NOVA em Folha | Fevereiro-Março 2023/2024

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Jornal

Fevereiro/Março

2024

NOVA em Folha

GENTE DA MINHA TERRA PERSPECTIVAS DE GENTE QUE FOI NASCIDA E CRIADA EM TERRAS E CIDADES FORA DE LISBOA, TEXTOS QUE CELEBRAM NOMES FEMININOS, DESDE O DESPORTO A ATIVISTAS PALESTINIANAS, ÀS MÃES QUE NOS CARREGARAM NA SUA BARRIGA POR 9 MESES, ESTES SÃO OS DOIS GRANDES TEMAS DE UMA EDIÇÃO QUE TINHA O OBJETIVO DE SE DESCENTRALIZAR DA CAPITAL E DO PATRIARCADO. AS DESCOBERTAS DE NUNO FOLHA E A AGENDA CULTURAL SÃO COISAS QUE NÃO PODEM FALTAR NO NOVA EM FOLHA. INCLUÍMOS UM EXCLUSIVO MANUAL DAS LEGISLATIVAS DE 2024 PARA AJUDAR A TIRAR QUAISQUER DÚVIDAS QUE TENHAM SOBRE AS ELEIÇÕES!

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Este jornal é impresso em papel 100% reciclado.

02


Fev/Mar. 2024 Direção

Beatriz Gomes Martins Clara Figueiredo Guilherme Machado

Redação

Beatriz Batista Beatriz Gomes Martins Carolina Ramos Clara Figueiredo Diogo D’Alessandro Emmanuel Walcher Guilherme Machado Hefesto de Oliveira Inês Fonseca

Revisão

Beatriz Gomes Martins Clara Figueiredo Guilherme Machado Leonor Moreira Mariana Furtado Raffaella Tomaiuolo

Edição Gráfica

inês Moreira Jéssica Marques João Pinhal Lara Duarte Leonor Moreira Madalena Andaluz Margarida Calado Mariana Aleixo Manuel Gorjão

Colaboradores

Beatriz Gomes Martins Madalena Grilo Teles Margarida Calado

Marta Afonso Alves Pedro Lázaro Rita São João Sofia Diniz Tália Moniz

AEFCSH Anónimo(s) Catarina Maia Rodrigues Félix Gürkh Margarida Caldeirinha Mariana Vitória Arruda Victoria Leite

Ficha Técnica 03


Índice 05

AE em Folha

27 O fim do W Series, o início da F1 Academy

06

Ó gente, esta terra vai de mal a pior

28 Grandes nomes do esporte feminino

08

Onde fica a minha casa? / Sul do Tejo

29 Agenda cultural fevereiro/março

09

CINENOVA 24’: “olhares” que se expandem

33 Sobre um poema de Sá de Miranda

além da FCSH

34 Da barriga de toda a mãe

11

Contra

a

descontextualização

do

Dia

36 Aurora: uma editora que celebra o que é ser

Internacional da Mulher 12

Terra

13

As Descobertas de Nuno Folha: As eleições

14

Manual das Legislativas de Março de 2024

18

Facho, és o único estrangeiro do bairro

39 Esboço sem Resultado Final

19

Iha Malae Nia Rai

40 Presença Inconsistente

10

É preciso um país

41

21

A nossa linha azul e fina

42 Tu Estragaste-me / Todos os lugares me

22

Que o tédio faça morada em mim / Com olhos

mulher 37 Mulheres pioneiras que mudaram a História de Portugal

Priscila

lembram de ti

de vila olho a cidade

43 Why Read Feminist Literature?

23

Ser estudante das ilhas

44 Aproximar a Distância

24

Serei indo-europeu?

45 Preparados / Poema

25

“Última Hora: Filho ganha à vida tentando

46 Sonne

matar a mãe” – o jornalismo em crise: do

47 Dicionário de Termos

financiamento à identidad

48 Passatempos!!!

novaemfolha.ae@fcsh.unl.pt

04

35 Ativismo das Mulheres Palestinianas

@novaemfolha.ae

@novaemfolha.aefcsh


Jornal AE

Fevereiro/Março

2024

AE EM FOLHA Os dois meses passados traduziram-se, naturalmente, num trabalho contínuo por parte da AEFCSH, num período marcado por férias de Natal e exames. A AEFCSH manteve as suas portas abertas durante dezembro e janeiro, garantido que todos os estudantes tinham um espaço para descansar entre exames, um espaço onde comprar folhas de teste e um espaço para relaxar e beber um chá. Mais que isso - a AEFCSH não parou e esteve a planear a sua actividade para os meses que se avizinham. Ao dia 14 de janeiro os estudantes da FCSH ergueram uma faixa desde a embaixada dos Estados Unidos à embaixada de Israel, numa manifestação convocada pelo CPPC, MPPM, Projecto Ruido que apelava à Paz no Médio Oriente. No dia 28 de janeiro o departamento internacional da AEFCSH abriu as inscrições do Buddy program, programa este que visa integrar os estudantes de ERASMUS que escolheram frequentar a FCSH no semestre que se avizinha. Ainda em Janeiro, a AEFCSH marcou presença na manifestação “Casa para viver”, que decorreu no dia 28, da Alameda à Rua Augusta. A AEFCSH mantém-se solidária com a defesa do direito à habitação, consagrado na constituição, como também defende uma resposta estrutural no que concerne ao alojamento estudantil, que passa pelo cumprimento e alargamento do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES). Infelizmente, o mês de janeiro foi também marcado pela subida, sem prévio aviso, dos preços do bar da FCSH e da residência Alfredo de Sousa, explorados pelos SAS Nova, bem como com o prognosticado aumento do preço do prato social (para saberes mais, consulta o comunicado relativo a este assunto nas nossas redes sociais). A AEFCSH entende que no difícil panorama nacional, marcado pelo aumento do custo de vida, exigiase, pelo menos, a manutenção dos preços já praticados. Assim, a AEFCSH, convoca os estudantes para uma iniciativa no próximo dia 29 de Fevereiro que protestará contra o aumento dos preços do bar e o consequente subfinanciamento do Ensino Superior que leva à crescente responsabilização dos estudantes e suas famílias no financiamento do mesmo. Em fevereiro, a AEFCSH continuará de portas abertas todos os dias, ao lado dos estudantes: contra o aumento dos preços da cantina e do bar e na preparação das comemorações do Dia Nacional do Estudante, celebrado, à semelhança dos outros anos, nas ruas no mês de março.

3

05


Ó gente, esta terra vai de mal a pior Fev/Mar

Leonor Moreira

ealisticamente, “esta terra” pode referir-se a qualquer coisa, não necessariamente um espaço, um território, uma casa. Na verdade,

reveste-se de pessoas de diferentes nacionalidades, legados e histórias de vida, sendo esta a verdadeira grandeza do país: acolher e criar diásporas.

Portugal está cheio de “terrinhas”, sejam estas

Apesar das diferentes festividades e comemorações repartidas pelo território lusitano, há datas comuns a todos, como o

R

aldeias dos alunos deslocados, pessoas queridas que estão longe, lugares com memórias quentes, manjares tradicionais de conforto. Portugal, a terra lusitana, é um poço sem fundo no que diz respeito à riqueza cultural e à variedade de terrinhas. Desde as casas de fado de Lisboa às alheiras de Mirandela e romarias açorianas, este é um país que acolhe diferentes realidades. Na Área Metropolitana de Lisboa, foca-se o epicentro do que é mais e menos belo - museus, jardins, monumentos, eventos, azulejos, influências estrangeiras na gastronomia, vida noturna infindável, lojas, bares, livrarias, antiguidades, carteiristas, assaltos, falta de proteção social, manifestações constantes, alastramento de populismos, convites à falta de bom senso, preços de casas incomportáveis, projetos megalómanos de construção hoteleira, becos e ruelas duvidosas, cofres de políticos corruptos -, há de tudo um pouco. Da capital para o resto do país, o que se vê é uma grande descentralização, transversal à falta de tudo o que há numa terra e não noutra, um vazio que separa o litoral do interior, das ilhas e do estrangeiro, diversas identidades culturais, tradições e sotaques. De Norte a Sul, Portugal

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honroso Dia do Estudante (24 de Março), e datas partilhadas com grande parte do resto do mundo, como o solidário Dia Internacional da Síndrome de Asperger (18 de Fevereiro), o prestigiado Dia Internacional da Mulher (8 de Março) e um dia que deu mote a alguns textos desta edição do NeF, o lamechas Dia de São Valentim (14 de Fevereiro). De origem ancestral, a verdade é que o legado deste dia acaba por remeter à celebração de um dia no ano tanto dedicado aos casais enamorados como aos solteiros folgados, um dia destinado a amores idênticos ao de Harry e Sally ou Freddy e Mary, mas também a serões bem passados sozinhos no sofá - portanto, todas celebrações imprescindíveis ao bom funcionamento da agenda anual das pessoas, como possivelmente diriam os amantes de brindes diários, com ou sem motivo para tal. Num tom mais sério, o que não merece qualquer tipo de brinde é o atual estado da política portuguesa. As sondagens referentes às eleições legislativas de Março de 2024 apontam para a impossibilidade de uma nova maioria absoluta, o que surpreende um total

Editorial

de zero pessoas, tendo em conta o falhanço que foi esta última de António Costa. O crescente apoio ao fascismo chegano constitui um grave atentado à democracia, alarmante para a continuidade do exercício pleno do nosso Estado de Direito e o livre usufruto dos direitos de Abril. Consoante as diferentes zonas do país, as preocupações e prioridades são também muito distintas. Se, no litoral, prevalece o desassossego em relação

à

crise

da

habitação

e

à

desproporcionalidade entre os salários, os impostos e os apoios sociais, já no interior, as prioridades mostram-se mais prementes acerca das carreiras e condições de trabalho dos professores e do acesso não universal à educação, principalmente no terceiro ciclo e ensino secundário, e aos cuidados básicos de saúde. Por outro lado, a nível nacional, existem problemas comuns, muitos deles estruturais:

as

desigualdades

socioeconómicas, a perpetuação da pobreza, a corrupção, os rendimentos auferidos pelos jovens, a negação de subsídios e apoios aos trabalhadores de risco, a falta de médicos de família para mais de um milhão e meio de portugueses, a saturação do Serviço Nacional de Saúde, a fuga de médicos para o privado, a inércia da carreira dos funcionários públicos, os movimentos migratórios, o clima, entre outros. Para dar resposta a todas estas ques-


Fev/Mar

Leonor Moreira

Editorial

tões por resolver, há que admitir não existir nenhum partido político ou coligação capaz de mudar o rumo do país e reverter ou mitigar as diferentes crises, existindo apenas opções mais e menos favoráveis ao futuro português. Como se a inabilidade para solucionar os males políticos não fosse suficientemente medonha, a ela junta-se a polémica do Global Media Group e a decadência da diversidade e da autonomia do mundo jornalístico. Além disso, a desinformação crónica dos eleitores face à realidade económica e política desta terra tem sido vítima de discursos populistas da extrema-direita, que jura ser a solução para tudo e mais alguma coisa, não apresentando, contudo, propostas razoáveis ou exequíveis, mas sim projetos racistas, xenófobos, machistas e antidemocráticos. Ainda assim, nota-se um grande apoio popular a este tipo de ideais, dada a rápida propagação de notícias falsas e a fácil cativação do povo através de discursos exaltados, vagos, simples e repetitivos, apesar de inconsistentes. Do mesmo modo que Março acolhe a convocação dos cidadãos a exercer o seu dever e, por excelência, direito de voto, este mês também é dono do lembrete do significado de se ser mulher. O Dia Internacional da Mulher, cuja celebração, outrora sexualizada, tornou-se objeto de uma forte politização, algo que deve ser desconstruído. Não é suficiente a ainda atual reivindicação pela igualdade salarial entre homens e mulheres; aliás, não devia sequer ainda ser discutido este assunto como uma anacronia entre os direitos dos homens e os direitos do “outro sexo”, quando os princípios humanistas que o mundo ocidental tanto se gaba de prosseguir ditam uma igualdade universal, ou seja, em todos os aspetos, para todas as pessoas. As lutas feministas continuam a ser tão necessárias em pleno século XXI e ninguém se questiona porquê. Se calhar, mesmo que vivêssemos num mundo à semelhança de “Quando Ele Era Ela”, as mulheres ainda teriam que provar diariamente o seu valor, como se fosse obrigação de todo um género convencer outro de que todos os géneros são merecedores das mesmíssimas regalias e oportunidades. O próprio léxico acerca das lutas feministas é alvo de desinformação, visto haver uma grande incompreensão dos trâmites do feminismo e do seu oposto, o femismo. O primeiro refere-se à igualdade entre homens e mulheres; o segundo aproxima-se do machismo, visto defender a superioridade de um sexo em relação ao outro.

A própria descentralização da literacia política conduz a enredos e estereótipos que, embora muito presentes na origem e no engrandecimento histórico da terra lusitana, de nada servem senão de pretexto para se perpetuar diferentes formas de preconceito e violência, sejam estes contra indivíduos de origem estrangeira, com expressões de género consideradas não tradicionais, ou simplesmente contra sujeitos com ideias divergentes ao típico conservadorismo português e ao atraso na compreensão de certos conceitos como “diversidade”, “tolerância” e “respeito”. Naturalmente, os meios de difusão de informação são responsáveis por grande parte dos argumentos que os portugueses utilizam quando discutem política na esplanada de um café com a CMTV como ruído de fundo. No entanto, as redes sociais também não estão impunes do contágio da ignorância, daí as incertezas dos eleitores, principalmente os estreantes. Neste sentido, torna-se imprescindível a ressalva da importância do voto e o apelo ao mesmo com a consciência de que Portugal está entregue a uma única certeza, a de que nada é certo. E é por tudo isto que esta terra vai de mal a pior, sendo, então, imperativo o exercício de uma democracia transparente, firme e informada.

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Fev/Mar.

Rita São João / Félix

Poemas

Onde fica a minha casa? Perco-me e tropeço-me No meio do labirinto de asfalto Onde só encontro pessoas, carros e pó. Procuro. Encontro o Rio. Sento-me e peço-lhe que me leve a casa, que me permita regressar. (Onde fica a minha casa?) O Sol que reflete queima-me a cara e cerra-me os olhos. Beijada pelo Vento, acariciada pelas Ondas, viajo. A corrente que guia deixa-me num riacho. Ponho os pés no chão, sinto a terra nos calcanhares. O Vento acorda-me com gargalhadas, O Sol faz-me cócegas na barriga e segura-me a face. Estou na Nascente, No sítio onde tudo começa. Rodeada de árvores e silêncio.

Sul do Tejo O rio só serve Para desejarmos estar Do outro lado Da margem Da vida. E o outro é sempre melhor! Seria loucura ficar No meio da água suja (para sempre)?

De repente, como um surto, o corpo ganha forma. As Árvores passam a ser do meu tamanho, A Água preenche-me, Vejo o Céu de perto, rasgo-o. Sou engolida pelos Céus e pelas Serras. Torno-me, encontro-me. (Tanto tempo vagueei à tua procura, como louca e sem descanso. Agora caem as pálpebras e deixo-me Ser-te) É aqui a minha casa.

Open Art

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Lisbon and the Tagus River (1960) - Abel Manta (1888-1982)


Fev/Mar.

Beatriz Gomes Martins

Notícias

CINENOVA 24’: “olhares” que se expandem além da FCSH Era a madrugada do dia 21 de fevereiro de 2019. Na sala da Associação de Estudantes na Torre B da FCSH, duas

deste festival sem falar do nome da professora Margarida Medeiros”, diz Alexandra. Professora do Departamento de

chegaram no tempo devido. Esta foi a primeira contrariedade de muitas que estavam por vir para os primeiros

raparigas no seu último ano de licenciatura pintam às escuras uma faixa com 5 metros de altura para pendurar da torre quando o sol nascer. Podia tratar-se de um ato rebelde contra a universidade,

Ciências da Comunicação e investigadora do Instituto de Comunicação da NOVA (ICNOVA), faleceu no início deste ano, no dia 9 de janeiro. Foi a amante do cinema e da fotografia que propôs aos seus alunos a

organizadores do festival. Patrícia, produtora executiva das edições de 2020 e 2021, conta que “foi muita luta, foi estar à porta dos escritórios da direção da faculdade quando nos

o país ou o sistema. Mas não. Trata-se da noite anterior ao primeiro dia da primeira edição do único festival interuniversitário

participação no novo projeto. Partilhou a direção do festival com os professores Pedro Florêncio, Luís Mendonça e Maria

diziam que não ou quando não nos respondiam vezes sem conta”. Foram também muitas noites passadas na

em

Irene Aparício, também do Departamento

faculdade, garantindo que o festival se

de

concretizava - e com sucesso. “Dormir no puff da AE, na cadeira, em cima da mesa, ir a casa lavar os dentes e seguir com o

Portugal.

A

faixa

anunciava

o

CINENOVA à faculdade e este é um ato de rebeldia pelo amor ao cinema. A FCSH vai regressar às aulas com as curtas-metragens e as atividades da 5ª edição do CINENOVA, que irá decorrer entre os dias 20 e 24 de fevereiro. O

Ciências

da

Comunicação.

