois ele não era um príncipe encantado, como ela imaginara inocentemente. Bethany teve de engolir uma risada. Os contos de fada não existem, pensou. Pelo menos não ao lado de Leo di Marco, Príncipe di Felici. E Bethany descobriu isso da forma mais dura e cruel. Leo não deixava que nada em sua vida fosse mais importante que seu título e seus deveres. Ela observou os olhos de Leo passeando pelo salão com grande impaciência. Ele parecia chateado. E finalmente a encontrou. Para ela, o olhar de Leo foi como um soco e Bethany; teve de respirar fundo novamente. Porém, tinha de encará-lo. Caso contrário, não sabia o que aconteceria com sua vida. Bethany teve de forçar-se a ficar de pé, para simplesmente manter-se ali, parada, enquanto ele se aproximava. Ela cruzou os braços, endireitou os ombros e o encarou, tentando controlar as velhas reações que sempre á deixavam vulnerável em sua presença. Tudo o que queria era esquecer-se do passado e concentrar-se no presente. Leo dispensou os guarda-costas com um simples gesto, sem deixar de encará-la. Como sempre, seu olhar destilava poder, como se ele fosse o único homem em todo o mundo. E o pior é que ela sabia que aquilo poderia funcionar. E funcionou... Ela ficou com a boca seca. Sentiu uma vontade louca de virar as costas e sair correndo, mas ele a seguiria. Pior, ele a alcançaria. E a verdade é que fora ela quem escolhera aquele local para o encontro: um vernissage, numa galeria repleta de gente que imediatamente reconheceria um homem como Leo. Fazendo isso, ela pensou que estaria protegida. Mas não seria bem assim. Ele estava muito chateado e ela fora uma boba imaginando que poderiam resolver o que fosse. Três anos tinham se passado desde aquela noite, mas, ainda assim, pensando em tudo o que ele dissera, Bethany continuava envergonhada por conta da paixão devastadora e incontrolável que sentira... Deixou as lembranças de lado e endireitou os ombros. 4
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Ele estava ali, na sua frente, encarando-a. E ela não conseguia respirar. Leo. Passados poucos segundos, aquela potente masculinidade tão característica a impactava fortemente, despertando pontos de seu corpo que pareciam mortos. Ela sentiu uma necessidade enorme de aproximar-se, de perder-se entre seus braços. Mas era uma nova mulher. Teria de sobreviver a ele. Já não era a menina frágil e inocente daqueles 18 meses em que estiveram casados. Aquela menina, sem força para manter-se de pé sozinha. E não voltaria a ser a mesma. Trabalhara duro durante três anos para deixá-la para trás. Para crescer e finalmente ser a mulher que deveria ter sido sempre. Leo mal olhou para ela e Bethany notou a tensão em seu queixo e o poder que emanava da sua pele. — Oi, Bethany — disse ele, em seu tom sarcástico, ainda mais profundo do que ela se recordava. Seu nome na boca cruel de Leo parecia algo tão... Íntimo. E ela foi tomada de lembranças das quais preferia afastar-se, mas que ainda a afetavam. — Do que você quer brincar esta noite? — perguntou ele, em tom suave, com olhos escuros, impenetráveis, e voz sob’ controle. — Fico lisonjeado que tenha me convidado após todos esses anos. Ela não poderia permitir que ele a envolvesse. Bethany sabia que era "agora ou nunca". Cravou os dedos no cotovelo, penetrando com força a própria pele. — Quero o divórcio — disse ela, erguendo ligeiramente a cabeça para olhá-lo nos olhos. Ela planejara e ensaiara essas palavras durante muito tempo de frente para o espelho, sozinha, sempre que podia, e notou que soara exatamente como queria: calma, tranquila, decidida. Não deixou transparecer a agitação que tomara conta de seu corpo. As palavras pareciam flutuar entre os corpos deles dois. Bethany manteve os olhos pregados nos olhos de Leo, fingindo não estar afetada pela forma como ele a encarava, com os olhos franzidos, como se preparasse o bote. E o coração de Bethany acelerou, como se quisesse gritar seu pedido a plenos pulmões. Aquele homem estava muito perto dela. Leo estava á seu lado, tão perto que ela quase podia sentir as ondas de calor e arrogância que emanavam dele. Leo a observava intensamente, mas com expressão ilegível. E algo no interior do corpo de Bethany parecia a ponto de fundir-se. Leo era o marido que ela um dia amara desesperadamente, naquela época em que ainda não sabia que deveria amar muito mais a si mesma. E sentiu vontade de chorar ao notar que aquela velha tristeza a invadia novamente... Mas não, aquilo era passado. Seu estômago estava revirado. As palmas das mãos úmidas. Ela precisou lutar para manter sua visão clara. Teve de repetir várias vezes, para si mesma que não se dobraria ás necessidades imediatas do seu corpo. Indiferença, ela lembrou a si mesma. Não deveria mostrar nada além de indiferença a ele, mesmo tendo de fingir. Caso contrário, colocaria tudo a perder. Caso contrário, ela se perderia. — Bom te ver — disse Leo, finalmente, com uma pitada de desconforto na voz. Seu inglês tinha uma clara influência britânica misturada à sensualidade de seu italiano natal. 5
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Seus olhos escuros demonstravam dura censura ao analisar a maquiagem simples e o terno negro severo usado por Bethany, que escolhera tudo isso para convencê-lo de que o encontro não passaria de uma protocolar reunião de negócios... E porque dessa forma não ficaria tão exposta a ele. Ela era uma pessoa muito diferente da menina que ele um dia levara à loucura simplesmente com um olhar. No entanto, Bethany ainda sentia um calor nos pontos onde, anos atrás, Leo a tocara. Ela odiava essa sensação, principalmente após tudo o que acontecera. Era como se, há três anos, seu corpo não tivesse recebido a mensagem de que tudo terminara. Leo seguiu em frente, com sua voz ainda mais perigosa, seu olhar gélido: — Não sei por que ainda me surpreende que uma mulher que se comportou como você se comportou com o próprio marido o cumprimente dessa maneira. Mas ela não queria que Leo notasse que ainda a afetava. Disse a si mesma que deixaria para pensar em tudo isso mais tarde, quando já estivesse completamente livre dele. E precisava livrar-se dele. Chegara a hora de viver a sua vida como ela bem entendesse. Tinha de parar de fantasiar que Leo viria atrás dela e a levaria de volta á casa. O que ele faria era assombrá-la aquela noite e desaparecer novamente, mas não sem antes dizer coisas terríveis. Aqueles três anos não foram nada para ele. — Você me perdoaria se eu dissesse que, dada ás circunstâncias, as formalidades sociais não servem de nada por aqui? — perguntou ela, o mais calma que pôde, como se não sentisse o olhar penetrante de Leo em cima dela. Bethany precisava afastar-se um pouco, ou explodiria. Seguiu em direção ao seguinte e brilhante quadro dependurado na parede branca e notou que Leo a acompanhava. Quando parou de caminhar, ele estava novamente á seu lado, tão perto que ela quase sentia seu calor e a força de seu braço. Perto o suficiente para que ficasse tentada a curvar o corpo contra o dele. Mas ela finalmente parecia capaz de controlar seus impulsos destrutivos, pensou, amargamente, embora na verdade fosse duro controlar tais necessidades. — As nossas "circunstâncias" — disse ele, após um hiato tenso, com sua voz profunda, cortante. — Então é assim que você chama isso? É assim que você racionaliza suas ações? Ela deu uma olhada rápida e notou que Leo erguera uma das sobrancelhas, num gesto que combinava perfeitamente com seu tom de voz. Bethany conhecia muito bem aquela expressão. Sentiu um arrepio. Notou que seu coração batia cada vez mais rápido e que precisava fazer alguma coisa para acalmá-lo. Tinha de lançar mão daquela força de vontade que há três anos nem sabia existir dentro de si mesma. Uma força de vontade que nascera da própria indiferença de Leo. — Não importa como você prefira chamar — disse ela, lutando para manter-se calma. Olhou para ele e sentiu vontade de estar longe dali. Ele era muito grande, muito masculino, muito tudo. — Obviamente, chegou o momento em que nós dois seguimos nossos caminhos. Ela não se importava com o olhar de Leo. Deveria aproveitar para lembrar-se do quanto ele poderia ser perigoso e da razão por que o deixara. 6
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— Foi por isso que você resolveu entrar em contato comigo hoje? — perguntou ele, num tom de voz tão tranquilo que fez com que ela sentisse um arrepio na espinha. — Para pedir o divórcio? — Por que outra razão eu entraria em contato com você? — perguntou ela, rezando para que sua voz soasse doce, mas notando que não conseguia disfarçar a ansiedade. — Não consigo pensar em outra razão, claro — disse ele, com os olhos fixos nela, de uma forma que a deixou completamente desconfortável. Mas Bethany ergueu a cabeça e não desviou o olhar. — No entanto, imagino que você esteja pronta para assumir seus compromissos e manter suas promessas. E por isso estou aqui. Ela não sabia por quanto tempo poderia manter a pose. Leo era indomável. O único momento em que conseguiu controlá-lo foi no curto período em que ele esteve tão envolvido quanto ela na paixão vulcânica surgida entre os dois. Mas sua raiva e sua frieza eram fortes demais. E ela não tinha certeza se poderia fingir não ser atingida por tudo isso. — Não quero nada de você além do divórcio — disse ela. Seu corpo começava uma guerra civil. Uma parte queria sair correndo, desaparecer na noite fria de outono e outra não queria fazer nada disso, queria apenas tocá-lo... Porém, Bethany sabia que, caso sucumbisse à tentação, seria um caminho sem retorno. Ela se envolveria muito, ele mal se envolveria e ela acabaria por pagar o preço. Disso, Bethany tinha certeza. Ela o encarou diretamente, como se fosse uma mulher decidida, e não desesperada. Mas será que isso realmente importava? — Quero pôr um fim nessa farsa, Leo. — E poderia me dizer exatamente a que farsa está se referindo? — perguntou ele, metendo as mãos nos bolsos da calça e encarando-a, um gesto que a fez tremer dos pés à cabeça. — Está se referindo ao momento em que você fugiu de mim, do nosso casamento e da nossa casa, e veio parar do outro lado do mundo? — Isso não foi uma farsa — ousou responder, pois não teria nada a perder. — Foi um fato. — Uma desgraça, isso sim — ele revidou, num tom de voz incrivelmente calmo, embora ela notasse uma frieza lá no fundo. — Mas por que ficar conversando sobre isso? Você já provou não ter qualquer interesse na vergonha que fez minha família passar, na desgraça na qual lançou meu nome. — É exatamente por isso que quero o divórcio — disse ela, tentando manter o tom da voz. — É problema resolvido. — Me diga uma coisa — pediu ele, dispensando um garçom que oferecia champanhe e voltando a encarar Bethany. — Por que isso tudo? Por que agora? Você me abandonou há três anos. — Eu escapei há três anos, você quer dizer... — respondeu ela, sem pensar, notando imediatamente que cometera um grave erro. Os olhos de Leo foram tomados por um calor, por uma raiva muito potente, como se ela se transformasse numa presa. No entanto, Bethany não poderia afastar os olhos dele. Não poderia permitir que ele a envolvesse em mais uma barganha desesperada, cruel, capaz de destruir qualquer resquício de esperança que ainda estava viva. Tinha de livrar-se dele. Para sempre. O príncipe Leo di Marco disse a si mesmo que estava furioso, muito furioso. Mas aquilo não passava de raiva, não era mais que uma forte indignação, ele pensou. Pois aquela mulher não voltaria a abalar suas estruturas.
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Ele passara o dia inteiro em reuniões na Bay Street, em Toronto. Nenhum banqueiro ou homem de negócios daquela cidade ousaria desafiar o ancestral sobrenome Di Marco, muito menos os quase infinitos fundos que o acompanhavam. Bethany foi á única mulher que um dia o desafiou, que o magoou. Três anos se passaram e ela continuava fazendo a mesma coisa. Mas ele tinha de lutar para manter-se sob’ controle. No entanto, já podia notar a raiva que apenas Bethany inspirava nele. E sabia exatamente por que ela escolhera um local público para o encontro, como se ele fosse uma espécie de animal selvagem. Como se precisasse ser contido. E Leo não saberia dizer que insulto lhe provocava mais. Ele ficava furioso ao notar que não era imune àquela beleza que certa vez tanto o cativara quanto decepcionara. Ela continuava sendo uma tentação. Seus olhos azuis, angelicais, pareciam em intrigante contraste com seus cachos escuros, castanhos, tudo temperado pelas lindas sardas ao redor do seu nariz perfeito. Porém, ele não se deixaria levar pelos seus lábios grossos. Afinal de contas, aquela aparente inocência não passava disso: aparência. E não deveria importar. Mas a verdade é que queria tocá-la, beijar os seus seios. Sentir aqueles mamilos em sua língua. Ele sabia que isso era tudo o que queria. — Escapou? — perguntou ele, com voz gélida. — Pelo que sei, você vivia muito bem na minha casa. — Fiquei morando lá porque você queria — respondeu ela, e suas bochechas começaram a ficar vermelhas. Leo conhecia outras formas de fazer com que seu rosto mudasse de cor... Mas ela continuou, dizendo: — Eu não tinha nada a ver com aquela casa. Ele era um homem que comandava impérios. Fazia isso desde a morte do pai, quando Leo tinha apenas 28 anos, conseguira manter a riqueza da família e até aumentá-la. Como Bethany poderia desafiá-lo? Como isso era possível? Que tipo de fraqueza impedia que ele a esmagasse completamente? No fundo, ele sabia que tipo de fraqueza era aquela. Era a mesma fraqueza que o deixava louco de vontade de meter as mãos sob aquele terno negro que ela usava simplesmente para esconder-se, pois de uma coisa Leo tinha certeza: caso a tocasse, seria impossível para Bethany negar a atração que sentia por ele. — Fico fascinado ao ver essa sua nada característica aquiescência — disse ele entre os dentes; furioso, consigo mesmo e com toda aquela história repleta de promessas quebradas. — Eu me lembro de ter feito vários pedidos que você preferiu ignorar: pedi que ficasse na Itália, como manda a tradição, que evitasse envergonhar minha família com seu comportamento, que honrasse seus votos. — Não vou discutir com você — respondeu ela, com os olhos brilhantes e o queixo erguido. E fez um gesto decisivo com uma das mãos, a mesma que ainda deveria exibir a aliança de casada. — Interprete essa história como quiser, mas não vou mais discutir, e ponto final. — Então estamos combinados — disse ele, mantendo a voz baixa, o que era um desafio para seu temperamento. — Não quero saber de escândalos em público, Bethany. Se o que você quer é me deixar envergonhado esta noite, sugiro que reveja sua estratégia... Acho que isso não vai terminar assim. — Não precisamos fazer nenhum escândalo — disse ela. — Seja público ou privado. — E deu de ombros, passando a mão na própria nuca e fazendo com que Leo se lembrasse dos beijos que um dia lhe dera, da suavidade de sua pele. Mas isso tudo acontecera em outra vida. — Só quero me divorciar de você. Finalmente. — Pois estar casada comigo foi muito duro para você? — perguntou ele, em tom sarcástico. Ele não acreditava na eficácia de escândalos, especialmente em público, e, em grande parte, isso acontecia pela educação que recebera em casa. Mas Bethany sempre o provocara. Naquela noite, os olhos dela eram exageradamente azuis, e sua boca... — Entendo que deve ser duro para você viver em meio a tanto luxo — disse Leo — ter todos os benefícios de meu sobrenome e tanta proteção, sem nenhuma responsabilidade. — Saiba que eu não quero nada disso — respondeu ela, erguendo as sobrancelhas, como se o desafiasse. No entanto, ele notou certa vulnerabilidade em seu rosto. Bethany, vulnerável? Ele nunca a descreveria dessa forma. Selvagem. Incontrolável. Rebelde. Mas nunca indefesa, ferida. Nunca. Impaciente, Leo tirou tudo isso da cabeça. A última coisa que queria naquele momento era ficar intrigado por conta de sua antiga esposa. Ele ainda teria de livrar-se do desastre inicial causado pela fascinação que sentira por aquela mulher. — Não? — perguntou ele, em tom duro, direto. — Como pode ter tanta certeza, quando me tratou com tanto desrespeito? — Eu quero o divórcio — repetiu ela, decidida. — Acabou, Leo. Quero seguir em frente com minha vida. — Sério? — insistiu ele, desafiante. — Mas como vai fazer isso? — Vou sair da casa onde moro — respondeu ela, imediatamente, com uma raiva retumbante nos olhos que ele não entendeu muito bem de onde vinha. — Eu a odeio. Nunca quis morar nela. — Você é minha esposa — devolveu, rascante, pois, embora soubesse que isso já não significava nada para ela, ainda era um conceito muito importante para ele. — E não me importo com o que você pensa. Se, deu às costas aos votos que fez, saiba que eu não dei. Jurei que te protegeria e fui sincero, mesmo que para te proteger eu seja obrigado a driblar suas loucuras. — E você acha que é uma espécie de herói por conta disso, certo? — respondeu ela, num tom falsamente educado, provavelmente para não chamar a atenção das pessoas a sua volta. — Mas nunca imaginei que alguém
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pudesse me sequestrar — disse ela, reprimindo um sorriso. — Acredite em mim, não reconheço qualquer conexão entre nós dois. — Mas ela existe — respondeu Leo, num tom ácido que não dava lugar a qualquer argumentação. — E, justamente por conta dessa conexão, você é um alvo. — Mas não por muito tempo — disse ela, determinada, com o queixo erguido e os olhos arregalados. Determinação que ele quase admirava. Quase... — Aliás, você poderá comprovar que nunca toquei em seu dinheiro. Nunca. Vou sair desse casamento exatamente como entrei. — E para onde pretende ir? — perguntou ele, em tom calmo, suave, sem ousar dar um passo à frente, pois sabia que, pousando uma das mãos na pele de Bethany, deixaria muita coisa em evidência. — Isso não é da sua conta — respondeu ela, encarando-o. — Mas a verdade é que conheci outra pessoa.
CAPÍTULO DOIS
O salão parecia desmoronar. Tudo o que Bethany enxergava era o olhar duro de Leo pregado ao seu. Ele não saíra do lugar, mas para ela a sensação era de estar presa a um punho muito forte que agarrava os dois, numa tensão crescente. Ela realmente dissera tudo aquilo? Realmente ousara dizer tudo aquilo a Leo? A seu marido? Imediatamente, Bethany se perguntou: Seria pior se fosse verdade? E ficou sem ar. Por um longo e terrível momento, Leo não disse nada, ficou apenas olhando para ela, mas Bethany notava sua fúria, algo parecido a um tambor selvagem. Ele chegou a parecer pronto a cometer um crime. Porém, finalmente, Leo desviou o olhar e ela pôde respirar novamente. — E quem é o sortudo? — perguntou Leo, em tom suave. Enquanto isso, Bethany se movia lentamente, com medo de que um giro brusco pudesse ter o mesmo resultado de um pano vermelho sendo agitado na frente de um touro. No entanto, ele curvou a cabeça para a esquerda e perguntou: — Quem é seu amante? De alguma maneira, Bethany conseguiu não tremer. Porém, a forma como ele pronunciara aquela palavra fora muito dura, fazendo com que ela quase se arrependesse da mentira que contara, embora soubesse ter dito tudo àquilo na esperança de magoá-lo, ainda que minimamente, e também de deixá-lo um pouco desconfortável em sua presença, além de demonstrar que estava falando sério ao mencionar o divórcio. Porém, Bethany se lembrou de com quem estava lidando, e percebeu que Leo faria qualquer coisa para conseguir o que queria. Ela teria de ser tão rude quanto ele. Capacidade, aliás, que aprendera com o próprio Leo. — Nós nos conhecemos na universidade quando eu terminava o curso — respondeu ela, com cuidado, buscando algum sinal do que poderia acontecer em seguida estampado no rosto de Leo. Bethany lembrou a si mesma que o objetivo era colocar um ponto final naquela história de casamento. Por que protegeria Leo? Ele alguma vez a protegera do que quer que fosse? — Ele é tudo o que busco num homem — disse ela, de repente. Mas será que um dia realmente encontraria o homem de seus sonhos? Será que merecia tanta felicidade? — Ele é atencioso, comunicativo, tão interessado na minha vida quanto eu na dele. 9
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Ao contrário de Leo, que a abandonara no exato momento em que puseram os pés na Itália, dizendo que os negócios clamavam por ele. Ao contrário de Leo, que se fechou completamente e se demonstrou incrivelmente frio quando Bethany disse não entender como o homem que antes a adorava desaparecera daquela forma. Ao contrário de Leo, que não parava de dizer coisas como "responsabilidade" e "dever", mas que na verdade só queria que Bethany seguisse suas ordens, sem questionar nada. Ao contrário de Leo, que usara a química sexual que havia entre eles como uma arma, deixando-a viciada, desesperada e mais sozinha do que nunca. Os olhos de Leo falseavam. Era como se ele soubesse exatamente do que ela estava lembrando-se: de suas peles fundidas numa só, de seus corpos quentes e molhadas, de suas bocas misturadas... E Leo penetrando seu corpo profundamente, repetidas vezes. Ela respirou; fundo e afastou o olhar, tentando acalmar o afobado coração. Não era hora para se lembrar de tudo aquilo. Nem havia necessidade. Leo não a destruíra, como parecera num primeiro momento. Ela sobrevivera. Aliás, ela o abandonara, e tudo o que restava eram ninharias sem importância. Ela preferia ter conversado sobre o divórcio com os advogados do príncipe, mas eles lhe disseram que Leo gostaria de resolver isso pessoalmente. — Ele parece ser o homem ideal — disse Leo, após uma longa pausa. — E é mesmo — respondeu ela, decidida, pensando em por que se sentia tão instável e até um pouco infantil. E por que não lançava mão da única arma que poderia verdadeiramente atingi-lo naquele momento? Talvez a culpa fosse daquela sensação que surgia sempre que estava perto dele: sentia-se muito jovem e boba. — Quem sou eu para me colocar no meio de uma relação tão perfeita — murmurou Leo, passando a mão no paletó tão bem cortado. Bethany franziu a testa, dizendo: — Não vejo necessidade de sarcasmo. — Preciso entrar em contato com meus advogados — disse Leo, os olhos pregados aos dela. E Bethany se sentiu um pouco tonta ao encará-lo, suas pernas tremiam e seu fôlego era curto. Como era injusto que ele ainda a afetasse tanto, mesmo depois de tudo o que acontecera! Porém, por um lado, ela sabia que era mais seguro reconhecer a atração do que tentar negá-la. — Seus advogados? — perguntou ela, pois tinha de dizer alguma coisa. Bethany sabia que não poderia simplesmente ficar olhando para ele, querendo que se transformasse no homem que ele nunca seria, no homem que não era. De repente, ela desejou ter mais experiência do que tinha. Queria ser capaz de sentirse mais segura frente a ele. Gostaria de poder ter vivido mais. No entanto, Bethany era a única pessoa disponível para cuidar de seu pai durante aquela longa doença. Aos 19 anos, teve de abandonar a universidade para cuidar do pai e aos 23 conheceu Leo, naquela última viagem ao lugar preferido de seu pai em todo o planeta: o Havaí. Ela fora a responsável por levar as cinzas que o pai pedira que fossem lançadas ao mar. Nunca imaginou que lá encontraria aquele príncipe, aquele quase deus... Logo ela, que não acreditava que tais criaturas pudessem existir fora dos livros de ficção. Porém, ficou completamente desnorteada quando ele a olhou daquela maneira, 10
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com aqueles olhos escuros, profundos... Se fosse mais madura, mais parecida com as outras mulheres da sua idade, se tivesse se aventurado um pouco mais fora do pequeno mundo em que viva ao lado do pai, talvez assim... Porém, a verdade é que tentar alterar o passado seria uma bobagem e Bethany não se arrependia dos anos que passara cuidando do pai. O que tinha de fazer era impulsionar sua vida dali para frente, e não repetir os mesmos erros do momento em que conheceu Leo. — Exatamente — respondeu ele, voltando a encará-la, como se pudesse ver tudo o que ela estava tentando esconder: suas mentiras, aquela mínima esperança que ela adoraria poder extinguir de uma vez por todas. — Meus advogados serão perfeitamente capazes de cuidar de um processo de divórcio. Eles me dirão como proceder — disse, em tom suave, com um leve sorriso no rosto, quase educado. — Não tenho experiência nesse tipo de coisa. Bethany ficou perdida, sem saber como reagir. Aquilo realmente estava acontecendo? Ele concordava com tudo? Ela nunca imaginou que seria assim. Muito pelo contrário, ela imaginou que Leo fosse jogar duro, um jogo sujo. Não porque a amasse, claro, mas porque era um homem que nunca fora rejeitado antes, e seu orgulho exigiria; certa luta. — Isso é uma armadilha? — perguntou ela. Leo ergueu as sobrancelhas, numa demonstração de pura arrogância masculina. — Armadilha? — repetiu ele, como se nem conhecesse o significado de tal palavra. — Você não aceitou me deixar, num primeiro momento... — disse ela. — Na verdade, até poucos minutos atrás, não parecia convencido. Como eu poderia confiar nas suas palavras? Ele ficou mudo por um bom tempo, e mais uma vez Bethany sentiu uma terrível onda de pânico invadindo seu corpo. Chegou a imaginar que ele sorria. No entanto, o que ele fez foi se aproximar e tomar sua mão. Ela sentiu uma espécie de chama subindo pelos braços. Tudo o que queria era afastar-se, mas forçou-se a permanecer tranquila, deixando que a tocasse, fingindo não se sentir afetada pelo toque da pele de Leo contra a sua. Leo ficou encarando Bethany por um momento, depois passou a observar sua mão. Roçou o polegar entre seus dedos, enviando-lhe uma série de sensações por seu corpo, fazendo com que Bethany o desejasse e odiasse a um só tempo. — O que você está fazendo? — conseguiu murmurar, entre os lábios, tentando entender como Leo ainda poderia ter tanto poder sobre ela. — Acho que você perdeu sua aliança — disse ele, em tom calmo, olhando para a mão de Bethany. E a frieza de sua voz contrastava enormemente com o calor do seu toque. — Eu não perdi — respondeu ela, com vontade. — Tirei a aliança do meu dedo, há muito tempo. Por que quis. — Claro... — murmurou ele, e depois disse algo mais em italiano, algo que ela ficou feliz por não ter entendido. — Pensei em penhorar — disse ela, sabendo que assim Leo voltaria a olhar nos seus olhos. E ergueu as sobrancelhas. — Mas seria mesquinho da minha parte. — Você pode ser muitas coisas, Bethany... — disse ele, com os olhos cortantes, soltando a sua mão. — Mas mesquinha você nunca foi. 11
Paixão nº 266
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Leo ficou olhando para a vasta janela que havia na cobertura que alugara em Toronto. Ele não conseguia dormir, dizendo a si mesmo que a culpa era da chuva, do vento e do frio que sempre sopravam do lago Ontário em direção à cidade. Disse a si mesmo que precisava de um drinque, pois bebendo a tensão que ainda tomava conta do seu corpo poderia finalmente amainar. Mas a verdade é que não conseguia tirar os olhos azuis e brilhantes de Bethany da cabeça. Ela era uma espécie de bruxa. Leo notara isso quando seus corpos se encontraram pela primeira vez, nas águas da praia de Waikiki, no Havaí, no exato momento em que a tomou nos braços, salvando-a das fortes ondas, e que a levou de volta à areia. Leo ficou imediatamente hipnotizado por aqueles olhos tão profundos, tão azuis... Especialmente com o mar do Havaí e o céu azul como moldura. Naquele momento, Bethany olhou para ele, vendo seus cabelos molhados pela água do mar, e seus lábios ficaram entreabertos, como se o mundo se resumisse a apenas eles dois. Porém, como as coisas mudam... Já não era suficiente que ele tivesse perdido o controle da própria vida por conta dela, que tivesse traído o sonho de sua família e suas próprias expectativas casando-se com uma desconhecida vinda de um mundo tão distante do seu querido norte da Itália. Ele deveria ter escolhido uma esposa apropriada, uma mulher de pedigree e sangue azul... O que, aliás, ele mesmo sempre considerara como um dever inevitável perante a seu título. Era o Príncipe di Felici. As raízes de sua família remontavam à Florença do século XIII. E sua esposa deveria ter uma herança no mínimo tão impressionante quanto a sua. Porém, sua conexão com Bethany foi instantânea. E Leo se casou com ela, pois, pela primeira e única vez em sua vida, sentiu uma paixão selvagem. Não seria capaz de imaginar uma vida longe dela. Desde então, tudo o que fez foi pagar por essa loucura. Leo girou o corpo da janela, pousando o copo vazio na grande mesa com tampo de vidro a sua frente. Passou os dedos pelos cabelos e se recusou a pensar no que fazia brotar aquela dor em seu peito. Ele só pensava em Bethany, tudo o que via era Bethany: seu único arrependimento na vida, seu único erro, sua esposa. Já se comprometera mais do que parecia possível, mesmo contrariando todos os conselhos e instintos. E julgara que a súbita mudança de vida que ela teve de enfrentar em seu primeiro ano, juntos seria a razão de seu estranho comportamento, nada mais que uma fase. Aguentou seu temperamento, sua resistência aos deveres oficiais e até mesmo o seu horror frente ao desejo de Leo de formar imediatamente uma família. Bobo, ele acreditara que ela precisava de tempo para sentir-se confortável em seu papel de esposa, quando na verdade o que ela precisava era de uma mão firme. Ele a deixara partir, em choque e ferido. E pensava que ela voltaria para casa, que tudo o que precisava era de um tempo para ajustar-se às novas responsabilidades e pressões do título e papel social recém-conquistado, pois uma menina de Toronto não poderia estar acostumada a tudo aquilo. 12
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Ele mesmo passara grande parte da vida tentando acostumar-se ao peso do sobrenome Di Marco. Por isso permitira que ela tivesse alguma liberdade... Afinal de contas, casara-se muito jovem, muito imatura. Começaram, no entanto, a surgir alguns problemas. Fofocas sobre uma amante, por exemplo, quando ela deveria saber que ele nunca mancharia seu nome fazendo algo parecido. Além de falatórios sobre divórcio, dúvidas sobre o caráter e a honra de Leo. Contudo, Leo jurou a si mesmo que nunca mais deixaria suas vulnerabilidades expostas a Bethany. A vingança seria doce, pensou, e implacável. Os Di Marco não se divorcia. Nunca. Uma princesa Di Marco, Principessa di Felici, tem dois deveres: apoiar o marido em tudo o que faz e oferecer-lhe herdeiros para a manutenção do título. Leo se sentou na poltrona mais próxima e respirou fundo. Já era hora de Bethany assumir suas responsabilidades. E se tais responsabilidades exigiam sua volta á casa, melhor. Bethany não deveria ter se surpreendido quando, na manhã seguinte, ergueu os olhos de uma caixa que preparava e viu Leo na porta de seu quarto. Mas a verdade é que não conteve o assombro. Deu um passo atrás e pressionou a mão contra o coração, que disparara. Tudo culpa do susto, ela disse a si mesma, nada além disso. Certamente, não tinha nada a ver com aquela estúpida esperança que se recusava a alimentar. — O que está fazendo aqui? — perguntou ela, assustada com o tom trêmulo da própria voz. Mas era ela quem estava na casa de Leo, certo? Naqueles três andares de luxo na área mais cara de Toronto. Aquela casa pertencera a Leopoldo di Marco, Príncipe de Felici.