Margarida Medeiros na 4ª edição. Foto: Duarte Laranjo

show”, recordam Patrícia e Alexandra. “Secalhar acreditávamos que [o festival] era maior do que era, mas foi

CINENOVA é um festival organizado por alunos e professores universitários e

nesse acreditar que conseguimos projetar as nossas intenções e fazer

destinado a estudantes do Ensino Superior, nacionais e internacionais. A sua grande temática é a relação entre o

daquilo uma coisa séria”, reflete hoje Patrícia. Para as duas primeiras produtoras, o

cinema e a universidade (conhecimento). As duas raparigas que participaram no ato

último dia do festival significava conquista, mas também melancolia. “Pensamos no

subversivo narrado de 2019 são Alexandra Fonseca e Patrícia Lima, produtoras executivas das primeiras edições do festival de cinema. “Não se pode falar deste

que faltou” e a principal falha era o magro financiamento e apoio da faculdade. Este é um problema que se estendeu a todas as edições. Alexandra, Patrícia, Beatriz Menino, produtora da edição de 2022, e Carolina Mendonça e Carlos Tavares Pedro, produtores desta 5ª edição, todos se unem na concordância com a falta de apoio da faculdade ser um dos principais obstáculos a um festival que acreditam que pode ser maior e melhor. Alexandra explica que “havia apoio da faculdade, mas era mínimo”. Defende que os alunos que trabalham em projetos para a faculdade deviam estar isentos do pagamento de propinas ou ter a alimentação assegurada. Patrícia acrescenta que “coisas tão simples como senhas para almoçar na cantina não nos deram, por exemplo”. As duas ex-alunas de Ciências da Comunicação recordam

Foto: Beatriz Martins

Da Luz à Ação: os primeiros passos do único Festival de Cinema Interuniversitário em Portugal “CINENOVA. Numa reunião alguém da equipa disse este nome, que soava bem e não largava o ouvido. E foi assim que ficou”, narra Alexandra. A equipa nuclear da primeira edição era composta por si, pela Patrícia, pela Beatriz Martins, pelo Tomás Rodrigues Lopes e pelo Vasco Araújo. Logo no início estabeleceu-se uma parceria com o ICNOVA e o Instituto de Filosofia da NOVA (IFILNOVA), para o financiamento do festival em conjunto com a direção da faculdade. Contudo, os seus apoios não

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Fev/Mar.

Beatriz Gomes Martins

que na primeira edição houve dinheiro pessoal dos alunos e dos professores envolvidos para concretizar ideias, como a da faixa pendurada da Torre B que publicitava o festival. Alexandra relembra a desilusão que sentiu quando na “primeira sessão do CINENOVA a direção [Francisco Caramelo e Maria Antónia Coutinho] e os diretores dos grupos de investigação se apropriaram do festival (“o nosso festival”), apesar de não terem contribuído para ele” e até terem

equipa de programação, entre entusiasmo e antecipação pelo festival que está quase aí. Vão apresentar a curta-metragem A Straight Story (2021) de João Garcia Neto, filme que esteve em concurso na edição de 2022 e que recebeu menção honrosa do júri. Ao mesmo tempo, introduzem o CINENOVA ao público. Nessa mesma semana, durante três dias decorreram conversas e debates no que foi a estreia da Universidade Zero, simpósio interuniversitário organizado pelos

criado impedimentos. “O festival era dos alunos e dos professores que

diretores do festival Pedro Florêncio e Luís Mendonça, que gerou um espaço

trabalharam para ele”, sublinha. Sobre

de diálogo aberto e igual entre alunos e

este assunto, Carolina Mendonça acrescenta que “as verbas [dadas pela faculdade] não são suficientes para

professores da área de cinema. Na 2ª edição do CINENOVA, a sessão de abertura realizou-se na Cinemateca

arcar com os custos de produção. Não

Portuguesa e encheu os 47 lugares,

conseguimos cumprir 60% programas idealizados”. A

dos isto

mais as escadas, da sala Luís de Pina. Como tal, na 3º edição o festival

acrescenta-se a dificuldade no diálogo

conquistou a sala M. Félix Ribeiro, a sala

com as infraestruturas da FCSH. A quantia fornecida pela faculdade

grande do Museu de Cinema. E é nessa sala que, no dia 20 de fevereiro, o filme

ao festival este ano foi no total 3.500€

O Soldado Nobre (2023), de Jorge Vaz

euros, 1.000 para o vencedor do

Gomes,

prémio de Melhor Filme Português, 1.500 para o do Melhor Filme a

premiado no festival, irá começar o que serão três dias de cinema e curtas-

Concurso. Assim restam 1.000€ para a

metragens na FCSH, mas também fora

produção. Este ano o festival conta com um novo apoio da NOVA Cultura, ao encargo da professora Clara Rowland do Departamento de Estudos Portugueses, além do IFILNOVA e ICNOVA e da Junta de Freguesia das Avenidas Novas.

dela. As sessões irão estender-se à reitoria da Universidade NOVA de Lisboa e ao Goethe-Institut Lisboa e prolongar-se-ão com conversas no fim. Nestas exibições que começaram no dia 6 de janeiro, o CINENOVA sai dos limites do campus da Avenida de Berna e dá-se a ver por outros olhos, ao mesmo tempo que apresenta outros olhares – com 20 curtas internacionais em competição, 15 nacionais e com a rubrica JA - Janela para o Arquivo, em parceria com a Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), que consiste na exibição e discussão de filmes produzidos em contexto académico, com a presença dos realizadores.

Uma 5ª edição de celebração da multiplicação e multiplicidade de “Olhares” Numa Cossoul à pinha, sem cadeiras para sentar todas as pessoas que vieram à sessão de terça-feira, dia 6 de fevereiro, do Shortcutz (movimento internacional de curtas-metragens), a Carolina Mendonça reúne-se com a

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realizador

Notícias

João Garcia Neto na sessão de 6 de fevereiro na Cossoul. Foto: CINENOVA.

anteriormente

Identidade visual da 5ª edição, por Diogo Lourenço, João Delgado e Maria Antunes.

“Se calhar acreditávamos que [o festival] era maior do que era, mas foi nesse acreditar que conseguimos projetar as nossas intenções e fazer daquilo uma coisa séria” -Patrícia Lima, segunda produtora executiva do CINENOVA


Fev/Mar.

Madalena Andaluz

Política/História

Ilustrador: Carlos Latuff

Contra a descontextualização do Dia Internacional da Mulher

rárias, o Czar abdicou do trono e

a mulher-mãe ou a mulher-parceira

inaugurou-se um governo provisório, abrindo-se o caminho à Revolução Russa.

também me parece um desvio àquilo que é o significado histórico do Dia

Este governo provisório deu o direito às mulheres de votar, e logo em 1920 a Rússia soviética é o primeiro país a

Internacional da Mulher. O Dia da Mulher deve servir para trazer à luz da atualidade as várias lutas das

reconhecer o direito legal ao aborto (embora este seja cedo revertido, em

mulheres ao longo do tempo por melhores condições de vida e de

1933, com a URSS sob a direção de Estaline). É, portanto, a partir de 1917 que

trabalho, assim como para nos lembrarmos que nenhuma das suas

Face à proximidade do Dia da Mulher (8 de março), apresento uma reflexão acerca da importância de lembrar as raízes

se marca o 8 de março enquanto Dia Internacional da Mulher. Sendo assim, o contexto político e

conquistas devem ser tomadas como garantidas: noções tão básicas para nós como os direitos a votar; a abortar; a uma

históricas deste dia, assim como o seu contínuo significado político, numa época em que se torna cada vez mais recorrente

histórico deste dia acabou por ditar as circunstâncias da história da sua própria celebração: durante praticamente cinco

educação digna; à creche (que ainda não é um direito pleno, não sendo gratuita); ao divórcio; às licenças de maternidade e

a despolitização e descontextualização desta data.

décadas o Dia da Mulher foi apenas

paternidade; são tudo resultados da luta

comemorado e reconhecido nos países do bloco soviético e por movimentos comunistas e socialistas, tendo sido proclamado pelo ocidente e pelas Nações Unidas apenas na década de 1970. Antes disso, logo a 1949, já a República Popular da China tinha feito do 8 de março um feriado oficial. Neste sentido, é importante não esquecer as raízes desta data e usá-la para fazer viver a memória da luta das mulheres trabalhadoras, da sua emancipação e da sua voz. Isto passa por contrariar as dinâmicas do feminismo neoliberal e o revisionismo desencadeado pelo mesmo em relação a este dia: o enquadramento feminino nas estruturas de poder e exploração do mundo patriarcal não é motivo para celebração e a instrumentalização do 8 de março para o glorificar contribui para a descontextualização desta data e para a sua consequente despolitização. Servirmo-nos deste dia para homenagear

incansável da mulher na história – luta que continua a ser necessária, não só face à crescente aderência social a discursos reacionários e regressistas, que põem em causa as décadas de desenvolvimento social das mulheres, como face à persistência de fenómenos como a discriminação salarial ou o assédio no trabalho. Dito isto, o Dia Internacional da Mulher deve ser comemorado pela sua história e pela contínua necessidade de reforçar a luta das mulheres pela igualdade e direitos no trabalho, em casa e no espaço público, assim como deve, ‘hoje mais do que nunca’, ser celebrado pela sua histórica correlação à luta pela paz.

O Dia Internacional da Mulher tem as suas origens no acumular de várias revoltas de mulheres trabalhadoras: 1857 data a primeira revolta de que há registo de operárias têxteis, em Nova Iorque e em 1908 trabalhadoras do vestuário saíram à rua em Chicago. Já em 1910, no segundo Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, aprovou-se a proposta de Clara Zetkin para se comemorar, todos os anos, um dia dedicado à mulher. Assim, desde 1911 que milhares de mulheres por todo o mundo passaram a celebrar o Dia da Mulher. Com a Primeira Guerra Mundial, as lutas pelo direito das mulheres e pela paz aparecem pela primeira vez ligadas: a 8 de março de 1917 centenas de trabalhadoras, essencialmente das fábricas têxteis, saíram à rua em Petrogrado para reclamar ‘Pão e Paz’. Esta greve operária acabou por tomar a cidade inteira e sete dias depois de contínuos protestos, iniciados pelas mulheres ope-

O Dia da Mulher deve servir para trazer à luz da atualidade as várias lutas das mulheres ao longo do tempo por melhores condições de vida e de trabalho, assim como para nos lembrarmos que nenhuma das suas conquistas devem ser tomadas como garantidas

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Fev/Mar.

Carolina Ramos

Crónica

Terra O lugar de onde eu vim é um borrão, não consigo restituir as ruas, e não tenho memória dos jardins. Falar de qualquer lugar que eu habitei antes de Lisboa é, para mim, falar da minha mãe. A minha mãe nasceu em 1973, no dia 18 de junho, e tornou-se minha mãe precisamente 31 anos depois, no dia 18 de junho de 2004. Antes de ser minha mãe ela era pequena e jovem, mas eu tenho a impressão de que ela sempre foi maior. Quando pequena ela tinha poucos sapatos, depois teve muitos, e agora eu acho que ela se preocupa cada vez menos com isso. Quando jovem ela atirou ovos ao Fernando Collor de Mello num comício, coisa que eu descobri recentemente, na minha opinião, aí ela já se tinha feito grande. Quando adulta ela mudou de continente para me apresentar outro mundo. Ela gosta de limpar, eu odeio o barulho do aspirador. Ela odeia que eu chore, eu às vezes choro sem parar. Nós gostamos de ir ao cinema, onde às vezes choramos juntas. A força do destino fez com que fôssemos só nós as duas, a minha incompetência faz com que às vezes seja só ela, e ela segue. A minha mãe não é calma nem paciente, quando eu penso nela penso sempre em movimento. Tenho dificuldade em imaginá-la parada. Não sei como ela me imagina, se eu tivesse que adivinhar diria que é sentada no sofá. Quando estou noutros lugares, às vezes queria que ela me visse, queria que ela soubesse como estou dentro das salas de aula e que ela ouvisse quando digo algo que julgo inteligente numa esplanada. Para mim, ela além de pessoa é lugar, foi nela que eu nasci. Enquanto crescia, espichei -me para outros lugares, que espero que o olhar dela não deixe de alcançar. Para mim ela é Brasil, porque o Brasil que eu conheci foi ela quem me apresentou, em filme, música, revolução ou televisão. Depois ela me deu pernas para conhecer o mundo. Brian Kershisnik III

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Fev/Mar.

Pedro Lázaro

Crónica

As Descobertas de Nuno Folha: AS eleições

Victoria Leite

Depois de mais um longo dia de aulas, Nuno Folha chega a casa à hora de jantar. O jovem senta-se à mesa e, como é habitual, os seus pais estão a ver o telejornal. - Então, filho, como foi o teu dia? – perguntou o pai, enquanto servia o seu prato. - Correu bem. O mesmo de sempre. – Nuno mostra-se um pouco apático. Na televisão, o noticiário é interrompido para dar início a mais um debate político, no âmbito das eleições legislativas do dia 10 de março. - É que nem em casa tenho sossego... – murmurou Nuno Folha. - Que queres dizer com isso, filho? – inquiriu a mãe em tom de preocupação. Nuno Folha faz um sinal com a mão para os pais esquecerem o que ele disse, mas, ao mesmo tempo, sabe que eles não vão deixar o assunto morrer. Então, confessa: - Estou cansado de que só se fale nas eleições. É na escola, é em casa... Que diferença faz quem está no poder? Os pais de Nuno entreolham-se apreensivos. - Acho que nem vou votar... – revela o jovem. - Nuno, votar é muito importante. É através do voto que tu expressas a tua vontade em relação a quem queres que te represente e defenda os teus interesses. – diz o pai. - O problema é esse! Eu não sei o que cada um defende, nem o que querem para o nosso país. Só falam em esquerdas e direitas, carga fiscal, corrupção, etc., mas em que é que isso facilita? - Entendo que estejas confuso, filho. Afinal de contas, é a primeira vez que vais votar e não estás muito por dentro do assunto. É perfeitamente normal. – a mãe de Nuno pausa o seu discurso e dirige-se à estante de livros. Traz alguns livros na mão e senta-se de novo à mesa. - Não te posso dizer em quem deves votar. Essa decisão terá de partir de ti. Contudo, hoje em dia, tens muitas formas de te informares. Tens os programas eleitorais, que estão disponíveis online, estes debates que são importantes para desconstruir certos temas. Nos jornais, também. Tem só atenção ao que vês nas redes sociais, porque aí há uma boa quantidade de desinformação a circular. - Certo, mãe, mas apesar disso tudo, que diferença faz que eu vote? Não é como se o meu voto fosse mudar alguma coisa no meio de milhões de eleitores. - Foi por isso que eu te fui buscar estes livros. - a mãe aproxima-se de Nuno Folha e segura-lhe as mãos. – Falam essencialmente da importância de votar e tens aí alguns romances que tratam questões políticas também. Não podes fugir a algo inevitável. É o teu futuro que está em causa e tens o direito e o dever de o reivindicar. Nem precisas de escolher, se achares que não és capaz. Podes deixar em branco, mas não podes deixar passar esta oportunidade de fazeres algo útil por ti e pelo teu país. Não podes permitir que os outros escolham por ti. - Ok, mãe. Vou dar uma vista de olhos nisto e pensar sobre o assunto. Ler e deixar-se informar nunca fez mal a ninguém, pelo contrário. Nuno Folha coloca os livros no sofá e agarra no comando para aumentar o volume da televisão.

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Leonor Moreira

Manual das Legislativas de Março de 2024 Diversidade de partidos políticos e respetivas propostas.


Dissolvido o Governo formado pelo Partido Socialista de António Costa, eleito com maioria absoluta em 2022, os portugueses voltam a ser convocados a eleger democraticamente novos representantes políticos. No entanto, até que ponto estão os partidos aptos para solucionar esta crise política? Para fornecer respostas e clarificar pontos-chave que devem ser do conhecimento dos eleitores, segue-se uma análise sucinta daqueles que serão os partidos políticos em disputa por assentos parlamentares e os líderes candidatos a futuro Primeiro-Ministro do país durante os próximos quatro anos. Atualmente, há oito partidos políticos com representação parlamentar na Assembleia da República, cada um com o seu número de deputados, proporcional aos resultados percentuais obtidos nas eleições legislativas mais recentes. Desde o caminho democrático que os militantes do 25 de Abril começaram a traçar na política portuguesa, a verdade é que a oportunidade de formar Governo a convite do Presidente da República tem oscilado sempre entre os mesmos partidos - o Partido Socialista e o Partido Social Democrata -, um fator por muitos considerado de estabilidade, previsibilidade e segurança. Contudo, a atual crise política que Portugal enfrenta desde a dissolução do Parlamento por Marcelo Rebelo de Sousa, o atual Presidente da República, veio provar que, afinal, a política em Portugal não é assim tão estável. Em parte, a própria pluralidade partidária que tem marcado os debates políticos desde inícios do milénio contribuiu para as cada vez mais incidentes oscilações e crises políticas. As tabelas seguintes mostram que partidos estão, neste momento, com assentos parlamentares e na corrida às legislativas de 2024 e os respetivos líderes, posicionamentos ideológicos e valores pelos quais cada um luta por defender no Parlamento:

PARTIDO SOCIALISTA (PS)

Pedro Nuno Santos

Posicionamento político: Centro-esquerda Ideologia: Social-democracia, Keynesianismo, Progressismo. Princípios basilares e valores defendidos: Sociedade livre, igual e solidária, aberta à diversidade, à iniciativa, à inovação e ao progresso. Atual nº de deputados: 120

PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA Luís Montenegro (PSD)* Posicionamento político: Centro-direita Ideologia: Conservadorismo liberal, Social-democracia. Princípios basilares e valores defendidos: Liberalismo político, economia de mercado, identidade nacional, inovação, mudança. Atual nº de deputados: 77 *Partido Social Democrata (PSD) - coligado com o CDS (Centro Democrático Social) e o PPM (Partido Popular Monárquico) na chamada Aliança Democrática (AD)

CHEGA (CH)

André Ventura

Posicionamento político: Extrema-direita Ideologia: Fascismo, Nacionalismo, Conservadorismo, Populismo Princípios basilares e valores defendidos: Racismo, xenofobia, antissemitismo, homofobia, nacionalismo, valores salazaristas (Pátria, família, religião) e antidemocráticos Atual nº de deputados: 12

INICIATIVA LIBERAL (IL)

Rui Rocha

Posicionamento político: Direita Ideologia: Liberalismo económico, social e político Princípios basilares e valores defendidos: Liberdade económica, social e política, liberalismo de mercado, prosperidade económica Atual nº de deputados: 8

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PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS (PCP)*

Paulo Raimundo

Posicionamento político: Extrema-esquerda Ideologia: Comunismo, Marxismo-leninismo Princípios basilares e valores defendidos: Política patriótica de esquerda, Estado ao serviço do povo, ruralidade, desenvolvimento da produção nacional Atual nº de deputados: 6

*Partido Comunista Português (PCP) - coligado com o PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”) na chamada Coligação Democrática Unitária (CDU)

BLOCO DE ESQUERDA (BE)

Mariana Mortágua

Posicionamento político: Esquerda Ideologia: Socialismo, Marxismo-leninismo, Ecossocialismo Princípios basilares e valores defendidos: Defesa dos direitos de todas as camadas sociais e minorias, salários justos, habitação acessível, cuidados dignos para a infância e a velhice Atual nº de deputados: 5

PESSOAS-ANIMAISNATUREZA (PAN)

Inês Sousa Real

Posicionamento político: Sem posicionamento definido à esquerda ou à direita Ideologia: Ecossocialismo, Ambientalismo Princípios basilares e valores defendidos: Defesa dos direitos sociais e humanos, defesa dos direitos das camadas menos protegidas, como os idosos, as crianças e os animais, luta por uma economia mais amiga do ambiente e das famílias Atual nº de deputados: 1

LIVRE (L)

Rui Tavares

Posicionamento político: Esquerda Ideologia: Socialismo, Europeísmo, Universalismo Princípios basilares e valores defendidos: Inclusão, democracia deliberativa, convergência, subsidiariedade; defesa humanista de uma democracia europeia; libertação do país da Troika Atual nº de deputados: 1

Partidos sem assento parlamentar E quem são os partidos sem assento parlamentar? Entre eles, encontram-se partidos como o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP), o Ergue-te (E), o Partido da Terra (MPT), o Partido Trabalhista Português (PTP), o Movimento Alternativa Socialista (MAS), o Juntos Pelo Povo (JPP), o Nós Cidadãos (NC), o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP), o Reagir Incluir Reciclar (RIR), o Volt Portugal (VP) e o Nova Direita (ND), o mais recente inscrito na Comissão Nacional de Eleições. É importante estes partidos também terem o seu tempo de antena, não só porque vivemos num Estado de Direito com pluralidade partidária prevista na Constituição da República Portuguesa, mas também porque, apesar de não serem partidos capazes de formar Governo, podem trazer às discussões políticas novas perspetivas e propostas de soluções políticas.

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como funcionam os debates? Duração de 25 a 30 minutos, com exceção da última dupla em confronto - Pedro Nuno Santos (PS) e Luís Montenegro (AD) -, que terá uma duração de 75 minutos. Findos estes duelos políticos, haverá dois debates finais, um entre os oito partidos com assento parlamentar, outro entre os partidos sem assento parlamentar.

quais os programas eleitorais? Após a apresentação do programa eleitoral para as legislativas de 2024 pelos partidos políticos, notam-se divergências nas abordagens - e no próprio reconhecimento - dos assuntos prementes na política portuguesa.

Ao longo do mês de Fevereiro, os diferentes partidos políticos confrontaram-se em debates transmitidos nos principais canais da televisão nacional, tendo cada debate uma duração de 25 a 30 minutos, com exceção da última dupla em confronto - Pedro Nuno Santos (PS) e Luís Montenegro (AD) -, que teve uma duração de 75 minutos. Findos estes duelos políticos, existem dois debates finais, um entre os oito partidos com assento parlament ar, outro entre os partidos sem assento parlamentar. Em todos os debates, existiram temas comuns e problemas aos quais cada partido devia dar resposta, nomeadamente a crise da habitação, a necessidade de reforma do SNS, o valor do salário mínimo nacional e dos salários dos jovens, a necessidade de redução de impostos, as medidas destinadas aos pensionistas, a carreira dos professores, os subsídios dos trabalhadores de risco (como os bombeiros e os agentes policiais), as reivindicações dos agricultores, a corrupção, a crise climática, a imigração, entre outros.

Após a apresentação do programa eleitoral para as legislativas de 2024 pelos partidos políticos, notam-se divergências nas abordagens - e no próprio reconhecimento - dos assuntos prementes na política portuguesa. O Chega nega a necessidade de legislar sobre as alterações climáticas. O PCP imagina Portugal fora da NATO ou, se dentro dela, sem prestar apoio à Ucrânia. A IL opta por privatizações radicais e despedimentos coletivos. O PSD não reconhece a necessidade de legislar sobre as condições de trabalho e de habitação dos jovens. O PAN mantém um prognóstico utópico face à crise do Serviço Nacional de Saúde, estando este em sobrecarga e a pressionar o agravamento da fuga de médicos para o privado. Além disto, o PS e o PSD continuam muito conservadores nas respostas à crise da habitação, colocando os lucros dos Vistos Gold à frente das condições de vida dos portugueses residentes. O Bloco de Esquerda não nega a possibilidade de uma nova Geringonça com o PS e o PCP. O Chega continua a propagar informações falsas e a fazer campanhas populistas, algo que tem feito o partido crescer devido à facilidade de manipulação dos eleitores com difícil acesso às notícias a partir de plataformas fidedignas. Por fim, o Livre ainda é um partido fantasma que simplesmente acompanha o Governo nas votações das leis e decretos-lei na Assembleia.

como funciona o voto? Existem 22 círculos eleitorais no total 18 distritos, Açores, Madeira, residentes naEuropa e o resto do mundo... Existe ainda a opção do voto antecipado, que decorrerá a 3 de Março, podendo este ser feito nas urnas ou na plataforma digital (votoantecipado.pt). O voto em branco expressa o desagrado perante todas as opções partidárias, ao contrário da abstenção, que nada mais expressa do que o não exercício de um dever nacional.

Finalmente, resta explicar os diferentes círculos eleitorais e a diferença entre a abstenção e o voto em branco. Existem 22 círculos eleitorais no total - 18 distritos, Açores, Madeira, residentes na Europa e o resto do mundo -, de modo a que os assentos da Assembleia da República sejam divididos proporcionalmente às preferências políticas regionais, ou seja, aos resultados obtidos pelas listas de candidatos de cada partido ou coligação. Existe ainda a opção do voto antecipado, que decorrerá a 3 de Março, podendo este ser feito nas urnas ou na plataforma digital (votoantecipado.pt). Exercer o voto, mais do que um direito, é um dever reservado aos cidadãos, pelo que a abstenção não se justifica. Esta é a soma de todos os cidadãos que não exerceram o seu voto, ou seja, que não se dirigiram às urnas para votar num partido. Por outro lado, o voto em branco é oposto ao silêncio da abstenção, visto que, nesta situação, os eleitores dirigem-se às urnas e, em vez de colocarem uma cruz no quadrado referente a um partido político ou coligação, optam por entregar o boletim de voto sem nada. Desta forma, o voto em branco expressa o desagrado perante todas as opções partidárias, ao contrário da abstenção, que nada mais expressa do que o não exercício de um dever nacional.

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Fev/Mar.

Margarida Calado

Crónica

Imagem: Público. Arraial no Intendente, em Lisboa NUNO FERREIRA SANTOS

Facho, és o único estrangeiro do bairro Como disse Sandro Pertini “todas as ideias devem ser respeitadas. O fascismo, não. Não é uma ideia. É a morte de todas as ideias”. Ainda em dezembro de 2023, seria apresentado à Câmara Municipal de Lisboa (CML) o pedido de realização de uma manifestação “anti-islâmica”, no Martim Moniz, para o dia 3 de fevereiro. Entre os seus promotores encontra-se o neonazi Mário Machado, já acusado e detido por crimes de ódio, e porta-voz do grupo 1143. Neste pedido, os seus promotores destacariam que não se pretenderia “causar qualquer constrangimento”, isto é, à circulação de viaturas no local. Em resposta a este pedido, a PSP acautelaria a CML do "risco elevado para a ordem e segurança públicas, uma vez que se identificam vulnerabilidades graves associadas às características sociais e físicas do espaço indicado pelo promotor". Entrevistado pela CNN, o Presidente da Junta de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, acusaria essa possível manifestação de "ilegítima, não obstante o direito à manifestação. Por aquilo que temos lido, ouvido, que está escrito, é uma manifestação de apelo ao ódio, racista e anticonstitucional", defendendo que “há aqui [na freguesia] uma convivência diária. Claro que há culturas diferentes, claro que há diferenças, mas não temos aqui um problema religioso, nem no nosso país, nem na nossa freguesia”. Ainda neste interregno antes de uma resposta do presidente da CML, uma carta-aberta intitulada “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio” circularia nas redes sociais, recolheria cerca de 5 mil assinaturas e seria endereçada ao Presidente da República, membros do Governo e outras autoridades. Já no final de janeiro o presidente da Câmara Carlos Moedas, constitucionalmente responsável pela aprovação de manifestações, proibiria a realização desta manifestação. Decisão essa confirmada pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL), não obstante os pedidos de revogação por partes dos promotores da manifestação. Seria de esperar que um evento proibido pela entidade responsável não se realizasse, porém, a insuficiência e fragilidade dos motivos apresentados para a sua proibição permitiram que Mário Machado confirmasse a realização da manifestação na mesma data e hora, agora entre o Largo Luís de Camões e a Praça do Município. Ora, se o problema em questão se tratava apenas da

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segurança pública e não o respeito a uma Constituição baseada na igualdade e respeito, é natural que uma manifestação racista, xenófoba e anticonstitucional proibida num local se possa concretizar noutro. E se o problema em questão fosse a defesa de uma sociedade democrática, aberta, acolhedora, igualitária e justa, então, na ocasião de uma manifestação neonazi no coração de Lisboa, a PSP não deveria acompanhar e controlar os manifestantes, mas antes dispersar e punir. Infelizmente, essa segunda opção serviria apenas para os anti manifestantes e antirracistas que se reuniram de forma espontânea na Praça do Município, e para os jornalistas do Sessenta e Quatro e do Fumaça que se limitavam a fazer a cobertura do evento. Se numa ponta da cidade se cantava o hino nacional e se ouviam gritos de “Portugal, Portugal” e “Islão fora de Portugal”, na outra, bem próximo do Martim Moniz, no Largo do Intendente, a ordem do dia era o amor e a igualdade. Junto de vários estabelecimentos de comércio e restauração e de locais de habituação da comunidade islâmica portuguesa, várias pessoas se juntaram em defesa de um país diverso e livre de racismo, gritando “racistas, fascistas não passarão”. Em cartazes lia-se “Facho, és o único estrangeiro do bairro” ou “todos os imigrantes são bem-vindos”. Não nos assustemos em demasia, para uma manifestação de ódio de poucas dezenas, várias centenas se juntaram pelo amor. Felizmente, Portugal continua a ser maioritariamente democrático e preferencialmente pacífico, se à sua totalidade ainda assim tirarmos os militantes e simpatizantes da extrema-direita. Carlos Cruz, senhor que enfrentou a solo os manifestantes neonazis, disse “deveriam era estar aqui 30 e 40 como eu”. Que para a próxima, que certamente acontecerá, sejamos muitos mais de 30 e 40 contra o racismo, o fascismo, o nazismo, o machismo, e todos os outros ismos (só os feios!) que se calaram depois do 25 de abril de 1974 e 50 anos mais tarde saem brutalmente da obscuridade. E que antes disso, até mesmo em substituição, seja o Estado a representar-nos e a assegurar a Lei e a Constituição. Como disse Sandro Pertini “todas as ideias devem ser respeitadas. O fascismo, não. Não é uma ideia. É a morte de todas as ideias”.


Fev/Mar.

Tália Moniz

Iha Malae Nia Rai

Crónica Fotos: Tália Moniz. Dili, Timor.

O meu pai descrevia a sua emigração para Portugal como “a entrada na casa dos outros”, o que traduzido para tétum, a sua língua nativa, seria algo semelhante a “iha malae nian rai”, em que os donos da casa tinham sempre razão, e como convidados, somos obrigados a seguir as suas regras. Crescer no limiar de dois mundos nunca é fácil, é impossível escolher um lado, sem diminuir o outro e encontrar o equilíbrio perfeito entre as duas realidades é uma tarefa complexa, mas para o meu pai o que seria melhor para mim era escolher o melhor mundo. Fui criada em duas casas, sempre com um pé para dentro e outro de fora e enquanto filha de imigrantes de primeira geração, fui bombardeada de propaganda dos meus pais de como este é um grande país, de como tenho de ser idêntica a todos à minha volta e quando volto para a terra natal dos meus pais, sou também lembrada de que tenho de regressar a Portugal. Durante toda a minha vida fui relembrada que aqui estaria bem, teria melhores condições de vida, uma casa, um bom emprego e uma vida estável. Agora moro em Lisboa e nada poderia parecer mais incerto. Sou uma mulher de cor timorense, indiana, cigana, paquistanesa, angolana, brasileira que todos os dias vive dos impostos dos verdadeiros portugueses e que desesperadamente merece voltar para o seu país, onde quer que ele seja, independentemente das suas condições. Porque ter nascido em Coimbra, ter sido criada em boas escolas, falar fluentemente a língua, ter a mesma religião que todos os portugueses de bem e ir à missa todos os domingos nunca será suficiente, vai-me sempre faltar alguma coisa e ainda me vão perguntar no comboio de onde realmente sou. Um dia, numa conversa com o meu pai, ele dissee “vais sempre ser uma estrangeira”, o que me atingiu de uma forma tão profunda. A brutalidade e a franqueza com que ele me disse, o meu pai, que sempre foi o protótipo de imigrante ideal, que sempre se mostrou forte mesmo quando o dinheiro era apertado, que nunca levantava a voz para ninguém em público, sempre cuidadoso para dizer as palavras certas nos momentos certos, reconfigurando-se para encaixar e permanecendo num constante estado de desconforto, de nunca, de facto, conseguir relaxar na sua própria casa. Ouvir o meu pai partilhar, de forma tão honesta, a sua experiência enquanto imigrante, uma experiência tão diferente da minha, foi algo que me assustou. Pensar no quão difícil foi para ele, ter de estudar, trabalhar, sustentar a sua própria família em Portugal e em Timor, enquanto detestava cada dia neste país, enquanto estava tão mas tão longe de casa, fez-me pensar que talvez as pessoas não compreendam porque é que emigramos. O que advém da necessidade intrínseca de procurar melhores condições de vida. Os meus pais emigraram pois precisavam, e não porque queriam. Apenas pessoas ricas emigram porque podem, nunca porque precisam e é algo que parece não clicar. Quando entramos na casa dos outros, vamos fazer de tudo para nos encaixarmos: tiramos sapatos, calamo-nos, aceitamos muito menos do que alguém deveria e, ainda assim, nunca é suficiente. Existiu uma preocupação tão grande durante todos os anos em que cá viveu para sempre ser perfeito, nunca causar problemas, como se fosse algo que lhe pudesse acontecer sequer, simplesmente porque se assumia que ele iria errar, que ele não iria compreender. Ainda me fala com hostilidade, sobre os portugueses frios, individualistas, com as memórias de décadas de racismo e xenofobia. Quando era mais nova, detestava que ele falasse assim sobre o sítio que aprendi a chamar de casa. Nunca os vi assim, aquelas pessoas que o meu pai descrevia com tanto pesar eram os pais dos meu amigos, os meus professores, a funcionária da minha loja preferida. A minha mãe seguia-me no argumento de que não era tão mau, tínhamos sorte, tínhamos um teto, nenhuma dívida no banco, que viver onde vivíamos era um sonho. Afinal, de fora, para toda a minha família que vivia em Timor, éramos verdadeiros reis, mesmo que todas as minhas poupanças tivessem sido utilizadas para pagar a licenciatura de um tio, ou o casamento de uma tia. Para quem vê de fora, é difícil compreender todos os sacrifícios requeridos para entrar na casa dos outros. Se hoje vejo notícias sobre manifestações políticas carregadas com discursos de ódio anacrónicos com teor xenofóbico, relembro o meu pai e o seu ceticismo para com os “malais” e entristece-me ter de admitir que talvez ele tenha razão, que talvez vá sempre ser uma estrangeira. “Iha Malae Nia Rai” - tradução para português: "Na terra dos Outros" “Malais” significa "estrangeiro" em tétum, a língua de Timor.

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Fev/Mar.

Emmanuel Walcher

Artigo de Opinião

É preciso um país Desde as aventuras marítimas portuguesas que o interior do país padeceu perante um projeto atlântico. O foco no mar, na expansão e nos recursos extraídos além-mar dominaram os pensamentos das elites lusitanas desde que o primeiro barco navegou além das águas mais tranquilas da costa. Quando o império se foi o que havia restado era um país não investido e maltratado por séculos, país até abandonado pelas elites quando o invasor bateu à porta, país que defendeu a si próprio. Quando, com o marchar do tempo, veio a época das indústrias, o êxodo se intensificou. Seja para o estrangeiro ou para as grandes cidades, especialmente costeiras, a população se movimentou para fora do interior do país, culminando hoje em um esvaziamento e envelhecimento das terras. O êxodo rural e a emigração não são fenômenos unicamente portugueses, o que saliento nesta crítica é a inação das elites perante o que lhes cabia fazer durante a história e que lhes cabe hoje. Portugal foi um dos primeiros impérios coloniais globais, potência do tempo dos “descobrimentos”, além de sempre ter estado onde está, no continente europeu, centro global de riquezas extraídas do resto do planeta.