Bethany odiava tudo aquilo, odiava tudo o que aquela casa representava. Mas Leo insistira que fosse morar lá, ou então na Itália, a seu lado. E, três anos antes, ela não teve forças para buscar uma terceira opção. Enquanto vivesse sob seu teto estaria aceitando aquele casamento, e também algum controle de Leo. A única alternativa naquele momento era agir. — A minha presença aqui não deveria ser algo tão chocante — disse Leo, soando como se ela fosse ingênua, boba, e deixando-a nervosa. — Você não poderia simplesmente ter tocado a campainha, como qualquer outra pessoa? — perguntou ela, mais agitada do que pretendia. Ela não dormira bem, o que piorava a situação. E sua mente estava a mil, como se tivesse tomado muitas doses de café. Ainda por cima, usava as roupas mais simples do armário, as mais indicadas para preparar caixas de mudança, com os cabelos presos num coque feito às pressas no topo da cabeça. Ou seja, elegância zero. E Leo, como sempre, estava impecável naquela camisa cor de carvão perfeitamente ajustada a seu peito musculoso e naquela calça de lã escura que enfatizava as linhas perfeitas do seu corpo. Ele se curvou contra a moldura da porta e ficou olhando para ela, sorrindo, com seus olhos escuros bem abertos. — Você é sempre tão ofensiva, Bethany? Será que mereço tamanha hostilidade? Ela foi tomada por algo mais forte que o arrependimento, algo próximo à vergonha. Porém, Bethany se forçou a não seguir seu instinto: não pediria desculpas, não o bajularia, não amoleceria. Por experiência própria, ela sabia como tudo aquilo terminaria: com Leo ganhando todas as peças até que não sobrasse nada. Mas Bethany não se deixaria levar. Não esboçou qualquer pedido de desculpas. Apenas afastou alguns fios de cabelo caídos sobre o rosto, concentrando-se na caixa que tinha à frente. 13
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— Sei que esta casa é sua — disse ela, quebrando o desconfortável silêncio -, mas gostaria que você tivesse a cortesia de anunciar sua chegada, e não aparecer assim a minha porta. Isso não parece educado. Havia tantas minas terrestres espalhadas pelo chão, tantas lembranças duras entre eles dois... Tantas... O peito de Bethany ficou pesado, e ela pensava em sua primeira noite na Itália e em tudo o que ouvira sobre como deveria se comportar enquanto trocavam beijos e carícias numa cama enorme. Porém, com o tempo, ele ficou cada vez menos paciente e carinhoso, e a cada dia que passava todos a sua volta notavam que ele cometera um erro ao casar-se com alguém como Bethany. Ela ficou muda ao pensar em tudo isso. — Claro — murmurou Leo, sem deixar de observar os movimentos de Bethany. — Você já guardou todas as suas coisas? — Não se preocupe — respondeu ela, dando uma olhada rápida na direção dele. — Não vou levar nada que não seja meu. Ele franziu a testa ao responder: — Fico feliz ao saber disso. Após quatro tentativas de dobrar um suéter de algodão branco, Bethany desistiu. Girou o corpo e o encarou, engolindo os seus medos, suas ansiedades ou qualquer outra coisa que preferisse fingir não sentir... Pois nada daquilo seria produtivo. — Leo, por que veio aqui? — perguntou ela, escondendo as mãos nos bolsos da calça, para que ele não notasse que tremiam. — Não venho aqui há muito tempo — respondeu ele. — É verdade — concordou ela, com um tom de voz tenso, que parecia cortar o pesado ar do quarto. Como ele fora capaz de referir-se àquela noite... Àquela terrível e vergonhosa noite? E como ela pôde comportar-se daquela forma, tão fora de controle, quando tudo o que queria era resolver todas as pendências com ele? A verdade é que ela não conhecia a profundidade em que poderia mergulhar. — Tenho novidades — disse ele, encarando-a e fazendo Bethany pensar até que ponto ele conseguiria ler a sua mente. — Mas acho que você não vai ficar muito contente. E se aproximou dela, que tentou manter-se firme, sem dar nenhum passo atrás. — O que é? — perguntou ela. Mas ele não respondeu imediatamente. Ficou caminhando pelo quarto, tentando valorizar a força de sua presença. Bethany notou que ele observava os lençóis da cama desfeita. E isso fez com que ela se lembrasse novamente daquela noite que preferia apagar da mente. Pensou num vaso sendo atirado contra a parede. Em seus punhos contra o peito de Leo, em sua risada de desdém, em sua camisa sendo rasgada, nas bocas fundidas, nas mãos de Leo pegando fogo, erguendo seu corpo, tomando-a, desgraçando a ambos. Sacudiu a cabeça e notou que Leo a observava, como se estivesse relembrando as mesmas coisas. Ele estava nos pés da cama, muito perto dela. Poderia facilmente atirá-la contra o colchão, e Bethany não saberia dizer o que aconteceria se... Ela ficou paralisada, assustada com os próprios pensamentos. Um desespero bem conhecido tomou conta de seu corpo, pois a verdade é que ainda o desejava. Não entendia
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por que, nem queria entender, pois seu verdadeiro sonho era que ele, e todas aquelas lembranças, desaparecessem imediatamente de sua vida. Queria ser livre. Era como se Leo pudesse ler sua mente. O silêncio entre eles era carregado, vivo. Ele passou a observar sua boca, suas curvas. E para ela era como ter as mãos de Leo sobre seu corpo. — Você disse que tinha algo para me contar — conseguiu dizer, fingindo não estar tão alterada por sua presença, negando tudo o que seu corpo exacerbava. — E tenho... — murmurou Leo, moreno e alto, muito grande e poderoso para caber naquele quarto, naquela casa, na vida de Bethany. — O divórcio. Temos um problema. — Que problema? — perguntou ela, agitada, embora seu corpo parecesse não notar, pois continuava quente e cheio de desejo por ele. — Talvez não possa ser levado a cabo sem... — disse ele, dando de ombros, daquela maneira tão italiana, como quem diz que a situação foge ao controle de todos, até mesmo ao seu controle, ao controle de Leo di Marco. — Você não está querendo dizer que... — começou a dizer, mas ele a encarou, os olhos escuros e determinados, e Bethany sentiu um arrepio subindo pelos braços e pelo pescoço. — Não existe outra saída — disse ele, encarando-a. Bethany ficou completamente gelada. — Você terá que voltar à Itália.
CAPÍTULO TRES
— Não vou voltar para a Itália — gritou Bethany, chocada ao ouvir tal sugestão. Leo teria ficado louco? Ela passara a odiar a Itália por conta dele. Não conseguia sequer pensar em voltar para lá. Em sua cabeça, uma volta à Itália seria um regresso à vida sem sentido que tivera por lá. E não podia, nem queria voltar a ser a mesma pessoa. Mas Leo parecia saber algo mais... Algo que ela não sabia. — Não seja ridículo — disse ela, tomada pelos nervos. Leo ergueu as sobrancelhas, como se estivesse assombrado, e ela se lembrou que o Príncipe de Felici não costumava ser tachado de "ridículo". Com certeza estaria mais acostumado a honrarias. Mas Bethany mordeu os lábios e não se retratou. — Acho que não existe alternativa, caso queira o divórcio — disse ele, com olhos impenetráveis, o que a deixou repleta de suspeitas. — Porém, caso queira continuar apenas separada, poderá permanecer aqui. — Não sou tão idiota quanto pensa — respondeu ela, com a cabeça girando. — Sou uma cidadã canadense. Não preciso ir à Itália para me divorciar de você. Posso fazer isso aqui mesmo. — Isso seria verdade, caso você não tivesse assinado alguns papéis — disse Leo, em tom calmo, encarando-a de uma forma que parecia querer entrar cada vez mais em sua mente. E ela não conseguia desviar os olhos. Ele tombou a cabeça para um lado e disse: — Papéis que assinou assim que chegou ao castelo. Talvez não se lembre. — Claro que me lembro — respondeu ela, deixando escapar um riso nervoso ao mesmo tempo em que seu estômago se revirava ansiosamente. — Como eu poderia me esquecer daqueles três dias assinando montanhas de papéis? Ela se lembrava muito bem das intimidantes pilhas de papel que recebera dos vários advogados, que exigiam assinatura atrás de assinatura. Assine aqui, principessa.
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Grande parte dos documentos estava em italiano, com pesados selos oficiais e textos intragáveis. Ela não entendia nada do que era posto a sua frente, mas estava tão apaixonada pelo novo marido que assinaria qualquer coisa. — Então você deve ter se esquecido de tudo o que assinou — disse Leo, em tom de desdém. — Não tenho a menor ideia do que assinei — admitiu. No entanto, era duro assumir que confiara tão cegamente nele, mesmo naquela época em que Leo di Marco parecia ser a única coisa que existia em todo o universo. Ele inclinou a cabeça na direção de Bethany, como se já tivesse dito tudo o que precisava dizer. — Assinei porque você me pediu que assinasse — disse ela, em voz baixa. — Imaginei que estivesse pensando no melhor para mim... Mas foi um erro que não pretendo repetir. — Claro que não, — disse Leo, naquele mesmo tom de deboche, cruzando os braços sobre o peito. Ele deu uma olhada ao redor do quarto, admirando a elegância dos móveis, das paredes azul-claro, dos tapetes sob os seus pés... — Porque, como já concordamos, você começou a viver um pesadelo no dia em que se casou comigo. — Você quer me dizer o que assinei ou vai continuar aí, de pé, fazendo comentários sarcásticos? — perguntou Bethany, assustada com o tom da própria voz, especialmente quando o olhar de Leo parecia ainda mais penetrante. — Sinto muito — disse ele -, mas eu não sabia que você estava interessada em tudo isso... Ele quase sorriu nesse momento, deixando entrever um pequeno movimento em seus lábios. Bethany queria afastar os olhos, mas não conseguia, era sua prisioneira, como se estivesse nas mãos de Leo, mesmo sabendo que isso poderia ser o fim para ela. — Mas isso não importa, certo? — perguntou ele, naquele mesmo tom delicado que fazia Bethany sentir arrepios na coluna. — O importante é que você assinou um papel dizendo que qualquer procedimento de divórcio, caso um dia fosse necessário, seria levado a cabo por uma corte italiana, sob as leis italianas. — E, naturalmente, só poderei escutar sua versão do caso — disse Bethany, assustada ao notar que sua voz falhava. Ela limpou a garganta e continuou: — E não vou ter o direito de entender nada do que disserem na corte, certo? — Caso queira um tradutor para examinar os documentos, posso pedir minhas secretárias que comecem a fazer cópias da papelada agora mesmo — disse Leo, em tom suave, mas não menos sardônico. — E quanto tempo isso vai demorar? — perguntou Bethany, piscando os olhos para afastar as lágrimas que nasciam no fundo de seus olhos. — Anos? Isso não passa de um joguinho para você, certo? O olhar de Leo era quente e furioso ao mesmo tempo. O quarto parecia cada vez menor, e a única coisa que existia por ali era Leo, o verdadeiro Leo, muito nervoso, muito enigmático, muito perto... Bethany sentiu um jorro de pânico tomando conta do próprio
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corpo, suas pulsações aceleraram, seus mamilos ficaram excitados e a área entre suas coxas, úmida. Odiou a si mesma ao notar tão forte reação. De repente, ela notou o quanto estavam perto um do outro, com apenas a esquina da cama entre eles. Caso esticasse a mão, tocaria aquele peito musculoso. Podia sentir seu cheiro. Porém, aproximando-se de Leo, arruinaria a si mesma e tudo o que pretendia fazer! — Você terá que voltar à Itália caso queira se divorciar de mim — disse ele, desta vez em tom baixo e furioso, como uma descarga elétrica. — Não existe outra opção. — O que é muito conveniente para você — destacou ela, sem nem tentar lutar contra o tremor que tomara conta de seu corpo, pois provavelmente não resolveria nada. — Aliás, como a esposa estrangeira de um príncipe italiano costuma ser tratada na Itália? — Você não deveria se preocupar pelo fato de ser estrangeira, Bethany — disse Leo, com suas feições arrogantes, frias e incrivelmente lindas, mesmo naquele momento. Ele falava em voz baixa, como se entoasse uma triste melodia. — Que tal preocupar-se com o abandono do marido e com a busca de um amante? Isso, sim, poderia forçar o júri a descobrir alguma falha de sua parte, algo que justificaria a dissolução do casamento — disse ele, dando de ombros, embora seus olhos continuassem muito profundos, muito duros. — Mas você está orgulhosa de tudo isso, certo? Por que deveria preocupar-se com esses detalhes? Bethany sentia como se algo grande e pesado a oprimisse, fazendo com que não pudesse respirar, lançando lágrimas em seus olhos quando a última coisa que queria fazer era chorar. Talvez fosse culpa da forma como ele dissera as palavras "abandono" e "amante", o que quase a fez confessar sua culpa, simplesmente para ver como ele reagiria. Bethany sentiu vontade de continuar acreditando em seus velhos sonhos... Mas sabia que, fazendo isso, lhe ofereceria munição. — Deve haver outra saída — disse ela, passados alguns instantes, lutando para manter sua voz sobre controle. Leo simplesmente fez que não com a cabeça, com uma expressão impávida que escondia toda a arrogância e raiva que carregava consigo. Bethany, por sua vez, podia sentir tudo isso. Era muita emoção, muita história. — Pois saiba que não aceito isso — disse Bethany, franzindo a testa. — Acho que você não aceita muita coisa – respondeu ele. — Mas isso não faz nenhum desses fatos menos real. Ele a desejava. Sempre a desejou. Já nem se perguntava por quê. Ele não se importava com suas mentiras, com seus insultos... Talvez por ter estado tanto tempo longe dela. Tudo o que queria era estar dentro dela, com as pernas de Bethany envolvendo sua cintura, onde tudo o que importasse fosse a aquela conexão quente e real. Onde não importasse o que ela acreditava nem o que ele sentia. Ela afastou os cabelos da frente do rosto, parecendo repentinamente cansada, muito cansada, até dizer, naquele mesmo tom calmo que Leo começava a detestar: — Eu queria lhe perguntar o que você quis dizer com isso, Leo, e tenho certeza que você adoraria me explicar, mas a verdade é que estou cansada de seus joguinhos. E não vou voltar para a Itália. Nunca. 17
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Ele pensou na vulnerabilidade que sentira em Bethany. Notou isso pela forma como ela o olhou. Sexo e temperamento forte... Mas isso era outro assunto. Um jogo, ele pensou. Aquilo tudo não passava de mais um jogo. — Você é capaz de discursos grandiosos, luce mio — disse ele, em tom suave, sem nunca afastar os olhos dela. — Como consegue manter tudo sempre sob’ controle? Hoje diz que não vai para a Itália, e há três anos decidiu que não queria continuar a meu lado. Tantas ameaças, Bethany, mas tudo sempre termina em nada. — Não são ameaças — respondeu ela, com a boca trêmula, os olhos profundos. — É a mais pura verdade. Sinto muito se não está acostumado a ouvir essas coisas. Mas, se você mesmo se cercou de bajuladores, a culpa deve ser sua... Leo se aproximou dela, com os olhos colados aos dela. — Pelo que me lembro, foram várias as ameaças... Aliás, você disse que nunca voltaria a falar comigo ao ir embora da Itália. Disse que não permaneceria nesta casa quando a deixei aqui. Bethany ficou olhando para ele, com seus olhos azuis arregalados, furiosos e ainda mais, mais profundos. Porém, sua mera presença ali, naquela casa que ela jurou abandonar, era a única resposta necessária. — E não vamos nos esquecer da minha ameaça preferida, certo? — disse ele, aproximando-se dela, embora sem tocar seu corpo, como adoraria fazer. Ele estava tão perto que ela teve de erguer a cabeça para encará-lo. Os lábios de Bethany se abriram lentamente, seus olhos se arregalaram, suas bochechas ficaram vermelhas. — Isso deveria me deixar assustada? — perguntou ela, num mero murmúrio. — Eu deveria sair correndo daqui, morta de medo? — Você me prometeu que nunca mais se aproximaria de mim, que tinha nojo de mim — disse ele, olhando-a nos olhos, lendo uma emoção atrás da outra, e nenhuma delas era de repulsa. — É por isso que está tremendo, Bethany? Está tremendo de nojo? — Isso não tem nada a ver com nojo — respondeu ela, limpando a garganta. — É simplesmente tédio frente a esta situação. — Você é uma mentirosa, sempre foi e continua sendo — disse ele, intrigado com as sombras nos olhos azuis de Bethany. E não ficou surpreso quando ela se afastou, impondo maior distância a seus corpos, como se assim conseguisse amainar o calor gerado por eles, o que seria impossível. — Isso é quase engraçado, Leo — respondeu ela, em tom suave, com seus olhos profundos. — Especialmente vindo de você. — Me diga uma coisa, Bethany: como foi que eu a enganei? Quais foram meus pecados? — Não vou discutir isso com você, já disse que não, — respondeu ela, endireitando os ombros. — Seria uma discussão inútil. — Certo — disse ele, notando o tom ríspido em sua voz, incapaz de controlá-la. — Então vamos conversar sobre seus pecados. Poderíamos começar com seu amante. As palavras de Leo pareciam pairar no ar. Ela queria gritar, partir para cima dele. Queria se atirar no chão, morta de angústia. Mas não conseguia se mover. Estava paralisada por culpa do calor nos olhos profundos de Leo e da própria e eterna infantilidade. Por que contara a ele aquela mentira absurda? Por que colocara a si mesma naquela posição, moralmente baixa? — Você não quer conversar sobre meu amante — disse ela, odiando a si mesma, ouvindo a própria voz como se fosse a voz de uma estranha. — Vocês não têm nada a ver, não podem ser comparados, sob nenhum aspecto. — Você deveria avisar a ele que não poderá continuar cometendo adultério enquanto estiver casada comigo — murmurou ele, fazendo surgir um arrepio que percorreu toda a espinha de Bethany, deixando-a frágil e trêmula. — Que homem toleraria esse tipo de coisa, quando tudo o que você precisa fazer é pegar um avião para a Itália e resolver um pequeno detalhe? — Ele é um homem muito tolerante — respondeu Bethany, entre os dentes. E a palavra "adultério" não saía de sua cabeça, quebrando seu coração em pedaços, pedaços que caíam como pedras no centro de seu estômago. — Aliás, vou para a Itália amanhã de manhã — disse Leo, num tom tranquilo e letal. — Poderíamos resolver todas essas coisas desagradáveis bem rapidamente. Isso á deixou paralisada. Por um momento, Bethany ficou simplesmente olhando para ele, como se Leo tivesse dado um passo à frente e arrancado o coração de seu peito. — Se não existe outra saída... — disse ela, lentamente, sabendo que estava à beira de um profundo abismo. E, com um tom de voz estranho, que não tinha nada a ver com o seu, disse: — Acho que vou ter mesmo que ir à Itália. Os olhos de Leo ficaram ainda mais profundos, mais escuros, com aquele fogo masculino. O que acabou despertando coisas que Bethany preferia negar em si mesma.
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Embora odiasse ter passado tanta dor, tristeza e solidão, ainda o desejava. Ainda o queria. E sua presença, seu corpo, seu sorriso, a dureza de suas mãos, o mero fato de tê-lo tão perto... O tempo pareceu parar. Restava apenas àquela força, aquele brilho nos olhos de Leo, como sempre. Um pequeno toque e ela; seria sua. Apenas um toque e Bethany; trairia a si mesma, completamente. Ela sabia que, em parte, adoraria que ele fizesse isso. Queria que ele a atirasse na cama e fizesse tudo àquilo que sempre a tirara do sério, deixando-a completamente entregue. — Meu avião pode esperar — disse ele, em tom suave, e Bethany notou uma pitada de satisfação por trás de suas palavras, como se ele soubesse que tudo terminaria exatamente como planejara, como se ele pudesse ler sua mente. — Não vou viajar com você — respondeu ela, erguendo a cabeça o mais alto que pôde, pois tudo o que queria era escapar daquela situação, escapar dele, do passado que tinham em comum. Ela iria à Itália e lutaria por lá, onde tudo começara a dar errado. – Pode, deixar, eu vou sozinha. E o maldito Leo abriu um sorriso.
CAPÍTULO QUATRO
A pequena e pitoresca vila de Felici, sede ancestral da família Di Marco e o último lugar na face da Terra para onde Bethany pretendia voltar, brilhava sob o sol da tarde, com seus telhados vermelhos e suas paredes brancas. A igreja local erguia seu orgulhoso e branco campanário ao ar, com sinos tocando a cada hora. Os vinhedos cuidadosamente cultivados se espalhavam pelo perfeito Vale Felici, chegando aos pés dos Alpes, que se erguiam à distância. No ponto mais alto do vilarejo estava o Castello di Felici, anunciando o poder e a mitologia da família Di Marco a todos os que se aproximavam. No entanto, tudo o que Bethany conseguia ver eram fantasmas. Ela seguiu com o carro alugado pela estrada principal que subia até o vilarejo, um local conhecido por suas estreitas ruas medievais e linda arquitetura. Chegou ao pequeno estacionamento ao lado de uma pensione, mas não foi capaz de respirar fundo nem de amainar o nó no estômago. Ela se sentia assim desde o momento em que embarcou no avião que saiu de Toronto, duas noites antes. Mal conseguiu dormir durante o voo noturno. Quando finalmente tirou um cochilo, foi invadida por sonhos de perda e medo, tendo sempre o rosto agridoce de Leo à sua frente. — Meus homens vão te pegar no aeroporto — dissera ele antes de sair da sua casa em Toronto, de uma forma que não indicava qualquer abertura á discussões. Aquilo parecia um flashback a sua antiga vida de casada, e não era nada agradável. Bethany não conseguia focar-se no que tinha de fazer, não acreditava que estava seguindo os passos ditados por Leo. Sentia-se mal só de pensar no que estava por vir: sairia do avião, seria depositada num dos inúmeros carros pretos que Leo sempre tinha à disposição e finalmente levada a seu castelo, como se fosse uma propriedade sua. Só de pensar, o corpo de Bethany tremeu dos pés à cabeça. Exatamente por isso escolheu voar para Roma, e não para Milão, que estava muito mais perto. Tentou combater o cansaço da longa viagem pelo centro da Itália chegando aos arredores de Milão à tarde e caindo na cama de um hotel barato, onde finalmente dormiu. 19
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Já era quase meio-dia quando saiu da cama, com o coração acelerado, indicando que sonhara a noite inteira, embora não se lembrasse de nada. Mas se lembrava de outras coisas, embora tentasse desesperadamente manter tais memórias longe de sua mente... — Ah, luce mio, como eu amo — murmurou ele ao se aproximar de Bethany, na varanda que se abria ao Vale Felici, sob o pôr do sol de sua primeira noite na Itália. — Por que você diz que sou a sua luz? — perguntou ela, embora na verdade estivesse intrigada pelo fato de alguém como ele ser capaz de amar uma pessoa como ela. — Seus olhos... — murmurou ele, beijando as pálpebras fechadas de Bethany. — Eles são tão azuis quanto um céu de verão. Com olhos tão lindos, você não poderia ser outra coisa além da luz... Ela tomou um forte café expresso perto do hotel, numa tentativa de livrar-se de todos aqueles sonhos e lembranças. Não tinha nenhuma vontade de seguir em frente na última etapa daquela viagem. Não queria seguir para o interior, para o passado, para tudo aquilo que tanto desejava... Parecia impossível que aquilo estivesse realmente acontecendo. Ela se lembrou de tudo o que pensara ao deixar a Itália, três anos antes. Era como se na verdade nunca tivesse ido embora, mas apenas imaginado a fuga. Naqueles anos como principessa ela várias vezes acordou em pânico, com o rosto banhado em lágrimas e o quarto parecendo ecoar os gritos que soltava adormecida. Ela desceu do carro e não resistiu... Respirou fundo. O ar era límpido, doce. Era como se pudesse sentir o cheiro do sol italiano que se erguia acima dela. Podia ver os Alpes a distância, os vinhedos e as oliveiras. Podia farejar os pratos locais sendo preparados no ar da manhã: a deliciosa polenta e o cremoso risoto, o maravilhoso azeite de oliva espalhando-se pelo ar... Eram tantas lembranças que chegava a doer. Ela não conseguiu evitar uma olhadela em direção ao castelo. Ele continuava por lá, com seus muros altos que pareciam fazer parte da própria colina, feudal e impassível, observando a cidade como um dragão que guarda seus tesouros. Era muito fácil imaginar gerações de Di Marco lutando pela sua riqueza e influência no interior daquelas torres altas. Ela quase podia ver Leo, um verdadeiro senhor feudal com o mundo aos seus pés. Bethany preferia odiar aquele lugar, pois de certa forma culpava aquelas pedras pelo fracasso do seu casamento. Era um sentimento visceral, irracional, mas a menina que entrara naquele castelo nunca mais voltara a ser a mesma. Ela queria odiar aqueles muros grossos, de pedra. Queria odiar aquela ponte levadiça que abria caminho em direção ao que antes fora um monastério. Queria odiar aquele brasão dos Di Marco, forjado no século XV. — É tudo tão lindo — disse ela, sem ar, ao passar sob os arcos de pedra no final da ponte. Ele a tomara nos braços, girando-a em círculos, enquanto os dois sorriam, tomados de alegria, e entravam no hall principal. — Não tão lindo quanto você — respondeu ele, com olhar sério, embora sua boca se curvasse num sorriso. — Não tão lindo quanto você, amore mio.
Bethany tentava livrar-se dessas lembranças, estava chateada com a própria melancolia, e pegou sua mala no banco do carona, seguindo em direção à pensione. Escolhera aquele lugar por ser novo. Assim, as chances de que alguém a conhecesse era menores. Estava confiante de que poderia evitar Leo tão facilmente... — Isso não deverá ocupar mais do que duas semanas de sua vida — estimara Leo, dando de ombros. Duas semanas, talvez um pouco mais. Se ela sobrevivera durante três anos, poderia aguentar. Mas não conseguia evitar ser assolada por seus pensamentos, por coisas que a arrastavam à caverna da solidão e da dor que não queria reviver Deu mais uma olhada em direção ao castelo a abriu á porta da pensione.