Ferdinand e Marianne, em Pierrot Le Fou (1965)

Vivemos hoje sob a égide de uma revolução que tinha um projeto nacional, que de facto pretendia transformar o país. Abril foi uma promessa de primavera, de mudança e progresso para um país reprimido por um fascismo mesquinho e nojento. A constituição tem gravada as promessas de habitação, de descentralização, de melhoria de vida para a população portuguesa. Mas Abril parece nos roubado, parece ser algo meramente gritado ao vento, porque a elite política não cumpriu e não cumpre com as promessas da revolução. Direitos da população não são entregues. O plano de Nação continua sentado no canto, deixado para dia de São Nunca à tarde, enquanto novos desafios surgem, o tempo passa e tudo se complica. Vivemos em aparentemente uma crise infinita desde 2007 que rouba gerações de um país, de uma vida construída no lugar onde nasceram, ou escolheram viver. Crise na habitação, crise no mercado de trabalho, crise no crescimento econômico (que mais parece uma montanha russa), crise de envelhecimento e esvaziamento do interior do país, para citar algumas. Enquanto tudo isso o país continua altamente centralizado, mas mesmo nos grandes centros urbanos se sente a falta do poder político no infernal e interminável revezar de greves nos transportes públicos, dos professores e da polícia, que lutam e têm o direito de lutar pelos seus direitos que não são também cumpridos. Portugal sofre uma crise de falta de rumo e o perigo desta falta de rumo é que na indefinição e dificuldade dos dias o medo fala mais alto e certos passados infernais são pintados com cores falsas. Neste momento é preciso um país.

Dois pais abraçam o filho, militar à chegada do Ultramar. Foto: Social Sciences Critical Magazine

Mesmo durante tempos econômicos difíceis a posição cultural e geográfica jogou a favor do país, estamos no projeto europeu e na moeda europeia. Portugal padece hoje das más escolhas do passado, mas tem liberdade para escrever seus passos, sempre teve por mais que pequena. O ponto é a aparente falta de plano verdadeiramente pensado para o país. Expandir além-mar foi tão bom plano que quem enriqueceu foi Flandres e outras regiões onde se comercializava o extraído das colônias.

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Construção da estátua do Marquês de Pombal, anos 30.


Guilherme Machado

Fev/Mar.

Artigo de Opinião

A nossa linha azul e fina A polícia diante as monumentais e eternamente vedadas escadas da Assembleia da República, cantarolando o hino nacional com o bradar gutural de um guarda de trânsito e marchando com invejável disciplina pode fazer temer uns quantos, preocupar uns outros e alegrar, através de um teatro de desdém, a grande maioria “silenciosa”. Este cenário amedronta aqueles a quem bem desejamos o mais paralisante dos temores: a nossa classe de delinquentes marginais sobre a qual o martelo pesado da Lei urge fazer-se sentir! Obviamente, nesta categoria não se encontram banqueiros que fogem com dinheiro que não é seu, tampouco membros da classe política a quem ainda não lhes tenha calhado a vez na roleta de processos criminais com motivação política. Não, aqui nós deparamo-nos com as pessoas colocadas em situação de periferia, marginalizadas, queer, negras, brasileiras - aquelas que, caso seja o trabalho da polícia bem executado, não terão de preocupar ninguém com a sua visibilidade e existência fora das margens da sociedade bem-educada. Obviamente, não é para esta realidade da polícia que somos remetidos quando pensamos ou discutimos as exigências dos polícias em protesto. Isto porque é difícil em sociedades de constante vigilância, forjadas no ferro e no fogo das lutas de classes, traumatizada pela memória abjeta das multidões miseráveis a decapitar Reis, a destruir máquinas e a injuriar Deuses, ninguém problematiza seriamente o papel político da

dem - na dimensão mais abstrata e virtual da palavra. Na nossa profunda sabedoria coletiva a polícia contém sempre os importantes arquétipos da caça à multa, da corrupção e das revistas vigorosas. Mas mais importantes do que isso, implica também o mito fundador da nossa “segurança”: que é a existência da polícia que impede a sociedade de colapsar, que sem a polícia estaríamos todos nas mãos de atores maléficos e egoístas, que a finíssima linha que separa a sociedade capitalista autoritária da absoluta barbárie reside nesta thin blue line. A polícia é e foi, em muitos aspetos e momentos da nossa História, uma organização mais fiel ao estado das coisas do que as Forças Armadas. Afinal, não teve o Exército de render a PSP e a GNR durante o 25 de abril? Neste contexto, não existe nenhuma polícia que não seja “política”, no sentido da manutenção fundamental da ordem social e política de um Estado. Os nomes dados às instituições, às suas ideias e aos seus inimigos mudaram - mas os métodos mantêm-se inalterados. A natureza da polícia como cimento da ilusão de ordem de um Estado é o que parece atrair tantos simpatizantes aos protestos da polícia, incluindo muitas pessoas na esquerda, que entre o PCP e outras facções mais simpáticas do movimento, parecem manter reservas apenas devido à inalienável estética fascizante de ser um “apoiante da polícia” muito vocal. Para muitos os problemas que sente a polícia a fazer

polícia, porque para a consciência social a polícia é a amálgama destes indivíduos de azul

o seu trabalho são muito parecidos com os que muitos outros em Portugal sentem: polícias

que tanto podem investigar terríveis assassinatos como podem eles mesmos assassinar num único e somativo garante da Or-

recém-incorporados têm normalmente de se deslocar para outras cidades onde o salário não paga o arrendamento, as esquadras geralmente não têm condições, e a profissão sente-se abandonada, desmoralizada e desrespeitada! Tudo, desde as queixas até à entoação do Hino no protesto, podia fazer-nos confundir os polícias com professores! (Falta apenas o surgimento-relâmpago de uma nova facção à la STOP para abalar o sindicalismo dos polícias). Até a comparação que por excelência se servem os polícias para ilustrar as injustiças da profissão, como os agentes da PJ receberam um bónus para além de carreiras melhor remuneradas, dificilmente não granjeia o apoio quase automático de um veterano da socialdemocracia ou do PCP que reconhece esta clássica injustiça da divisão social do trabalho. É demasiado fácil juntar às ondas de

Dez mil polícias cantam o hino nas ruas de Lisboa - CNN Portugal

reinvindicação dos trabalhadores de um país pobre, desigual e improdutivo as queixas dos polícias como mais um setor público que está a

Agentes da PSP com José Luís Carneiro, Ministro da Administração Interna. Foto: Lusa/Estela Silva

ser desprezado e a ser vítima do desinvestimento. Mesmo que muitos simpatizantes possam admitir que existem aspetos deploráveis da forma como opera a polícia, a ideia fundamental de uma sociedade funcional e “segura” justifica os erros. Mesmo que os “erros” - violência policial, sociedade carcerária, assédio sexual, racismo e classismo institucional - sejam parte da função da polícia. Não pecaríamos por pensar que se desejamos uma reforma da polícia, há que pagar melhor a esta mesma polícia. Mas esta perspetiva pareceme ingénua pelo facto de que a luta dos polícias por melhores condições e as suas alianças políticas transcendem o ciclo simples da necessidade de melhores condições materiais. Mais do que a polícia em si, entrou na arena do debate político a ideia que temos de nós mesmos através da PSP e da GNR como um espelho de Portugal - a nossa violência e o nosso conservadorismo, o provincianismo e aquela eterna “maioria silenciosa” da classe média confortável, com todos os seus preconceitos, ansiedades e pavores. A polícia como uma corporação que sai à rua e que se organiza em sindicatos com alianças duvidosas é uma ameaça enorme para o arco de governação, mas é uma ainda maior para qualquer movimento social, qualquer grupo marginalizado, e qualquer um que se oponha minimamente ao projeto policial. Os polícias não querem negociar o seu papel constitucional de servirem como a viga mestra de um edifício de exploração, propriedade e racismo, e não será o aumento de salários ou a construção de balneários novos na PSP de Ermesinde que vai alterar isso. Mas certamente, sabemos o suficiente para não cairmos na armadilha de sentir solidariedade de classe com a polícia, certo? E seguramente, nenhum governo aproxima-se por aí no horizonte, a virar à direita, que vá sancionar uma polícia mais violenta, pois não?

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Fev/Mar.

Marta Afonso Alves / Lara Duarte

Que o tédio faça morada em mim

Com olhos de vila olho a cidade

Marta Afonso Alves

Lara Duarte

Nos confins dos recônditos mais profundos do interior do nosso pequenino Portugal, encontra-se, deixado pelo mundo ao esquecimento, o meu tesouro. Não é um tesouro capaz de enriquecer multidões, erradicar a pobreza, ou, até mesmo, capaz de permitir, por cortesia, oferecer um café a outrem. O meu tesouro é feito de silêncios, de lareiras acesas ao final do dia, de perfume a eucalipto, de estrelas no céu, de saudade. Lamento ter, em poucos segundos, causado tamanho desalento à tua veia aventureira, que presumo estar de malas feitas, desejosa de partir em busca de uma invejável fortuna. Já partilhei este meu tesouro com quem muito gosto, mas raramente consigo partilhar o encanto que lhe tenho. A seus olhos, este meu precioso cantinho é um poço de solidão, uma longa pausa no tempo, um espaço onde o tédio se permite viver. O tédio obriga-nos a um encontro a sós com pensamentos que são nossos. Não há nada neste mundo, e noutros tantos, tão angustiante. Na cidade, o tédio não tem sítio onde morar. O senhor Albino, pérola preciosa da aldeia, acorda todos os dias com uma só missão que o move: esconder-se por detrás de árvores e arbustos, procurando incessantemente mexericos, segredos, tragédias. Enfim, tudo o que, sendo ou não verídico (isso é de pouca relevância), tenha potencial para se tornar numa boa história. Posteriormente, o senhor Albino partilha as peripécias sob forma de sussurro, de porta em porta, sempre com um brilho no olhar e um largo sorriso no rosto. Eu acho-lhe um encanto. Carrega em si todos os meios de comunicação da aldeia, é atento e, a sua incapacidade de guardar um segredo só para si, demonstra um altruísmo invulgar de se encontrar. É o modelo representativo de um aldeão, mas mais. É sempre um pouco mais. O senhor Albino nada estudou. Mia Couto escreveu que “quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar outros lugares”. O senhor Albino viveu toda a sua vida na aldeia e nunca lhe agradou a ideia de morar noutro lugar. Durante o dia entretém-se a bisbilhotar, a ajudar a mulher na horta e a respirar o ar perfumado. Ao anoitecer acende a lareira e liga a televisão que todos os dias confirma a sua crença de que na cidade a vida é dura, apressada, triste. A minha vida acontece na grande cidade. Não posso dar-me ao luxo de prescindir dela, ainda que, rapidamente, me sinta assoberbada de cansaço e de saudade. Saudade de escutar os silêncios, ver as estrelas, inspirar o ar perfumado, entreter-me com as histórias do senhor Albino, acender a lareira e permitir que o tédio faça morada em mim.

“quem viveu pregado a um só chão não sabe sonhar outros lugares” -Mia Couto

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Crónica

Com 18 anos saí da “terrinha” (nome feminino, palavra de origem lisboeta para se referir a qualquer lugar que não a capital ou a sua periferia) em direção a Lisboa para ir para a faculdade. Ao contrário da maior parte dos estudantes deslocados que se juntam a outros estudantes deslocados, eu comecei naturalmente a dar-me com pessoas que viviam e cresceram em Lisboa, deparando-me desde logo com um choque de realidades e perspetivas. Sou de uma vila no centro de Portugal, a 40 minutos de Coimbra e a 40 minutos de Leiria, a 40 minutos da praia e a 40 minutos da montanha, a duas horas do Porto e a duas horas de Lisboa, onde se diz fino e imperial, cabide e cruzeta, ténis e sapatilhas. Duas horas pode parecer uma pequena distância para muitos, mas quando se cresce numa “terrinha” esquecida pelos transportes, duas horas tornam-se uma eternidade. Sim, sempre tive internet, sim já conhecia Lisboa e não, não paro o carro para passarem ovelhas (regularmente). No entanto, os meus pais não têm o ensino superior, bem como a grande parte dos pais dos meus amigos, nunca saí do país com os meus pais, tal como a maior parte dos meus amigos, não conhecia ninguém que tenha andado num colégio privado e ir ao teatro a Lisboa eram as prendas especiais na minha infância. Ainda antes de vir para Lisboa os meus amigos chamavam-me “a menina da cidade”, os meus irmãos mais velhos “a tia de Cascais” por estar constantemente mais arranjada do que precisava, não gostar de me sujar ou de qualquer coisa que rasteje ou que tenha mais que quatro patas e por ser muito mimada e protegida por toda a gente e, quando saí de casa dos meus pais, não me senti deslocada, fui com a ideia que que era ali que pertencia. Sinto-me privilegiada por ter entrado na faculdade que queria e pela minha família ter feito esta mudança possível: muitos estudantes não podem dizer o mesmo. Quem é de Lisboa fecha os olhos a um privilégio claro para mim e tantos outros estudantes deslocados do que é crescer perto de oportunidades, de cultura, da educação e de qualquer evento ou passatempo que víamos nas notícias, nas redes sociais ou até mesmo certas cadeias de restaurantes e lojas que só abriam em Lisboa e que nos alongava a distância da civilização. Lisboa e os seus habitantes suportam um elitismo intrínseco que não se apercebem por se acharem (e serem) o centro do país. De se referirem à minha terra como “o Norte” a acharem que se paga a escola pública, penso já ter ouvido de tudo de quem pensa que Portugal é aquela cidade e apenas isso. Gosto da agitação e correria da cidade, do ter mais planos e opções do que tempo para fazer tudo e poder sair à rua e ter sempre sítios novos e coisas novas para ver e fazer, mas anseio também os fins de semana na minha casa, na minha terra, os cafés com os amigos de sempre, com quem aprendi o que é amizade incondicional e sem cobrança, a comida e carinho da família, o ar puro, o simples, mas complexo, céu estrelado e as melhores noites de sono patrocinadas pela ausência de poluição sonora. É na minha terra que deixo parte da minha identidade, mas de onde trago a maior parte da minha personalidade, os meus valores e a perspetiva com que olho a cidade.


Fev/Mar.

Crónica

Mariana Vitória Arruda

Ser estudante das ilhas Atualmente, prosseguir os estudos e ingressar no ensino superior em Lisboa é um objetivo que pode ser considerado, para muitos alunos oriundos de localidades mais “interiores”, um sonho. Para alguns sortudos, chega a tornar-se numa realidade. Contudo, não é um plano acessível a todos os estudantes que o pretendam alcançar devido a inúmeras razões, cada vez mais proeminentes no quotidiano dos portugueses.

Foto: Rita Francisca Martins Amaral

Começando pelas médias de candidatura, que têm vindo a aumentar nos últimos anos, tornando-se num desafio, principalmente para quem necessita de dois, ou mais, exames nacionais positivos para poder candidatar-se ao(s) curso(s) da sua preferência. Outra questão que impede esta possibilidade é o problema habitacional, com rendas de quartos alugados a estudantes, que chegam a ultrapassar o valor do salário mínimo nacional. Inclui-se ainda o pagamento de propinas, mesmo nas universidades públicas, que, na sua maioria, não é apoiado com medidas governamentais, sendo que, as já existentes, se destinam a alunos cujos agregados familiares já beneficiam de outros tipos de apoios. Aos estudantes naturais das ilhas, acrescenta-se ainda o encargo das deslocações entre casa e a cidade onde se estuda, sendo estas, muitas vezes, reduzidas

de uma ilha, pela rotina atarefada da capital, acarreta também os seus benefícios, sobretudo no que toca ao acesso aos mais variados serviços, sendo uns até mesmo inexistentes nos arquipélagos, e à cultura, em geral. Desde adquirir bens básicos em falta nos supermercados regionais a frequentar centros comerciais repletos de cinemas e lojas internacionais, a exposição. Contudo, a adaptação a este novo mundo de entretenimento e lazer poderá tornar-se difícil, mais uma vez, graças, em grande parte, à inflação. Muitos dos estudantes deslocados provenientes dos Açores e da Madeira, ao candidatarem-se ao ensino superior, encontram-se, na maior parte dos casos, na necessidade de fazer uma espécie de balanço entre vantagens e desvantagens que o percurso

ra de sonho, em território continental, visto nem haver sequer oferta do mesmo na sua re-gião. Tomada a decisão final e com a candidatura aceite, seja através do contingente reservado às ilhas ou não, chega a hora de marcar uma passagem de avião, procurar alojamento, tratar de toda a burocracia (des)necessária ao processo de inscrição na faculdade e empacotar parte dos nossos bens em malas de viagem. Entre nós, não é tarefa difícil identificarmo-nos uns aos outros, pois, ser estudante das ilhas é conhecer uma outra cultura completamente diferente apesar de se continuar a estar no mesmo país. Carregar uma pronúncia e uma forma de estar, por mais ligeira que seja, aonde quer que nos desloquemos. Estranhar não ter o mar em nosso redor e ter o constante aroma a verdura e maresia substituído pelo da poluição. É ter a insularidade a correr-nos pelas veias e a

face aos custos elevados das passagens aéreas, agravado com a descontinuação dos voos de

universitário numa instituição continental trará para a sua vida profissional futura, ao invés da

conectarmo-nos inexplicavelmente. Ter de encontrar casa mesmo estando longe dela. Ser

companhias aéreas low-cost para as regiões autónomas.

permanência na sua universidade local. Colocando-se essa hipótese, há quem opte por

estudante das ilhas é deixar a ilha sem que esta nunca nos deixe a nós.

Por outro lado, trocar o estilo de vida tranquilo

seguir o seu curso e, consequentemente, carrei-

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Fev/Mar.

Diálogo

Guilherme Machado

Serei indo-europeu? O Luís Fernando decidiu que nunca mais iria meter o pé na poça pelos seus clássicos devaneios de tempos eufóricos.