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— Sinto muito — disse o homem atrás do balcão, com seu pesado sotaque ao falar inglês -, mas seu quarto... Ainda não está pronto. No entanto, Bethany sabia qual era a verdade. Podia ver estampado nos olhos daquele homem, no sorriso de boas-vindas em seus lábios... Ele inventara tudo aquilo ao perceber quem ela era. Nem adiantou que tivesse dito seu nome de solteira, como fazia em Toronto. Ela apertou a mão na alça da maleta, tanto que os nós de seus dedos ficaram brancos, mas conseguiu abrir um sorriso educado. — Que pena — murmurou ela, tentando vencer o nó na garganta. — Eu estava quase certa que a hora do check-in era três da tarde, e já passa das cinco. — Caso não se importe em esperar. — disse o homem, fazendo um gesto em direção a uma pequena saleta, no outro lado da recepção. Sem saber o que fazer, Bethany virou as costas, com os olhos tomados pelo ódio. Atravessou o saguão e se sentou no sofá, sentindo-se o ser mais frágil do mundo. Mas a sensação ficou ainda pior, pois aquele homem pegara um telefone e começara a murmurar alguma coisa rapidamente em italiano. Menos de dez minutos mais tarde, a porta da pensione era aberta por dois homens vestidos de negro. Bethany não os reconheceu, mas não tinha dúvida sobre quem seriam. Eles caminharam em sua direção, parando muito perto dela, que ficou olhando para frente, tentando manter a calma, ser adulta, racional. Lutava para manter a compostura, embora o estômago se revirasse e o coração batesse com força contra as costelas. — Principessa, per favore... — disse o mais alto deles, em tom de grande respeito, o que a deixou ainda mais furiosa. Mas o que ela poderia fazer? Aquele era o vilarejo de Leo, o lugar onde ele era um príncipe. E a verdade é que fora tola ao pensar que seria capaz de voltar ali sem ser controlada. Antes, Bethany imaginava que aquela era a única forma que ele conhecia de agir, e que não era culpa sua se fora criado de forma ditatorial. Porém, ela finalmente conhecera a verdade. Leo di Marco era daquela forma, gostava de ser assim, e a vontade de Bethany nunca importou, e nunca importaria. Então, ela se levantou com o máximo de dignidade e graça que pôde, deixando que os homens de Leo a guiassem em direção ao elegante carro preto parado lá fora, sentandose obediente no banco traseiro. E ficou sentada por lá, furiosa, sem saber o que fazer e com o coração partido enquanto seguiam em direção ao castelo. Era tudo como ela se lembrava, exatamente como sonhara tantas vezes. O grande castelo em silêncio a seu redor, a construção era aberta ao público apenas em algumas datas do ano e parecia vazio, embora ela soubesse que um batalhão de serviçais estaria por ali, talvez a observando, mas sem serem vistos. Para Bethany, era como se estivesse sendo arrastada numa viagem por um túnel do tempo, em direção á quatro anos antes, àquela vida tão triste e solitária. E o pior é imaginar que chegara a pensar que se recuperaria da perda do pai ao lado de Leo, que com ele formaria uma família... No entanto, aconteceu exatamente o contrário... 21
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As pedras do castelo pareciam ecoar tudo aquilo, todas aquelas lembranças de uma vida tão isolada, tão assustadora, tão abandonada. Ela mal notara a impressionante entrada do castelo, os tapetes dependurados nas paredes, as inúmeras obras de arte e antiguidades, tudo reluzindo o pedigree e a riqueza dos Di Marco. Seus acompanhantes silenciosos a levaram à ala familiar, depois desceram um longo corredor em direção aos seus antigos aposentos. E tudo o que ela conseguia enxergar era seu passado. Finalmente, sua mala estava no interior de seu quarto, com a porta sendo fechada num surdo clique. E ela deu um passo em direção ao centro do aposento que um dia fora seu... E a sensação foi a de nunca ter realmente saído dali. Bethany deixou a cabeça cair para frente, fechando os olhos com força, de pé no centro daquele quarto. Era a suíte histórica da principessa, que ao longo das gerações passara de esposa a esposa. Repleta de móveis caríssimos, antigos, ornamentados. A cama com acabamento em ouro, as cortinas vermelhas, opulentas. Tudo feito com a madeira mais cara, muito bem polida, brilhante. Nunca havia um grão de poeira por ali, nada nunca permanecia fora do lugar... Exceto ela, pensou Bethany, triste. Ela nem precisou olhar para o quarto para saber que tudo estava exatamente igual á última vez que estivera por ali. Não precisou aproximar-se das altas janelas para saber o que veria através delas: os perfeitos jardins, os telhados do vilarejo e os lindos campos italianos no horizonte. Tudo era lindíssimo, e também capaz de deixá-la muito mais ferida. Ela nem olhou para trás ao ouvir que a porta se abria, pois sabia exatamente quem estava chegando. Mas não conseguiu resistir e seus olhos foram atraídos para ele, como se fosse uma chama. Só rezou para que tal chama não lhe ferisse... Mas ela foi ferida. Leo estava de pé na porta, com seu corpo longilíneo metido numa calça escura e num suéter de caxemira preto que enfatizavam; os seus músculos. Encarando seus olhos profundos, ela teve de lutar contra a vontade louca de coçar a nuca, cujos pelos se eriçavam. Ele parecia muito poderoso, uma espécie de antigo deus romano que em outros tempos dominava aquelas terras, cruel e caprichoso. E ela sabia que Leo apreciava uma boa vingança. Ele não sorriu, não moveu os lábios. Nem precisava. Sua presença já era forte o suficiente. E ela sentia como se tivesse perdido tudo. Mais uma vez. — Ah, principessa — disse Leo, cheio de ironia voz. — Seja bem-vinda á casa. Ele passou um tempo admirando-a, vendo-a finalmente de volta ao local de onde nunca deveria ter saído. Olhando para ela, Leo quase se esquecia daqueles três anos de sofrimento e raiva profunda. Ela cruzou os braços contra no corpo, como se estar de pé naquele quarto doesse. Naquele mesmo quarto onde um dia morou... E onde voltaria a morar. Pois ele não permitiria outra coisa. Ela parecia cansada, pensou Leo, observando-a criticamente. Estava estranhamente pálida, embora mantivesse a cabeça erguida, da mesma forma que em Toronto. Porém, ele não queria seu orgulho, queria sua paixão. E, mais tarde, sua aceitação.
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Pois não parecia haver outra forma de se aproximar de Bethany. E Leo já estava cansado de fingir que não a desejava. Ela usava uma camiseta branca apertada que salientava os fartos seios, e por cima um suéter azul que chegava às coxas. De um azul que deixava seus olhos ainda mais brilhantes. Nas pernas, o mesmo jeans velho de sempre. Uma prova de rebeldia, ele pensou, mas sua vitória ao conseguir levá-la ao palácio era maior do que sua desaprovação sobre a escolha do vestuário. Ele queria tocá-la, saboreá-la. Traçar os contornos de seu lindo pescoço, roçar os dedos em seus cachos morenos. Dar-lhe as boas-vindas de volta a casa, suas responsabilidades, a ele, e queria fazer isso da forma que fosse mais prazerosa para os dois. Se ao menos soubesse como despertar aquele fogo novamente... O enorme quarto pareceu pequeno de repente. Ele sorriu.
Bethany afastou os olhos e engoliu em seco. Leo passeou os olhos pela garganta de Bethany e notou que ela começava a ficar vermelha. — Não entendi por que fui levada embora da pensão que escolhi — disse ela, passados alguns instantes. — Quer dizer que você vai começar na ofensiva? — perguntou ele, num murmúrio. — Não está cansada disso? Acho que temos muito que conversar sem esse tom desnecessário. Ela ergueu as sobrancelhas, assustada. — Não há motivo para que eu fique aqui. E não acho que seja um tom exagerado — disse ela, e sua voz era um pouco histriônica, sim. — Por quê? — perguntou ele, frio. — Deixando de lado as suas representações dramáticas dizendo que nunca voltaria para cá, qual seria o problema em permanecer no castelo? Bethany o encarou com uma expressão curiosa que ele nunca vira antes... E tal expressão sugeria que Leo não seria um homem muito inteligente. E isso o fez sentir-se... Inquieto. Uma pequena lembrança daquela mesma velha raiva e frustração tomaram conta de sua garganta, misturada à sensação de vê-la tão calma, tão tranquila ao encará-lo. Como se ele fosse a pessoa descontrolada por ali. — Eu simplesmente não quero ficar aqui — respondeu ela, sem pensar, encarando-o. — Não preciso de outro motivo. Leo se afastou da porta e ela deu um passo atrás, talvez pensando que a fosse agarrar. O que, na verdade, Leo adoraria fazer. Mas ele sabia que, embora prazeroso, isso apenas adiaria o inevitável. O sexo nunca fora um problema, mas sim uma arma, um esconderijo, um passeio em águas turvas. E Leo a queria de volta ao local onde ela deveria estar, e dessa vez a tomaria por completo. — Quero deixar uma coisa bem clara — disse ele, em tom autoritário: — Você não vai ficar no vilarejo. E o fato de ter tentado fazer isso, após a mudança infantil de seu voo e após ter viajado sem a aliança com meu nome gravado no dedo, só demonstra seu egoísmo. Ele notou que a pele de Bethany ficava cada vez mais rosada e a expressão mais dura. — Como você é autoritário, Leo — respondeu ela, friamente. — Autoritário e desdenhoso. Leo deu de ombros, dizendo: — Você está me chamando de tudo isso pela dificuldade em aceitar que voltou para cá, já que não culparia a si mesma. 23
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Seja lá como fosse, Bethany voltaria a ser sua esposa e ele jurou para si mesmo. Seria a principessa que ele sempre idealizou. Leo não permitiria outra coisa. Não dessa vez. Os olhos azuis de Bethany se transformaram em afiadas safiras. — Não tenho nenhuma dificuldade em aceitar que estou aqui — disse ela. — Porém, sou incapaz de entender o fato de que você se sinta confortável me tratando como se eu fosse uma criança. — Sei muito bem que você não é uma criança — disse ele, encarando-a. — O que sempre causou essa confusão foi seu comportamento. Ela franziu a testa, e Leo notava seu nervosismo, mas não conseguia imaginar o que a deixava daquela maneira. Seria a verdade? Ele ficou surpreso ao ver que Bethany ainda não atirara qualquer objeto em sua direção nem se lançara com unhas e dentes, como teria feito no passado. Leo, fascinado, ficou observando enquanto ela lutava para manter o controle. Aquela não era a Bethany que ele conhecia. Sua Bethany era uma criatura tomada pela paixão e pelo arrependimento, pela raiva e pelas lágrimas. Uma pessoa que atirava vasos contra a parede, gritava... Que não era capaz de manter-se calma. Nos olhos de Bethany ele podia ver estampadas a paixão e a raiva, a fúria e o calor, mas ela não deu um passo em sua direção. Não gritou como uma louca. Apenas o encarou. Ele não sabia se admirava ou sentia pena daquela nova reação. — Não vou permitir que fale comigo como se eu fosse uma adolescente perturbada ou um membro do mais baixo escalão de sua equipe, Leo — ela retrucou, decidida. — Entendo que você viva num mundo onde qualquer desejo é uma ordem, mas não sou propriedade sua. Sou uma mulher madura. E vou seguir minha cabeça. Leo deixou escapar uma risada. — Fico feliz em escutar tudo isso. Quer dizer que meus vasos antigos estão a salvo de seus ataques de fúria? Vou avisar aos empregados. Ela ficou com a expressão mais dura, mas não gritou. Mesmo sem querer, Leo ficou ainda mais fascinado. — Caso me trate como uma criança eu o tratarei exatamente da mesma forma — disse ela, em tom preciso, decidido. — E duvido que seu espírito exaltado consiga aguentar... Ela era uma mulher adulta? Vencera sua infantilidade? Ele estava intrigado... Muito contente, na verdade. Aliás, não foi exatamente por isso que permitiu que ela fosse para o Canadá? Para que amadurecesse? Bethany era muito infantil quando se conheceram... Caso não gostasse de seu amadurecimento, Leo teria de culpar a si mesmo. — Você continua sendo minha esposa — disse ele, após uma pausa. — E, enquanto isso for verdade, não poderá ficar no vilarejo, pois causaria muita fofoca. — Obrigada por conversar comigo como se eu fosse uma adulta, pelo menos uma vez — disse ela, com o queixo erguido e os olhos brilhantes, numa combinação perfeita de desafio e certa resignação. — Aliás, por que isso é tão complicado para você?
CAPÍTULO CINCO
— Espero que tenha sido uma fala meramente retórica -disse ele. Mas o olhar de Leo era afiado, e Bethany sabia que já não seria capaz de manter qualquer pretensão de, calma caso o continuasse encarando. Começou a caminhar pelo quarto, embora mais agitada do que gostaria de admitir. Deixou seu olhar vagar pela pintura que dominava uma das paredes, uma interpretação opulenta da vista que se tinha das janelas do quarto, pintada por ninguém menos que Ticiano. Os vidros de Murano vermelho e azuis da cômoda atraíam as luzes do candelabro veneziano que pendia do teto. Bethany sabia que um dos ocupantes mais famosos daquele quarto fora a filha de uma nobre família veneziana, e que desde então a decoração era uma homenagem a ela.
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Que legado Bethany poderia ter deixado, caso tivesse permanecido ali? Teria deixado alguma marca ou seria engolida pelo castelo, pela família, pela história? Chateada com o próprio sentimentalismo, tentou afastar esses pensamentos da cabeça. Fingia não notar Leo, ainda parado perto da porta que conectava o quarto deles dois. Fingia não sentir o peso de seu olhar e das lembranças que não paravam de bombardear sua mente. Porém, mesmo sem querer, a verdade é que estava atenta a todos os movimentos que ele fazia. — O jantar será servido ás oito — disse-o, no exato momento em que o silêncio começava a ficar pesado demais. — E, sim, ainda mantemos a tradição de nos vestirmos para jantar. Ela lhe deu as costas, esperando que o fato de estar usando jeans o aborrecesse tanto quanto o aborreciam três anos antes, quando Leo pedira à secretária que ajudasse Bethany a superar sua falta de gosto em vestir-se. E o pior é que usara a mesma calça jeans pelo vilarejo, e alguém poderia ter visto... Que horror! — Como você não é uma estudante, mas a Principessa di Felici, seria melhor que usasse roupas de acordo com sua posição — disse ele, em tom seco. E ela se lembrou que momentos antes lhe dissera ser uma nova mulher, amadurecida. E sorriu, da forma mais educada que pôde, fazendo um sinal em direção a sua maleta, que estava próximo à porta, dizendo: — Como você pode ver, eu trouxe pouca coisa — disse ela. — Duvido que tenha algo apropriado. Mas, se preferir, pode trazer meu jantar numa bandeja. — Não será necessário — respondeu ele, com um sorriso nos lábios sensuais. E deu um passo à frente, parando na porta do closet, abrindo-a e dizendo: — O seu guardaroupa continua intacto. Bethany ficou de boca aberta, piscou os olhos e disse: — Você não está dizendo que... Eu fui embora há três anos! Leo sorriu com ainda mais vontade, dizendo: — As oito. Ela não sabia por que se sentia tão... Desarmada. Não saberia dizer se ele mantivera suas coisas pela necessidade de cultivar algum tipo de ligação emocional... Mas isso seria impossível! Leo não cultivava laços emocionais, nem com ela nem com ninguém. O mais provável é que tenha se esquecido da existência daquele quarto no exato momento em que Bethany foi embora. Ainda assim, ela sentiu um vazio no estômago e uma dor no peito. Leo estava muito perto, e com um único passo... O ar entre eles dois parecia mais denso, o olhar de Leo mais profundo, mais intenso, seu sorriso mais aberto. E tudo isso á deixou ainda mais nervosa. — Não, — disse ela, mas sua voz não passava de um sussurro. — O quê? — perguntou ele. — Eu não ofereci nada. Sim, era o que ela queria dizer, e já podia sentir o peso das mãos de Leo sobre seu corpo, sua maravilhosa boca sobre... Sabia exatamente qual seria a sensação de tudo isso. Mas também sabia que, caso permitisse seu toque, seria traída por si mesma.
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— Estou aqui por uma única razão, Leo — disse ela, querendo se afastar, mas sabendo que, caso fizesse isso, pareceria fraca. — Não estou aqui para usar vestidos caros e comer coisas que não quero, muito menos para ficar fazendo joguinhos no quarto com você. — Joguinhos no quarto? — perguntou ele, em tom doce e profundo. — Que tipo de joguinhos? — Quero o divórcio! — ela gritou, desesperada. Muito chateada ao notar que, com apenas um olhar de Leo, ela tremia. E seu corpo desejava tudo o que ele podia oferecer. Sempre desejara... — Tudo o que quero é o divórcio. É a única coisa que tenho em mente. — Acho que você já disse isso — ele replicou, no mesmo tom baixo e quente que parecia atingir diretamente os nervos de Bethany. — Várias vezes. Não havia conto de fadas, ela pensou. Ele não era um ser mágico. A verdade é que ela estava ali, naquele quarto, naquele castelo, na Itália. Não era a voz dele. Não era ele. Era apenas o passado pregando suas peças, como sempre. Caso girasse a cabeça com força tinha medo de ver seu próprio fantasma junto ao dele... Sobre o colchão, no chão, apoiados na parede... Eram insaciáveis. Enquanto o casamento se deteriorava, o sexo se manteve como a única forma de comunicação entre eles dois. Mas aquilo tudo era um bando de fantasmas, e ela sabia exatamente o que significava a luz que via nos olhos de Leo. — Sinto muito se o deixo chateado — disse ela. — Uma solução para o problema seria que eu ficasse aqui neste quarto até a hora de partir para o tribunal. Você nem precisaria me ver até lá. Ela soava desesperada até para os próprios ouvidos. Leo sorriu, sabendo que aquele sorriso á deixaria ainda mais; nervosa. Atirar-se aos braços dele seria uma solução fácil. Ele lhe afagaria e ela perderia todo o controle sobre si; mesma. Por um lado, era isso o que ela queria, o que ela precisava, mais do que qualquer outra coisa... Mais até do que a liberdade. E saber disso á assustava. — Eu nunca faria isso — respondeu ele. — E você sabe muito bem... — Não quero que você me toque! — ela gritou, morta de medo e com o coração despedaçado. E gritou, pois sabia que não confiaria em si mesma, pois ainda o desejava, e muito. Ela mordeu os lábios, mas, de alguma forma, conseguiu se acalmar novamente. — O quê? — perguntou ele, do alto de toda sua nobreza secular. — Você me ouviu muito bem — respondeu ela, dando uma olhada em volta, respirando fundo e voltando a encará-lo. — A química que existe entre nós é muito perigosa. Só levaria à confusão. — Eu não estou confuso — disse ele. — E não quero que fique — respondeu ela, mentindo. E não sorriu, permaneceu encarando-o. — Não nesse sentido. Não mesmo. — Ela esperava aquela reação. Aquela descrença. Mas não estava preparada para o poder devastador daquele sorriso. Leo cruzou os braços sobre o peito musculoso e olhou para ela, o que foi pior do que qualquer expressão sardônica. Ela quase gritou. — Você é uma mentirosa — disse ele, em tom calmo, frio. Aturdida, ela começou a falar, mas ele a cortou, dizendo: — Você me quer, Bethany. Sempre me quis e sempre vai me querer, não importa o que diga a si mesma. — Sua presunção é inacreditável — ela revidou, com o coração batendo forte no peito e as pernas trêmulas. — Sim, minha presunção é tão inacreditável quando o desejo que sinto por você — respondeu ele, dando de ombros, como se aquilo não tivesse qualquer importância. — Talvez seja algo inconveniente... Mas muito perigoso, sem dúvida. — Leo... Eu estou lhe dizendo.... — começou ela, sentindo-se perdida. — Você não tem motivos para se preocupar — interrompeu-o, com palavras casuais, quase improvisadas, embora seu olhar a queimasse. — Não pretendo arrastá-la para minha cama. Na verdade, não pretendo tocá-la enquanto estiver aqui. Ela ficou encarando-o, absorvendo aquelas palavras, dizendo a si mesma que era exatamente o que queria ouvir, que tudo ficaria mais fácil. Porém, não poderia ignorar o vazio que imediatamente tomou conta de seu corpo e quase a desestruturou. — Fico feliz em ouvir tudo isso — disse ela, ao mesmo tempo em que ele a encarava, como se fosse capaz de, roubar seus segredos. Mais uma vez, o sorriso de Leo a deixou no limite, quase sem fôlego.
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— Vou deixar isso em suas mãos — disse ele, com aquele tom que parecia querer jorrar uísque e chocolate para dentro dela. — Em minhas mãos? — perguntou ela, com dificuldade. — Se você me quiser, Bethany, terá que vir até mim — respondeu ele, com um olhar ainda mais profundo, brilhante. E baixou o tom ao dizer: — Você terá que me tocar, e não o contrário. — Ótimo. Isso vai funcionar perfeitamente — disse ela, com a voz trêmula e o peito pesado -, pois não tenho nenhuma intenção... — Você não tem a intenção, mas a verdade é que... — disse ele, com o olhar repentinamente mais afiado, surpreendendo-a — você não é capaz de manter suas mãos longe de mim. Não mesmo! Mas prefere fingir que a paixão que existe entre nós dois é algo que pode controlar, certo? Para você, seria melhor se eu te amarasse a minha cama. Dessa forma você se sentiria uma espécie de mártir. Bethany ficou de boca aberta. Havia um calor no fundo de seus olhos e suas pernas tremiam. Ela tentava processar tudo o que ouvira. — Não sou nenhuma mártir. — Foi tudo o que ela conseguiu dizer, e imediatamente sentiu vontade de engolir as próprias palavras. Não se sentia uma mártir, sentia-se deslocada e perdida, como sempre acontecia quando estava por ali. — Não é mesmo — respondeu ele, em tom suave, embora o brilho em seus olhos ficasse mais afiado, parecendo a ponto de tomar conta do quarto, do coração acelerado de Bethany. — Na verdade, você é uma mentirosa. E, se quiser, caberá a você mesma provar o contrário. Ele a enxergava como uma mentirosa. Já dissera a mesma coisa antes. E estava sendo sincero. Mas isso era tão estranho que Bethany sentiu vontade de rir. Porém, estava com um nó na garganta. Não seria capaz de responder à altura. Mas tudo bem. Ser chamada de mentirosa não tinha tanta importância ao lado de tudo o que estava acontecendo. — Ás oito — disse-o, com certa determinação e evidente satisfação. — Não me obrigue a vir chamá-la. E saiu do quarto, deixando-a de pé por ali, em choque, tremendo e perdida, completamente perdida... Distante de tudo o que planejara. Bethany pensava em todos os detalhes que se esquecera sobre aquele lugar ao atravessar os longos e silenciosos corredores do castelo em direção à sala de jantar, pouco antes das oito. Não imaginava que seria invadida por tantas lembranças ao entrar em seu antigo closet em busca de algo simples para vestir No entanto, tudo o que havia por ali, cada bolsa, cada vestido, estava tomado por histórias já meio esquecidas... E tudo retornava sem aviso prévio, deixando-a louca; diante do passado. Porém, deveria se manter firme caso quisesse driblar tudo aquilo. Lembrou-se de uma noite na ópera de Milão, onde vozes gloriosas pareciam pálidas frente ao poderoso olhar de Leo. Lembrou-se também de um fim de semana na casa de um amigo nos arredores de Roma, uma casa tomada pelo sol e por risadas... Ao mesmo tempo em que Bethany era tomada pela sensação de que perdia seu marido. Lembrou-se também de uma rara explosão do temperamento sempre contido de Leo, numa viela de Verona, enquanto seguiam para um jantar de negócios. Logo depois se lembrou de um momento apaixonado numa serena ponte de Veneza. Tantas imagens e lembranças... Todas destruindo suas defesas, tomando-a de assalto, fazendo com que se sentisse fraca, pequena, vulnerável... Como não se sentia há anos. Passava as mãos nas cadeiras ao caminhar, arrumando o vestido de seda que caía até os pés, tentando acalmar-se. O vestido reto de gola extravagante foi o mais simples que encontrou.
No entanto, o que a afligia não eram apenas as memórias despertadas por aquelas roupas esquecidas... Era mais do que isso. Em sua confusa interação com Leo, ela notou que se esquecera da mulher que fora... Da mulher a que Leo se referia... Daquela que agia intempestivamente, quebrando mais de uma vez, raras peças de porcelana chinesa. Ela já não era aquela mulher. Não mesmo. E sentiu um nó no estômago ao pensar nisso, ao pensar em como ele a enxergava, ao pensar na temporada que passou isolada do mundo, na perda de tudo o que um dia amara. Bethany descia a grande escadaria de pedra que dominava o vestíbulo do castelo pensando que a grande transformação de sua vida acontecera na noite anterior, naquela terrível noite. Era como se algo tivesse se partido no interior de seu corpo e ela tivesse sido obrigada a encarar as profundezas do próprio temperamento, das próprias paixões. Mas 27
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será que realmente perdera aquela porção descontrolada, selvagem e violenta para sempre? Será? Ou talvez Leo tenha sido o responsável por arrancar tudo à força. Talvez, longe dele, Bethany não passasse de uma mulher inofensiva, tranquila. — Estou chocado — disse ele, como se tivesse sido atraído pelos pensamentos de Bethany, que girou rapidamente a cabeça e o viu de pé, no sopé da grande escadaria, com os olhos castanhos observando sua aproximação. — Imaginei que você me obrigaria a te trazer à mesa — disse ele, e Bethany sabia que, em parte, Leo adoraria fazer isso. E ela também... — Como já tentei explicar — disse ela, forçando um sorriso — você não me conhece mais. — Tenho certeza disso — respondeu ele. Mas algo no tom de sua voz a fez pensar no que Leo realmente estaria querendo dizer Era injusto que ele fosse quem era, pensou Bethany, um tanto desesperada ao se aproximar de Leo. As paredes estavam cobertas de tapetes pesados e de magníficos retratos de membros da família Di Marco. A cada passo que dava, ela podia observar a herança que resultara naquelas lindas e perfeitas feições do rosto de Leo. Seu olhar penetrante, seu porte, seus cabelos fartos e brilhantes, sua beleza masculina: tudo; fruto de um legado, assim como aquele castelo. Ele não era apenas o produto de uma linhagem aristocrática e elegante, era a sua obra-prima. Naquela noite, Leo vestia um terno escuro que, sem dúvida, fora cortado num dos ateliers mais famosos de Milão, pois o tecido se adaptava perfeitamente a todos os seus movimentos. Ele era um sonho em carne e osso, um verdadeiro príncipe, incrivelmente atraente. E tudo isso estava impregnado em seu DNA. Como poderia explicar a um homem como ele o que era sentir-se isolada? Ele nunca estava sozinho. E ainda por cima tinha os olhos de toda a sua família permanentemente presente, dependurada nas paredes. Estava sempre cercado por pessoas, de uma maneira ou outra. Quando pequena, Bethany tinha apenas seu pai por perto. E depois teve Leo. Nada mais. No entanto, logo o perdeu. E isso á deixou desolada, desnorteada. Algo que ele nunca entenderia. Porém, ela não permitiria que a mesma coisa voltasse a acontecer. Caso contrário, talvez não aguentasse... — Por que está franzindo a testa? — perguntou ele, em tom calmo, observando-a de forma incisiva, perigosa. — Estou? — perguntou ela, tentando aliviar a tensão no momento em que chegou ao último degrau da escadaria. Seu objetivo era parecer-se a uma mulher a ponto de divorciar-se. — Eu estava pensando em todos esses retratos — disse ela, o que não era mentira. — Aliás, quando será que o seu vai aparecer por aqui? — Quando eu fizer 40 anos — respondeu ele, imediatamente, arqueando as sobrancelhas. — Você tem algum artista em mente? Talvez seu amante seja um pintor... Seria uma honra... Bethany respirou fundo, determinada a não responder, pois era exatamente o que ele queria. Porém, ela não diria nada. Afinal de contas, fora ela a inventora daquela história de 28
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amante. E a verdade é que, no fundo, preferia que Leo fizesse comentários sarcásticos sobre o tema, e não raivosos. Bethany forçou outro sorriso, fingindo não estar nervosa. — Eu fico pensando em como será crescer sob os olhos de tanta gente... Você talvez nunca tenha tido a experiência de imaginar como seria ao crescer, pois já sabia exatamente... Bastava olhar para essas fotos. Ela olhou para a pintura mais próxima, um conhecido retrato de Giotto estampando um dos primeiros príncipes Di Marco, que parecia uma versão menor e mais gordinha do homem a sua frente. — Faço parte da história de minha família — disse ele, com certo orgulho no tom da voz. — Não sou nada sem ela.