-Perdeste a coragem? -Não sei se alguma vez tive coragem. Acho que eu não estava cansado. Como agora. Efetivamente, a coragem sempre lhe pareceu uma alegoria aos impulsos mais céleres que faziam tremer o seu corpo. Que o lançavam em direção aos braços suados de alguém, que de certa forma, reduziam a altura que sempre separou o passeio do parapeito da janela. Os metros nunca tiveram outra dimensão que não a distância entre a consciência e o abismo, mas os limites da sua coragem - da sua audácia disfarçavam a morte em trajes carnavalescos, faziam das tripas um verdadeiro coração. - Ou seja, estás a dizer-me que tal como te caíram os cabelos, ao ritmo de largas avenidas sobre as tuas têmporas, caíram-te também todas as pretensões de viver para sempre? Bem visto. As entradas sempre lá estiveram, abrindo-se pelos meus cabelos, cada vez mais finos. Mas a partir de um certo dia as entradas fizeram-se em riftes oceânicos. Quase que as podia sentir, palpitando como uma veia na minha testa, cantando-me poemas que eu escrevi na parte de trás de um caderno, poemas que, ao momento da sua conceção, me pareciam tão puros e exatos como a mais

-A saber… a saber: transformarem-se em tópicos escritos a lápis num recibo enfiado na carteira, ao lado de pequenas cartas de amor e um cartão do seguro? -Pior: ao menos a carteira concede à pobre da palavra a honra de caminhar comigo, no meu bolso suado. Acho que as minhas palavras nem pernas têm para andar a este ponto. -Não te estarás a dar demasiado crédito? -A mim? Ou às minhas palavras? -Então? Sois um e só? Foi a pior conclusão a que cheguei. Que sextafeira era dia de bater com a testa numa pia batismal, de que sábado era as réquias da minha voz bicuda, que antes de serem dias, eram luzes e sombras, e que antes disso, eram merda. Merda absoluta! Muita merda. O teatro das aflições animistas, encenando uma versão bacoca de uma História, de uma Humanidade que eu, na ingenuidade absurda dos meus cabelos, na vermelhidão desavergonhada dos dedos, pensava ser a mesma que eu.

quer. -Os suburbanos arruinaram-se. E tu arruinas-te cada vez mais. -Serei indo-europeu ou suburbano? Deles sempre tirei alguma coisa. As palavras. As mesmas que me afligiam no começo deste texto. De uma certa forma, se me for permitida a soberba gabarolice, sinto que neste preciso momento, estou a escrever no pergaminho partilhado que já se desenrola desde o primeiro gemido de prazer que alguma vez um de nós, seja onde tenha sido, proferiu. Uma espécie de texto que nunca começou, de tão absurdo é o seu começo, e um texto que neste momento, acaba na ponta dos meus dedos, entrega-se ao papel como filha das sombras que eu projeto nos confins da caverna. Na caverna onde eles desenhavam búfalos e mamutes, e a eles mesmos, lindas figurinhas feitas de sangue e bagas esmagadas, figurinos de teatros eternos, de um guião que nunca mais acaba, de um filme verdadeiramente insípido pela proximidade das palavras que preferimos esquecer.

-És indo-europeu, afinal. -Sou o mais direto descendente dos homens a cavalo, vindos das estepes, que violaram e escravizaram, que rezaram e eventualmente desmontaram dos cavalos, para se ajoelharem perante montes de lama, montes

-Um plágio. Um verdadeiro plágio. -E as palavras continuam a desaparecer. Estarei condenado a nunca mais me lembrar como se escreve? -As palavras deles também

de merda! -Nunca foi tão evidente os pouquíssimos

desapareceram todas. Pensa. Nelas. Todas. Nas que foram inventadas em noites de bebedeira,

anos que separam a catedral do monte de merda.

nas que foram subtilmente e singelamente construídas para declarar um sentimento que

-E cada vez se torna absolutamente fulcral a questão: gostariam de mim? Os meus antepassados? -Claro que não. Nem os teus contemporâneos te curtem. Suburbanos são gente que não se rói. Suburbanos como tu lembrar-lhes-iam do mesmo pecado original que eles cometeram. Um pecado que para eles, cometido ontem, é tão ancestral como para ti foi

quiçá já não existe. Pensa nas que traiçoeiramente procuram simular coisas tão grandes que nem Deus conseguiria alguma vez projetá-las sobre nós. As palavras que foram condenadas à memória. Nunca quiseste esquecer algo? Nunca quiseste fingir que algo nunca existiu? Matar a palavra é matar a coisa. -O que achas mais assustador? A palavra que nunca conheceremos pela sua máxima

autoridade da métrica, entregues a mim numa mesa de talhante, para que eu as pudesse cortar

a semana passada. Abandonaram a estepe.

contingência? Ou a palavra tão universal que nunca, por mais que continuemos a desdobrar

numa espécie de ode triunfal às exéquias do meu génio. Mas de qualquer das formas, nunca

-Abandonaram a estepe. -E foram para as montanhas e para os

imediata constatação de que o mar alastra-se para sempre em todas as direções. -Mas o mar, se for bom mar, encontra boa terra. Eventualmente. -E o poema, se alguma vez foi um bom poema, fica escrito na pedra. -Se o mar não o levar consigo. Como conseguir escrever todas as palavras que parecem correr maratonas nas minhas veias? Palavras que pareciam troçar da minha insónia, dobrando-se e vergando-se perante a

mais do que palavras, e nunca mais do que pedaços de frases. Acho que um dia destes

vales férteis. -Para a repetição esterilizada, higiénica,

desisti de as escrever. Deixei que me dessem a mão, desesperadas perante a possibilidade do

simétrica, racional, ordeira e respeituosa do eterno matagal familiar. Para sempre em

seu abandono à danação eterna, a saber…

apartamentos. Desde sempre numa cova qual-

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este pergaminho, conseguiremos sequer conceber? -Eu acho mais assustador já me ter esquecido como começou esta conversa.


Fev/Mar.

João Pinhal

Artigo de Opinião

“Última Hora: Filho ganha à vida tentando matar a mãe” – o jornalismo em crise: do financiamento à identidade Janeiro foi pródigo na atenção dada ao jornalismo português. A crise do Global Media Group (GMG) alavancou o Congresso dos Jornalistas e parece que o “quarto poder” da nossa democracia deixou de ter vergonha de ser notícia. Já ouvi dizer que se vive uma “crise do modelo de negócio”, uma “crise de financiamento”... Independentemente da carga ideológica de cada forma de o expressar, é certo que se vive uma crise no que à dimensão económica desta atividade diz respeito. O debate público tem sido intenso (e ainda bem), mas (menos bem) tem estado refém de preconceitos ideológicos que não se compatibilizam com o interesse público. No Congresso, a tarde de sábado (dia 20) foi inteiramente dedicada ao “Financiamento dos media”. As expectativas eram grandes. Entre diretores, ouviu-se o silêncio confrangedor relativamente às condições precárias em que vivem muitos dos seus jornalistas. O apoio público recebeu várias críticas, umas com sentido, outras puramente dogmáticas. Miguel Pinheiro, do Observador, trouxe Sócrates para o debate para afastar da mesa de soluções o apoio estatal. Empenhado na defesa do negócio lucrativo, ficou por lhe perguntar: “A que custo o jornalismo deve dar lucro?”. Tornarem-se numa das centrais de comunicação do Ministério Público para captar audiência ansiosa pelo escândalo, pela devassa da vida privada é aceitável? Talvez seja, para quem só vê lucro à frente e se esquece dos

cândalo» (Tomás Eloy Martínez as cited in Losa, 2012, p. 53). Não foi isto que fez Carlos Rodrigues com a grávida da Murtosa durante horas nauseantes?! A seguir aos diretores, vieram os partidos e o elefante na sala continuou a ser o financiamento público dos media. Sim ou não? Poucas respostas, pouco consenso em torno de um pilar da democracia que veem ruir. Nem 5 minutos depois de os representantes partidários terem descido do palco do Cinema São Jorge, ouvimos Joaquim Fidalgo mostrar o atraso português: “no estrangeiro, não se discute o apoio público, mas sim como e quando”. Por incompetência, por impreparação e/ou por cegueira ideológica, boa parte dos partidos políticos portugueses é avessa ao apoio público ao jornalismo, pegando no “papão do Estado controlador” para defender as benesses do “livre” mercado. E a visão única de mercado não é totalitária? Reduzir o jornalismo a mercadoria não é totalitário?”, pergunta Miguel Carvalho numa comunicação ao Congresso que, a meu ver, foi um dos momentos altos da reunião magna dos jornalistas. Percebe-se, facilmente, porquê: com palavras enxutas, o jornalista fez um diagnóstico sério, comprometido com a realidade e sem problema em “chamar os bois pelos nomes” (coisa que faltou durante boa parte das discussões, mas disso falarei a seguir). Acredito ter sido um erro colocar partidos e diretores a discutirem um assunto antes da “ciência” traçar caminhos possíveis. Assim, perdeu-se uma tarde

direitos dos outros. “Nós não somos passadores de recados, nem podemos ser lacaios dos

com fantasmas. Num próximo congresso, a bem de um debate informado, traga-se a informação

poderes.” A frase é de Diana Andringa. Há por aí alguns profissionais que se esquecem deste elementar princípio e publicam tudo em nome de um conspurcado “interesse público”, alheios a coincidências milagrosas que permitem à justiça fazer política. Ainda entre chefias, ouviu-se algumas tomadas de posição interessantes. Carlos Rodrigues, diretor do Correio da Manhã/CMTV,

antes da discussão! Da “crise de financiamento” muito se falou, mas a pouco se chegou. Já a outra crise nem bem assumida foi pela maioria da massa crítica que passou pelo palco do Cinema São Jorge. Falo-vos da “crise de identidade” que o jornalismo atravessa. São já demais as vezes em que leio um artigo e duvido do seu caráter jornalístico, em que vejo uma peça e duvido do

apontou alguns erros ao setor, nomeadamente, a autossuficiência temática. Não podia estar

seu caráter noticioso... Há muitos jornalistas que dizem fazer um jornalismo que desconheço

mais de acordo, mas talvez o autor das críticas não tenha espelho em casa, ou melhor, no

como tal, um jornalismo com uma outra identidade qualquer que nega o seu papel de

trabalho. Os abutres, mandantes de trabalhadores dos media precários, esforçam-se

intermediação da manifestação de

«por transformar as vítimas em peças de um espetáculo que se apresenta como informação

trabalhadores do GMG, veteranos desta profissão diziam-me: “nunca deixes que te

necessária, mas cuja única função é saciar a curiosidade perversa dos consumidores do «es-

convençam de que o que fazes são produtos. Os

informação. Durante a solidariedade com os

órgãos de comunicação social não são marcas, são jornais, são história." Não são filhos do mercado, como alguns jornalistas gostam de acreditar, mas filhos da democracia. Esta “crise de identidade” do jornalismo não é apenas uma questão de linguagem, representa o primeiro passo para a sua (auto)destruição. Perante tal crise, talvez seja melhor traduzir o papel do jornalismo numa situação prática para as administrações e chefias mais incautas. A D. Antónia que vai votar no dia 10 de março tem o direito de escolher o rumo da sua vida, sem ser enganada com promessas vãs. O neto Guilherme, jovem trabalhador, que não é muito sensível aos problemas das minorias e vive frustrado com o seu salário miserável que não chega para sair da casa dos pais, tem o direito de escolher o seu futuro, sem ser enganado por soluções simplistas que constituem ataques vis não só aos direitos dos “outros” que “não são parte da sua vida”, mas aos direitos humanos de todos. A D. Antónia e o Guilherme precisam de alguém que os ajude a decifrar aquele chavão político que não entendem, a perceber quais as vantagens e as desvantagens de determinada solução... Cabe aos jornalistas ajudarem, escrutinarem, esclarecerem. Dentro dos jornais com mais alcance, de vez em quando, vai-se lendo fact-checking rigoroso e implacável com as mentiras absurdas de Ventura. Acontece que os piores exemplos acabam a surgir no meio que, embora menos que outrora, continua a ser de massas: a televisão. Todos os dias, entre 2 a 3 milhões de pessoas assistem, em média, aos noticiários nos três grandes canais generalistas. A título de exemplo, analisei os jornais das 20h, do domingo de fecho do Congresso do Chega (dia 14 de janeiro). Todos abriram com a reunião do partido, naturalmente. O problema não está aí, o problema está no facto de nem a RTP, nem a SIC, nem a TVI, terem nas suas peças desmontado as mentiras que Ventura proferiu no seu discurso: desde as falsidades sobre os subsídios às sobre a igualdade de género e a imigração. Nenhuma delas foi desmistificada nas peças de abertura dos jornais. Todos começaram com a grande frase de que “Ventura diz que está pronto para ser Primeiro-Ministro”. Escolheram os melhores soundbytes de um discurso populista e enganador. Fizeram-no lindamente, mas lamento dizer: não são propagandistas, são jornalistas e o seu papel, mais do que relatar discursos, é não deixar passar mentiras em branco, mas foi o que fize-

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Fev/Mar.

João Pinhal

Artigo de Opinião

ram Natália Viana, da Agência Pública, trouxe a Lisboa a experiência pela qual passaram os jornalistas brasileiros, vencidos pela mentira, durante a presidência de Jair Bolsonaro. Como sugerido durante o debate, aceitar e

sos de ódio que matam não podem ser aceites em nome da liberdade. A responsabilidade por crimes contra imigrantes é também de quem abraça esta narrativa. Na sequência da agressão ao jornalista

recolher conselhos do outro lado do Atlântico é um primeiro passo para não cometer sistematicamente os mesmos erros. Mais tempo do que deveria ter acontecido, a imprensa brasileira ajudou a

do Expresso, André Ventura disse aos “camaradas da vítima”: “não venham de virgens ofendidas dizer «Ai! Meu deus, que eles são muito agressivos!», quando todos os dias em todas as televisões, eu levo

reproduzir o discurso bolsonarista, repleto de desinformação, enchendo manchetes

pancada de manhã à noite”. Não sei que televisão vê André Ventura. Sei que vejo

com frases do género: “Presidente declara...”. A viragem crítica surgiu quando os títulos passaram a estar mais

nestas palavras uma clara assunção de que a extrema-direita portuguesa despreza, ameaça e normaliza agressões a jornalistas.

comprometidos com a verdade dos factos: “Presidente mente...”. Apesar das boas

Não, ninguém tem de se habituar ao “novo mundo” de Ventura em que agressões a

práticas explanadas durante o painel dedicado precisamente à extrema-direita,

jornalistas são parte da vida em democracia. Depois disto, vai o jornalismo

Como lembra Diana Andringa, a esperança para o jornalismo superar a crise de financiamento reside em aceitar apoio

não se trata de uma realidade generalizada. Muito pelo contrário, os OCS mainstream vivem hoje à conta da “vertigem da

português continuar a cometer o erro de amplificar e reproduzir acriticamente o discurso antidemocrático? Infelizmente, a

público que, segundo ela, não significa que o jornalista “irá ser obediente a quem está no poder”. A esperança para o jornalismo

declaração e contradeclaração” que, como advoga Miguel Carvalho, só favorece um

resposta é sim, tanto que continua a fazêlo depois destas declarações abjetas que

superar as duas crises que enfrenta, tanto a de financiamento, como a de identidade,

partido: o Chega. A política, a vida das pessoas, as soluções de futuro surgem em

ironicamente nem mereceram grande crítica no ringue mediático português.

reside no renovar do compromisso do jornalismo, não com o mecenato

segundo plano, quando não desaparecem simplesmente, ofuscadas por uma emissão de Breaking News, feita de comentário em

Diana Andringa lembra, ao Setenta e Quatro, que, noutros tempos, quando Henry Kissinger ignorou uma questão sua,

ideológico, não com o mercado, não com partidos do governo, mas com o povo, essa entidade tão esquecida, “essa palavra tão

cima de comentário. Prepara-se o ambiente para o populismo barato de Ventura (cada vez mais caro com tanta promessa) e, depois, olham uns para os outros e questionam-se com os resultados eleitorais, com o aumento da violência nas ruas, com o efervescer do ódio, legitimado politicamente e jornalisticamente. A título de exemplo, o Observador, em junho de 2022, publicou um artigo de opinião, intitulado “A Grande Substituição”, referindo-se à teoria racista com o mesmo nome que tem servido de base a ataques de supremacistas brancos que já vitimaram tantas e tantas vítimas pelo mundo fora. No final deste artigo e na sequência da polémica levantada na altura, José Manuel Fernandes, publisher do Observador defende a escolha de publicação com o facto de “o Observador colocar a liberdade no centro das suas preocupações”. Discur-

os “camaradas” uniram-se e repetiram a pergunta silenciada até que a ela se seguisse uma resposta. Hoje, é diferente. Feitas as contas (sim, porque os números também importam quando por detrás deles estão pessoas), quantas têm acesso a um jornalismo de qualidade? Poucas. Fechado numa redoma, o debate entre jornalistas esqueceu, muitas vezes, que cerca de dois milhões de pessoas vivem no limiar da pobreza em Portugal e que, portanto, não têm disponibilidade financeira para subscrever um jornal de qualidade. Estas pessoas e tantas outras estão entregues às redes sociais e a televisões que, como já dei conta, repõem erros como se de novelas estivéssemos a falar. Falou-se, vezes demais, num jornalismo que é, no essencial, feito para elites. Como Paulo Pena lembrou, “os não privilegiados precisam mais de jornalismo do que nunca,

pouco usada”.

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mas estão afastados”. Entretidos no seu exercício intelectual belíssimo, creio que alguns jornalistas se esqueceram de que a democracia não se faz apenas com os subscritores do Público, do Expresso e da Visão. Às reuniões de turma, normalmente, faltam sempre os pais que mais precisam lá estar. Ao Congresso, faltaram talvez os jornalistas que mais envergonham a profissão. Quando digo que quero ser jornalista, já há pessoas que se riem de mim, não apenas pela precariedade que me espera, mas também pelo descrédito a que a profissão foi votada e se votou. Cândida Pinto considera a credibilidade “o único património” dos jornalistas. Temo que o estejam a perder irremediavelmente.