Ele falava num tom que parecia convidar a uma discussão. Seria uma resposta ao tom empregado por Bethany? Não, ela fizera uma simples pergunta... Ou seria muito jovem para entender que qualquer história é capaz de moldar quem é afetado por ela? Bethany ficou imaginando se algum dia pensaria no tempo em que viveram juntos sem a pátina da raiva e mágoa. — Morando aqui, qualquer pessoa pensaria assim — disse ela, olhando para Leo e notando uma curiosa expressão, como se ele sentisse a mesma coisa. Mas tal expressão logo desapareceu e ele disse: — Nosso jantar nos espera. Já terminou de examinar meus ancestrais? Ela desceu o último degrau e começaram a caminhar juntos. O castelo parecia imenso, assustador. Candelabros ardiam em vários pontos, havia luzes nos altos tetos, luzes que enfatizavam a beleza e a dramaticidade de todos os cômodos pelos quais passavam. — Vamos jantar sozinhos? — perguntou ela, no mesmo tom tranquilo empregado por Leo. Depois limpou a garganta e tentou conter sua ansiedade, perguntando: — Onde estão seus primos? Leo deu uma olhada na direção de Bethany, depois afastou os olhos e respondeu: — Eles já não chamam este castelo de casa. — Não? — perguntou ela, educadamente, embora não tivesse qualquer elogio a fazer aos primos de Leo, que num primeiro momento pareciam fazer parte da "família", mas que logo se demonstraram uns problemáticos. — Eu imaginava que eles nunca sairiam daqui. Leo olhou para ela, e parecia sério enquanto entravam num corredor dourado e azul real. Chegaram às pequenas antessalas da ala renovada do castelo, que se abriam numa varanda com vista para o vale. — Na verdade, eles não tiveram escolha — disse ele, com um tom rascante na voz, como se finalmente entendesse o que ela tentara lhe dizer na época, como se... Bethany olhou para ele, mas logo desviou o olhar. A linda Giovanna e o desagradável Vincentio odiavam a noiva escolhida por Leo. E deixaram isso bem claro. Sua linhagem nobre seria poluída. O nome da família seria permanentemente contaminado. Mas Leo nunca disse uma palavra contra os primos naquele ano e meio em que Bethany comeu o pão que o diabo amassou. E por que terminou banindo os dois do castelo? Bethany ficou com medo de especular sobre o que significaria tudo aquilo, mesmo com uma fagulha de esperança acesa e ameaçando transformar-se em poderosa chama, pois a verdade é que talvez não sobrevivesse caso nutrisse qualquer esperança em Leo novamente. 29
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Ele não a levou aos aposentos mais formais do castelo, como Bethany imaginou que faria. Claro que ela não pensava que jantariam no salão de honra, que estava preparado para receber uma multidão, mas talvez numa sala de jantar mais íntima. Porém, Leo não parou de caminhar até chegarem ao salão azul, com seus tetos altos e pintados com afrescos e suas lindas janelas. Através das portas que se abriam para fora, Bethany viu uma pequena mesa de ferro montada no pátio de onde era possível enxergar as luzes trêmulas do vilarejo e do vale logo abaixo. A noite italiana era suave. Ela seguiu em direção ao lado de fora, sentindo o cheiro dos ciprestes, azaleias e trepadeiras. Não resistiu e respirou fundo, sentindo a doce fragrância e se lembrando... A mesa estava posta de forma simples, mas elegante, num estilo local. Ela sabia que o vinho viria das propriedades Di Marco, e que seria encorpado, perfeito. E também que as azeitonas teriam sido colhidas nos campos que via das janelas do seu quarto. O pão exalava um cheiro ótimo, recém-saído do forno do próprio castelo. Um simples frango assado fora posto no centro da mesa, perfumado de alho e alecrim, e a seu redor porções de risoto de cogumelos e polenta com vegetais e frutas secas. Velas foram acesas no ar noturno, lançando um sopro de calor e uma luz aconchegante, convidativa. Bethany engoliu em seco e observou tudo o que Leo lhe oferecia. Sentiu uma pontada de nostalgia invadindo o seu corpo. — Este é, de longe, o jantar mais romântico que eu poderia imaginar — disse ela, tensa. Por que Leo a torturava daquela maneira? Para que montar aquele jantar, aquela charada? Bethany o encarou, embora tenha sido obrigada a fazer mais força do que gostaria de admitir até para si mesma. — Isso não é nada apropriado, você não acha? Esta é nossa primeira noite de divorciados, Leo. Ele não respondeu imediatamente, permitindo que as palavras de Bethany vagassem entre eles. Havia algo frágil na forma como ela se sentara a sua frente, como se estivesse pisando em ovos. A Bethany que ele conhecia era mais direta, e ele não sabia o que fazer com uma Bethany que não conseguia interpretar, uma cujo temperamento não poderia prever com absoluta exatidão. E não saberia dizer como se sentia frente á tamanha mudança. Curvou o corpo e serviu o vinho, um vinho tinto encorpado e com aroma forte. — Será que não podemos aproveitar a presença um do outro, sem pensar nas circunstâncias? — perguntou ele. — Será que fomos realmente tão longe? Ele ficou observando o rosto vermelho de Bethany, e encarando-a parecia deixar o verde de seu vestido ainda mais chamativo. Ele queria voar para o outro lado da mesa e tomar seus cachos de cabelos nas mãos, mas freou a si mesmo. Quando fazia uma promessa, seguia até o fim. Não importando o quanto lhe custasse.
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— São perguntas assim que me levam a questionar seus motivos — disse ela, encarando-o, ao mesmo tempo em que ele se ajeitava na cadeira e também a encarava, tentando ver o que se escondia por trás daquela fachada. Leo começava a se perguntar por que ela estaria tão determinada a divorciar-se e por que se recusava sequer a discutir o assunto. Era como se ela temesse ser dissuadida... E a verdade é que ele tentaria fazer isso. Com ou sem conversa, não haveria divórcio. Ele fi cou pensando em por que não anunciava isso claramente, terminando com aquele suspense. Há três anos faria isso sem pensar duas vezes. Eis uma fraqueza que nascera ao conhecer a nova versão de sua esposa... Ele estava fascinado. Não queria destruir tudo revelando uma realidade que poderia ser terrível para ela. Primeiro queria ver o que aconteceria entre eles dois. Ele começou a notar o que fizera ao jurar que não a tocaria. Talvez Bethany não fosse a única pessoa por ali tentando esconder uma paixão explosiva. Talvez ele também estivesse lançando mão do mesmo artifício. E notar isso não era muito agradável. Daquela vez, porém, ele se certificaria que não deixaria nada por fazer... Chegaram ao mesmo destino, mas com os olhos abertos, bem abertos. Somente assim ele poderia ter certeza de que não viriam novos anos de estranhamento nem novas tentativas de divórcio. Quanto mais pudesse levar adiante essa história, menos argumento Bethany teria para acusá-lo de manipulador ou de qualquer outra coisa. — Você está tão focada em seu divórcio... — disse ele, passados alguns instantes. Depois pegou uma azeitona bem gorda, que colocou na boca. — Não acha que deveríamos conversar sobre nosso casamento antes? Ela deixou escapar uma risada. Seus olhos azuis pareciam chocados, o que o deixou ainda mais irritado, como se ele fosse a pessoa nada razoável por ali, o histérico! — Você quer conversar..? — perguntou ela, e seu tom de voz fez com que Leo rangesse os dentes. — Você, Leo di Marco, quer conversar? Agora? Depois de tudo que passou? Algum tempo atrás eu mataria para ouvir uma coisa dessas — disse ela, em tom ríspido. — Mas isso passou, Leo. É tarde demais. Será que você não enxerga? — Já se passaram três anos desde que estivemos juntos pela última vez — disse Leo, tranquilo, encarando-há o tempo inteiro. Ela desviou o olhar e ele notou uma perda, como se Bethany, por vontade própria, se afastasse. — Imaginei que esse tempo nos daria a distância de que precisávamos. — A distância de que precisávamos para quê? — perguntou ela, ainda olhando para o jardim escuro, com a testa franzida. — Para varrer as cinzas? Para curar as feridas? Não entendo a razão de... Para que serviria esse tempo? Nossas feridas são o que são. E ponto. Ele a encarou, como se fosse uma estranha. E o pior é que Leo imaginava conhecê-la muito bem. No entanto, ele não entendia os próprios sentimentos. Queria se aproximar de Bethany, acalmá-la, e não entendia nada... Não entendia aquela necessidade de tocar o corpo de Bethany, não entendia o fogo que existia entre eles. Mas por que sentia tanta vontade de fazê-la sorrir? De afastar a sombra que via em seus olhos? Antes, tudo o que queria era que ela focasse no que deveria fazer, nas suas obrigações, no papel que tinha de desempenhar. O resto deveria permanecer enterrado bem no fundo da sua mente, inalcançável. No mesmo local onde estivera por tanto tempo. — Você voltou após uma longa ausência — disse ele como se estivesse atravessando campos de cacos de vidro, de minas terrestres, como se qualquer movimento equivocado pudesse acabar com a vida deles dois.
Ele notava a tensão crescente e sabia que, em sua origem, não era sexual. Porém, também sabia que não seria capaz de bloqueá-la, como deveria fazer. Ela se moveu na cadeira e passou os dedos no pescoço. Seus olhos pareciam arregalar-se à luz da vela.
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— Mas eu não voltei exatamente, certo? — perguntou ela, em tom calmo, misterioso, com um olhar que já não se parecia a um sol de verão, mas sim aos movimentos do mar — Não exatamente... Em pouco tempo será como se eu nunca mais tivesse pisado aqui. — Se é isso o que você quer... — respondeu ele, também em tom calmo, notando o suave ar noturno ao redor deles dois e uma espécie de promessa no ar. Ele queria ler a mente de Bethany, conhecer seus segredos, e finalmente espantar o fantasma que o estava assombrando. Queria tocá-la, mas não o faria. Não poderia. Pois seria como no Havaí, quando Leo se apaixonou, confiando nela. E ele jurara que não voltaria a cometer o mesmo erro. Nem mesmo por conta dela.
CAPÍTULO SEIS
— Eu quero muita coisa — disse Bethany, tomada por uma sensação estranha, parecida à paz, que se postou entre eles. E isso a fez pensar. Deixou-a com vontade de se esquecer... — Mas já sou adulta o suficiente para entender que nem tudo o que quero é bom para mim. Caso estivesse esperando que ele sorrisse ou fizesse que sim, demonstrando entendimento, ficou desapontada. Ele simplesmente a encarou por um bom tempo, depois fez que não lentamente com a cabeça. — E devo deduzir que nosso casamento... Como é mesmo? — Ele fingiu que não entendia alguma coisa, mas Bethany sabia que Leo dominava perfeitamente o inglês. — Que nosso casamento é prejudicial a sua saúde? Leo deixava à mostra sua faceta mais condescendente, e isso fez com que Bethany se lembrasse de por que estava naquele castelo... Ele nunca entenderia o que aconteceu entre eles dois, mas estava decidida a deixar tudo no passado. Ela suspirou, chateada por seu lapso momentâneo, e resolveu servir-se de comida. Pelo menos sabia que tudo o que estava sendo oferecido era de primeira qualidade. Pegou alguns pedaços de frango e não resistiu a uma colherada do cremoso risoto. — Você não vai dizer nada? — perguntou ele, calmo, deixando escapar um som entre um sorriso e um suspiro. — Por que eu não me surpreendo? Bethany endireitou os ombros e respirou fundo, pegando o garfo. — Como costumo fazer, pensei um pouco no assunto — disse ela, finalmente. — Acredito que, quando um casamento perde a força e se degrada, as pessoas envolvidas nele... E Leo gargalhou, interrompendo-a e dizendo: — Que palavras fortes. Então você se sente degradada, Bethany? E sou eu quem faz com que você se sinta assim? — perguntou ele, fazendo que não, como se houvesse sido acusado de um terrível crime, como se aquilo não fosse a mais pura verdade. 32
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— Foi você quem quis conversar, Leo — revidou ela, nervosa, incapaz de reprimir sua reação, mesmo sob tais circunstâncias. O que estaria acontecendo com ela? — Você deveria ter deixado claro que a conversa seguiria exclusivamente seus termos, como sempre! Pois saiba que posso viver sem seu desprezo. — O que você queria mesmo era viver sem a verdade — disse ele, com a luz da vela lançando sombras em seu rosto. — E a verdade é que você não é a vítima desta história. Esconder-se atrás desse papel é mais uma prova de seu comportamento infantil, comportamento que você mesma jurou ter deixado para trás. — Você está simplesmente provando minha tese — disse ela, incapaz de manter o tremor longe de seu tom de voz. Ainda assim, conseguiu manter as costas retas, determinada a parecer forte, mesmo sentindo-se partida em duas por dentro. Ele a encarou por alguns instantes e Bethany sentiu seu rosto em chamas. Por culpa da raiva, disse a si mesma. Pois aquilo não era nada mais do que raiva, e o que ela sentia por dentro não importava, assim como não importava a necessidade de tocá-lo, de vencer a barreira entre eles dois. — Talvez isso aconteça simplesmente por você ser muito frágil para encarar quem realmente é — disse ele, calmo. Deliberadamente calmo. Bethany deixou escapar um breve sorriso e pousou o garfo na mesa, pois não conseguiria fingir estar saboreando a comida, embora estivesse maravilhosa. — Quem é você para me dizer quem sou eu de verdade? — perguntou ela, com as mãos em punho sob a mesa, para que ele não visse. Bethany sempre desejou que Leo a conhecesse, mas ele nunca demonstrou interesse. — Saiba que você é uma das pessoas que menos me conhece. — Eu conheço sim — respondeu ele, com um tom de certeza, de quem sabe de coisas que preferia não saber. — Eu conheço de formas como ninguém mais conhece. — Se isso alguma vez foi verdade, deixou de ser a muito tempo — respondeu ela, escolhendo as palavras com cuidado, tentando ignorar o desejo de que tudo aquilo fosse verdade, que ele realmente a conhecesse. E fez que não com a cabeça, tentando afastar esse redemoinho da sua mente. — Deixe-me adivinhar — disse ele, gélido, imóvel, mas ainda assim Bethany sentiu seu olhar, sua atenção e seu temperamento focados nela. — Não duvido que você tenha passado os últimos três anos bolando a mais louca fantasia para usar como comparação a nossa relação. Não duvido que seu amante sobrenatural a esteja ajudando nisso. Afinal de contas, você faria de tudo para evitar olhar para si mesma honestamente; certo? Ela começou a perder a paciência, e pela primeira vez não via qualquer motivo para tentar manter-se tranquila. Disse a si mesma que não tinha nada a perder... Que já estava tudo perdido. Aquela era uma discussão inútil. Chegara a hora de apagar as fagulhas que insistiam em manterem-se acesas. Então por que morder a língua? — Não acredito que o casamento deva ser uma monarquia, com você instalado como um rei enquanto eu faço o papel de serviçal — disse ela, finalmente, usando as palavras que levara três anos ensaiando. E por alguns instantes soou exatamente como queria: calma, cortante. — Na verdade, o que vivemos nem pode ser chamado de casamento. E estou cansada de me sentir achatada por você. 33
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Eles ficaram se encarando por um bom tempo. A expressão de Leo era fria. Ela notava uma brisa tímida sobre sua pele, observava a dança das velas em seus castiçais de cristal. E não segurava a respiração, não estava tranquila. Por que nunca antes ousara dizer nada daquilo? A verdade é que relação deles sempre esteve baseada na superioridade de Leo. Sendo assim, como poderia colocar tudo isso em questão? E ela sabia que seu comportamento intempestivo piorara a situação. Afinal, quem seria chamada de louca que atirava objetos na parede? Quem se deixaria levar pela emoção? Certamente não seria Leo. — Você disse coisas extraordinárias — comentou Leo, frio. Pois ele não explodia, não gritava nem permitia que as coisas fugissem de seu controle. Leo não sentia, não podia sentir, não era capaz de sentir. — Entendo que tudo isso seja um conceito estranho para quem, desde o berço, está acostumado a dar ordens — disse ela, com voz trêmula por conta das próprias revelações, e não do olhar afiado de Leo, que obviamente também a atingia. — Para quem tem quadros de valor incomensurável dependurados nas paredes. Para quem mora num castelo. — Você realmente não me conhece — ele revidou. — E fico assombrado ao saber que nutre teorias sobre como conduzir bem um casamento. Pois fique sabendo que as verdadeiras relações não levam em conta seus arroubos melodramáticos, Bethany. — Isso é mentira — respondeu ela, piscando os olhos para afastar a avalanche de emoções que ameaçava arrastá-la, pois não havia espaço para isso. Leo manteve a expressão dura, mas Bethany não arredou. Até porque não importava o que ele acreditava, pois o que ela dizia era a verdade. Leo á deixara pronta para morrer de solidão, e ela quase morrera. — Não sou eu quem vive dando ultimatos e que depois, quando não são cumpridos, fica de pirraça — disse ele, com olhos profundos, de condenação. — Não fui eu quem recusou qualquer contato durante anos. — Chega! — ela gritou, mas Leo não parecia escutá-la. Era como se ele estivesse esperando para dizer aquelas palavras tanto tempo quanto ela. E Bethany notava a força que ele fazia para conter-se, para manter todo aquele poder e ferocidade controlados. — E não fui eu quem pediu o divórcio como quem dá bom-dia a um estranho na rua — ele continuou, com um brilho gélido nos olhos. Leo estava mais raivoso do que ela imaginava, pensou Bethany. Mais raivoso do que nunca. — E não sou eu quem, após ter feito tudo isso sem qualquer vergonha, está sentado aqui, dando uma aula sobre casamentos que dão certo. Ela queria gritar, responder, mas como...? Sim, ela fizera tudo aquilo. Mas será que Leo não notava que fora tudo por culpa dele? Será que não notava que ela nunca teve outra opção? Não notava que fora forçada a ir embora, pois caso contrário teria sido; reduzida a nada? — Eu sempre estive aqui, Bethany — disse ele, com uma raiva que ela nunca imaginara ver estampada em seu olhar, deixando-a louca de vontade de consolá-lo, uma vontade inconsciente. — Aqui, neste mesmo lugar, esperando sua volta, seu retorno a seus compromissos. 34
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— Não entendo por que você... — começou ela, mas parou, com a mente perdida. Como fora capaz de imaginar que Leo veria as coisas de sua perspectiva? Tudo o que ele via era que fora abandonado por Bethany. Nunca enxergara que também a abandonara, embora não tenha se afastado fisicamente. Mas desaparecera de outras formas. No entanto, ainda se considerava moralmente superior. — Você pretender manter suas promessas? — perguntou ele, com uma pitada de ironia. E, quando seus olhos encontraram os dela, foi um olhar tão intenso e raivoso quanto um chute, um chute forte no meio do estômago. — Lembre-se que você jurou. Ela ficou com vontade de revidar, de negar tudo aquilo... Mas, ao mesmo tempo, estava com muito medo de que não fosse exatamente isso o que queria fazer Ficou com medo de que, no fundo, só quisesse ver aqueles olhos escuros brilhando mais uma vez em sua direção. Mas não poderia se dobrar dessa maneira. Não dessa vez. Não mais uma vez. — Você também me deu sua palavra — disse ela, em tom determinado. — Mas isso não fez com que, convenientemente... — Eu bati em você? — perguntou ele, em tom rascante, mas controlado. Apenas seus olhos demonstravam sua raiva. — Levei outra mulher a minha cama? Abusei de você? Humilhei você? Não atendi a suas necessidades? — E acenou para o castelo, perguntando: — Será que minha casa não é grande o suficiente? Será muito rural? Você preferia morar em Milão? De onde exatamente nasceu tanta hostilidade e mágoa? O que fiz de tão terrível para que você me punisse dessa forma... Fugindo? Ela ficou sem ar por um bom tempo, não conseguia controlar a agonia que tomara conta de seu corpo. Quando ficou mais calma, teve de lutar contra as lagrimas. Leo a enxergava como uma mulher que fugira de casa, abandonando-o. — Não consigo entender como você se interessou por mim — conseguiu dizer, com voz trêmula, muito abalada. — Ah... Eu a desejei — respondeu ele, em tom muito seco, como se ecoasse todos os pecados cometidos por Bethany. O olhar de Leo á deixava; louca. Sua expressão era de profundo incômodo, refletindo algo ainda mais profundo, mais doloroso, que uma simples amargura. — Parece que não existe nada que você possa fazer para evitar isso, e a verdade é que tentou... Ele não se moveu, ficou apenas observando Bethany. Para ela, a sensação era como se tivesse se esquecido do perigo de estar perto dele... De conversar com ele, de permitir que ele fosse novamente uma presença física. Naquele momento, Bethany não era capaz de enxergar nada mais no mundo. Seu coração batia errático, sua boca estava muito seca. Era como se seu corpo tivesse entrado em curto-circuito, preparando-se para o toque de Leo. Não importava o quanto doeria. Ela ainda o desejava. Sempre o desejou. Perdida, levantou-se da cadeira e ficou de pé. Tudo o que sabia era que precisava escapar. Tinha de impor alguma distância entre eles, pois Leo prometera que não a tocaria, mas Bethany sabia muito bem que não poderia confiar em si mesma. Seguiu em direção às portas mas, ao tocar a maçaneta, nem precisou olhar para trás para confirmar... Já o sentia.
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Ficou parada com a mão na ornamentada maçaneta, sentindo o calor de Leo nas suas costas, tão perto que ela notava o cheiro de seu perfume. Caso inclinasse o corpo minimamente para trás, encostaria seu queixo, seu peito musculoso e quente. — Você prometeu! — murmurou ela, desesperada para fugir daquele lugar, mas ao mesmo tempo incapaz de dar um único passo. Ela o desejava, desejava o calor de sua presença, desejava o seu cheiro. Ele fora seu homem, sua família, seu amor. E ela não sabia como fazer para livrar-se de tudo isso. Tudo o que sabia era que precisava se livrar. Ainda assim, seus olhos se fecharam. — Você disse que não... — Eu estou te tocando? — perguntou ele, naquele tom baixo que parecia invadir completamente o corpo de Bethany. Um tom devastador, que a reduzia à inconsciência e ao desejo. Ela girou o corpo, e antes que seus joelhos fraquejassem pousou as costas contra a porta, sem ver nada mais a sua frente além de Leo. Como se ele fosse tudo o que havia no mundo. Ele se aproximou, pousando as mãos contra o vidro da porta logo atrás de Bethany, dos dois lados da sua cabeça, num movimento que aproximou suas bocas. Era como se ela o pudesse sentir por completo, nos seios, no ventre, na feminilidade embora Leo não a estivesse tocando. Ele mantinha a promessa. Simplesmente olhava para ela, com uma paixão que Bethany conhecia muito bem. — Não posso parar de desejar você — disse ele, com a boca muito perto, com seus lábios sensuais quase colados aos dela. — E eu tentei... Passei noites acordado, falando mal de você... E aqui estou eu, pronto, como se não tivesse acontecido nada, como se os anos não tivessem passado, como se não existisse um pedido de divórcio. — Leo... — murmurou ela, mas não conseguiu dizer nada além de seu nome, mesmo sabendo que deveria pôr um fim em tudo aquilo, seja lá o que aquilo fosse. Não deveria permitir que ele expressasse tanta coisa em voz alta, pois as lembranças voltavam... Assim como a vontade, o desejo... Tudo o que ela podia fazer era olhar para Leo e rezar para que seu coração não batesse tão forte, tão freneticamente, pois talvez arrebentasse suas costelas. — Você está gravada em minha pele — murmurou ele. — É uma espécie de veneno. Talvez não consiga me matar, mas não sei como me livrar de você. Leo pensou que já tinha dito coisas demais, mas nem assim deu um passo atrás. Não sabia como fazer para que seu corpo lhe obedecesse, especialmente com ela tão perto. Podia sentir a respiração de Bethany contra a pele, tão perto que era capaz de notar seu cheiro característico: uma mistura de lavanda e baunilha. Poderia contar quantas sardas se espalhavam no nariz de Bethany, e sabia que aquela maior, estampada na sua clavícula, tinha um sabor especial. Daquela maneira, tão perto dela, ele não entendia por que se dedicavam a manter uma guerra. — Você... — ela não conseguia falar. Ele observava, fascinado, enquanto Bethany mordia os lábios e engolia em seco. — Você precisa me deixar livre.
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— Quantas vezes vou ter que fazer isso? — murmurou ele, notando a própria emoção por trás das palavras, a dor. E o mais aterrorizante é que não se afastou rapidamente de Bethany. — Você disse que me quer — respondeu ela, em tom baixo urgente, com seus lindos olhos azul arregalados demonstrando que Leo não era o único afetado pelo encontro embora não tivessem se tocado até então. — É verdade — concordou ele. — Assim como você me quer, Bethany. Eu noto isso. — Você está dizendo tudo isso... — murmurou ela, embora as palavras parecessem ferir sua garganta — mas a verdade é que só vai me querer se eu conseguir me adaptar a seus padrões. Caso eu me conforme, me comporte, caso eu aja de acordo com suas regras. Se isso tudo acontecer, serei tratada como uma rainha. Mas ainda assim permanecerei presa. — Você está confundindo uma prisão com uma cama — disse ele. A boca de Bethany estava tão perto e sua pele parecia tão suave que ele nem acreditava ser capaz de manter aquela promessa tola, promessa que chegava a doer — Para você, elas costumam ser a mesma coisa. Não importando o quanto desejasse estar dentro dela, Leo notava seu tom de reprovação. Ele deixou a cabeça cair para o lado e ficou olhando para Bethany, observando seu pescoço, seu queixo, o brilho frio em seus olhos. — Estou simplesmente contando a verdade — disse ela, passado um bom tempo. E Bethany respirou fundo, erguendo o peito, mas ele não se moveu. — Eu não fiz nada à toa, Leo. Você é tão responsável pelo que aconteceu no nosso casamento quanto eu. Mas deve ser mais fácil simplesmente apontar o dedo em minha direção, certo? — Estive atrás de você nesses três anos — respondeu ele, tão perto que a estava deixando louca, embora ainda sem tocá-la. — Mas você nunca estava onde deveria estar. O que eu deveria ter feito? Implorado? Ficado de joelhos? Chorado? — Por que não? — murmurou ela, determinada. — Por que não se isso é o que você realmente sente? — Eu não sou você — murmurou ele, no mesmo tom, vencendo todas aquelas coisas tão difíceis de admitir, mesmo para ele. — Não sou capaz de demonstrar minhas emoções para todo mundo. — Não é capaz ou não quer? — perguntou ela, movendo-se apenas um milímetro, mas roçando seu ombro no braço de Leo. Os dois ficaram paralisados focados no mesmo único e acidental toque. Ele observou Bethany engolindo em seco, com aquela garganta que implorava por sua boca, por sua língua, por seus dentes. — Peça para que eu te toque — ele ordenou, esquecendo-se de tudo o que acontecera entre eles. — Peça para que tome seu rosto em minhas mãos. Peça para que eu a beije. Ela entreabriu os lábios, deixando escapar um som quase inaudível. Ele arregalou os olhos, que ficaram profundos. Leo sentia a eletricidade latente entre eles dois. — Peça para... — murmurou ele, movendo sua boca muito perto dela, muito perto... — Peça para que eu tome seu corpo em meus braços e a possua. Várias vezes. Até você se esquecer do próprio nome. Ou do meu. Ou da razão que a fez ir embora daqui. Ela quase foi sua, até aquela última frase suspirada.
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Bethany sentiu um arrepio pelo corpo, e isso lhe deu forças para abrir os olhos e lembrar por que estava ali, por que não poderia simplesmente render-se, embora seu corpo gritasse para que fizesse isso, e por que não poderia permitir ser enfeitiçada por Leo. Nunca mais. — É hora de dormir — disse ela, escolhendo as palavras com cuidado desesperada. — Acho que a viagem me deixou muito cansada. Ele murmurou algo em italiano, algo lírico, algo que ela nem precisaria entender para saber que continha teor sexual e de comando. Bethany sentia tudo isso entre suas pernas, em seu ventre, em sua espinha. E tremeu. Mas não olhou para Leo. De alguma forma, ela sabia que olhar nos olhos dele seria o fim. E não olhou. — Se é isso o que você quer — disse ele, finalmente, afastando-se. O ar noturno parecia mais frio do que antes para Bethany. Ele ficou de pé, poucos centímetros mais distantes, com seu lindo rosto tomado de sombras, embora seus olhos queimassem num fogo que ela não ousaria tocar nem reconhecer — Nos vemos amanhã de manhã — disse ela, com absurda e desnecessária cortesia. Ele arqueou as sobrancelhas, assustado, e ela não esperou para ouvir o que Leo tinha a dizer. Foi embora. Mais uma vez, ela fora embora. Passara a vida inteira fugindo daquele homem. Será que ele estava com a razão ao acusá-la de tudo aquilo? Estaria com a razão ao culpá-la? Ela atravessou os corredores silenciosos como se estivesse sendo seguida, embora soubesse que isso não estava acontecendo. Fechou a pesada porta do quarto com força e olhou para a segunda porta que havia por ali. Não queria pensar em onde aquela porta poderia levá-la, em como seria fácil sucumbir ao desejo de seu corpo... Seria incrivelmente fácil. Muito mais fácil do que aquela conversa que destrinchavam feridas que parecia á muito tempo cicatrizadas. Ela tirou o vestido, trocou por um confortável pijama que trouxera de Toronto, e lavou o rosto, até não restar qualquer traço de maquiagem, deitando-se na enorme cama. A cama era tão macia e convidativa quanto ela se lembrava. Não deixava espaço para emoções ruins, para velhas preocupações. Mas Bethany demorou muito para cair no sono.
CAPÍTULO SETE
Na manhã seguinte, Leo a esperava na sala do café da manhã. Ela entrou, com a cabeça ainda confusa por conta da noite anterior, e ali estava ele. A luz do sol entrava pelas janelas altas e arqueadas, cercando-o de uma aura de luz, embora Leo parecesse inalcançável na cabeceira da mesa. Ele ergueu a cabeça para encará-la, afastando os olhos do jornal que lia, frio e distante, em contraste total com a luz que o banhava. Ele sabia perfeitamente que a desafiava. E Leo conseguiu atingi-la em cheio, como uma descarga elétrica, tocando a tensão que inundava seu ventre e a área entre suas pernas. De alguma maneira, Bethany conseguiu manter-se em equilíbrio, mesmo usando aquela sandália e aquele vestido de verão que ela mesma, boba, escolhera. E podia notar o 38
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olhar de Leo sobre todas as suas células, todos os seus nervos. Teve de lutar para respirar normalmente. Trincando os lábios, deixou que um dos sempre presentes empregados da casa a sentasse na mesa, com aquela formalidade absurda de sempre, algo quase inaceitável para uma futura ex-mulher A sala estava banhada de luz. Ela podia sentir as longas pernas de Leo esticadas sobre a mesa de madeira polida, muito perto das suas, e desejou que a mesa fosse maior, para que ele estivesse mais distante. Ela se sentou muito perto da cabeceira. E o corpo de Leo não permitiria que Bethany fingisse não prestar atenção em cada detalhe daquele rosto perfeito, do poder que ele exalava sem fazer esforço. E Bethany jurara que começaria uma vida nova aquela manhã, que não seria tão afetada por ele. — Bom dia — disse Leo, e ela notou a expressão em seu rosto, seus olhos e boca. Sentada, com o macio guardanapo de linho no colo, Bethany o encarou, pronta a oferecer o bom-dia mais educado possível, algo que provaria não estar nem um pouco afetada por sua presença. Queria presenteá-lo com uma aparência fria, pois assim pretendia sair ilesa daquele encontro. Porém, quando seus olhos se encontraram, ela ficou paralisada. Aqueles sonhos sombrios e um tanto sexuais que a mantiveram acordada durante boa parte da noite reapareceram na sua mente, assombrando-a. Deixando-a chocada. Ela enxergava tudo àquilo no olhar de Leo. E ele não olhava para ela... Ele a devorava, com olhos quentes, selvagens. Famintos. Ela entreabriu os lábios, estava sem ar. Sentiu que seu rosto ficava vermelho, assim como seu pescoço e seios. Era como se Leo a tivesse tocado, como se a estivesse tocando naquele exato momento, como se ele tivesse se aproximado, sentado-a em seu colo e finalmente tomado sua boca... Porém, ele não fizera nada mais que desejar-lhe bom-dia e ficar olhando para ela, com aquele brilho de satisfação masculina nos olhos, em seu incrivelmente lindo rosto. Leo não precisava ser vidente para saber o que significava aquele rosto vermelho. Ele sabia exatamente o que provocava nela, o que Bethany sentia ao estarem tão próximos. Ele sabia. — Tudo o que você precisa fazer é me tocar — disse ele, com sua voz tóxica, como se estivesse tomado pelo desejo. — Não custa nada, Bethany. Basta que você estique sua mão. Você precisa apenas... — Leo, por favor — disse ela, tentando desesperadamente soar decidida, e não fraca, embora estivesse longe disso. — A única coisa que quero agora é um café. — Claro — disse ele, sem esconder sua expressão irônica. — Desculpe. — E nem precisou chamá-la de mentirosa, a mensagem ficou clara. Bethany ficou olhando para seu prato enquanto os eficientes empregados do palácio serviam café, torradas e geleia, como ela sempre pedia três anos atrás... E Bethany preferiu não pensar por que suas preferências continuavam registradas por ali.
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De alguma forma, conseguiu evitar que suas mãos tremessem ao erguer a delicada porcelana chinesa em direção aos lábios, tocando o ótimo café. Depois engoliu em seco e voltou a encará-lo. Ele deixara o jornal ao lado do prato. Recostou-se na cadeira, segurando o queixo com uma das mãos. Um verdadeiro príncipe, um magnata, o imperador coroado de um império vasto em eterna expansão. Vestia outro terno perfeitamente cortado, cujo tecido se moldava a todos os seus músculos, a seus ombros, a seu peito. Estava recém -barbeado, acabara de tomar banho. Seus cabelos escuros e penteados pareciam convidar Bethany a passar os dedos entre eles. Parecia um sonho em carne e osso. O sonho de Bethany, especificamente. O mesmo sonho explícito e delicioso que a acompanhou durante a noite. Mas ela não poderia tocá-lo, mesmo louca para fazer isso. Não permitira deixar-se levar mais uma vez, especialmente quando sabia o duro que era livrar-se dele, o duro que era tentar voltar a caminhar com os próprios pés. — Preciso ir a Sidney — disse ele, quebrando o silêncio, em tom frio e distante. — Temos alguns problemas por lá que só eu poderia resolver — Você vai para a Austrália? — perguntou ela. — Hoje? — Estou interessado em alguns hotéis por lá — respondeu ele, mantendo a calma. — Estamos num momento delicado das negociações. — E deu de ombros, embora não deixasse de encará-la ao dizer: — Não imaginei que tivesse que estar presente. A mente de Bethany estava a mil. O que ele estava dizendo? Mas não era sempre assim? Não havia sempre alguém ou algo necessitando a atenção de Leo? Um dia aqui. Uma semana ali. Sempre no último momento. Sempre sem direito a negociações. — Quanto tempo você ficará fora? — perguntou ela, tentando manter sua expressão o mais calma possível. Pegou uma torrada, mas deixou cair novamente no prato, incapaz de pensar em nada mais, com a boca seca e o estômago revirado. — Não vou demorar muito — respondeu ele, medindo o tom das palavras e observando-a, friamente. — Se eu me lembro bem, isso significa que poderia ser um dia ou duas semanas — disse ela, rascante. — Um mês? Seis semanas? Quem poderia prever... É sua obrigação que chama. Ele ergueu uma das sobrancelhas e a encarou, com expressão ilegível. Após um momento, levantou uma das mãos e acenou para um dos empregados. Bethany trincou os dentes e tentou se livrar de suas terríveis lembranças. A tensão que sempre existiu entre eles parecia aumentar. — Vejo que isso é um problema para você — disse ele, com paciência artificialmente exagerada. Ele costumava dizer esse tipo de coisa antes, lembrou-se Bethany. Um problema para você.
E sempre estava implícito que somente uma histérica como Bethany poderia reclamar de seu trabalho. Ela sentiu vontade de gritar. Mas não lhe daria tamanha satisfação. Limparia a garganta antes de dizer qualquer coisa. E perguntou: — Por que estou aqui? Você planejou tudo isso? — São os negócios, Bethany — respondeu ele, em tom de desdém. — Sei que você enxerga complôs e conspirações em todo o lado, mas isso é apenas negócio. Ela perdeu completamente o apetite e se levantou da mesa, empurrando a cadeira para trás e ficando de pé. 40
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— Acho que eu também deveria voltar a Toronto e seguir em frente com minha vida — disse ela, ao notar o quanto fora boba por não perceber que ele continuava comportando-se como sempre: colocando seu título acima da própria esposa. — Não posso controlar o mundo, Bethany — disse ele, naquele tom que ela odiava, que a deixava fora de controle, infantil. — Preferia não ter de deixá-la sozinha agora que você finalmente retornou à Itália, mas é meu dever. O que você quer que eu faça? Que eu perca bilhões por conta de sua insistência? Ela lutou para afastar a raiva que tomava conta seu corpo, mas não pensou em esconder as mãos, fechadas em punhos. Queria gritar. Queria tocá-lo, de alguma maneira. Queria fazer com que Leo se sentisse um ser minúsculo, sem importância, inútil. Porém, fazendo isso, desceria a níveis que preferia não voltar a visitar. Bethany nem se importava que Leo a estivesse observando enquanto ela lutava contra os próprios demônios, enquanto tentava manter o controle, enquanto tentava encará-lo novamente. — Entendo que você tenha que falar comigo dessa maneira — disse ela, passado um bom tempo, e ficando feliz ao ver que sua voz não falhara. — Chega até a fazer sentido. Seria incrível se você me tratasse igualmente, como uma parceira. O Príncipe de Felici não poderia agir assim. O melhor a fazer é manipular a situação... Manipular-me até que eu aja como deveria. — Você não pode estar falando sério — disse ele, deixando escapar uma risada. — Que outras coisas; preparou para jogar em cima de mim? Alguma nova acusação? — Você continuará sendo o adulto cheio de problemas para resolver e eu a criança que grita – continuou ela, como se Leo não tivesse dito nada. — E isso será um grande desperdício para nós dois. Mas não sou a mesma pessoa, Leo. Não vou armar um escândalo para que você se sinta melhor consigo mesmo. — Tudo o que eu sempre quis era que você agisse como deveria — ele revidou, em tom menos tranquilo, levantando-se da mesa. Os dois se encaravam, estavam muito perto e ao mesmo tempo bem distantes. — Mas acho que não passo de um substituto de família para você. Bethany foi atingida por uma surpreendente onda de pena pela morte do pai, misturada à pena de ter perdido coisas que nem imaginava querer ao casar-se com Leo. Coisas que não notara ter pedido, coisas de que não gostava quando recebia dele. Como aquela dinâmica impossível, desastrosa e infinita que parecia engoli-los, e contra a qual ela nunca poderia lutar ou fugir. — E quanto ao seu comportamento? — conseguiu perguntar, lutando para manter o controle, para segurar suas emoções, para não verbalizar o que estava na ponta da língua. — Você nunca foi um marido, um amante, sempre foi um pai. Sendo assim, o que eu poderia ser ao seu lado além de uma criança? E você dizia querer ter uma, lembra? — Preciso de um herdeiro — respondeu ele, com expressão gélida. — Isso nunca foi segredo. Você sabe muito bem que esta é a minha primeira obrigação como Príncipe di Felici.
— Não permita que a gente se esqueça disso — respondeu ela, com voz trêmula e o peito carregado, selvagem. — Não permita que a gente se esqueça, nem por um momento, que em primeiro lugar estão suas obrigações, depois seu legado e por último sua condição de homem! — Foi isso o que você aprendeu nos anos que passou longe daqui, Bethany? — perguntou ele, após uma breve pausa, com tom perigoso, direto como uma bala. — Essa maneira de dividir a culpa? — Eu não sei quem culpar — admitiu-a. — Mas isso não importa mais. Nós dois pagamos um alto preço, certo? Ele não respondeu, ficou simplesmente olhando para ela, que suspirou.
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Será que o silêncio de Leo já dizia tudo? Seria aquela a verdade por trás do casamento deles dois? Será que ele nunca conversaria sobre o que não interessava, nunca a escutaria? Tudo o que ela podia fazer era gritar, mas nunca o alcançaria verdadeiramente. — Vá para Sidney, Leo — disse ela, baixinho, pois não havia nada mais a ser dito, nunca houve. — E não me importa quanto tempo você demore para voltar. Estarei por aqui quando você chegar, pronta, esperando o momento de finalmente deixar tudo isso para trás, para nós dois. Leo estava muito nervoso. E não fez qualquer questão de esconder isso quando se encontrou com seus assessores no jato que os levaria a Sidney e à luxuosa suíte daquele hotel que o esperava e que ele já não ligava á mínima se um dia seria o dono ou não. As palavras de Bethany não saíam de sua cabeça desde o momento em que decolara em Milão, e Leo não conseguia chegar a nenhuma conclusão satisfatória. Na verdade, ele estava começando a se preocupar com a possibilidade de talvez nunca chegar a nenhuma conclusão... O que seria inaceitável. A imagem que ela pintou do casamento deles o deixara louco de raiva. Quem era ela para acusá-lo de tudo aquilo quando seus próprios pecados eram tão grandes quanto os dele? Como poderia acusá-lo se foi ele quem permaneceu em casa e ela quem abandonou o casamento? Porém, a raiva diminuíra à medida que se afastava do castelo. Afinal, ele não queria perder o contato com Bethany. Em parte, a raiva de Leo diminuíra também ao se lembrar da coragem estampada no rosto de Bethany, com se ela tivesse sido obrigada a lutar para conseguir enfrentá-lo daquela maneira. Leo não seria capaz de tirar essa imagem da cabeça. Seus lindos olhos, cheios de coragem, determinados. Seu corpo bem posto, seu queixo erguido. Seria mesmo necessária tanta força de vontade para dizer tudo àquilo na cara dele? Será que ela realmente o enxergava como um monstro? O que isso diria do tipo de homem que ele era? Na verdade, Leo temia já saber a verdade, mas não ligava para a autorrecriminação que lhe invadia a cabeça. Ele se lembrava muito bem da voz de trovão do pai ecoando pelos salões das propriedades dos Di Marco, e também se lembrava de sua mãe, sempre de cabeça baixa, com expressão triste. Leo não gostava dessas lembranças. Mas não, disse a si mesmo, ele não era Domenico di Marco, nunca tocaria um dedo em sua esposa. Nunca fizera nada para que uma mulher saísse correndo de seu lado, muito menos, essa em particular. Leo passara a vida jurando que nunca seria como o pai. Porém... E ele se lembrou da aparência de Bethany três anos antes. Aquela tristeza. Aquele medo. Tudo aquilo lhe parecera uma loucura, ele não conseguia entender por que ela se sentia tão mal quando tinha tudo o que queria e praticamente nenhuma obrigação. Não, Bethany não tinha qualquer razão para sentir-se daquela maneira, ele disse a si mesmo, raivoso. Assim como não tinha por que acusá-lo de tantas coisas naquele momento. Pouco depois, ele estava sentado numa sala lotada de assessores financeiros pagos para impressioná-lo. E pretendia assistir às apresentações com aquele seu olhar sempre afiado, um olhar muito conhecido e admirado por todos. Mas não conseguia se concentrar nos números e gráficos, projeções e análises de mercado. Não conseguia pensar em nada, apenas em Bethany. Não acredito que o casamento deva ser uma monarquia, era a frase que se repetia em sua cabeça. Estou cansada de me sentir mal por sua causa.
O instinto de Leo o obrigava a limpar a mente de tudo aquilo. Afinal, Bethany diria qualquer coisa para tentar feri-lo. Estava interessada em marcar pontos, nada mais. Mas ele não acreditava completamente nisso. Tudo seria diferente caso ela tivesse caído na histeria costumeira. Antes, era fácil ignorar o que Bethany dizia entre tantos gritos e vasos atirados contra a parede. No entanto, a Bethany que o encarara aquela manhã não perdera a paciência, embora estivesse claramente chateada com aquela guerra infinita e cansativa. 42
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Ela lutara para manter-se calma e não sucumbir ao temperamento e emoções. E Leo notara o quanto esse autocontrole a custara, vira a dor e a derrota estampadas em seu rosto como se, mais uma vez, ele a estivesse desapontando. E tudo o que ele queria era não ser afetado por isso, mas... O que você quer é que eu me mantenha na sua linha, disse ela. E o acusou de querer ser uma espécie de pai, o adulto da relação. E ele nunca quis isso, certo? O que fizera fora apenas uma reação ao comportamento de Bethany, certo? Segundo ela, Leo nunca foi um verdadeiro marido. Sempre um familiar, um pai. E, nesse contexto, o que mais ela poderia ser, além de uma criança? Ele se sentiu mal ao pensar que, três anos antes, nunca se preocupou com o fato de onde ela viera. Nunca se importou com isso. Simplesmente a deixara ir embora, pois imaginava que uma experiência de crescimento pessoal poderia ser útil para sua esposa tão jovem, tão inexperiente. Ele estava cansado de tanta briga, de tanta incerteza, de tanto drama. Queria que ela voltasse sendo a esposa com a qual pensara estar se casando, a esposa do Príncipe di Felici, uma mulher pronta a assumir seus compromissos. E será que isso não seria viver sob suas regras? As mesmas que o aprisionaram durante toda a sua vida? A reunião de Leo naquele dia terminou rapidamente, mas ele se sentou para um jantar tedioso com os futuros parceiros comerciais, forçando-o a bancar o jovem animado, embora não estivesse interessado em nada daquilo. Finalmente, após as incontáveis rodadas de drinques e brindes que por sinal lhe pareceram um tanto prematuros, pois os contratos ainda teriam de ser assinados, e seus advogados certamente brigariam por uma ou outra cláusula, ele conseguiu seguir para seu quarto e terminar com aquela farsa. Há muito tempo deixara de questionar a eterna presença de Bethany em sua cabeça, assombrando-o. Sentado na varanda do quarto, na suave noite de outono de Sidney, era como se ela estivesse á seu lado. Ele podia sentir seu cheiro, podia ouvir a cadência da voz de Bethany ecoando a seu redor Será que todos os homens acabavam transformando-se nos próprios pais? Ele rejeitava tal ideia, mas era cada vez mais complicado não aceitá-la. Pois, mesmo deixando de lado a eterna frustração e raiva, era fácil perceber que seu casamento com Bethany nunca foi um mar de rosas. Pensando em tudo isso, Leo suspirou... E não, ele não a protegera dos seus malvados primos, mesmo sabendo que poderiam causar problemas com suas insinuações e esnobismo. E não a preparara para enxergar que a vida diária seria diferente daquele idílio no Havaí. Leo era o mais velho na relação, o mais experiente. Sempre fora e continuava sendo. Seria sua responsabilidade fazer com que ela se sentisse segura, mesmo em casa, já que se tratava de um local complemente desconhecido para ela. E Leo não fez nada disso. Rapidamente, ele a acusou de várias coisas, mas nunca examinou o próprio comportamento. Quem era a criança na relação: aquela mulher que agia de forma tão inocente ou aquele homem que nunca enxergava ser igualmente responsável pela saúde do relacionamento? Leo ficou um bom tempo sentado no escuro, olhando para as luzes da cidade, perdido em seus próprios pensamentos. Perdido no passado. Perdido naquele par de olhos azuis brilhantes que estava louco para ver novamente, emoldurados num sorriso.
CAPÍTULO OITO
— Eu não quero colocá-la numa prisão — disse Leo, entrando na suíte da principessa. 43
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Bethany ficou tão assustada que deixou o livro que lia cair, um livro pesado que caiu no chão, bem ao lado do ornamentado sofá. — Muito pelo contrário. Ela não o via há dias. Há quatro dias, precisamente. Ela se sentou, fincando os pés no chão e endireitando os ombros, encarando-o. Pois, embora estivesse raivosa e doída, era impossível não olhar para Leo. Seu coração acelerou, e ela não parava de dizer a si mesma que a atração que sentia era uma bobagem. Porém, como não conseguiria se controlar, resolveu ignorar tudo isso, focando exclusivamente nele. Que parecia... Diferente. E Bethany ficou alerta. Os olhos escuros de Leo brilhavam. Sua expressão era determinada. Ele estava impecavelmente vestido, com suéter de caxemira e paletó e calça escura. Embora não fosse a roupas mais formais do mundo, ele nunca perdia sua aparência de príncipe. — Fico muito feliz em saber disso — respondeu ela, encarando-o todo o tempo. De alguma maneira, Bethany se sentia vulnerável. Era como tivesse se sentado no sofá simplesmente para desafiá-lo, pois a verdade é que não sabia que Leo chegaria naquele momento. Caso soubesse, não teria vestido aquela calça jeans que o deixava irritado nem aquela camiseta que talvez mostrasse mais do que deveria. Teria escolhido algo melhor para enfrentá-lo, para mantê-lo á distância. Como se, pudesse ler seus pensamentos, Leo deixou escapar uma tímida risada com o canto da boca. Ela não compreendia a tensão que tomava conta do quarto, que parecia dançar entre os móveis luxuosos. Disse a si mesma que só poderia ser fruto daquele retorno inesperado, daquela aparição de Leo. O castelo parecera um lugar diferente enquanto ele esteve longe ali. E ela pôde lembrar-se de como passava os dias enquanto Leo estava fora, sempre em viagens de negócios. Bangcoc, Nova York, Tóquio, Singapura... E ela, sempre naquela prisão. Vendo por essa perspectiva, era fácil perceber como os primos de Leo a assombravam. Pois, com o príncipe em casa, eles sempre pareciam muito gentis. Porém, dessa vez, o castelo não passava de um local vazio. E Bethany pôde caminhar por todos os lados sem que ninguém destilasse veneno em seus ouvidos. Era como explorar um ambiente novo, livre de todos os fantasmas. Ela caminhava como se estivesse num museu, mas um museu diferente, retratando uma casa conhecida, um lar. Caso tivesse tido oportunidade, voltaria a se apaixonar por aquele local, assim como acontecera na primeira vez que o vira. Ela não se sentia diferente ao lado de Leo, pensou, observando-o, e isso a chocou. Bethany franziu a testa, seu coração ficou mais acelerado. — Parece que você viu um fantasma — disse Leo. Bethany sorriu, assustada por ser tão previsível, mas tentou dissimular curvando-se para apanhar o livro. — Muito pelo contrário — murmurou ela, endireitando o corpo e tirando os cachos de cabelo do rosto. Gostaria de poder arrumá-los num lindo coque, queria estar melhor preparada para o encontro. Porém, lembrou-se que já não precisava da aprovação de Leo para nada. Não precisava e não queria. 44
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Deixou o livro a seu lado no sofá, depois voltou a olhar para Leo, perguntando: — Espero que tenha vindo me dizer que chegou o momento de irmos ao juiz para resolver o divórcio? A expressão de Leo ficou mais dura. Ele estava recostado na moldura da porta e parecia roubar todo o ar e a luz do quarto com sua presença. — Acho que não... — respondeu ele, e havia algo que Bethany não podia entender em seu tom de voz, algo que não conseguia ler em seu olhar — embora a sua impaciência seja notável. — Estou aqui há vários dias e não pedi que você fizesse uma volta ao mundo — revidou ela. — Porém, mais uma vez, acho que chegou a hora de lembrar que tenho uma vida em Toronto... — Você não precisa me lembrar de nada, Bethany — disse ele, interrompendo-a. E ela tremeu ao ouvir Leo pronunciar seu nome. Ele a encarava. — Penso muito em seu amante. É um tema muito interessante para mim. Ela ficou sem ar, pois se esquecera daquela mentira sem pé nem cabeça, mentira que parecia inofensiva. Desviou os olhos e ficou observando as próprias mãos por um tempo, tentando manter a calma. Por que sentia tanta vontade de contar a verdade a Leo? Será que realmente acreditava que isso mudaria alguma coisa? — Meu amante... — disse ela. — Claro — respondeu Leo, encarando-há o tempo todo. — Não podemos nos esquecer dele nesses momentos. Ela tentou lutar contra o rubor que nascia em seu rosto. Não que isso importasse. E Bethany sabia muito bem porque Leo insistia em preocupar-se com seu suposto amante. Assim ele a controlaria e tentaria manter sua reputação, seu nome, sua honra. Ele e aquele maldito legado Di Marco, que enxergava como a coisa mais importante de sua vida. — Fico surpresa que você tenha recebido tão bem essa notícia — disse ela, mantendose firme. — Imaginei que sua reação fosse ser outra. — O fato de você ter um amante, Bethany, é grave e um grande, insulto á minha honra e a meu nome — disse Leo, em tom suave, erguendo as sobrancelhas. — Mas, como você está louca para livrar-se do meu sobrenome, por que eu deveria ter algo contra? Bethany ficou olhando para ele, com um misto de desespero e fúria no ventre, deixando-a com o rosto vermelho. Não, ele nunca mudaria. Não poderia mudar. E, após alguns dias vasculhando aquele mausoléu onde ele fora criado, Bethany entendia melhor tudo isso, entendia melhor a vida que tivera. Ele fora criado para ser exatamente quem era. Fora educado, moldado, preparado para assumir seu título, sua riqueza, suas terras e suas várias preocupações comerciais. E ela fora uma idiota imaginando algo diferente. Afinal de contas, se ele encarava a traição como uma forma encontrada por Bethany para livrar-se do casamento, melhor. Era tudo o que ela queria. Na verdade, Bethany nunca acreditou que poderia magoá-lo. Respirou fundo e decidiu não distrair-se em seus pensamentos.