Foto: Lusa/António Cotrim Obra referenciada: Losa, M. V. (2012). A Civilização do Espetáculo. Lisboa: Quetzal Editores.


Margarida Caldeirinha

Fev/Mar.

Notícia Desporto

O fim do W Series, o início da F1 Academy

Arranca dia 7 de Março em Jeddah, Arábia Saudita, a

Até ao momento algumas características deste novo

primeira ronda da F1 Academy. Esta nova iniciativa da

projeto têm sido apontadas como fatores de progresso em

Fórmula 1 foi lançada no ano passado com a sua temporada

relação à competição exclusivamente feminina que a

de inauguração, mas apresenta-se agora, em 2024, como

antecedia (W Series). Entre eles está o facto da F1 Academy

um projeto mais completo. Trata-se de uma competição

estar diretamente ligada à mesma entidade que a Fórmula 1;

automobilística

a competição ser legalmente equiparada à Fórmula 4,

acesso às suas atletas a “mais tempo em circuito”, mais

exclusivamente

feminina,

que

dando às pilotos um caminho direto de progressão de

experiência em corridas e “apoio técnico, físico e

carreira para a Fórmula 3; e o facto de ser diretamente

mental”. A sua criação dá-se em concordância com a

apoiada pelas equipas automobilísticas que participam na

promessa da entidade de melhoria da inclusão e

Fórmula 1. Bianca Bustamante, Lia Block e Tina

diversidade da modalidade.

Hausmann são algumas das pilotos já confirmadas que

Tanto a Fórmula 1, como o automobilismo no seu geral,

representarão equipas como a Mclaren, Williams e

são historicamente marcados pela escassa presença

Aston Martin respetivamente, tornando-se membros

feminina nas suas grelhas de partilha. Prova disso é o facto

ativos das equipas.

de que para relembrar a última vez que uma mulher se

Com Susie Wolff como diretora executiva, o passo em

sentou ao volante de um carro de Fórmula 1 para competir

frente que esta competição poderá trazer às atletas

num Grand Prix, teria de se fazer uma viagem no tempo até

femininas que nela vão competir só poderá ser confirmado

1992. São 32 anos de vácuo feminino.

quando esta nova temporada concluir e se verificar que os

Após se identificar este problema e se reconhecer como

objetivos delineados foram alcançados. Um deles sendo,

tal, têm sido visíveis as tentativas de impulsionar carreiras

por exemplo, o anúncio de subida para a Fórmula 3, em

femininas dentro do mundo do desporto motorizado,

2025, de algumas pilotos.

nomeadamente na construção de um caminho mais

No entretanto, a antecipação pelo início da temporada está

orientado para a chegada à Fórmula 1. Entre alguns desses

a ser criada pela entidade. Com cinco equipas, 15 pilotos,

projetos está o Girls On Track: Rising Stars da Federação

e 21 corridas a serem realizadas ao longo da temporada

Internacional do Automóvel (FIA) e a W Series, um outro

– que se dará como concluída em dezembro, em Abu

campeonato de competição automóvel feminina.

Dhabi, ao lado da Fórmula 1 – esta primeira temporada

O lançamento da F1 Academy aparece como um novo passo nesse objetivo, vindo substituir o projeto da W Series,

da F1 Academy terá transmissão ao vivo na F1 TV e em canais ainda a serem anunciados.

que se deu por encerrado por falta de patrocínio no verão.

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Dez/Jan. Fev/Mar.

Diogo D’Alessandro

Desporto

Grandes nomes do esporte feminino Quando falamos de esportes, a primeira coisa que nos vem à mente são os esportistas masculinos, mas não podemos nos esquecer das grandes atletas que fizeram e fazem parte da nossa história. Sendo assim, por que não nos lembrarmos de algumas dessas atletas tão importantes? O ano era 1994 e uma seleção desacreditada saía do Brasil e cruzava o mundo para disputar o mundial de basquete feminino na Austrália. Hortência e Magic Paula, os principais nomes dessa seleção, lideraram o time ao inédito título mundial. Durante a campanha a seleção brasileira desbancou os EUA e venceu a poderosa China na final por 96-87 Hortência é, com certeza, o maior nome do basquete feminino no Brasil, a jogadora que aos 16 anos já era titular da seleção brasileira fez história no basquete nacional, tendo atuações históricas como quando marcou 121 em uma única partida, ou quando conquistou o mundial de clubes ao lado de Magic Paula. Hortência se aposentou como a maior pontuadora da história da seleção anotando 3.160 pontos em apenas 127 partidas oficiais, conquistando medalha de prata nas Olimpíadas de Atlanta, 3 medalhas em jogos pan-americanos, sendo uma de ouro em 1991, além de um título mundial. Magic Paula não herdou o apelido do lendário Magic Johnson à toa. A jogadora se consagrou como a segunda maior pontuadora da história da seleção brasileira, com 2.537 pontos e, com 150 partidas, Maria Paula Gonçalves da Silva também é a jogadora que mais vezes atuou pela seleção, sendo convocada pela primeira vez com apenas 14 anos de idade. Conquistando, ao lado de Hortência, os principais títulos da seleção brasileira, Magic Paula é também um dos grandes nomes do esporte nacional. Saindo um pouco do basquete, não podemos deixar de falar da maior jogadora de futebol de todos os tempos : Marta Vieira da Silva já foi eleita a melhor do mundo seis vezes, sendo cinco delas consecutivas, um recorde no esporte, inclusive entre os homens. Marta dispensa quaisquer comentários, sendo considerada de forma praticamente unânime a rainha do futebol. Infelizmente, Marta nunca conseguiu conquistar um mundial ou uma Olimpíadas pela seleção, batendo na trave e ficando com a prata nas duas competições. Além de Marta, temos Formiga como uma das maiores futebolistas brasileiras, sendo a única pessoa, dentre homens e mulheres, a participar de 7 copas do mundo e a única futebolista a disputar 7 Olimpíadas. Miraildes Maciel Mota, a Formiga, também é a jogadora mais velha a participar e a fazer um gol em mundial. No âmbito do atletismo português, podemos citar Rosa Mota, campeã mundial e olímpica, vencedora da primeira maratona feminina da Europa, no Campeonato da Europa de atletismo de 1982, em Atenas. Rosa é considerada uma das melhores maratonistas do século XX. Serena Williams, Simone Biles, Billie Jean King, Amanda Nunes, Elena Isinbaeva, Nadia Comaneci são alguns dos vários nomes das grandes atletas que nos ensinam que o esporte feminino merece muito mais reconhecimento do que tem hoje em dia. Espero que esse pouquinho de história sobre algumas das grandes atletas que temos incentive a procura por essas modalidades, tanto para quem decida acompanhar, quanto para quem queira praticar.

Hortência

Magic Paula

Formiga

Marta Vieira da Silva

Rosa Mota

28 Simone Biles

Billie Jean King


Agenda cultural fev/mar.

Margarida Calado


Cinema/Concertos FEV Cinema

20

mar

Concertos

10ª edição dos Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival

02

Eternal Love Sala Lisa, 22h 8€

CINEMATECA PORTUGUESA / NOVA FCSH / GOETHE-INSTITUT / REITORIA DA UNL Até dia 24 fevereiro- Vários Horários

MAR

Concertos

18

Concerto Mary Lattimore

até fev Cinema

FEV

Concertos

22

MARIA REIS (LIVE) + CANDY DIAZ Sala Lisa, 22h 8€

26

CAM em Movimento: «Conakry», de Filipa César. Ciclo de filmes «Uma Paz Que Não Há» Jardim Gulbenkian Entrada Livre

até fev Cinema

mar

Concertos

21

Holy Tongue ⟡ Gala Drop Galeria Zé dos Bois, 22h 12 €

29

Ciclo: 50 ANOS DE ABRIL: QUE FAREI EU COM ESTA ESPADA? Cinemateca Portuguesa Vários Horários 2,15€ (estudante)

até mar Cinema

29

Galeria Zé dos Bois, 22h 10 €

02

Todas as Segundas

Ciclo NOVO CINEMA JAPONÊS (2000 -2020)

Concertos

Prosa Plataforma cultural Dias 23 e 24 fevereiro e 1 e 2 março 3€

Galeria Zé dos Bois, 22h Entrada Livre

Segundas na Z


Agenda Cultural

Exposições. FEV

28

Visita guiada ao Arquivo Municipal Fotográfico IHC

17

até mar

Ano Novo de Paulo Moura Teatro do Bairro Entrada Livre

Arquivo Municipal Fotográfico Grátis, sujeito a marcação oficinahistoriaeimagem@gmail.com.

até mar

24

Centenário do ABCzinho Biblioteca Nacional Entrada Livre

até fev Jamaika Narrativa (Alvalade) Entrada Livre

até fev

24 25

Oriente-Ocidente: A Origem dos Jogos Tradicionais Museu do Oriente Entrada Livre

até mar

31

'Lisboa Frágil', retrospectiva de Luís Pavão Palácio Pimenta 3€

até mar

02

O cerco de Lisboa

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa Entrada Livre

50 Cravos Museu do Aljube 1,5 € (<25), 3 € (>26)


Agenda Cultural

Teatro. Debates. Mercados. até fev Teatro

25

FEV

26

Debate Político

LIMITES

Legislativas Sub30

Teatro dos Aloés 15€, 8€ (<25)

FDUL, 14:30 Entrada Livre

FEV Teatro

mar Teatro

9-17

Mwene-kongo: A Mulher da Meia-noite Teatro Ibérico 21h / 16:30h 7,5 € (estudante)

28

MORTO O CÃO ACABOUSE A FÚRIA A VIDA DE LUIZ PACHECO Teatro do Bairro Até 03 de março 2024 15€, 8€ (<25), 6€ quarta-feira (dia do espectador)

até mar

mar

Mercado

2-3

Anjos70 Art & Fleamarket a11galleries Entrada Livre

Teatro

31

A RAINHA DA BELEZA DE LEENANEDe Martin McDonagh Teatro da Trindade 9€ todas as quartas feiras


Fev/Mar.

Manuel Gorjão

Poema

Sobre um poema de Sá Miranda Comigo me desavim, Sou posto em todo castigo; Não me posso vir comigo Nem me posso vir sem mim. Com ardor da gente fugia, Antes que este mo crescesse; Agora já fugiria De mim, se de mim pudesse. Que mais espero ou que fim Do vão caralho que abrigo Pois que trago sempre comigo Tamanho inimigo de mim?

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Clara Figueiredo

Fev/Mar.

da barriga de toda a mãe “O dia da mulher devia ser todos os dias”, ouvimos de pais, avós, namorados apaixonados de rosas na mão. “O dia da Mulher é todos os dias”, ouvimos de mães cansadas, avós gastas pelo tempo, namoradas dedicadas. O dia da Mulher é o domingo em que prepara a casa para a semana, é a segunda em que acorda esperançosa para uma nova semana, é a quarta em que vai deitar o filho que chorou na escola, é a sexta em que sai com as amigas e liga enquanto anda até casa, é o sábado em que ri da piada que o amigo do namorado fez sobre si, é o domingo em que ouve da mãe que escolha um homem rico, é a segunda que aceita submissa uma chapada, é a quarta que morre por ele afogada, é a quinta que foge com os filhos de casa, é a sexta que aborta e é incriminada. E o ciclo não acaba. O dia da Mulher pode ser amanhã. Pode ter sido ontem, até, ou há 3 meses, noutro dia qualquer. Os dias da Mulher são todos, e são dela. São da minha mãe, da minha avó, da minha irmã. São de mim, daquela que lê isto e daquela que já não está. São da velha, da nova, da criança e da que acaba de nascer. São da gorda, da magra, da doente, da saudável, da bonita, da feia, da esquerdina, da destra, da cis e da trans. São da negra, da branca, da indígena, da cigana, da asiática, da latina, da morena e da albina. São da rugosa e da lisinha, da amiga e até mesmo daquela tal vizinha. São da que trabalha e da que já não o consegue fazer. Da que ganha e da que teve de perder. São da que mostra o corpo e da que tem de o esconder. São da que disse que sim e da que foi silenciada, porque um “não” é ordem sagrada. São da que está no escritório e da que trabalha na terra. São da que dorme descansada, e da que foge da guerra. São da que formou família, da que a procura e da que está bem sozinha. São da que luta, da que grita, da que traz ao mundo a vida. Na forma de mar, de árvore, de luz, ela respira, porque nada nunca será tão belo como a alma de uma rapariga.

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Crónica


Ativismo das Mulheres Palestinianas INÊS MOREIRA

Iniciado em 1948, com a decisão unilateral da criação do Estado de Israel numa região onde a maioria da população era palestina, a ocupação do território palestiniano, o apartheid e genocídio do seu povo continua até os dias de hoje. Uma vertente da ocupação que não é muito explorada é a importância da resistência das mulheres palestinas, que emergiram como agentes ativos ao longos destas décadas. Muitas mulheres têm desempenhado papéis cruciais em movimentos de resistência, seja na forma de protestos pacíficos, defesa dos direitos humanos, ou participação em organizações políticas, sendo também responsáveis por grandes avanços na saúde e educação no país. A União Geral das Mulheres Palestinas (GUPW - General Union of Palestinian Women), criada em 1965, está envolvida na promoção dos direitos das mulheres palestinas. É afiliada à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), ocupando um dos lugares de maior relevância dentro da organização. A GUPW trabalha em várias áreas, incluindo educação, saúde e participação política.

Leila Khaled Leila Khaled, também membro da FPLP (frente popular pela libertação da palestina, criado em 1967) e ícone da resistência palestina, tornou-se mundialmente conhecida ao sequestrar um avião comercial em 1969 e um jato israelense em 1970 atraindo assim o olhar do mundo sobre a ocupação. Na década de 1970, Khaled se dedicou à resistência palestina organizada no Líbano e atuava lá como oficial da FLPL, como membro do Secretariado-Geral das Mulheres Palestinas, ou no cuidado de feridos em ataques israelenses a campos de refugiados palestinos. Em 1974 foi eleita membro da secretaria do Sindicato das Mulheres e a sua atuação militante sindicalista se deu através da participação em diversas conferências internacionais e regionais que discutiam o papel da mulher nos conflitos árabes-israelenses; em 1978 ajudou a fundar a Casa dos Filhos da Resiliência, uma instituição que cuidava dos filhos dos combatentes mortos no ataque ao campo de refugiados palestinos Tal al-Za’atar em Beirute, durante a Guerra Civil Libanesa.

Shadia Abu Ghazalah Shadia Abu Ghazalah, esteve envolvida no movimento nacionalista Árabe e foi um dos membros iniciais da FPLP. Dentro do movimento, ela guiou organizações de mulheres e esteve envolvida na educação política e militar de crianças e jovens: "she viewed education, knowledge, and science as weapons in the struggle for liberation". Duas escolas foram nomeadas em sua memória: A Shadia Abu Ghazaleh Escola para meninas em Gaza e a Shadia Abu Ghazaleh Escola Secundária para meninos em Jabalia.

Ahed Tamimi Ahed Tamimi é um símbolo da resistência palestina, presa em 2017 quando tinha apenas 16 anos. Condenada a oito meses de prisão, a jovem foi detida por agredir um soldado israelense que invadiu a sua casa. Após cumprir a pena de oitos meses como prisioneira política, a jovem ativista continua sua luta de resistência, denunciando as violências perpetradas contra as mulheres palestinas. Com efeito, além da maioria das mulheres palestinas serem submetidas a tortura psicológica e maus-tratos dentro do cenário do conflito, o mesmo ocorre nas prisões. Sofrendo espancamentos, abuso verbal, assédio sexual e vivendo em condições perigosas, as mulheres são expostas à pressão e degradação devido ao uso de técnicas patriarcais estratégicas dentro da política de ocupação.

Estas mulheres representam apenas um pequeno fragmento da explosão contínua de violência do apartheid israelense, que resulta de décadas de ocupação de um povo sem estado, que vemos nas últimas semanas ser massacrado ao ponto de não ter acesso aos cuidados mais primários, como a saúde. A ONU diz que 50 mil mulheres grávidas vivem um pesadelo em Gaza, sendo que 5 mil estão perto de dar à luz e os hospitais estão a ser alvos de bombardeamentos. Sem poderem encontrar-se na sua própria terra, diante do apartheid israelense, extrapolaram as fronteiras coloniais, a partir do chamado: “Palestina livre, mulheres livres.” e “Não há honra no assassinato.”

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Fev/Mar.