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— Qual é sua desculpa desta vez? — perguntou ela, finalmente, encarando-o e ficando surpresa ao ver a expressão no rosto de Leo. Não era a expressão de fúria que imaginava encontrar. Era algo mais suave, mais tranquilo, mais perigoso. Sua pulsação foi a mil. — Qual é sua desculpa para não nos encontrarmos com um juiz? — insistiu ela. Ele deu de ombros, num gesto muito italiano que não deveria significar tanto quanto significava para ela. Qual era o problema com Bethany? O último encontro dos dois fora terrível. No entanto, ao vê-lo novamente, ela quase caía de joelhos a sua frente. — Hoje é sexta-feira à tarde — respondeu ele. — O tribunal não funciona nos fins de semana, Bethany. E segunda-feira vai ser feriado. Sinto muito, mas você terá de sofrer mais alguns dias sendo minha esposa. Ela não entendia as energias estranhas que os envolviam. Era como se algo tivesse mudado sem que ela notasse... Mas por quê? Bethany se lembrava da terrível expressão estampada no rosto de Leo no café da manhã, das coisas que ele dissera, daquela conversa frustrante. A culpa, a recriminação e a incessante vergonha e dor que Bethany carregava no interior do próprio corpo, tudo isso ficava mais agudo quando estava á seu lado. Ela tivera vários dias para pensar em tudo aquilo, mas não encontrou qualquer resposta. Porém, de alguma forma, estava ainda mais determinada a pôr um ponto final naquele vai e vem. Mas por que viver tudo aquilo, aquela história que parecia não chegar a lugar nenhum e que só fazia com que Bethany se sentisse pior? Ele deu alguns passos em direção ao interior do cômodo, e Bethany teve de lutar conta á vontade de levantar-se do sofá, de encará-lo, de postar-se no mesmo nível que ele. O cômodo em que eles estavam uma antessala, era muito pequeno, e ele poderia facilmente dominar todo o espaço. — Já parou para pensar no que teria acontecido caso, como você mesma disse, eu não a tivesse deixado presa? — perguntou ele, em tom doce, tranquilo. Bethany demorou para processar as palavras de Leo. Piscou os olhos e finalmente respondeu, muito assustada para tomar cuidado com as próprias palavras: — Claro que sim. Da mesma forma como já pensei em como seria o mundo caso Papai Noel fosse real ou caso duendes andassem pelas ruas, ao nosso lado. Ele não se deixou levar, ergueu as sobrancelhas e a encarou, firme. Bethany, por sua vez, ficou vermelha, nervosa, e disse, entre nuvens de medo e pânico: — Não vou entrar em seus joguinhos, Leo. Não quero conversar sobre contos de fada com você. Não vou ficar imaginando coisas... — Covarde. Foi apenas uma palavra, dita de forma suave, quase gentil. Mas Bethany ficou louca. No entanto, não implodiria. Não daria essa satisfação a Leo. Não naquele momento, não após tanto esforço para permanecer calma. Ela ficou simplesmente olhando para ele. — Você é uma covarde — repetiu ele, com um brilho nos olhos que ela logo entendeu: tratava-se de pura satisfação. E essa, para Bethany, foi uma acusação muito forte, muito dura. — Você já reclamou várias vezes por eu ter feito isso... Por ter insistido... No entanto, pedi que imaginasse como sua vida seria de outra maneira e você perdeu a cabeça. Não conseguiu conversar do que você tem medo? — Eu simplesmente não vejo razão para essas discussões hipotéticas — disse ela, o mais fria possível. Porém, na verdade, o que queria era gritar. Queria extravasar tudo, como se fosse uma onda. Mas por que se sentia assim? Ele já lhe dissera coisas bem piores antes. — Não estamos envolvidos em nada hipotético — disse ele, erguendo as mãos abertas, como se entre elas segurasse o mundo. — Considere-se fora dessa prisão, Bethany. E agora, o que vai acontecer? Nesse momento exato, ela entendeu a reação que tivera. Todos os seus sonhos, os seus desejos ingênuos, as esperanças épicas e impossíveis que depositara naquele homem frustrante, no seu príncipe, estavam despedaçados. Por um bom tempo ela se sentiu suspensa no ar, presa ao olhar de Leo, como se ele a oferecesse tudo o que ela tinha medo de admitir
Tudo o que ela um dia quis, mas deixara de querer. Bethany não queria nada dele... O que sentia eram meras lembranças, um jogo, algo irreal. Não poderia ser real. O que ouvia eram ecos do passado, nada mais. — Por que você faria isso? — perguntou ela, numa voz distante, como se fosse a voz de outra pessoa. Aquele quarto, com sua mobília luxuosa parecia desaparecerem. Ela não sentia o chão sob os pés descalços. Não via nada além da força da presença de Leo, que a encarava. Tudo o que havia naquele vasto mar era Leo e as coisas que ela sempre desejou, mas nunca teria. 46
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— Por que não? — perguntou ele, no mesmo tom, como se estivessem à beira de um enorme precipício que levava ao nada. — O que poderíamos perder? Bethany imediatamente entendeu que sim, era o ser covarde que ele dissera. E isso a feriu, profundamente. Ela se sentiu mal. Mas respirou fundo e resolveu enfrentar os fatos. A verdade é que não havia mesmo nada a perder, como ele dissera. Mas por que ela continuava tão preocupada em proteger-se? Por que imaginava que suas fantasias de menina teriam alguma importância naqueles dias estranhos? Por que agia como se fosse morrer caso ele soubesse o quanto o desejara um dia? Mas ela não morrera por conta de nada disso, embora muitas noites tivesse preferido morrer, pois assim deixaria de sofrer tanto e não teria de descobrir uma forma de sobreviver a Leo. Porém, tudo indicava que Bethany sobreviveria, ainda que o processo se revelasse muito duro. Então, por que esconder justamente a verdade? Por que tanta necessidade de proteger-se? — Não vou aguentar se você usar isso como mais uma arma contra mim — disse ela, sentindo-se nua como nunca, nem mesmo em suas piores brigas anteriores. — E não vou aguentar caso fique zombando... Os olhos escuros de Leo brilhavam, pesados e intensos, mas ele não afastou o olhar. No entanto, ela o respeitava por não questionar nada. E não entendia por que confiava mais nele naquele momento do que jamais confiara. Algo ganhava vida em seu combalido coração, mas Bethany se recusava a examinar o que seria. — Não posso prometer nada — disse ele, passado um bom tempo, e ainda olhando para ela como se fosse feita de vidro, transparente. — Mas posso tentar. Pés descalços e uma cesta de piquenique, nada mais. Esses foram os primeiros dois pedidos de Bethany na manhã seguinte, quando o encontrou para tomar café com um brilho nos olhos. Leo não a via assim há tempos. E não quis especular por que reagia tão bem àquela visão. — O quê? — perguntou ele, mantendo seu tom autoritário. Ela sorriu, fazendo um jorro de calor subir pela espinha de Leo. Ah, como ele a desejava... Mas não poderia tomá-la nos braços. Tudo o que tinha de fazer era esperar, embora fosse cada vez mais complicado. — Você quer que eu fique passeando por aí, pisando em toda essa sujeira? — Da mesma forma como faria o camponês simples que você nunca será — respondeu ela, com muita satisfação e erguendo as sobrancelhas, desafiante, quando ele sorriu. — Agindo assim, você está destruindo anos de crença no sexo frágil — disse ele, em tom seco. E seus olhos passearam pelo pescoço de Bethany, entre seus seios escondidos sobre a blusa. Seus dedos pulsavam de vontade de tocá-la, mas ele se controlou. — Normalmente, as mulheres preferem os príncipes. Mas você, Bethany, prefere os sapos. Claro... Suas palavras permaneceram suspensas no ar, entre os dois, naquela mesa de café da manhã banhada pelo sol, entre pratos de comida, o café e o chá quentes e os sucos de fruta recém -exprimidos. Ela ficou mais atenta ao que acontecia, limpou a garganta e moveu milimetricamente a cadeira, dizendo:
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— Não há razão para brincadeiras. E não sei por que estamos ocupando nosso tempo com isso. Nada mudará os fatos. — Não mesmo — concordou Leo, sabendo que eles dois pensavam em coisas distintas, em fatos distintos. Mas não era hora de explorar tais diferenças. O que estaria acontecendo com ele? Aquela situação nascera da necessidade de que ela assumisse suas obrigações. E Leo não sabia por que aceitava tantos pedidos, por que se preocupava se a estaria ou não tratando bem. Nada disso importava. O único objetivo era que Bethany permanecesse a seu lado. Ele não era um homem que falhava duas vezes. Não cometeria o mesmo erro. Nada o afastaria de seu objetivo. Chateado consigo mesmo e com sua incapacidade de dizer o que pensava, ele se levantou e seguiu em direção à porta. — O que você está fazendo? — perguntou ela. Por que ele teria de ser o único desconfortável frente a todos aqueles assuntos não discutidos e que permaneciam no ar entre eles dois? Por que seria refém da tensão? Da história? Do desejo? Talvez por isso ainda não dera um basta naquele joguinho de Bethany. Talvez por isso continuasse deixando-a livre. Ele girou o corpo e a encarou. Ela estava linda, com a luz banhando seu rosto, marcando uma sinfonia com seus olhos gloriosos e seus cachos escuros. Leo nunca conseguira controlar o desejo por ela, um desejo que nunca o abandonara. Ela mordeu o lábio inferior e Leo sentiu vontade de tomar sua boca. Queria provar seu gosto. Aliás, isso era o que ele mais queria na vida. No entanto, primeiro teria de aceitar o jogo de Bethany. E sairia vencedor Depois, talvez, pudessem confrontar os fatos e conversar sobre algumas verdades, sobre coisas que ela provavelmente não gostaria. Leo afastou o desejo de sua mente e se forçou a encará-la calma e educadamente, como se não estivesse pensando em seis diferentes formas de possuí-la naquele exato momento: na mesa, no chão, contra as janelas, com a luz do sol banhando seus corpos... Porém, nada disso seria útil naquele momento. — Vou pedir a meu mordomo que prepare tudo o que for preciso para enfrentar uma caminhada com os pés descalços — disse ele, em tom calmo, e a encarou até o momento em que Bethany ficou vermelha. Depois sorriu, pois sabia exatamente como ela se sentia. Louca. Ressentida. Perdida. A questão era derrubar muros e livrar-se das prisões, lembrou-se Bethany, e por isso se afastara do quarto de Leo. Ele nunca a levaria a seu quarto se não fosse para ficarem nus. E ela ouvira várias vezes do primo Vincentio qual seria o comportamento ideal de uma esposa do Príncipe di Felici, e não gostava nada daquela história. Porém, resolveu se esquecer do passado e entrou no quarto do príncipe. Era um cômodo magnífico e altamente masculino. Uma cama com dossel dominava o ambiente, como um altar. Bethany ficou com a garganta seca, removendo as mãos como se fosse uma virgem a ponto de ser sacrificada. Os tapetes sob seus pés eram antigos, impressionantes. Demonstravam uma riqueza conquistada ao longo dos séculos, ecoando os passos de antigas princesas. Por um momento, desejou que Leo fosse um homem comum, o mesmo homem comum que parecia ser quando se conheceram no Havaí. Ele dizia não ser nada sem a história de sua família, e a verdade é que ela não conseguia imaginá-lo fora daquele contexto. Era impossível negar que ele combinava muito bem com toda aquela pompa renascentista. Ele era um verdadeiro príncipe. Sempre fora. Quando Leo entrou no quarto, ela ficou paralisada.
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Sem ar, com as pernas trêmulas. Ele vestia roupas que Bethany poderia jurar não existirem em seu armário. Por alguma razão, ela imaginava que seu pedido por pés descalços e roupas simples não o agradariam... Embora pudessem fazer dele um homem mais normal, mais comum. Porém, ela talvez não o conhecesse tão bem, ou talvez tivesse se esquecido... Leo passou a seu lado, com os olhos pregados nela, com um brilho que fez o corpo de Bethany tremer. Seus mamilos ficaram duros contra a camiseta de algodão e outras; partes de seu corpo se umedeceram. Ele vestia uma calça jeans surrada, mas que se ajustava às formas de seu corpo de uma maneira que a deixou zonza. E no torso não vestia nada além de uma camiseta preta bem justa. Mesmo vestido como o homem das suas velhas fantasias, Leo di Marco parecia estar completa e perfeitamente no comando. Era impossível afastar os olhos de seu corpo bem torneado, especialmente quando ele se movia. Seu sorriso era afiado, desejoso. Seus olhos pareciam tudo ver, tudo saber Bethany notou que, mais uma vez, como sempre acontecia com aquele homem, calculara mal. Ela se esquecera do quando Leo podia ser letal. As roupas formais e os modos perfeitos eram capazes de distrair e fazer qualquer pessoa se esquecer do profundo carisma masculino de Leo. E era exatamente essa característica que lhe permitia alcançar tanto sucesso no mundo dos negócios. Como ela fora capaz de se esquecer disso?
Aquele era o homem que a deixara de joelhos, que alterara sua vida completamente com apenas um sorriso. Aquele era o homem que ela conhecera nas águas cálidas de Waikiki, um homem confiante e perigosamente atraente, com seus olhos quentes e seu corpo perfeito, o homem que a tirou do sério, completamente. Foi aquele homem que ela seguiu em sua primeira viagem à Itália. Aquele era o homem com quem se casara e que amara com todas as suas forças, para depois vê-lo engolido pela enorme boca de sua família, sua história, suas infinitas obrigações. Na última vez que vira aquele homem, ele a convencera, em apenas duas apaixonadas e frenéticas semanas, a virar as costas a tudo o que conhecia e casar-se com um estranho. O que ele faria dessa vez? E pensar que ela mal podia respirar desde o momento em que Leo entrou por aquela porta. Aquilo não era um jogo, pensou Bethany, tarde demais, chocada com o alcance da própria estupidez... Da própria fraqueza. Ela perdera tudo, e sofria. Estava envolvida num grande erro.
CAPÍTULO NOVE
— Você passou todo esse tempo sofrendo para me contar exatamente a pessoa que não é — disse ele, naquele tom baixo e encorpado, mas que aos ouvidos de Bethany parecia capaz de preencher totalmente o vale de Felici. — Talvez seja o momento de me contar quem você é de verdade. Eles caminhavam pela trilha ladeada de ciprestes que descia do castelo em direção ao vale, e que, segundo Leo, terminaria num lago escondido na encosta da colina ao lado. Era como um sonho, pensou Bethany, com a sensação de estar acompanhando aquela cena á distância... Como se não fosse ela quem estivesse caminhando ao lado daquele homem alto, moreno e lindo, naquela agradável manhã de outono, e como se não se lembrasse das inúmeras discussões que tiveram até então. A história deles dois poderia ter sido outra... E Bethany sentia a dor dessa perda, dessa tragédia, dor que a envolvia no ar outonal. 49
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Talvez tudo isso surgisse por estarem longe do castelo, longe de suas pesadas paredes de pedra, longe do incomensurável peso da sua história... Longe das pessoas que tinham de ser quando estavam lá dentro. Bethany olhou rapidamente para Leo, para aquelas feições que tantas vezes demonstravam desapontamento com o que ela fazia... A seu lado, as longas pernas de Leo continuavam caminhando no mesmo ritmo das pernas muito mais curtas de Bethany, e sem nenhum esforço aparente. Numa das mãos, ele carregava uma cesta com as delícias saídas dos fornos do castelo. E parecia muito à vontade nas terras de sua família. Por algum motivo, ao pensar nisso o coração de Bethany pareceu crescer no peito, quase doendo. — Você terminou algum curso universitário? — perguntou ele, quando ficou claro que Bethany não diria nada por vontade própria. E ela sorriu rapidamente, confusa. — Sim — respondeu ela, lutando para manter-se calma, para não ser envolvida pela beleza do campo, tão verde e dourado sob o sol... Uma imagem que poderia fazer com que ela se esquecesse de tudo. — Estudei psicologia. Para entender o que havia de tão errado em mim, o que me fez desaparecer em seus braços, como se eu não tivesse vida própria, ela pensou, mas não disse. — Isso é fascinante — murmurou ele. — Eu não sabia que você tinha tanto interesse na mente humana. Só na sua, ela pensou, com uma pitada de fatalismo, mas depois voltou a si. Isso não; era totalmente verdade, e aquele seria um dia sem mentiras ou fingimentos, lembrou-se Bethany. Ela poderia agir como se estivessem suspensos no tempo, longe das suas histórias de vida. — A interação humana me interessa — disse ela. — Minha mãe era arqueóloga, o que é similar, eu acho... Ela queria desvendar vidas humanas a partir de restos encontrados em ruínas. Mas eu tenho menos interesse no passado e mais no que as pessoas fazem para sobreviver frente a tudo o que acontece em suas vidas. Imediatamente, Bethany pensou que aquilo era demais, que fora longe demais, que se revelara demais. Mordeu o lábio inferior e esperou uma explosão, uma reação de Leo. Porém, ele ficou olhando para Bethany, com uma expressão ilegível, mas não reagiu. — Você não costuma falar sobre sua mãe — disse ele. — Ela morreu quando eu era muito jovem, um bebê — respondeu Bethany, dando de ombros e erguendo o nariz em direção ao sol, para que os raios acariciassem sua pele. — Honestamente, não me lembro dela. — Naquele momento, o silêncio de Leo foi uma companhia confortável a seu lado, encorajando-a a seguir: — Meu pai nunca conversava muito sobre ela. Acho que sua morte foi muito dolorosa para ele. Porém, no fim da vida, ele não falava de outra coisa. Ela olhou para os pés, que estavam um pouco congelados sobre a terra, mas era bom estar livre de sapatos, agir como se não tivesse medo de nada, menos da verdade. — Ele deve ter imaginado que, se não falasse nada, minha mãe desaparecia após sua morte. O caminho pelo vale passou por vinhedos antes de começar uma leve subida em direção à seguinte colina. Eles caminhavam lado a lado, como se tivessem todo o tempo do
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mundo, pensou Bethany. Como se estivessem envolvidos num feitiço. Como se aquele dia fosse durar para sempre. E por que ela pensava que gostaria que isso fosse verdade? Por quê? — Quando voltei a Toronto... — disse ela, dando uma olhada na direção de Leo e corando levemente ao encontrar seus olhos — eu quis terminar a faculdade. De alguma forma, acho que queria honrar minha mãe. Seria uma espécie de continuação dos seus estudos. — Fico feliz por você — disse ele, quando ela parou de falar e voltou a prestar atenção no caminho que tinham pela frente. — Sei o quanto você queria manter os laços com sua família, seja lá como fosse. Ela não gostou do tom de Leo ao dizer aquelas palavras... Era como se ele tivesse passado um tempo pensando nelas. Como se soubesse coisas sobre Bethany que nem ela sabia. — Não creio que você se preocupe com isso — disse ela, mudando o foco da conversa, tirando o holofote de si mesma e do pânico que, desesperadamente, queria esconder. — Você não conseguiria dar um passo longe da história dos Di Marco. Ele sorriu brevemente. — Não mesmo — concordou Leo. — Mas esta não é a viagem de descoberta que você imagina — disse ele, com uma risada. — Meu pai não era um homem fácil. Ele acreditava piamente que deveria dominar tudo. Sua riqueza, suas propriedades. Sua esposa, sua família. Não era nada tolerante, não era gentil. — Leo... — disse ela. Mas ele não a escutou, e continuou falando, num tom aparentemente sem emoção: — Fui enviado a uma escola interna na Áustria aos 4 anos. Aquele ambiente era pouco menos hostil que a casa de meus pais. Fui criado para crer que nada é mais importante que o legado dos Di Marco. Minhas responsabilidades e obrigações foram apresentadas muito cedo. — E os olhares dos dois se encontraram. Ainda assim, Bethany não conseguiu ler o que ele escondia na profundeza de seu olhar, assim como não era capaz de identificar as confusas emoções que tomavam conta de seu corpo. — Há certa liberdade quando não temos escolhas, você precisa entender — Isso soa terrível — disse ela, com os olhos repletos de lágrimas que não poderia extravasar na frente dele. — O câncer levou minha mãe precocemente, e meu pai passou o resto de seus dias de luto, mas ele me amava. Nunca duvidei disso. — Fui criado para não ligar para essas bobagens — disse Leo, demonstrando alguma emoção indescritível naquele rosto que, rapidamente, retomou sua máscara de educada indiferença. Ela sabia que deveria reconhecer aquela maldita expressão, mas sua mente passou a outro assunto antes que pudesse identificá-la. Era como se estivesse segurando a respiração. — Os Di Marco, sem dúvida, têm coisas mais importantes no que se concentrar — conseguiu dizer, forçando-se a respirar normalmente, mesmo com um nó no estômago. — Minhas obrigações ficaram claras no início da minha vida, e nunca tive motivo para me rebelar ou argumentar — disse ele, com voz áspera, olhos arregalados. — Nunca deveria perder de vista quem sou nem agir como os outros rapazes. Meu dever é sempre pensar no legado dos Di Marco, antes de qualquer coisa, e nunca em meus próprios desejos ou necessidades. — Ele fez uma pausa e deu de ombros. — Caso eu me esquecesse disso, sempre encontraria gente disposta a me lembrar. Especialmente meu pai, e ele faria o que fosse preciso para me colocar nos trilhos. — Isso soa tão cruel — comentou-a, sem conseguir olhar para Leo, pois tinha medo de fazer algo que não deveria, como abraçá-lo, por exemplo, para tentar libertar aquele jovem que, aparentemente, ele nunca fora. — Você era uma criança, não um robô a ser programado sobre obrigações arcaicas! — Meu pai não queria ter uma criança — disse Leo, em tom calmo. — Ele queria um herdeiro, o próximo Príncipe di Felici.
Ela não tinha nada a dizer frente a isso. As palavras de Leo ficaram no ar, entre eles dois.
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Bethany não abria a boca, pois tinha medo de sucumbir às lágrimas. Tudo o que sabia era que as coisas estavam ficando claras para ela, embora não soubesse o que dizer frente a tudo aquilo. Porém, conhecera a verdade, uma verdade dolorosa que a atingia diretamente. Naquele momento, chegaram ao topo da segunda colina e ela ficou sem fôlego, mas por outra razão. A sua frente, surgiu um lago perfeito. A água era cristalina sob o sol outonal, brilhante. A sua volta, pássaros cantavam nas árvores e a grama tomava conta das colinas. — Que lindo — disse Bethany, respirando fundo. Porém, novas e diferentes lágrimas tomaram conta de seus olhos. Como era possível que não conhecesse aquele lugar quando passara um ano e meio morando na colina ao lado? Ela sentiu uma estranha vertigem, como se tudo o que antes aceitara como fato perdesse o foco e ganhasse nova dimensão. — A minha mãe poderia ter sido uma artista — disse Leo, em voz baixa, irresistível, uma voz que era puro veludo e aço, uísque e chocolate. E ficou olhando para aquele cartão-postal, embora seus olhos parecessem distantes. — Caso não tivesse tido o azar de ser Principessa di Felici... E quando ofereceu um herdeiro a meu pai, ele lhe ofereceu algo em troca: este lago. Ele cruzou os braços sobre o peito musculoso, fazendo com que a apertada camiseta preta que vestia se esticasse contra os bíceps. — Ele foi construído nos moldes de um lago da Andaluzia, onde minha mãe passava os verões, quando criança — disse Leo, olhando para Bethany, com as sobrancelhas erguidas. — Porém, para meu pai, isso não era nada romântico. Aliás, ele não era um homem nem um pouco romântico, mas se preocupava muito com a opinião pública, e o nascimento de um novo príncipe era certamente um evento que merecia ser celebrado com ostentação. Por isso criou um lago que o marcaria como um herói romântico, algo que nunca foi. — É lindo — repetiu Bethany, agora em tom mais firme, pois vencera o nó na garganta e no estômago. — Não importa como tenha surgido por aqui. Ela se aproximou da água e ficou nervosa, trêmula. Olhou para a superfície por um bom tempo, sem perceber que Leo se movimentava logo atrás. Precisava pensar, acalmarse. Precisava vencer as emoções caóticas que a assolavam. Aquele seria um dia diferente. Sem sobressaltos, sem chateações. Poderia aguentar? Conseguiria manter-se calma, mesmo após Leo ter lhe apresentado aquele lugar maravilhoso? Não se deixaria vencer pelo ressentimento de não ter conhecido aquele lago antes... A verdade é que nem conseguia pensar em como seria caso o tivesse conhecido três anos antes... Quando girou o corpo, Leo já estendera uma grande toalha sobre a grama e distribuíra coisas maravilhosas sobre ela: frango, azeitonas, vinho, duas taças, queijos, carpaccio, prosciutto, e vários patês, além de maçãs e lindas uvas. Ele se deitou sobre a toalha, revelando seu corpo glorioso. Era impossível olhar para aquela camiseta negra sem perder o foco, muito menos ao notar que uma parte do seu abdômen bronzeado escapava logo após a barra. Bethany teve de engolir em, seco, duas vezes. — Sente-se aqui ao meu lado — disse ele, como se fosse o lobo falando com a menina inocente. E, como sempre fora inocente ao lado dele, embora pretendesse ser muitas outras coisas, Bethany se aproximou.
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Logo que se sentou sobre o lençol, ela notou que algo mudara. E rezou para que não fosse nada além da brisa que vinha das árvores ou de uma leve mudança na temperatura, mas ela sabia que... Bethany tentou manter a atenção focada nas águas cristalinas à sua frente, e não na energia sexual que emanava do homem a seu lado. — Está com fome? — perguntou ele, passado um momento. E Bethany não aguentou: girou o corpo e olhou para Leo, e não foi capaz de fazer nada além de obedecer. Ela sabia que no rosto de Leo estaria estampada aquela característica satisfação masculina, junto a um leve sorriso no canto da boca. Bethany não sabia o que fazer. Duas horas antes tinha um plano que parecia perfeito, mas isso fora antes do passeio deles entre campos verdes e dourados, e antes de ouvir tudo o que Leo lhe contara, e que não saía de sua cabeça. E então, o que deveria fazer? — Como foram as reuniões em Sidney? — perguntou ela, pois parecia uma questão inócua, incapaz de aumentar a tensão entre eles. E talvez porque ela realmente fosse uma covarde... O sorriso de Leo ficou mais aberto, e ele se debruçou para pegar um pedaço de queijo com seus longos dedos. Mordeu o queijo, e para Bethany aquele movimento pareceu altamente erótico. O lago estava plácido, a brisa era suave sobre sua pele. O sol acima deles estava perfeito, não muito quente. Os seios de Bethany pesavam, pulsavam por baixo da camiseta. Ela sentiu algo úmido entre as pernas. E o pior era notar que Leo estava atento a tudo aquilo, com a cabeça caída para um lado. — Não costumo perder o que quero, Bethany. E acho que você sabe muito bem disso. — Sei que você leva seus negócios muito a sério, se é isso o que quer dizer — comentou-a, incapaz de driblar o olhar sedutor de Leo, incapaz de parar de imaginar o que poderia acontecer caso se aproximasse ainda mais daquele corpo que se espalhava a sua frente como um bufê de maravilhas sensuais. Mas claro que ela sabia o que aconteceria. Na verdade, era capaz de sentir o sabor e o sal da pele de Leo em sua língua. Podia sentir os músculos roçando contra as palmas de suas mãos. Mal podia respirar ao ter todas essas imagens rondando sua cabeça, sua memória e sua imaginação, numa enorme onda de desejo, de loucura. E sabia que Leo sentia a mesma coisa que ela. — Eu levo tudo muito a sério — disse ele. — Sou conhecido por minha atenção aos detalhes. Tenho renome por conta disso. — Leo... — disse ela, mas na verdade não sabia o que queria dizer, tudo o que sabia era que estava presa ali, embora não se importasse muito, e isso também a assustava. O que estaria acontecendo com ela? Por que permitia que Leo lançasse seu encantamento para cima dela? De alguma forma, era como se tivesse deixado sua vontade de lutar no interior do castelo. Ele a desarmara, e Bethany estava mais vulnerável do que nunca. Porém, em pouco tempo recuperaria a força, bastaria esperar que aquele momento perigoso passasse. E ali, naquele instante, tudo o que havia era o olhar penetrante de Leo. E ela estava perdida... — Noto a forma como você me olha, Bethany — murmurou ele, com os olhos cravados nela e uma voz sedutora. — Você está me comendo vivo, seu desejo estão escritos em seu rosto, como se fosse poesia. Noto que está ficando sem ar, que suas mãos tremem. — Talvez por conta do desgosto — disse ela. Ele sorriu, mas era um sorriso de predador, um sorriso que enviava uma descarga elétrica ao interior do corpo de Bethany. — É você a aluna de psicologia aqui — disse ele. — Portanto, é você quem deve me dizer o que significam todos esses sinais físicos e suas constantes negações de coisas que estão claras, para nós dois. Bethany afastou os olhos. Você tem outra vida, uma vida diferente, ela disse a si mesma, decidida, tentando respirar normalmente entre as fortes batidas de seu coração. Aquilo não passava de um sonho à beira de um lago, de um lago artificial. — Não preciso ser psicóloga para saber que tocar seu corpo seria algo incrivelmente estúpido — respondeu ela, em voz baixa, com a atenção voltada às límpidas águas do lago, que lambiam as margens. — Você é quem sabe... — murmurou ele, e não soava ofendido nem surpreso. — Por que não me trouxe antes aqui? — perguntou ela quando notou que não poderia simplesmente ficar observando o lago. Bethany girou o corpo para encará-lo, e não ficou surpresa ao notar que Leo a encarava, intensamente. — Por que não me trouxe antes... — repetiu ela. Ele a encarou por um momento, depois olhou para a margem oposta do lago, onde árvores verdes balançavam ao vento. — Este nunca foi um lugar feliz — disse ele, finalmente. — Não acho apropriado trazer uma noiva a um lugar construído para inflar o ego de um homem e secar as lágrimas de uma mulher. Bethany engoliu em seco. — E agora? — perguntou ela. Por que perguntara isso? O que queria de Leo? Sim, ela sabia o que queria. Sempre soube: queria tudo. E, exatamente por isso, o pouco que recebera doía tanto. Por isso vivera tanto tampo naquela casa de Toronto: na esperança de que, numa noite qualquer, ele poderia voltar. Embora sempre sofresse no dia seguinte, ao notar que nutrira a mesma boba fantasia.
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— O que você quer ouvir de mim? Que resposta está buscando? — perguntou ele, em tom calmo, mas encarando-a firmemente. — O que devo dizer para que você me toque, exatamente como quer fazer, como nós dois queremos que faça? Basta me dizer o que quer ouvir que eu direi. Vamos, diz... Ela sentiu um terremoto repentino se abater sobre o corpo, a terra parecia girar e mover-se em todas as direções. Ela nem o tocara, nem se movera, nem lutara contra ele. Aquela necessidade, aquele desejo profundo, aquele medo de que, caso não o tocasse, Leo desapareceria, como se nunca tivesse estado ali. Pois nunca deveria ter estado. Leo não servia para ela. E, em parte, Bethany notara isso desde o princípio. Mas por que fizera de tudo para afastar-se dele? Talvez por saber que o fim inevitável chegaria, mais cedo ou mais tarde. — Você me olha como se eu fosse um fantasma — disse ele, franzindo os olhos. — Algumas vezes, penso que você sempre foi um fantasma, que nunca foi real — retrucou-a, perdendo o controle sobre as próprias palavras. De repente, foi como se tudo o que só admitia para si mesma finalmente pudesse sair por seus lábios. Como se aquele local, tão lindo e tão calculado ao mesmo tempo, fosse de alguma forma o céu que ela passara tantos anos procurando. — Você não permitiu que eu fosse outra coisa — disse ele, calmo. — Nunca me ofereceu nada além de seu corpo, de pequenas demonstrações de amor. E a verdadeira mulher? A mulher de carne e osso? Isso eu nunca tive. Caso aquele fosse qualquer outro dia, ela teria respondido imediatamente. Mas aquele dia era diferente. Muito diferente. As regras comuns não valiam. Talvez fosse culpa daquele lago escondido, interditado à alegria, assim como eles dois. E Bethany não pôde fazer nada além de responder honestamente. — Que mulher de carne e osso você queria? — perguntou ela, também em tom calmo. — A verdade é que, o que você queria, eu não tinha a oferecer. Você queria uma mulher idealizada. A mulher com a qual deveria ter se casado, caso não tivesse me encontrado antes. Em parte, Bethany esperava que ele respondesse mal, que lhe perguntasse quem metera tudo àquilo na sua cabeça. Mas ele não reagiu dessa maneira... Ficaram, um tempo em silêncio, até que ela disse: — Você merecia alguém nobre, bem educada, refinada e elegante — disse ela, soltando palavras que tinha decoradas na cabeça, palavras que ouvira do primo de Leo. — Nunca fui nada disso, e você sempre se ressentiu desse fato. — Não, — respondeu ele, encarando-há o tempo inteiro. — Isso não é verdade. Eu não me ressenti por isso. — Leo fez uma pausa, depois continuou, com a voz mais tranquila: — Caso me arrependa de alguma coisa, foi de ter obrigado você a ser alguém que não era. Ela abriu a boca, mas não disse nada. Olhou para Leo e o mundo parecia tremer, mas nada fazia sentido. Era tudo uma mistura de arrependimento e mal-entendidos, de seus próprios medos e do veneno dos primos de Leo, do título de Leo e da incapacidade de Bethany de chegar até ele. Ressentimento e raiva. Feridas abertas durante anos. E também a incapacidade de livrar-se de uma vez dele. Algo que ela sabia que deveria fazer. — O fato de que você não era nada disso, de que nunca poderia ser nada disso, foi o que me levou a me casar com você — disse ele, em tom ainda mais tranquilo, porém mais urgente. E ela ficou assustada ao ver que acreditava nele. Embora ainda se lembrasse de tudo o que acontecera. Ele fora frio, distante, negativo, e Bethany não sabia como lidar com tudo isso, pois o homem pelo qual se apaixonara parecia virar completamente as costas para ela. — Por que você não me disse nada naquela época? — perguntou ela, surpresa ao ver que murmurava. Porém, isso teria feito alguma diferença? Teria alterado alguma coisa? — Não poderia ter dito algo que nem eu sabia — respondeu ele, em tom baixo. Ela ficou assustada com essas palavras, e ao mesmo tempo se sentiu muito exposta, muito vulnerável. — Você queria algo diferente, era isso? — perguntou ela, incapaz de controlar a boca, pois precisava dessa resposta. E sua voz era um pouco rascante por conta da agonia nascida daquela conversa. — Você... O quê? Imaginou que eu poderia ser o símbolo da sua rebeldia? — Eu te amava — disse ele, com expressão tensa. — Sim, eu te amava. E confesso, Bethany, que não pensei em nada mais. Ela sentiu vontade de chorar Queria esconder-se daquela confusão de sentimentos que tomara conta de seu corpo. Porém, respondendo a uma urgência que preferiu não examinar, Bethany curvou o corpo para frente. Ergueu as mãos e ficou assim por um tempo. Depois se aproximou dos lábios de Leo. — Espere... Ele a deteve pouco antes de seus lábios se tocarem. Estavam muito perto. Ela ergueu os olhos, brilhantes, tomados pelo desejo, tremeu e sorriu, e o corpo de Leo era puro desejo e poder masculinos. Ele parecia preparado... — O que foi? — perguntou ela, murmurante. Seu coração batia pesado no peito, e Bethany notou as mãos de Leo fechadas agarrando a toalha azul e branca. — Se eu beijá-la, eu vou levar você comigo — disse ele, com os olhos brilhantes, exalando um calor tóxico, encarando-há o tempo inteiro. — Não duvide, Bethany. Só dê esse passo se tiver certeza. Ela não tinha certeza de nada. Era como se estivesse perdida entre areias movediças.
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Estava tomada por uma sensação assustadora. Eu te amava, foi o que ele disse e o que a fez tremer. Lá, às margens de um lago que não deveria existir, às margens de um monumento a um casamento tão desastrado quanto o seu, quanto o casamento do qual ela tentava escapar.. Porém, naquele momento, Bethany não seria refém das consequências... Lambeu os lábios e sentiu que Leo suspirava a sua frente, com um desejo inexplicável pairando entre eles dois. Seria apenas um dia, ela prometeu a si mesma. Um dia e nada mais. E então, deixando de lado a história deles dois, deixando de lado anos de arrependimento e ressentimento, ela respirou; fundo e se aproximou da boca de Leo.
CAPÍTULO DEZ
Leo deixou que Bethany o beijasse, que movimentasse sua boca desejosa sobre a dele. Uma, duas vezes. E o sabor de Bethany era maravilhoso, um pedaço do paraíso. Ela o desejava assim como ele a desejava. Se aquele era seu ato de rebeldia, só existia um final possível: a capitulação. E Leo não poderia conter a avalanche de desejo e triunfo, vitória e alívio que o invadia. Ele se curvou na direção de Bethany, sem nunca descolar suas bocas, e tomou seu rosto nas mãos, deixando sua cabeça numa posição ainda melhor para beijá-la. Ah, aquele sabor... Era como o melhor dos vinhos, como o calor de um sol de verão. E ele a desejava havia dias, anos, e ficou ainda mais louco de desejo ao ouvir os sons impacientes que ela deixava escapar durante o beijo, acariciando os cabelos do amado, aproximando-o ainda mais de seu corpo. Ele sentiu as macias maçãs do rosto de Bethany sobre seus polegares. E voltou a provar seu sabor, várias vezes, como se buscasse saciar-se... Pois temia que, caso parasse por um instante, respirasse ou interrompesse o que estavam fazendo por um único momento, ela poderia desaparecer mais uma vez. De novo, não, ele pensou. Não naquele momento. Não com os cachos de Bethany entre as palmas das mãos. Não enquanto a beijava loucamente, como se estivesse sedento e ela fosse a água mais pura e fresca que jamais provara. E a verdade é que mal podia pensar ou planejar o que fosse. Tudo o que podia fazer era aproximar-se ainda mais dela, fazendo com que os seios de Bethany roçassem seu peito maciço. Porém, em pouco tempo, essa sensação maravilhosa não seria suficiente. Mas será que algo seria suficiente? Ele passou uma das mãos por toda a extensão da espinha de Bethany, e a outra pela lateral de seu corpo, notando suas curvas perfeitas... A lateral dos seios, a entrada da cintura, seus quadris. Quando as mãos de Leo chegaram à maciez das nádegas, ele a ergueu, fazendo com que ela se sentasse a sua frente, aproximando o calor do ventre dela de sua virilha. Ela suspirou e afastou o corpo, pousando suas delicadas mãos nos ombros de Leo. E, por um bom tempo, ele a encarou. Os cachos de Bethany envolviam seus corpos, e seus lábios estavam úmidos do beijo que havia trocado. Ela estava corada, iluminada, e os olhos brilhavam como safiras, perdidos na mesma paixão que o invadia queimando-o, vivo. 55
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Bethany era a criatura mais linda que ele já vira, e era sua. Sua. Sempre fora sua. Mesmo naquela época em que Leo desejou que ela fosse outra pessoa. Cada curva, cada suspiro, cada tremor que tomava conta do seu delicado corpo... Tudo isso era dele. Leo queria lamber todos os centímetros de seu corpo até que ela finalmente admitisse isso, até que ela gritasse, até que ela murmurasse seu nome, como se fosse uma reza, um pedido, uma súplica que apenas ele pudesse atender E ele atenderia. — Diga que me quer — pediu ele, num tom rascante, um tom que não passava de um grunhido, enquanto suas mãos traçavam o contorno do corpo de Bethany e ela apertava as pernas no colo de Leo, roçando o corpo contra ele, fazendo com que suspirassem de desejo. — Você sabe que eu o quero — respondeu ela, embora murmurasse sons mais do que palavras, com as mãos cravadas nos ombros de Leo, em seus músculos, em sua pele macia, em seus bíceps. Ele tomou os seios de Bethany nas mãos, roçou os dedos em seus mamilos excitados, fazendo com que a respiração da amada ficasse ainda mais entrecortada. — Fale... — exigiu ele, pois precisava ouvir as palavras de Bethany, embora não entendesse exatamente por que e não estivesse interessado em explicações. Como se entendesse sua necessidade, Bethany curvou a cabeça e o lambeu, com sua pequena língua traçando uma linha de fogo na pele sensível do pescoço de Leo, bem no ponto em que ele se encontrava com o ombro. E Leo tremeu, tomado por uma tempestade de desejo que o fez sentir vontade de uivar. — Bethany... — Você sabe que eu o quero — murmurou ela no ouvido de Leo. — Sempre soube... Ele estava completamente perdido. Voltou a tomar sua boca, ao mesmo tempo em que suas mãos dançavam pelo corpo de Bethany. Roçou suas coxas, levantou sua saia e sentiu o calor de seu sexo, um calor que o fez entrar em combustão. Murmurando algo com forte teor sexual, determinado, Leo deixou seu membro livre, orgulhoso e duro entre os corpos deles dois. Depois voltou a erguê-la, puxando sua calcinha de renda para o lado e ficando totalmente paralisado frente àquela entrada para seu corpo, num momento único, enlouquecedor. — Leo... — murmurava ela. — Diga... — repetia ele. Ele sentia seu calor tão próximo, tão promissor.. E ela se curvava em cima dele, com seus quadris movendo-se de forma selvagem, desesperada. — Quero ouvir essas palavras de sua boca — pedia ele, louco. — De sua boca. Quero que você diga... Ela passou os braços ao redor do pescoço de Leo, pressionando os seios com força contra o corpo do amado, numa verdadeira tortura para eles dois. Quando abriu a boca, foi uma espécie de espasmo, como se estivesse tão perdida quanto ele naquela louca paixão, e ele adorou perceber tudo isso. — Eu o amo, Leo — murmurou ela, com voz trêmula, desesperada. E ele sentia o eco das suas palavras em seu peito, em sua cabeça, em seu sexo. — Meu Deus, como eu o amo. E a penetrou, num encontro quente, perfeito como sempre, como se Bethany tivesse sido feita para ele, moldada à sua paixão, ao seu calor. 56
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Ela o abraçou ao ser, tomada por Leo, naquela investida decidida e perfeita. Deixou sua cabeça cair para trás, seus olhos se fecharam, seu corpo tremeu. E ele saiu de seu corpo, tremendo levemente por conta do esforço, como se estivesse no céu. Mas não seria suficiente. Nada seria suficiente. No entanto, era um começo. Ela mal podia respirar, estava despedaçada, embora ele continuasse quente e rijo dentro de seu corpo. De alguma forma, Bethany conseguiu abrir os olhos e notou que Leo a encarava, com expressão decidida, sensualmente intensa. Ela mordeu o lábio, com os mamilos rígidos e as coxas tensas. Sem nunca perder o contato visual, ele se movia dentro dela. Ela se curvou entre os seus ombros, deixando que os seus dedos acariciassem os músculos que encontrava por lá. E ele agarrou a cintura de Bethany com mãos firmes e, lenta e deliberadamente, incendiou e seu corpo... Atiçando as chamas, repetidas vezes. Suas penetrações eram longas, lentas, profundas, deixando-a louca de desejo, num encontro muito mais compassado que o anterior. Ela mal podia pensar, apenas sentir. E notava a boca de Leo contra a sua, o rosto dele contra seu pescoço. Os seios de Bethany pressionavam seu peito, os braços fortes de Leo a envolviam. E ela se deixou levar pelo ritmo de Leo até o momento em que tudo o que sentia era sua possessão. Profunda. Lenta. Devastadora. A boca de Leo era uma espécie de arma de fogo contra a pele sensível do seu pescoço. — Não feche os olhos — pediu ele, em tom baixo e sensual. E o pedido reverberou em seu corpo. Bethany o sentiu entre as pernas, naquele ponto que ele não cansava de explorar, tão duro e quente que ela se desintegrava a seu redor. — Você esteve longe de mim por três anos. Fique comigo agora. Ela fez força para manter os olhos abertos, encarando-o. Um desejo pesado tomava conta do ar entre eles dois, nublava sua visão, era tudo o que havia. Um calor a consumia por dentro, mas Bethany não parava de se mover, deliberada e decididamente, e cada penetração parecia mais forte que a anterior, uma sensação ótima, mas quase insuperável. Ele a estava matando. — Leo... — murmurou ela, desesperada, com os olhos brilhantes, quentes. — Por favor.. Como se estivesse esperando aquele pedido, como se tivesse planejado tudo aquilo, Leo sorriu e seus movimentos ficaram mais ágeis, menos controlados. Selvagens e quentes. Perfeitos. — Agora — disse ele, em tom profundo, de comando, e ela tremeu. Mas não foi suficiente. Leo passeou os dedos até o centro do corpo de Bethany e, ao mesmo tempo, lambia seu pescoço e tomava sua boca num beijo carnal, levando os dois ao limite. 57
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Lentamente, ela voltou a si, encontrando a boca de Leo contra a pele do seu pescoço, caída sobre ele, com o coração ainda a mil dentro do peito, as pernas trêmulas, os ouvidos... Ele ergueu os olhos quando Bethany se moveu, corada, embora não soubesse dizer se por vergonha ou algo mais profundo, mais vulnerável. Bethany abriu a boca para dizer algo, mas não conseguiu. Ele ainda estava dentro de seu corpo. Ela podia sentir a calça jeans de Leo roçando a pele das suas coxas, seu membro no interior de corpo, seus braços fortes, seu peito musculoso... Em parte, Bethany ficou em pânico ao notar a evidência de sua possessão. Se eu beijá-la, vou levar você comigo, ele prometera. E cumpriria a promessa. — Isso foi... — tentou dizer ela, mas sua voz falhava, e Bethany notou que continuava zonza. Estava perdida entre o simples beijo que não planejara dar e aquela possessão completa. Não tinha a menor ideia de como processar o que acabara de acontecer. Foi uma experiência renovadora, capaz de transformar vidas. E, como sempre, aquele homem não era ninguém mais que Leo. — O quê? — perguntou ele, instigando-a. Os olhos de Leo brilhavam, e ao notar isso o peito de Bethany arfou novamente. Tudo o que ela sabia era que aquilo doía, que ela estava doída. Sabia que precisava desesperadamente pensar no que acontecera de forma crítica, lógica, livre de qualquer emoção... O que provavelmente não aconteceria, pois estavam unidos daquela forma, em plena luz do dia, num local onde poderiam ser vistos por qualquer pessoa, às margens de um lago que nunca deveria ter sido construído. O desconforto de Bethany cresceu, tomando conta de seu corpo, fazendo seu estômago se revirar e sua pulsação se acelerar. E ele a encarava, com aquele olhar límpido que a deixava louca de vontade de afastar-se, de se esconder. Mas não poderia fazer nada disso naquela posição tão exposta em que estava, e foi forçada a encará-lo, notando que sua pele ficava cada vez mais corada, seu desconforto cada vez maior... E notou que Leo se movia no interior de seu corpo, lentamente, e que voltava a ficar excitado. — Mas você... — disse ela, em tom muito alto, sem fôlego, como se fosse a voz de outra pessoa. Sim, ela se sentia uma pessoa diferente, alguém que não sabia se gostaria de conhecer. Uma mulher boba e profundamente entregue a Leo como ela mesma fora um dia, anos antes. — Como é capaz... Assim tão rápido? Ele sorriu, movendo as mãos pelas costas de Bethany, usando e seu toque para acalmá-la. E Bethany se lembrou de Leo fazendo a mesma coisa anos antes, acalmando-a com aquele imenso poder que era capaz de emanar quando queria. Ela queria evocar a raiva que um dia tomara conta de seu corpo, mas tudo o que sentia era uma resposta imediata ao toque de Leo, como se o desejasse de formas que não tinha coragem de encarar. Queria livrar-se de suas mãos, mas se sentia presa da expressão do seu rosto.
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E claro, ao se mover, ela o sentia, quente e duro no interior de seu corpo, e notava que respondia à altura... — Isso não passou de um teste — disse ele, com um sorriso tímido na boca. — Tanto tempo sem... A cabeça de Bethany girava, e o mundo parecia girar ao mesmo tempo. Mas Leo endireitou o corpo entre as pernas de Bethany e a encarou com vontade. Em nenhum momento ele quebrou aquele contato íntimo, e ela disse a si mesma que por conta disso seu coração batia com força contra as costelas, parecendo querer saltar do peito. — Tanto tempo... Desde que esteve comigo, você quer dizer? — murmurou ela, encarando-o, com os olhos arregalados, meio desesperados. E, por alguma razão, naquele momento Bethany sentiu uma vontade louca de sair correndo, de afastar-se o máximo possível. Porém, Leo estava em todos os lados, dentro dela, sobre ela. Não havia escapatória. — Quando você disse isso... Você quis dizer desde que esteve comigo? Desde o momento em que eu e você...? — E sua voz falhou. O sorriso desapareceu do rosto de Leo e um brilho enigmático tomou conta de seus olhos. Ela tremeu, mas Leo continuava dentro de seu corpo, cada vez mais excitado. Bethany se moveu, mas tal movimento fez com que ele ficasse ainda mais próximo, e Bethany perdeu o ar — Eu quis dizer que há muito tempo não a tocava — respondeu ele, com os olhos firmes sobre ela, como se pudesse prender o corpo de Bethany contra o chão. — O que também quer dizer que há muito tempo não toco ninguém. — Leo a desafiava com o olhar, como se ele pudesse ler seus segredos, como se á deixasse completamente nua. — Quando faço um juramento, faço a sério, Bethany. Bethany estava tonta. Seu coração parecia saltar do peito. Era como se fosse desmaiar... Aliás, seria ótimo desmaiar naquele momento. Mas ele ficou parado. Observando, esperando, e tudo o que ela queria era gritar, uivar uma reação, mesmo que não fizesse qualquer sentido. Ela era estranha a si mesma, uma desconhecida. — Leo... — tudo o que podia fazer era suspirar seu nome. Não conseguia identificar as emoções que tomavam conta de seu corpo, como se fosse um pequeno barco perdido num imenso oceano. — Você precisa saber.. Quer dizer, eu nunca... No que será que se ela transformara, pensou Bethany, em pânico, envergonhada, envolta em sentimentos profundos e muito perigosos. Incapaz de proclamar uma única sentença. Sentiu seus olhos se enchendo de lágrimas e ficou horrorizada ao notar que poderia começar a chorar. Não! Naquele momento não! Por favor! Leo, por sua vez, simplesmente esperava. Ele observava Bethany, e ao mesmo tempo sentia o grande poder que tinha nas mãos ao notar que ela estava completamente imersa numa tempestade criada pela força da sua vontade. — Imaginei que, se dissesse ter um amante, você me odiaria — disse ela, forçando as palavras a saírem, sabendo que não haveria volta atrás após ter pronunciado tudo isso. Chegara a um novo patamar, perigoso e cambaleante. Porém, ela foi adiante, cara a cara, 59
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mais nua e horrorizada do que nunca, embora ainda estivesse com as roupas no corpo. — E imaginei que, me odiando, você me deixaria livre. Algo parecia vibrar entre eles, algo afiado, e Leo quase sorriu. Ele se aproximou de Bethany, tomando um dos cachos de seus cabelos entre os dedos, depois o colocando atrás da orelha de Bethany. Ela poderia jurar ter visto uma expressão triste quando Leo começou a traçar a linha de seu queixo com beijos. Ele não acredita em mim, pensou Bethany, numa espiral de horror, com o coração em pedaços. — Eu nunca tive um amante — confessou ela, desesperada para que Leo a escutasse, acreditasse nela, aceitasse sua verdade. Nem sabia por que dizia tudo aquilo, mas simplesmente sabia que precisava dizer. — Eu inventei. Ele ergueu os olhos brilhantes de satisfação, triunfantes. A boca se curvou num sorriso muito masculino, que a fez tremer por dentro. — Eu sei — disse ele, num tom quente, encarando-a, roçando a sua pele. — Mas... — ela tentou dizer. No entanto, as palavras ficaram engasgadas na garganta, enquanto sua mente parecia não conseguir livrar-se de vários "quando?", "por quê?", "como?". Porém, tudo o que Leo fez foi sorrir. E Bethany o abraçou, imediatamente. Leo começou a mover o corpo. Mais tarde, Bethany não saberia dizer em que momento se deixou levar, em que momento parou de tentar desesperadamente livrar-se da personalidade que criara durante a ausência de Leo, mergulhando na devastadora realidade de sua presença, de seu corpo, de suas mãos. Leo fez amor com ela com louca intensidade. Tirou as roupas deles dois até ficarem completamente nus sob o sol depois a alimentou com azeitonas e queijos uvas e doces, fazendo com que tudo descesse entre goles de vinho e beijos. Depois a possuiu novamente, deixando-a louca, repetida vezes, até o momento em que ela mal podia se lembrar da pessoa que era antes de dar-lhe aquele beijo que desencadeou tudo... Aquela loucura e aquele fogo, aquele desejo e aquele calor. Quando as sombras começaram a tomar conta da superfície do lago, Leo a levou de volta ao castelo, atravessando o mesmo caminho que tinham tomado pela manhã. Para Bethany, era como tivessem passado vários anos, décadas inteiras, talvez. Ela estava perdida nas mãos de Leo, em sua boca, em seu corpo fascinante. E não tinha certeza se reconheceria a si mesma quando ficasse cara a cara com a mulher na qual se transformara. Estava tão determinada a seguir em frente com seu jogo, tinha tanta certeza que esse jogo mudaria Leo... Porém, nunca imaginou que ela mesma seria a pessoa afetada pelo tal jogo. Mas tirou isso da cabeça, pois não teria escolha, não seria capaz de ficar imune a suas carícias, a seus olhares. E, honestamente, não queria parar o que tinham começado. Não queria mesmo. Em algum momento, quando o encantamento dos campos verdes e dourados sumissem, quando não estivesse se sentindo presa do olhar ferino de Leo, ela talvez se preocupasse com isso. Mas não agora, disse a si mesma, frase que repetia como um mantra.
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Quando voltaram ao castelo, Bethany não ficou surpresa ao ver que Leo foi absorvido pelos empregados, todos loucos para falar com ele. Ela subiu ao quarto e correu para tomar um banho quente na banheira que ficava junto a grandes janelas. Sentindo-se num sonho, ela tirou as roupas que recentemente voltara a vestir. Suas mãos tremiam ao lembrar-se do que acontecera, da boca de Leo em seus seios, dos dedos de Leo explorando todas as suas curvas, todos os seus segredos, tomando-a completamente. Sentiu um forte tremor pelo corpo, não conseguia parar de tremer, embora soubesse que não tremia de frio. Ela sabia que tudo aquilo acontecia por conta dele: pelo calor que Leo di Marco imprimira em sua pele, pelo mesmo feitiço de sempre, fazendo dela sua escrava, desesperada por um toque de seu mestre, louca para gritar, soluçar, para sentir o que só ele poderia lhe oferecer Bethany deveria ter ficado horrorizada consigo mesma, com o que deixara acontecer. Com o que fora responsável que acontecesse. Ficou parada, nua, enquanto enchia a banheira, deixando os sais de banho dançar entre os dedos, caindo em direção à água. Ela sabia que deveria odiar o fato de que todos os pontos de seu corpo tivessem sido tocados por Leo. Ergueu os braços para prender os cabelos no topo da cabeça e suspirou levemente. Não queria negar nem controlar tudo o que sentia. E acabara de entrar na água quente, deixando escapar um murmúrio de alívio, quando notou algo roçar sua pele, como uma brisa. Abriu os olhos e não ficou completamente surpresa ao vê-lo parado na porta, com seus olhos escuros, profundos. Imaginou que Leo fosse dizer alguma coisa, ou que ela deveria dizer algo, mas nenhum dos dois se moveu por um bom tempo. Sentiu um calor subindo a seu redor, mas não desviou os olhos de Leo. Não poderia fazer nada além de olhar para aquele homem, e seu corpo reagia da mesma forma, completamente hipnotizado. Como se não tivessem passado a tarde juntos, em todos os sentidos. O corpo de Bethany não parecia se importar. Tudo o que queria era mais, muito mais. Naquele momento, Bethany entendeu algo, algo que pareceu cair em sua cabeça como uma pedra. Sempre fora assim... Aquela loucura por ele, aquela paixão explosiva quando se tocavam. Bethany se lembrou daquela terrível noite em Toronto, daquela noite que, durante anos, considerou como a pior de sua vida, e não porque eles dois ficaram tão raivosos, mas porque ela precisava ter exorcizado a conexão sexual que havia entre eles para entender que tipo de mulher poderia ser longe de tudo aquilo. Pois, quando Leo estava por perto, não era capaz de pensar em nada mais. Bethany abriu a boca para falar, mas não disse nada ao ver que Leo se movia. Ele ficou de pé ao lado da banheira, encarando-a, com seus olhos brilhantes, sua boca curvada num meio sorriso. Para ela, era impossível afastar os olhos dele. Ele tirou a camiseta preta pela cabeça, deixando-a cair no chão. E Bethany permitiu que seus olhos passeassem pelo peitoral musculoso de Leo, por seu abdômen perfeitamente definido, deixando escapar um breve suspiro quando ele tirou a calça jeans, chutando-a para um canto e ficando nu, incrivelmente lindo á sua frente. Tudo o que ela podia fazer era olhar. Ele era a pura perfeição masculina, com graça letal e força controlada, e Bethany só queria tocá-lo e provar seu corpo mais uma vez. — Afaste-se um pouco — ordenou ele, num tom que esperava resposta imediata. Ela sabia que deveria dizer não. Sabia que deveria impor algumas regras, definir fronteiras, exigir seu espaço... Mas não disse nada. Não naquele momento, não naquele dia... E se afastou para que Leo pudesse se sentar a seu lado naquela banheira construída especialmente para esse fim. Ela suspirou, contente, e não disse nada quando Leo a pôs de costas contra o seu peito, entre as suas pernas, envolvendo-a com os braços fortes. A água batia contra os seus seios. Ela não saberia dizer o que estava mais quente: a água ou sua pele contra a dele. Bethany sentiu o membro ereto de Leo pressionando suas costas, fazendo com que seu sexo pulsasse. Ao deixar a cabeça cair no ombro de Leo, notou algo que não conseguiria definir estampado em seu rosto. E, no interior de seu corpo, algo se moveu fortemente, como se fossem placas tectônicas mudando de posição. Porém, antes que ela pudesse pensar qualquer coisa, Leo lhe deu um beijo. Um beijo doce, suave. E o fogo se renovou. Não naquele dia, ela pensou. Não naquele dia. E Bethany parou completamente de pensar.