Mariana Aleixo

Literatura / Inglês

Aurora: uma editora que celebra o que é ser mulher “A chancela nasceu pelas mãos de Helena Magalhães, fundadora do Book Gang, um clube do livro digital, que procura todos os meses divulgar novos livros com intuito de serem lidos em conjunto, mas também autora de livros reconhecidos em Portugal, como Raparigas Como Nós e Ferozes. ” No dia 8 de março comemora-se o Dia da Mulher, onde se procura, não só recordar as diversas conquistas que a mulher já

dos livros que publica dar voz a uma grande diversidade de mulheres autoras, das mais variadas nacionalidades, idades e

conseguiu alcançar, seja ao nível social, cultural ou económico, mas também

etnias, que através da sua escrita trazem diferentes perspetivas do que é ser mulher, com experiências diferentes em função da

reivindicar direitos que ainda continuam por cumprir em muitos países, se não em todos eles. Para além disto, neste dia existem muitos protestos contra a violência da qual as mulheres são alvo, bem como contra o machismo e a misoginia que ainda se encontram muito presente nas sociedades. Contudo, esta luta e esta valorização da mulher deve ser diária e pode ser feita de várias formas, sendo através da expressão cultural, nomeadamente dos livros, que muitas mulheres encontram a voz que lhes muitas vezes é retirada. É com este objetivo que

idade, do estatuto social, da etnia e da cultura. A chancela nasceu pelas mãos de Helena Magalhães, fundadora do Book Gang, um clube do livro digital, que procura todos os meses divulgar novos livros com intuito de serem lidos em conjunto, mas também autora de livros reconhecidos em Portugal, como Raparigas Como Nós e Ferozes. Atualmente com mais de 15 livros publicados, a Aurora lançou-se no mundo

surgiu, em Portugal, em 2022, a Aurora Editora, uma chancela do Grupo Infinito

editorial com o lançamento do livro Os Melhores Anos, de Kiley Reid. Os Melhores Anos conta-nos a história

Particular, que procura celebrar o feminismo. A Aurora é uma editora que apenas publica livros de autoras femininas, sejam

de Emira Tucker, uma jovem baby-sitter negra que, um dia, num supermercado, é acusada de forma abusiva por um

nacionais ou internacionais, que não têm tanto reconhecimento e destaque no mundo literário. A editora procura através

segurança de ser uma potencial raptora de Briar, a menina branca do qual cuida. Este acontecimento acaba por trazer inúmeras consequências, não só para a própria Emira, como também para a relação posterior que desenvolve com Alix Chamberlain, a mãe da menina. Estas acabam por estabelecer uma ligação inesperada, onde tudo o que pensam a

Foto: Time Out Lisboa

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cerca delas próprias, bem como acerca uma da outra é colocada em causa. Este é também um livro que põe em confronto os mundos distintos em que Emira e Alix vivem, opondo-se a diferente dinâmica de privilégio social que acompanha cada uma destas mulheres. Este livro, tal como outros lançados pela Aurora, procura transmitir aos leitores histórias de empoderamento feminino, com uma grande proximidade à realidade, colocando-nos a pensar sobre aquilo que lemos. Através de livros como estes, a editora procura que as leitoras se sintam representadas e compreendidas, já que infelizmente, isso ainda está longe de acontecer na maioria das sociedades.


Mulheres pioneiras que mudaram a história de Portugal INÊS MOREIRA

ANTÓNIA PUSICH (1805-1883) Antónia Pusich nasceu em Cabo Verde. Teve um impacto importante na literatura portuguesa pela sua ousadia em recorrer ao nome pessoal, ao invés de utilizar um pseudónimo, como era comum na época, em que muitas mulheres recorriam a estes para esconderem o seu género. Revelou-se uma pessoa influente na área da literatura, tornando-se poetisa. Além disso, Antónia Pusich escreveu para vários jornais e realizou ainda diversas campanhas que visavam a luta pela liberdade de expressão e expressavam a importância do ensino das mulheres e dos desfavorecidos, encorajando a literacia nestes grupos para que pudessem ter uma participação na vida social e política do país. Tornou-se, também, a primeira mulher a fundar o seu próprio jornal. Foi diretora e proprietária dos periódicos A assemblea litteraria, A Beneficência e A Cruzada.

ADELAIDE CABETE (1867-1935) Adelaide Cabete nasceu no seio de uma família sem posses, em Elvas. Ficou órfã de pai muito cedo e, por isso, teve a necessidade de deixar de frequentar a escola, com o objetivo de ajudar a mãe. No entanto, aprendeu a ler e a escrever de forma autodidata, combatendo as dificuldades inerentes ao seu contexto delicado. Mesmo assim, só foi possível realizar o exame da instrução primária após se casar e ter o incentivo do seu marido. Posteriormente, Adelaide Cabete concluiu o seu curso de Medicina, tornando-se a terceira mulher a consegui-lo. Não só se dedicava aos estudos, como também à militância republicana e feminista. No ano de 1900, apresentou a sua tese “Proteção às mulheres grávidas pobres como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações”. Durante mais de 20 anos, Adelaide Cabete presidiu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Desempenhou um papel importante na reivindicação dos direitos das mulheres. Nessa qualidade, enquanto Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, Adelaide Cabete reivindicou para as mulheres o direito a um mês de descanso antes do parto e em 1912 reivindicou também o direito ao voto feminino, no qual foi pioneira, tendo-se tornado a primeira mulher a votar (em 1933) a Constituição portuguesa que instalou o Estado Novo, a

CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO (1878-1911) Carolina Beatriz Ângelo nasceu no seio de uma família com posses e teve uma educação exemplar que lhe permitiu ingressar no curso de Medicina. Ficou para a história da medicina portuguesa ao ter-se tornado na primeira cirurgiã. Além de médica, foi uma grande feminista. Conseguiu o seu lugar na história por ter sido a primeira mulher a votar em Portugal. Carolina Beatriz Ângelo votou numa altura em que as mulheres não podiam votar, aproveitando-se de uma pequena lacuna na lei, que afirmava que todos os chefes de família

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tinham direito ao voto, título que a mesma dispunha. Fê-lo na altura das eleições da Assembleia Constituinte, em 1911.

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MARIA JOSÉ ESTANCO (1905-1999) Maria José Estanco, arquiteta e democrata, foi uma grande ativista pelo direito ao trabalho, tendo encontrado o seu ingresso em diversos ateliers de arquitetura prejudicado pelo seu género. Pertenceu à Direção do Conselho Nacional para a Paz e também foi membro do Movimento Democrático das Mulheres (MDM).

MARIA DE LOURDES BRAGA DE SÁ TEIXEIRA (1907-1984) A primeira mulher a obter o brevete foi Maria de Lourdes Braga de Sá Teixeira, que concedia ao seu titular a permissão para pilotar aviões. Nunca tinha havido outra mulher portuguesa a obter o título e conseguiu fazê-lo com apenas 21 anos.

MARIA AMÉLIA CHAVES (1911-2017) Maria Amélia Chaves destacou-se por ser a primeira mulher a tornar-se engenheira. Fez a diferença num mundo que até à época se encontrava reservado aos homens, formando-se em Engenharia Civil no ano de 1937, no Instituto Superior Técnico. No ano seguinte, Maria Amélia Chaves inscreveu-se na Ordem.

MARIA DE LOURDES PINTASSILGO (1930-2004) Esta mulher portuguesa foi a primeira e, até à data, a única mulher portuguesa a desempenhar o cargo de primeira-ministra. Desde então, nunca houve outra primeira-ministra em Portugalal Adelaide revelou a sua oposição.

MARIA ODETE DOS SANTOS (1841-2023) Natural de Pega, uma pequena aldeia da Beira Alta, estudou em Setúbal e licenciou-se na Faculdade de Direito de Lisboa. Na sua atividade profissional, política, social e cultural destacou-se na defesa dos direitos, liberdades e garantias, assim como na afirmação e defesa dos direitos da mulher. Teve um papel muito relevante na elaboração de legislação a favor dos direitos femininos e das associações de mulheres (MDM), da legislação sobre a IVG ou sobre as vítimas de violência doméstica. Em 2005, foi relatora de um projeto do PCP sobre as técnicas da procriação medicamente assistida (PMA). “Foi sem dúvida uma mulher ativa a favor das mulheres. Deixou-nos uma legislação de combate que permanece património das conquistas das trabalhadoras, das mulheres em geral, na sua luta emancipadora e pela dignificação humana.” MDM

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Fev/Mar.

Inês Fonseca

Cultural

Wheat Field, Van Gogh

Esboço sem resultado final Há fendas que nunca se fecham, e pegando nos critérios de Leonard Cohen, ainda bem. A luz passa pelas suas frestas. A minha naturalidade é um tipo de luminosidade que me trespassa. Nos dados que o governo possui, eu sou de Arruda dos Vinhos, Santiago dos Velhos. Engraçado este nome de terrinha. A hora de erguer tem período máximo das 5h às 6h da manhã, todos os galos estão sincronizados, e todos os gatos abanam as caudas sentados defronte às suas respectivas taças. De tarefas repartidas, os homens vestem-se, dirigem-se para os campos, alimentam os bichinhos mais miúdos e os mais graúdos; as mulheres vestem-se, penduram os sacos do pão no portão principal e preparam a mesa para o pequeno-almoço dos mais humildes deuses. O estado do país apanhou o padeiro na curva, e de repente, o pão tem menos miolo e é mais pequeno. Está certo que quem miolo come, de pão não tem fome, mas sejamos sensatos. É assim que se consegue que muitos destes senhores vão votar em março, e se não for o pão pequeno a movê-los, talvez será o aumento dos preços por parte do peixeiro, ou da pastelaria, ou da frutaria, ou do café, ou… Enfim, segue o sol, seguem os passos destes que moram onde a vida estagna. Acompanham atentamente as leis da natureza, e não se deixam enganar por frutas bonitas por fora, que ainda não estão prontas a ser colhidas. Há uma certa arte em admirar uma árvore de fruto, e saber exatamente quando será o seu apogeu. Há uma certa beleza em retirar proveito do que se pisa, e fazer florescer o que servirá de alimento. Nunca saberão interpretar rabiscos em folhas, nunca saberão ler o que para aqui escrevo, e que benção é. A mulher mais inteligente que conheci foi a minha avó. Não era fluente em letras, mas era fluente em beijos lambuzados e pratos cheios. Sabia sempre quando os figos estavam prontos a ser colhidos e acolhia sempre no seu regaço os animais que lhe apareciam nas terras. O homem mais inteligente que conheço é o meu avô. Fez somente o ensino primário,

mas esteve em Moçambique quando foi chamado a tal. Hoje em dia, é um homem super sensível, talvez devido ao abandono a que se sujeita nos seus campos, talvez devido à sua teimosia (legítima) de não querer ceder ao quotidiano citadino. Rasga-se-lhe um sorriso no rosto sempre que tenho dúvidas acerca do seu passado, e tornamonos melhores amigos no café taciturno. Caixas de batatas tinham o tamanho perfeito para o meu corpinho de menina de 6 anos. A terra inclinada tinha o ângulo perfeito para a minha velocidade de descida preferida. A minha avó tinha a voz perfeita para gritar por mim, e as mãos perfeitas para tratar das consequências da minha derrapagem. Ali, naquele fim de mundo, onde nem pavimento para carros existe, tenho consciência de que muitas personalidades ganham cor. Os poucos jovens que lá habitam têm de estudar e desenvolver as suas vidas em terras vizinhas; os reformados têm ponto de encontro marcado nas mesas de cozinha uns dos outros à tardinha, para degustação das poucas notícias novas que os alcançam; os agricultores rogam pragas às alterações climáticas, às areias, às nuvens, às lagartixas, a tudo que mexa; o padeiro continua a exagerar (em vão) no fermento; o peixeiro… alguém o viu?; o Presidente da Câmara continua com divergências políticas com os vizinhos, de modo a que as reformas das condições habitacionais continuem a ser delimitadas por fronteiras desenhadas a lápis; e os vitivinicultores apoderam-se do que podem (tentam). Atenções voltadas para o que se passa na metrópole, e para as promessas postas na arca frigorífica à espera de serem retiradas, as ervas daninhas vão ganhando terreno. Alto e para o baile, não se esqueçam de escrever o vosso testamento e deixar bem clara a divisão do vosso T1 e do vosso garrafão de azeite caseiro. Quando as minhas frestas se ampliarem, quero ser invadida pela luz da minha naturalidade.

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Fev/Mar.

Presença Inconsistente Tirei essa foto no verão do ano passado, uma amiga veio de longe me visitar, e passeávamos pelos corredores do Museu Gulbenkian. Foi quando me deparei com esse senhor, de boina e t-shirt azul e olhar atento à imagem que se projetava pelo ecrã do telemóvel. Senti em mim o impulso de fazer o mesmo, apontar minha câmera para a cena que se apresentava à minha frente. O resultado foi esta foto, gostei tanto dela que hoje ela é o plano de fundo do meu telemóvel. Ao observá-la, penso na escolha consciente que faço, mesmo que contra a minha vontade, de não viver o mundo real. Escolho direcionar a atenção do meu olhar para a realidade virtual que não me pertence. O aqui e o agora não se capturam em imagens; o calor que sentia naqueles corredores, a presença da Sabrina, o ambiente rodeado por obras de arte que eu fingia apreciar, tudo isso já passou, nada se capturou em nenhuma fotografia que tirei naquele dia. Me questiono se algum dia aquele homem chegou a revisitar a fotografia que tão esforçadamente tirou. Se sim, sou muito cética de que a satisfação por ele sentida tenha sido maior do que a que sentiria se estivesse presente. Quem me dera estar presente, quem me dera ter estado mais presente. Tenho ânsia de estar presente no tempo que se desenrola à minha frente, e ao mesmo tempo, tenho muito medo do agora.

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Victoria Leite

Cultural


Fev/Mar.

Jéssica Marques

Críticas

Priscilla Como é que abandonamos o nosso primeiro amor? Antes do seu casamento, em 1967, Elvis já se teria encarregado de cumprir uma importante tarefa: a de tornar Priscilla na sua rapariga ideal. Através da lente de Coppola vemos os seus cabelos ruivos rapidamente tingidos de tinta preta, enquanto a sua expressão dócil se transforma numa canva branca sob a qual Elvis exerce um controlo total. Daqui surge a imagem que conhecemos de Priscilla: os longos e volumosos cabelos pretos, a maquilhagem reminiscente da atriz italiana Edwige Fenech, um roupeiro preenchido por tons pastel e onde o castanho é aniquilado. Tanto no filme como na vida real a maquilhagem

e

o

guarda-roupa

são

elementos manuseados por Elvis. Numa das cenas, Priscilla compra um vestido alaranjado com flores amarelas e roxas, um

Parece uma tarefa impossível; a forma como nos entregamos ao outro e, lentamente, vamos modificando o nosso ser. Aprendemos com a experiência. Crescemos tanto durante estes tempos que quando o amor desvanece agarramo-nos à ideia do seu fantasma. Toleramos pequenas traições, ignoramos incertezas e perdoamos qualquer erro, convictos de que um amor assim não surge duas vezes. Depois de Elvis, do auteur australiano Baz Luhrmann; chega a vez de Sofia Coppola contar um outro lado da história. Ao adaptar o memoir de Priscilla, Elvis and me, de 1985, para o cintilante ecrã, Coppola retrata uma narrativa muito mais peculiar do que a percecionada pela maioria do público. Elvis conhece Priscilla na Alemanha, numa das suas festas privadas, quando a sensação de música pop tem 24 anos e Priscilla 14. A atração de ambos os lados parece imediata e, depois de meses juntos, Elvis retorna aos Estados Unidos, onde, durante os próximos dois anos, comunica com Priscilla através do telefone.

uma ideia retorcida do que é amar. Mas, na verdade, nada é assim tão fácil. Na mesma medida que Ultraviolence apresenta He hit me and it felt like a kiss; a Priscilla de Coppola apenas retrata uma realidade desconfortável. O filme delineia o amadurecimento de Priscilla até ao ponto em que esta percebe que tem de se escolher a si mesma e descobrir aquilo de que gosta, sozinha. Isto, contudo, não apaga o amor que sentiu por Elvis. Os cenários rosa pastel e o delicado soundtrack, recheado de hits dos anos 50 e 60, são uma celebração da sua vida. Retratam uma inocência despedaçada e dão voz a uma sensibilidade raramente ouvida.

padrão escolhido por si e que Elvis recusa. A silhueta não é justa o suficiente, o padrão não realça os olhos de Priscilla e o vestido como um todo simplesmente não é uma escolha apropriada para a imagem que Elvis quer criar. Depois de vários anos tumultuosos, o filme termina com Priscilla a deixar Elvis enquanto I will always love you de Dolly Parton acompanha o desfecho. Algo curioso é que todos os filmes de Coppola parecem sofrer do mesmo antídoto que as músicas de Lana del Rey. Ambos os casos tendem a ser tomados como criações artísticas reduzidas a estéticas encantadoras e, portanto, desprovidas de qualquer significado que não o aparente. São obras que romantizam

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Fev/Mar.

Anónimo / Anónimo

Poemas

todos os lugares me lembram de ti

Tu estragaste-me Tu estragaste-me. Não estavas nos meus planos, não sabias no que te estavas a meter, não tiveste a mínima noção do que fizeste. Tu estragaste-me. Promessas, sonhos, fantasias, chamadas e mensagens a toda a hora. Foi tudo um engano, tudo uma ilusão. Foi mentira quando me tocaste e juraste que não serias como os outros. O cuidado que tiveste foi pior do que o que fingiste ter. Tu estragaste-me. Eu não estava inteira, não era toda. Tu vieste compor o que não estragaste, só para depois fazeres um estrago maior. Fizeste-me acreditar num futuro contigo quando eu nem sou de relações a longo prazo. Criaste uma versão tua na minha cabeça quando eu nada mais tinha que lacunas. As tuas mentiras, as tuas histórias, tudo me cansou. Tu estragaste-me. Abrite a porta da minha casa, da minha vida, do meu coração. Baixei a guarda. Senti-me segura. Adormeci ao teu lado. Isto é grave: baixei a guarda, senti-me segura e adormeci ao teu lado. Como é que foste capaz de me fechar nesta bolha, de me trancar nesta cama? Ontem era amor, pelo menos era essa a tua jura. Hoje somos estranhos. Tu estragaste-me. Eu vulnerável, tu interesseiro, já se adivinhava esta dor. Ignorei todos os sinais. Não foste controlador, mas conseguiste conter a minha rotina e reduzir os meus dias a ti e somente a ti. Não foste agressivo, mas possuíste tudo em mim. Garantiste que, contigo, as coisas seriam diferentes. O único grito de liberdade a que tive direito foi em vão. Tu já te tinhas distanciado, já tinhas decidido que fui só uma distração. Tu estragaste-me. Não devias ter dito que me amavas e que isto seria para sempre. Não tinhas o direito de me tirar tanto tempo. Roubaste os meus dias para ti. Tu estragaste-me e eu deixei que o fizesses. Apaixonaste-te primeiro, mas quem sentiu tudo com mais intensidade fui eu. Esse teu amor superficial de nenhum consolo me serviu. Decidiste unilateralmente que isto tinha terminado e ainda fizeste com que fosse eu a escrever o ponto final. Tu estragaste-me. Não sei como me enganaste com esses olhos, essas mãos, essa boca, toda essa figura de perdição. Não sei como rasgaste os teus votos tão facilmente. Não sei como cheguei aqui. Não me sinto livre. Não me sinto plena. Não sinto nada, na verdade. Tu estragaste-me. Tu destruíste toda a minha essência. Tu mudaste-me para sempre. Como se nada fosse, de um segundo para o outro, decidiste que este amor era vazio. Eu mereço melhor. Eu mereço mais. Tu estragasteme. Eu irei erguer-me. Tu estragaste-me. Eu irei compor-me, mesmo sem as peças todas, mesmo sem grandes certezas. Tu estragaste-me. Espero que isso te tenha estragado também.

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aquela rua que tantas vezes percorremos durante o último ano, para podermos almoçar em paz, os dois, juntos, a fazer coisas que deveriam ser reservadas aos olhares discretos das paredes, mas nós éramos generosos e partilhávamos com quem cruzasse o nosso caminho naqueles momentos; aqueles autocarros, verdadeiro martírio, sempre atrasados, que eu apanhava com tanta motivação como se a minha felicidade dependesse disso; aquelas estradas do teu bairro, a pé ou de bicicleta, que percorremos durante horas, onde rimos, chorámos e loucamente nos apaixonámos; aquele banco de jardim, testemunha de um amor tão intenso que se propagou até hoje. contigo aprendi a simbologia das ruas, dos parques e dos bancos, e contigo aprendi que o hoje não é eterno. éramos crianças a brincar no parque dos sentimentos, hoje somos crianças que sabem que o amor não são só palavras bonitas e promessas por cumprir. contigo aprendi que o que houve foi fogo ardente e não um amor que cuida e protege. contigo aprendi, a muito custo, a nunca me contentar com menos do que mereço e que três não é a conta que Deus fez. contigo aprendi que sem ti estou pronta para dar novos significados aos bancos, às ruas, às músicas e aos jardins.


Fev/Mar.

Beatriz Batista

Crítica / Inglês

Why read Feminist Literature? “So, why should we read feminist literature? Because it's a journey worth taking. It's an opportunity to listen, learn, and grow. It's a chance to be part of a larger conversation about equality and justice.”

One of the earliest feminist books was written in 1792 by Mary

feminism offers a more comprehensive understanding of social inequality,

Wollstonecraft and titled A Vindication of the Rights of Woman. Therefore, the premise that feminism is a recent idea is total and utter bullshit. Feminist literature packs a punch and it has always been a powerful

fosters inclusivity, strengthens advocacy and activism, and promotes more equitable policies and practices, paving the way for a more just and inclusive society.

force challenging norms, amplifying marginalized voices, and igniting conversations about gender equality. Delving into feminist literature grants us insight into the diverse experiences of women, broadening our empathy and understanding of their struggles and aspirations. It acts as a catalyst for change, unveiling systemic biases and inspiring advocacy for a

And let's not forget the impact beyond the pages. Feminist literature shapes cultural narratives and public discourse. It challenges stereotypes, dismantles harmful tropes, and reshapes the way we talk about gender. As these narratives gain traction, they seep into our collective consciousness, influencing societal attitudes, and policies, and paving the

fairer, more inclusive world. Moreover, feminist literature serves as a cornerstone for empowerment, celebrating the diversity of women's voices and validating their experiences, thus fostering a culture where every story matters. This literature not only shapes cultural narratives but also influences societal attitudes and policies, paving the way for a more equitable future. It's a journey worth taking, an opportunity to learn, grow, and be part of a larger conversation about equality and justice. On the other hand, intersectional feminism is crucial as it acknowledges that individuals experience multiple forms of oppression, discrimination, and privilege concurrently. By recognizing the

way for a more equitable future. So, why should we read feminist literature? Because it's a journey worth taking. It's an opportunity to listen, learn, and grow. It's a chance to be part of a larger conversation about equality and justice. By engaging with these narratives, we not only enrich our understanding but also become advocates for change. Feminist literature isn't just a genre; it's a movement, and we should ALL be part of it.

interconnected nature of social categorizations, it ensures inclusivity, addressing the experiences of those marginalized within mainstream feminist discourse. This framework fosters a deeper understanding of power dynamics and systemic inequalities, offering a more comprehensive analysis of social injustice and prompting a more nuanced approach to advocacy and activism. Additionally, intersectional feminism promotes solidarity across different marginalized groups, strengthening collective efforts to address systemic injustices and leading to more impactful and sustainable social change. Moreover, it shapes policies and practices by highlighting the unique challenges faced by individuals at the intersections of various identities, contributing to the development of more equitable and inclusive policies in areas such as healthcare, education, employment, and social welfare. In conclusion, intersectional

With this, I leave you all with some feminist reads to accompany your tea or coffee. Fiction: Girl, Women, Other by Bernardine Evaristo Kim Jiyoung, Born 1982 by Cho Nam-Joo The Color Purple by Alice Walker Americanah by Chimamanda Ngozi Adichie Beloved by Toni Morrison Novas Cartas Portuguesas by Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta and Maria Velho da Costa Non-Fiction: The Second Sex by Simone de Beauvoir Women, Race & Class by Angela Y. Davis It’s Not About the Burqa by Mariam Khan Hood Feminism by Mikki Kendall Ejaculate Responsibly by Gabrielle Stanley Blair Sister Outsider by Audre Lorde

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Fev/Mar.

Sofia Diniz

Viagens

Aproximar a Distância A centralização faz-se sentir em diversas áreas, ocupando um papel de

eiras da alienação. O século XXI já não tem espaço para a descarada

destaque no que respeita ao turismo em Portugal. De facto, a Área

pobreza de espírito de gabar o internacional e afirmar (como se se tivesse

Metropolitana de Lisboa e o litoral atraem em conjunto cerca de 90% dos

plena propriedade de questão) que não há nada para visitar em Portugal

turistas (dados da Agenda do Turismo para o Interior), sendo que 95% da

sem ser Lisboa, Porto, algumas zonas do litoral e o fabuloso Algarve (esta

procura turística estrangeira assenta sobre estas regiões. O interior

última acaba comigo, honestamente). E eu, mesmo sendo uma Alfacinha

marginalizado vive consequentemente à sombra do potencial, a aguardar

profundamente orgulhosa das suas origens, não me canso de pugnar

para que seja descoberto.

contra esta modorra de pensamento. Portugal pode ser um país pequeno,

A pandemia impulsionou o turismo nacional, levando ao aumento da procura pelos destinos mais recônditos do interior, mas ainda assim este

todavia tem tanto para descobrir que me custa escutar este tipo de declarações burlescas.

fenómeno não se provou suficiente. Os turistas estrangeiros e nacionais

É necessário seduzir os turistas (inter)nacionais para a visita e combater

devem ser aliciados para descobrir também as áreas que comumente

a sazonalidade, de modo a que os territórios se possam desenvolver e

menosprezam. Se queremos verdadeiramente uma simbiose entre o litoral

atingir uma posição a par do litoral, ainda que com as suas próprias

e o interior através da pluridimensionalidade do turismo, é necessário

idiossincrasias. Para tal, o Estado e os municípios têm vindo a desenvolver

destruir estereótipos e reestruturar as nossas conceções da palavra

cada vez mais projetos de dinamização das zonas do interior, resgatando o

“viagem”. O nosso interior constitui um diamante, que é paulatinamente

seu interesse como destinos de viagem. As medidas passam pela

lapidado, conforme são criados novos projetos, atrações, campanhas de

requalificação do património histórico, a construção de infraestruturas de

promoção e acima de tudo, quando o gosto pelo património nacional

lazer e a criação de rotas e percursos que promovam o território, entre

na sua totalidade (este ponto é de extrema importância) é despertado.

outros. Deixo aqui alguns destes projetos, que recomendo a visita:

O “interior esquecido e ostracizado” tem então vindo a quebrar as ba-

Comboio Histórico do Douro O Comboio Histórico do Douro percorre a distância entre a Régua e o Tua, apresentando uma vista arrebatadora para os socalcos verdejantes que mergulham nas águas reluzentes do rio Douro. Esta iniciativa constitui uma autêntica “viagem no tempo”, realizando-se numa locomotiva e trajeto históricos.

Mina de São Domingos A Mina de São Domingos, em Mértola, foi alvo de reformas após ter sido deixada ao abandono na década de 60. A criação da Rota do Minério permite aos visitantes explorar o espaço, que outrora constituiu um dos principais pólos de desenvolvimento da região.

Comboio Histórico do Douro

Passadiços de Melgaço Os Passadiços de Melgaço acompanham as curvas do Rio Minho, envolvidos por um bosque frondoso verdejante. O caminhante é ainda brindado com a água fresca oferecida pelo rio, sendo possível banhar-se nas suas margens.

Aldeias de Montanha

Mina de São Domingos

A iniciativa Aldeias de Montanha preconiza a integração dos territórios da Região da Serra da Estrela e Beira Interior, promovendo o património e dinamizando projetos sob o lema “natureza autêntica, pessoas genuínas”.

Como estes, existem milhares. É apenas uma questão de explorar as oportunidades e estar atento. Por isso, sai, procura e descobre. O interior espera por ti.

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Passadiços de Melgaço


Fev/Mar.

Gürkh / Catarina Maia Rodrigues

Poemas

PREPARADOS Gürkh

Para quem, ora não sabido, Atravessar ditas esquemáticas, Reconheça tal seu sentido Ao canalizar felizes práticas. Leves e inefáveis vibrações Se prendem nos hemisférios. Ao respeito, nas emoções E nos racionais, rijos-sérios. Se por outrora permanente O modo de ser, hoje moldável, Enfim o verás tão diferente, Choque cultural implacável. Investe a vida na esperança, À qual depositamos confiança. Quando a mesma iras lança? Escaparás, mera lembrança.

Poema

A Persistência da Memória, Salvador Dalí, 1931

Catarina Maia Rodrigues

A necessidade instintiva de pertença De ser boa em alguma coisa Se tiver isso ou a possibilidade Aí serei capaz de aguentar tudo, Tudo aquilo pra que não presto. Algo terá de resultar O que terei eu então, se não resultar? Acabo no mesmo lugar. E aqui há perigo, Em nos definirmos de forma tão rígida. 2023 Oil painting guy rose - green mirror young lady woman girl grooming by table art

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Hefesto de Oliveira

Fev/Mar. Vou contar-vos o que outro dia Minha fatigada mente, estupidamente, Imaginou quando eu resignado dormia: Sobressaltado despertei certa madrugada Naufragado em arquejante leito escuro. Mente transtornada, corpo liquefeito, Distendido e concentrado apavorava. Levantei contrariando e contrariado Arrastando-me atrás de mim Sem saber onde, sem saber donde, Ia, vinha ou provinha na madrugada. Aproximei-me da finestra a cercar Nas ondas da noite as folhas da alvorada. Confuso, cego, consubstanciado, Sombra a mover-se na escuridão. Meu tangente coração borbulhava Antes mesmo das mãos orvalharem Os apagados vidros, os conspirantes vidros, Que resguardavam o frágil firmamento. Brumava abrasado o firmamento Em tons e sons consubstanciados Em sangue, raios, gritos e pavor: Ferida aberta a levitar sobre a cidade. Meu tangente coração borbulhava Antes mesmo das mãos orvalharem Os apagados vidros, os conspirantes vidros, Que resguardavam o frágil firmamento.

Poema

Brumava abrasado o firmamento Em tons e sons consubstanciados Em sangue, raios, gritos e pavor: Ferida aberta a levitar sobre a cidade.

A cada passo os que transportavam os sóis Morriam e eram substituídos em repetitivo sacrifício Que parecia infinito e inexaurível Brotando orgânico entre trovões de dor.

O mundo ao seus ténues pés, brilhava Retorcido em destroços fingidos de vida Que morriam, que prosseguiam, que batiam, Como ventrículo isolado, inchado a coagular.

O firmamento gritava raios de suplício A cada passo que as procissões se aproximavam, Gerando terrores epiléticos na própria vida Que tresloucada convulsionava aquele alvorecer.

Estupefacto meu corpo asfixiou em cacofonia, Em mania de cada pedaço do mundo conscientizar, Transubstanciar nas fibras dos meus órgãos A agonia cataclísmica que o mundo vomitava.

Perante a hecatombe de tudo que existiu ou existira, Ossos, órgãos, músculos e veias em frenesi Resgatavam-me do hipnótico torpor onde chafurdava Fazendo me febrilmente e inutilmente fugir.

Paralisado ante ao desfibrar da realidade A alvorada pude em horror contemplar, Acto de excruciante e final desespero Orquestrado em superficial mímica humana. Do oriente e do ocidente levantaram Dois sóis, um negro e um vermelho, Carregados nas costas de dois gigantes Ladeados por humanos em procissão. Arrastavam se em grande sofrimento Movendo com eles a integridade do universo De tal modo que por onde passavam um rasgo Recheado de vazio marcava o espaço-tempo.

Após míseros passos em falso colapso no chão A quebrar lentamente todo o meu corpo, Dando tempo, pouco mas suficiente tempo, Para num espelho quebrado me contemplar: Dois sóis vermelhos em órbitas negras, Rodeados de pele contorcida e amalgamada Em conflitos tectónicos de sangue e pus, Canibalizavam sanguinolentos meu cérebro. Vida suficiente ainda por teimosia conservava Para em catastrófica explosão sentir O último alvorecer o universo aniquilar Em centrípeta e letal penalizante tortura. Foi isso que imaginou outro dia Minha cansada mente, febrilmente Enquanto eu resignado dormia.

Hieronymus Bosch, The Temptation of Saint Anthony, 1501

SONNE 46


Dicionário de termos des ● cen ● tra ● li ● za ● ção

dia ● dos ● na ● mo ● ra ● dos

1. Acto ou efeito de descentralizar. 2. Sistema oposto à acumulação dos poderes no governo central. = CENTRALISMO

1. Dia inventado pelo capitalismo para celebrar o amor, por sua vez palavra que, segundo Donald Draper (daddy), foi inventada pela publicidade.

Re● gi● ão ● au ● tó ● no ● ma

de ● ba ● te ● po ● lí ● ti ● co

1. Área de um país que possui algum grau de autonomia ou de liberdade de autoridade externa. Costuma ser geograficamente distinto do país a que pertence. É, normalmente, povoado por uma minoria nacional. Países com várias regiões autónomas costumam ser federações.

1. Costuma ser longo (normalmente mais de 25min. As pessoas respeitam-se, não cometem falácias de argumentação, não interrompem o raciocínio uns dos outros e, principalmente, não são machistas!).

Jor● na ● lis ●mo 1. Profissão ou atividade de jornalista. 2. Imprensa periódica. 3. Conjunto dos jornalistas. 4. Pilar da democracia em risco

abs ● ten ● ção

1. Acto ou efeito de se abster. 2. Privação ou desistência voluntária de um direito político, cívico ou social. 3. Número de eleitores que não exerce o direito de voto. = ABSTENCIONISMO

fe ● mi● nis ● mo

1. Movimento ideológico que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher ou a igualdade dos direitos dela aos do homem.

fe ● mis ● mo

1. Comportamento ou linha de pensamento segundo a qual a mulher domina socialmente o homem e lhe nega os mesmos direitos e prerrogativas.

mi ● so ● gi ● ni ● a 1. Aversão ou desprezo pelos indivíduos do sexo feminino. 2. Repulsão patológica pelas relações sexuais com mulheres.

mi ● san ● dri ● a 1. Aversão ou desprezo pelos indivíduos do sexo masculino.

Bed ● rotting 1. O fenómeno da Geração Z que substitui os sanatórios. Passar horas na cama a fazer scrolling infinito.

Ana ● Ma ● lho ● a 1. A turbinada mais turbinada de Portugal, e não lhe falta nada. Nunca apoiaria a guerra.

Pro ● du ● ção ● do ● NECCOM 1. Relíquias nos currículos de muita gente para a posteridade.

Jun ● gle 1. Local inconspícuo nas profundezas da FCSH onde se perdem estudantes, licenciaturas e mortalhas. A tua banda favorita quando tinhas 16 anos.

Pra ● xe 1. A malta de cosplay do Harry Potter. Sim, eles estão a fazer aquilo a sério. Não, eles não são tão maus como nas outras praxes.

Gra ● mmys

1. Cerimónia anual que coloca frente a frente fandoms dos mais variados (normalmente ocidentais) artistas musicais. Também conhecidos por “scammies”.

Ser ● vi ● ços ● A ● ca ● dé ● mi ● cos 1. Literalmente a única coisa no mundo à qual é aceitável chamar de “kafkaesco” sem parecer um parvo.

Gre ● ta ● Thun ● berg 1. Pequena recordação de que para manter a carreira de ativista da mídia é FUNDAMENTAL não começar a lutar e a fazer desobediência civil, e sim continuar a fazer discursos na União Europeia ao lado da Von der Leyden.

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PARA PASSARES O TEMPO...

Vertical 1. Maria Reis. “O homem é macho, é viril, é d’outro percentil, ai ...” 2. Livro da Mikki Kendall que critica o feminismo liberal. 3. Greve das mulheres. Musical de qualidade mediana. 5. Melhor personagem da literatura portuguesa.

Horizontal 4. Sobressaltado, despertou certa madrugada. 6. Editora feminista. Luz! 7. Apelido da primeira engenheira portuguesa.

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