CAPÍTULO ONZE
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Leo não conseguia driblar as complicadas emoções que o assolavam de maneira quase desconfortável. Ele estava sentado em mais uma tediosa reunião na ala oeste do castelo, que era usada como escritório quando ele estava em Felici. A enorme mesa fora comprada no tamanho exato do ego de seu pai, e Leo sabia que, sentado nela, era a figura perfeita de um príncipe, como deveria ser. Ele fora criado para usar a magnificência como arma, e fizera isso á vida inteira. Não queria pensar em por que, naquele dia, tudo isso lhe parecia tão inútil, como se já não fosse sua segunda pele, antes algo indissociável de si mesmo. A reunião não deveria ser tão tediosa. Antes, ao ouvir as ofertas de um rival ou enquanto tentava fechar um negócio, Leo sentia um jorro de adrenalina e triunfo que duravam dias. Ele nunca se envolvia nas aventuras radicais que costumam atrair os meninos ricos, pois não arriscaria sua vida nem o legado dos Di Marco. Na verdade, contentava-se com o drama das altas finanças o maior pôquer do mundo, com as mais altas apostas o que sempre funcionou. Porém, naquele instante, até mesmo a história familiar parecia perder importância. Ele sabia que Bethany estava em algum ponto do castelo e não no Canadá, como antes. Não do outro lado do planeta. E também sabia que ela já não estava tão raivosa. Na verdade, estava muito mais próxima, mais acessível... Ela estava por ali, e era isso o que prendia sua atenção... Não os papéis, as discussões, as estratégias que de repente lhe pareciam tão chatas. Ele sabia que poderia sair daquela reunião e tomá-la para si. Para tanto, bastaria que estivessem no mesmo cômodo. Poderia, como fizera no dia anterior, simplesmente entrar no quarto de Bethany e em poucos minutos estaria no interior de seu corpo. E ficou excitado ao pensar nisso. Revirou os papéis, tentando entender o que diziam, mas a verdade é que mal entendia a si mesmo. Não era o sexo que o afetava tanto, embora ainda pretendesse levar Bethany a níveis mais altos, deixando-a louca. Deixando ambos loucos. O que o afetava era... Tudo o mais que envolvia o assunto. Uma semana se passara, depois vários outros dias, e Bethany não fizera qualquer movimento indicando que queria ir embora. Nunca mais mencionara o divórcio. Leo queria enxergar tudo isso como uma vitória, mas por algum motivo não podia. Ela dividia com ele suas refeições, sua cama. Dividia seu corpo com um entusiasmo que parecia incrível. Conversava com ele. Sorria com ele. Não havia choros, lágrimas, raivas, nem as terríveis barganhas que Leo esperava ter de suportar após o encontro em Toronto. Ela era, em resumo, tudo o que ele sempre imaginou que poderia ser, como se os tumultuados 18 meses de casamento não passassem de um pesadelo do qual tinham finalmente acordado. Porém, Leo não conseguia livrar-se de uma sensação desagradável, a sensação de que viviam algo que não lhes pertencia, e que aquilo tudo chegaria ao fim, sem deixar rastro. Ele enxergava isso no olhar às vezes distante de Bethany. Na tristeza que sentia nela, embora sempre estivesse sorrindo. Ele sabia que Bethany guardava muita coisa para si, e disse a si mesmo que por esse motivo sentia tamanho desconforto, tamanha desconfiança. Por outro lado, era como se 62
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não fosse capaz de viver sem tê-la a seu lado e, talvez por isso, também notasse tamanha estranheza. O que não era nada novo, na verdade, pois foi exatamente o que sentiu ao casar-se com ela, ao encontrá-la no Havaí, ao levá-la ao castelo pela primeira vez. Leo olhou para Bethany, tocou seu corpo e foi como se tivesse renascido. Como se fosse um novo homem. Com Bethany, não era o Príncipe di Felici. Não era o herdeiro da fortuna Di Marco, não era o gestor de um incrível legado. Era simplesmente um homem. Um homem que a amava, um homem que era amado, como se nada mais no mundo importasse. Como se apenas isso importasse. E ele odiava sentir-se assim, pois tal sensação fora terrível nos anos em que ela esteve fora. Por isso resolveu agir como se sua faceta solícita e vulnerável, a mesma que apresentara naquela suave noite havaiana, jamais tivesse existido. A verdade é que ele tentara transformar Bethany numa mulher que ela nunca seria, nunca poderia ser. Tentou fazer do casamento deles dois o sonhos que alentara durante toda a sua vida, baseado em mentiras e arranjos sociais, materialismo, aparências, conveniências e praticidade. Mas por que ficou surpreso ao ver que ela não aguentara tudo isso? O que ele esperava? A porta do escritório foi aberta e Leo ficou observando a entrada de um de seus secretários. Deu uma olhada para fora da sala e ficou gelado ao ver que Bethany estava de pé por lá, sorrindo para um dos advogados que saíra para dar um telefonema. Deu uma rápida olhada para seu relógio e comprovou que faltava pouco para o meio-dia. E planejara almoçar com ela. Bethany estava linda, com os cachos caindo nos ombros, presos num rabo de cavalo. Seus fios pretos pareciam brilhar em contraste com o suéter cor de pêssego de gola alta que usava. Sua calça marrom moldava as curvas do seu corpo, levando-o a pensar em algo bem mais íntimo que o passeio que planejavam fazer ao vilarejo. Porém, quando seus olhos se encontraram, o secretário de Leo entrou na sala e fechou a porta. Mas aquela fração de segundo fora suficiente. Leo sentiu a força do olhar de Bethany atravessando a porta de madeira. Um olhar torturado, amargo, desesperado, furioso. E, naquele instante, notou exatamente o que temia, exatamente o que sentia pairar ao redor deles, o que passara o tempo inteiro evitando... Leo sabia o que o maldito advogado contara a Bethany, transformando o olhar antes doce em algo tão amargo, tão duro. Ele percebeu que já fizera sua maior aposta, e levando em consideração a expressão de Bethany, perdera feio. Sim, ele perdera, e não toleraria tal perda. Não poderia tolerar. — Peço licença, senhores — disse ele, interrompendo o conselheiro que falava naquele momento. E se levantou. Pois ele era o príncipe, e ninguém reclamaria, nem comentaria nada. Simplesmente se levantaram, respeitosamente. — Preciso resolver um problema que surgiu repentinamente. E, tomado por uma crescente sensação de pânico, correu atrás de Bethany. Ele era um mentiroso. Não passava de um mentiroso. 63
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Bethany mal podia respirar, fazendo um estranho som na garganta ao descer o corredor que parecia cada vez mais estreito. Um corredor opressivo, feio, escuro. Aquela era uma prisão, e não um castelo. Seus maiores pesadelos voltavam à tona... Como ela fora capaz de se esquecer... Por que se entregara novamente aos braços de Leo, a sua cama? Era como se ele a tocasse e Bethany imediatamente sofresse uma espécie de amnésia. E o pior é que, o tempo inteiro, ele apenas mentira para ela. Bethany chegou a seus aposentos e abriu a porta com força, com cada vez menos fôlego, desesperada, ofegante. Era uma boba, uma boba ingênua. E naquele momento não era vítima de sua juventude ou inexperiência, mas unicamente dele. Foi Leo quem não a deixou ir embora. Ele a levou de volta à Itália, pois se cansara de esperar por sua volta e porque a queria ali de qualquer maneira. E Leo era o príncipe, fazia o que queria. Seu desejo era uma ordem. E o estômago de Bethany revirou. Que outra explicação poderia haver? O advogado lhe contara a terrível verdade sobre os divórcios italianos, lá na porta do escritório de Leo: os dois envolvidos deveriam comparecer frente à corte e declarar querer a separação. E, apenas três anos após a separação legal, o divórcio poderia ser considerado, embora não garantido. — Eu mesmo expliquei tudo isso ao príncipe — disse o homem. — Há semanas. Ela não duvidou, o advogado dizia a verdade. E isso só poderia significar uma coisa, pensou ela, parada no centro do quarto, com a cabeça girando: Leo a levara ao palácio sobre falsas promessas. Ele conhecia as leis de seu país, tudo o que queria era usar o corpo de Bethany contra ela, envolvê-la numa falsa sensação de segurança. Ela deixou escapar um som baixinho, uma espécie de soluço, pois a dor era muito grande, a raiva a consumia. Ela não era seu brinquedo. Não era uma marionete que ele poderia usar como queria. Foi ela quem resolveu beijá-lo à beira do lago. E fizera isso por si mesma, completamente consciente. E a verdade é que já perdera muita gente ao longo dos anos: sua mãe, que na verdade não chegou a conhecer, seu pai, que passara um bom tempo doente, e Leo, que a deixara sozinha naquela época terrível quando seu autoconhecimento era tão rudimentar. Porém, acima de tudo, Bethany se perdera de si mesma, repetidas vezes, e nunca se perdoaria por isso. E Leo era o motor de todas essas perdas. E o que ela vivia naquele momento não era nada mais que a última dessas perdas, mais uma prova de sua flagrante incapacidade de manter-se em segurança como deveria, como faria qualquer adulto. As manipulações de Leo chegaram ao extremo. Porém, ele era assim, e ela sabia muito bem. Não tinha ilusões sobre que tipo de homem ele era, certo? Então por que estava tão surpresa? Por que aquilo doía tanto? Por que se sentia tão... Ferida? Não importava de quem era a culpa, ela disse a si mesma, a verdade é que não poderia continuar por ali. Na verdade, não deveria ter voltado ao palácio. Sempre soube disso... Mas voltara... O que sentia era uma dor terrível, algo que quase lhe deixava de joelhos. Ela caminhou em direção à cama e se sentou, agarrando o lençol de linho com as mãos, o 64
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mesmo lençol onde se deitara com Leo, onde fora levada às alturas por suas mãos, por sua boca, por seu olhar e por um desejo sem limites. E tudo aquilo era parte da mentira de Leo, pensou, profundamente entristecida. Uma mentira que ela deveria ter reconhecido, pois sabia quem ele era. Por que doía tanto ver suas maiores suspeitas confirmadas? Doía porque ela o amava. Sim, ela estava apaixonada por Leo. Esfregou as mãos sobre o rosto, mas a terrível verdade não desaparecia. Seu amor permanecia vivo. Por isso ficara morando naquela casa em Toronto, vagando por ali como uma assombração. Por isso voltara ao palácio. Por conta daquela inquebrantável esperança que nunca a abandonava. Bethany não queria amá-lo, mas o amava. Ainda o amava. Sempre o amou. O amava desde a primeira vez que pusera os olhos nele, molhado e brilhante sob o sol do Havaí, e nada alterara esse amor. Nada. Ela o adorava, odiava, temia e culpava... Mas ainda assim o amava. Aqueles últimos dias foram uma fantasia de tudo o que poderiam ter sido. Ele voltara a ser o mesmo homem que Bethany conhecera no Havaí. O homem que a fizera atravessar meio mundo... Porém, mesmo naquele momento, sabendo tudo o que preferia não saber, ela ainda o amava. Não havia outra pessoa para ela. Não poderia seguir em frente. Em sua vida, Leo era único. E ele destruíra seu coração tantas vezes que Bethany já não esperava nada pior. E continuava apaixonada por ele. Mesmo sem saber o que fazer, mesmo sem saber se seria capaz de sobreviver Ela o amava, mas Leo continuava com seus joguinhos. Continuava sendo o senhor da casa, o presunçoso príncipe. Continuava manipulando a todos, cruelmente. Ela parara de se perguntar por que deveria amar um homem assim, um homem que, às vezes, parecia tão diferente, tão bom, tão nobre. Porém, não havia motivo para questionar-se. Ela o amava, mas isso não significava que teria de conviver com ele, deixando que Leo fizesse o que quisesse com ela. Bethany sabia que poderia aguentar muita coisa, mas isso não. Ela foi invadida por uma sensação quente, árida... E notou que sua história, seu coração e seu amor estavam tão abalados que nunca poderiam ser perfeitamente recompostos. Bethany se levantou da cama e foi até o closet. Abriu a porta, pegou sua mala e a atirou no banco que havia junto à parede. Não demoraria muito para preparar tudo, pois chegara ali com pouca coisa e não levaria nada que Leo lhe tivesse dado. Iria embora apenas com o que era seu. Você ficará bem, ela disse a si mesma, repetindo a mesma frase inúmeras vezes, embora não acreditasse muito no que dizia. Mas claro que sim: sobreviveria. O pior já acontecera três anos antes... Ela já passara um tempo sem Leo, já aceitara que ele nunca a amaria como ela o amava. E faria tudo novamente. Poderia fazer tudo novamente. E, caso doesse ainda mais dessa vez, ela teria muitos anos pela frente para vencer esse problema. — O que você está fazendo? A voz veio forte e decidida, mas Bethany não ergueu os olhos.
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— Acho que você sabe muito bem o que estou fazendo — respondeu ela, num tom controlado que lhe custou muito esforço. Ela atirou o jeans para dentro da mala, que depois fechou. Quem ligaria para o que poderia estar deixando para trás? Ela só queria ir embora dali. Precisava ir embora, imediatamente. Antes que Leo pudesse lhe contar mais mentiras que ela acabaria preferindo acreditar. E não queria trair a si mesma novamente. — Você está indo embora — disse ele, como se não acreditasse nas próprias palavras, como se estivesse sendo traído por seus olhos. Como se, como sempre, ela fosse mais uma vez a vilã da história. — Você está arrumando suas coisas para fugir novamente? Ela o encarou, mas ficou um pouco perdida ao notar uma inesperada selvageria nos olhos de Leo, uma espécie de fúria que nunca vira antes. E não tinha ideia do que tal expressão poderia significar — Você sabia? — perguntou ela, com voz trêmula. E ficou olhando para Leo, forçando-se a permanecer firme, recusando-se a demonstrar a agonia que a tomara de assalto, muito menos qualquer sinal daquele amor maldito que a transformava em boba. — Você sabia que teríamos de registrar a nossa separação e esperar três anos? E ainda assim me convenceu para que viesse para cá? Você me manipulou tanto assim, Leo? Os olhos de Leo queimavam, mas ele não dizia nada. O tempo passava, e nada. Bethany adoraria ouvir uma explicação. Deixou escapar um suspiro que nem notara que estivera segurando. — Certo — disse ela, fazendo muita força para não demonstrar que o silêncio de Leo a destruía. — Aqui estamos nós. — Eu a arrastei para cá contra sua vontade, Bethany? — perguntou ele, com expressão dura, dolorida. — Eu a sequestrei com selvageria como você; adora dizer a si mesma que aconteceu? Eu toquei antes que você me pedisse? — Não, claro que não, — respondeu, seca, com uma dor profunda no coração, com os joelhos trêmulos. — Você é um santo. — E você é minha esposa — respondeu ele. — O que isso significa? — perguntou ela, ouvindo a própria voz trêmula, mas sem saber o que fazer para detê-la. — Você não tem o direito de me tratar assim... Como um boneco que pode manobrar segundo suas regras bizantinas! Eu sou um ser humano, Leo. Tenho sentimentos. E estou cansada de ver você pisando em tudo isso! — Você tem sentimentos? — perguntou ele. — E está aí de pé, com a mala pronta, falando em sentimentos? — Não quero que você me presenteie com um lago no dia em que eu finalmente consumar o meu dever — revidou ela, embora mal o pudesse ver por conta da cortina de lágrimas que tomou conta de seus olhos. Bethany queria secá-las, mas as lágrimas começaram a rolar pelas suas bochechas, e ela notou o olhar de Leo... Era como se o estivesse atingindo com força. — Não quero ter o casamento de seus pais. Não quero, Leo. E você não pode me obrigar a isso! — Eu a amo! — gritou ele. E ela não sabia o que era mais incrível... As palavras ou tom em que foram entregues.
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Leo... Gritando? Leo... Com o rosto vermelho e os olhos selvagens? Amor? Ele não mencionava essa palavra desde os seus primeiros dias juntos... Ela não entendia, não conseguia absorver.. Embora seu lado traidor mantivesse viva a esperança. — Eu a amo — repetiu ele, desta vez mais; tranquilo, mas de alguma forma mantendo a força da primeira vez. As palavras de Leo retumbavam no interior do corpo de Bethany. Ele deu um passo em direção ao interior do cômodo. Ela notava que Leo não era o homem que conhecia... Não era o perfeito príncipe de sempre. O homem a sua frente parecia sem fôlego, como se tivesse acabado de correr atrás dela, o que seria algo impossível de acreditar. Como se Leo tivesse finalmente contando a verdade, ela ouviu uma voz sussurrar em seu ouvido, e seu coração começou a bater com força dentro do peito. — Você... — Ela não era capaz de repetir o que ouvira. Doía muito. — Se você me amava, porque passou tanto tempo tentando me manipular? — Você sabe o que eu entendo sobre o amor? — perguntou ele, com voz trêmula, muito diferente da habitual. — Nada. Eu não entendo nada sobre o amor, Bethany. Ninguém se preocupou em me ensinar nada sobre isso. Ela queria se aproximar dele, abraçá-lo, confortá-lo por conta de tudo o que ele não teve, mas não poderia fazer isso. Estava louca por ele, mas não era capaz de se mover, fosse em direção a Leo ou para fora dali. — Seus pais o trataram de forma terrível — disse ela, em tom baixo. — Mas isso não lhe dá o direito de fazer tudo isso comigo. Você não pode acreditar que está tudo bem. Não pode. E não pode esconder as coisas de mim. — Eu nunca pensei em fazer nada que não estivesse diretamente relacionado a meu dever — disse ele, no mesmo tom árido, quase raivoso. — E então surgiu você. A mulher que eu deveria escolher. E você parecia querer a mesma coisa de mim. Você me enxergava como um homem. Apenas como um homem. E eu amei, embora nunca antes tivesse imaginado ser capaz de amar. — E olha só o que fez com tudo isso... — disse Bethany, com voz tão áspera que nem ela se reconhecia, usando os punhos para limpar as lágrimas dos olhos. — Veja bem no que se transformou. — Bethany... — disse ele. E ela ficou surpresa ao ver aquele homem se curvando, aquele homem acostumado unicamente a receber ordens. Porém, ela já se curvara muitas vezes. E por isso não conseguir confiar totalmente nele. Como confiaria? Ele mentira. Pior: ela mentira para si mesma. Três anos antes, chegou a tentar de tudo para se aproximar dele. E dessa vez se entregou a Leo como se não existisse outra vida além da que compartilhavam, como se seu retorno ao palácio apagasse tudo o que acontecera antes. Ela o amava, mas Leo não era bom para ela e Bethany não se transformaria na pessoa que ele desejava ter ao lado ao casar-se. Será que Leo não aprendia isso? Por que continuavam ali, de pé, discutindo o mesmo assunto inútil? — Eu não quero um lago — repetiu ela. E quem ela seria caso continuasse ali? Alguém como a mãe de Leo, cujo nome ela nunca escutara? Uma mulher que receberia um lago em sua homenagem, mas nunca o respeito verdadeiro? Nunca o amor? Como poderia viver assim? — Não quero reviver o casamento de seus pais — disse ela, notando que Leo a observava com uma expressão terrível em seu rosto lindo, como se Bethany o estivesse matando. Ela arfou, mas não parou de falar: — Não quero aceitar a infelicidade.
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Passado de Princesa
Caitlin Crews
— Por que você tem tanta certeza que seríamos infelizes? — perguntou ele. — Você foi infeliz desde que chegou aqui? — É mais ou menos como o lago... — disse ela. — Vou pavimentar o lago com concreto, se é isso o que você precisa para ser feliz. Até parece que foi eu quem o construiu! — Não importa o quanto á gente seja feliz, ou imagine ser, pois sempre haverá algo ruim por trás de tudo isso — conseguiu dizer. — Sempre mais um joguinho, mais uma mentira. Não podemos viver assim, Leo. Simplesmente não podemos. Era como se a dor fosse uma entidade, um vasto mar, uma agonia que não abandonava a mente de Bethany. Um sentimento que tomava conta de todos os espaços. — O que você quer, então? — perguntou ele. Aquela não foi simplesmente mais uma pergunta, mas sim uma pergunta muito séria. Leo parecia ler a mente de Bethany. Parecia disposto a ver tudo o que ela tinha para lhe mostrar. Por alguns instantes, Bethany imaginou que poderia dizer que também o amava, que poderia demonstrar-se vulnerável, honesta, aberta. Que poderia arriscar-se, que poderia arriscar tudo. Porém, todos aqueles anos... Todas aquelas vezes em que dissera estar apaixonada, quando ele mal sorria e aproveitava a situação para tirar vantagem própria... Todas aquelas noites sozinhas na cama, torturada pelo amor que adoraria ser capaz de arrancar da própria cabeça, da própria pele.
Como poderia admitir tamanha vulnerabilidade na situação em que estava? Nada de bom viria disso, ela disse a si mesma, encarando-o. — Diga o que você quer — pediu ele, como se a situação também o magoasse. — É só me dizer e você terá. Ela queria tanta coisa. Sempre quis. Mas estava muito cansada, muito ferida, desistira de tentar, não poderia seguir em frente. O que mais queria naquele momento era paz. — Quero o divórcio — murmurou ela, notando que os olhos de Leo ficavam gélidos e sua boca e seu rosto, pálidos. Mas o melhor a fazer era acabar com tudo o que restava entre eles. Sim, ela se convencera de que era isso o que tinha de ser feito.
CAPÍTULO DOZE
Leo estava de pé nos aposentos de Bethany, naquele quarto antigo que parecia girar a sua volta. Seu coração batia forte no peito e ele mal conseguia respirar. Ele não acreditava na decisão que ouvira na voz de Bethany, que vira estampada em seu rosto. Não acreditava que, após tudo o que acontecera, ela continuava decidida a pedir o divórcio. Leo não aceitava isso. Ele lhe dissera que a amava. Mas isso não mudou nada. Leo não sabia como encarar aquela triste realidade. Se você me amasse não passaria tanto tempo tentando me manipular, foi o que ela dissera. E suas palavras ainda ecoavam na cabeça de Leo, como uma desconfortável verdade. Ele notou que suas mãos se transformavam em punhos. Ela não queria um lago, e ele não queria ser um homem como o seu pai, que construíra um monumento a algo que nunca sentira de verdade. Não queria que ela fosse infeliz, que se sentisse uma prisioneira. Não queria que Bethany terminasse como a sua mãe. Não queria que se transformasse na mulher com quem deveria ter se casado. Não queria recuperar o tempo perdido. Não, ele não queria nada disso. 68
Paixão nº 266
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E Leo também sabia que era por conta de seu orgulho que não deixava Bethany ir embora. Vivera muito tempo escravo de seu orgulho, ele pensou. E será que a amava tão pouco a ponto de querer mantê-la ali, como uma prisioneira quando tudo o que ela queria era ir embora? Seria que realmente queria sua proximidade mais do que a sua felicidade? Odiou ter de pensar tanto para responder a essa pergunta, odiou a agonia que atravessou para chegar à única resposta possível. Mas ele era assim, pensou, triste. Era exatamente o homem que ela dissera ser: autocrático, manipulador. E se desculpava, dizendo tratar-se unicamente de obrigações e deveres, quando, na verdade, ele simplesmente a amava. Naquele momento. Naquele local. Para sempre. Desde que a vira, nunca mais olhara para outra mulher. Nunca desejara ninguém mais. Apenas Bethany. Pois, sem ela, temia desaparecer sob o peso de sua própria e vasta história, sob o legado de sua família. Suspirou e deixou que a verdade há tanto tempo aprisionada girasse à sua volta. Ela fora a única pessoa que o enxergara como um homem. Mas não poderia ser feliz a seu lado. Leo entendera a situação... Ele a estava matando... E não poderia feri-la daquela forma. Tinha de deixar que ela fosse embora, mesmo sem saber como, já que todos os seus instintos gritavam para que evitasse isso, de qualquer maneira. Porém, não havia escolha. Bethany continuava caída no chão quando ergueu os olhos e viu Leo de pé a sua frente, com uma expressão estranha e ilegível no rosto. Ela o encarou, sabendo que estava de joelhos, embora não tivesse ideia de por quê. Precisava dizer que queria o divórcio. E, graças a um instinto primitivo que emanava de seu corpo, ela deveria saber que a última esperança desaparecera por completo. Tinha terminado tudo entre eles, e Bethany estava livre. Livre para ir embora, para viver... Livre. Porém, na verdade, ela sentia como se fosse morrer. — Você caiu? — perguntou ele, num tom distante, como se fosse um estranho. Mas talvez fosse ela a estranha, já que cortara os laços que os uniam. Bethany tentou molhar os lábios, falar qualquer coisa, mas não conseguiu. — Você está bem? — perguntou ele, com suas elegantes sobrancelhas se erguendo ao aproximar-se de Bethany. Ela piscou para focar os olhos, e foi então que notou as lágrimas que continuavam molhando suas bochechas. — Quero sair daqui — disse ela, num murmúrio que parecia ferir sua garganta. E sentiu o calor das próprias lágrimas, o nó no peito, no abdômen. — Quero me livrar... De tudo isso. — Eu já disse que a amo, e fui sincero — disse ele, num tom baixo, tranquilo, com suas mãos em forma de punhos, seus olhos profundos. — E serei capaz de amá-la tanto a ponto de deixar que vá embora, caso seja necessário. Ele parecia... Derrotado. Ele, Leo, aquele homem forte, decidido... E Bethany se sentiu mal, como se fosse um grão de areia atirado ao chão. E teve vontade de apagar tudo, rebobinar, fazer o que fosse preciso para que ele voltasse a ser o mesmo Leo de sempre. — Se é isso o que você quer... — disse ele.
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Ela acreditava nas suas palavras. Leo a deixaria ir embora. Há pouco tempo, isso era tudo o que ela queria fazer, pois estava muito dolorida, ferida... E naquele momento ele parecia sincero. Bastaria que ela se levantasse, fosse embora dali, com a cabeça erguida, o coração a mil, talvez, mas livre... Como há tanto tempo desejava ser. Levante-se, ela disse a si mesma, desesperada. Mas Bethany não conseguia se levantar. — Não sei o que faria para que você não fosse embora — disse ele, com voz mais triste que nunca. — Mas faria o que fosse preciso, Bethany. Juro que sim. As palavras de Leo reverberavam no coração de Bethany. Ela sentia um peso que a prendia ao chão, embora repetisse para si mesma que tinha de se levantar Seria assim que tudo terminaria para eles? As pernas de Bethany se recusavam a funcionar. Suas mãos estavam unidas à frente do corpo, como se ela fosse rezar, e não conseguia tirar os olhos dele. O tempo parecia parar. Ao perder a última esperança, o último sonho, ela, de repente, e com uma certeza cortante, notou que já não tinha nada a ver com Leo. Porém, Leo era sua história. Estavam muito unidos, e Bethany não sabia como viver sem essa conexão. Sem ele. Parecia mais fácil viver sem ar — Acho que não conseguiria deixá-lo — murmurou ela. — Estou tentando fazer isso há anos, e desta vez nem minhas próprias pernas me obedecem. — Eu posso levá-la para onde quiser, caso me peça — disse ele, e parecia sincero aos ouvidos de Bethany, embora não quisesse que ela fosse embora. Leo faria isso por ser honrado, embora ela preferisse acreditar em outra coisa. Ele não era um monstro. A verdade é que talvez fosse um homem tão confuso quanto ela sempre fora. — Venha... — murmurou ele, aproximando-se. Mas ela não parava de chorar — Bethany — disse ele, em tom suave, com os braços ao redor do seu corpo, erguendo-a. — Por favor... Mas ela não parava de soluçar contra o peito de Leo, peito que a acariciava, que a envolvia por completo, mantendo-se em segurança enquanto a tempestade a assolava. — Venha, luce mio. Não chore tanto — murmurou ele, bem perto de seu ouvido, beijando sua bochecha. — Eu imploro. Mas ela não conseguia parar. E Leo a levou em direção à janela, sentando-a em seu colo. Ela chorava sem parar. Era impossível parar. Assim como fora impossível se levantar e sair caminhando para fora daquela porta. — A culpa foi minha — disse ele, quando ela se acalmou, em seus braços, recostada no seu corpo. Bethany ergueu a cabeça e procurou pelos olhos de Leo. Ela se sentia confortada por estar tão perto de seu coração. — Admitir que alguém teve culpa... — disse ela, em tom rascante por conta de tanto choro — é um sinal de que podemos nos acertar. — Eu sou um verdadeiro príncipe — disse ele, em tom sardônico. — Passei minha vida inteira praticando, e acho que consegui... Mas, como homem, sou um fracasso. — Eu o amo — disse ela, trêmula. O medo desaparecera, o pranto também. Restava apenas á verdade, brilhante, quente, no interior de seu corpo. Ela o amava... E nada mais importava. — Isso não significa que não possa ser complicado — disse ela. — Que não seja doloroso. Mas eu sempre o amei. — Eu sei — disse ele, e um sorriso arrogante se desenhava no canto de sua boca ao mesmo tempo em que o seu rosto irradiava uma emoção que fazia o estômago de Bethany se revirar. — Mas acho que isso já não importa para você. — Claro que importa! — exclamou ela.
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Ele se aproximou e passou os dedos no contorno da boca de Bethany, que tremeu levemente, sentindo o mesmo fogo surgindo do interior de seu corpo. Leo sorriu e afastou sua mão. Bethany ficou olhando para ele por um bom tempo, como se pudesse enxergar a resposta a todos os seus problemas. Não sabia exatamente como se sentia, tudo o que sabia era que mais uma vez seria impossível dar o passo que os separaria para sempre. Ela queria que Leo a mantivesse em segurança, mas um amor dessa magnitude não oferece qualquer segurança... O que sentia era um amor tão profundo e complicado que a atingia por completo, deixando-a irreconhecível até para si mesma. Por isso tinha tanto medo de sucumbir a seus sentimentos. Ele era mais do que ela jamais sonhara... Naquele dia, enxergou Leo como nunca antes. Talvez ele sempre tivesse sido assim, mas para ela seria complicado enxergar tal realidade. Ela não queria ser um fantoche, pensou Bethany, mas sim uma parceira, a parceira de Leo. E pensar nisso á deixou sem fôlego. — Se você vai me deixar, peço que faça isso logo — disse ele, em tom baixo, ríspido, encarando-a como se pudesse entrar na mente de Bethany, como se soubesse exatamente o que ela estava dizendo. — Eu não passo de um homem, e não exatamente um homem decente. Acho que minhas boas intenções são escassas, especialmente as que dizem respeito a você. Ela sentiu uma dor no peito. Pela primeira vez, Bethany notou que teria escolha. Passara três anos, morta de medo, em Toronto. Será que gostaria de passar o resto da vida dessa maneira, amando Leo e mantendo-se a distância simplesmente por ter medo de estar ao lado dele? Que tipo de vida seria essa? Ela endireitou o corpo, mas não conseguia encará-lo. — E se eu escolher ficar por aqui? — perguntou ela, e sua voz não era mais que um murmúrio. E então, lentamente, ela abriu as mãos até que ele pudesse ver o que havia nelas, algo que Bethany pegara no interior de sua bolsa: numa das mãos, uma aliança de platina, na outra, um lindo anel de safira. — Imaginei que você tivesse se livrado de tudo isso — disse Leo, pegando os anéis, como se os visse pela primeira vez, como se não tivesse escolhido pessoalmente aquelas peças numa cara joalheria de Waikiki. Como se não as tivesse posto nos dedos trêmulos de Bethany enquanto ela chorava lágrimas de alegria. — Eu me recusei a usá-los — admitiu Bethany, olhando para Leo e tentando livrar-se do medo que ainda a assolava. Talvez por aquele ser um momento ainda mais vulnerável. Aliás, como se protegeria caso perdesse a Leo e a si mesma? — Porém, a verdade é que não conseguiria ficar longe deles. Eis mais uma verdade que ela ignorara. Mais uma dica. Mais um resquício do amor profundo que nunca a abandonou completamente. Seus olhos se encontraram e Bethany sentiu exatamente a mesma coisa que sentira quando se casaram naquela praia privada do Havaí, anos atrás. Ela poderia escolher entre a esperança e o medo. Sim, poderia escolher, mas a verdade é que seu coração já fizera a mesma escolha havia muito tempo. E nunca duvidara, nem quando ela própria chegou a duvidar. — Peço que me permita — disse Leo. E então, como aconteceram anos antes, ele colocou os anéis nos dedos de Bethany. Quando estavam no local de onde nunca deveriam ter saído, trançou seus dedos nos dela e levou a mão de Bethany a sua boca, perguntando: — Vamos recomeçar? Uma pergunta simples para um assunto complicado. Porém, o que mais poderiam fazer? Não poderiam viver separados. Talvez fosse o momento de experimentar o que poderiam fazer junto. — Parece impossível terminar alguma coisa entre nós — disse ela, com o coração tomado de emoção e os laços que a uniam a Leo mais apertado que nunca. Finalmente, admitiu a si mesma que era isso o que queria, o que sempre quis. — E por que não recomeçar sempre que for preciso? — Até nos acertarmos — disse Bethany, com voz suave e decidida. Ele se aproximou e a beijou, abrindo espaço ao fogo que sempre ardeu no interior deles dois, selando as promessas que tinham feito havia tanto tempo, selando o que o destino escrevera para suas vidas. Libertando-os!
Fim
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