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Entrevista
by AESabesp
Por Suely Melo
Tecnologia e meio ambiente: Prof. Maurício Pazini Brandão aborda as iniciativas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
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Maurício Pazini Brandão Engenheiro aeronáutico, formado pelo ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica, onde atua como professor desde 1979. É militar, cientista, com mestrado e doutorado. Carreira militar, científica e de gestão na área de Tecnologia e Inovação.
Na escala mundial de inovação, com 129 países, o Brasil ocupa a 66ª posição e uma forma de mudar este cenário é criando produtos inovadores com selo brasileiro e alcance global. É com esta visão que o MCTIC - Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações MCTIC trabalha, hoje, em 5 startups “que vão mudar o mundo. Vão gerar produtos brasileiros em escala global e que irão trazer riquezas de bilhões de dólares e dinheiro novo para o Brasil”. As afirmações são de Maurício Pazini Brandão, engenheiro aeronáutico, que integra o ministério, formado pelo ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica (há 42 anos), onde atua como professor desde 1979.
Com carreira militar, científica e de gestão na área de Tecnologia e Inovação, além de ser empreendedor e inovador, o professor é Diretor Regional Sul/ Sudeste do MCTIC. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o panorama do Brasil em relação à tecnologia e às inovações voltadas às questões ambientais, bem como outros temas que o novo ministério abrange. O especialista destaca, entre outros tópicos, as tecnologias disruptivas, avanços em Inteligência Artificial e iniciativas que visam solucionar o problema hídrico da região Nordeste, como a dessalinização. Leia a entrevista na íntegra.
Revista Saneas: Quais os planos do governo para ampliar as oportunidades de inovação no país? Que setores estão mais avançados nesta questão? Prof. Maurício Pazini Brandão: O MCTIC tem por política um tripé baseado em produzir conhecimento, gerar riqueza e melhorar a qualidade de vida do brasileiro. O produzir conhecimento faz um elo do nosso trabalho com a área da educação. O gerar riqueza nos liga à área econômica e o melhorar a vida do brasileiro nos liga com o poder psicossocial do país. Há uma preocupação forte centrada na pessoa do brasileiro. O MCTIC é o único ministério que tem um poder de ação transversal, que atua em todas as áreas. Podemos colaborar com qualquer ministério. O nosso papel não é resolver problemas e sim gerar soluções que os outros ministérios podem empregar para resolver problemas. Colocadas essas três políticas do ministro Marcos Pontes, uma das novas secretarias que foram criadas é a do Planejamento, cujo objetivo é gerar estratégias (como executar a política). Nessa estratégia, serão gerados programas e projetos que não vão ser executados pelo MCTIC, mas por todas unidades vinculadas às instituições de Ciência e Tecnologia - públicas e privadas -, por todos os órgãos do país que têm interesse na área. Esta secretaria busca o Funding [captação de recursos para investimento] público ou privado. Para isso, existem instituições e mecanismos em todos os estados, as Fundações de Amparo à Pesquisa: FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial); CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), falando em termos de governo. E tem todas as entidades privadas que podem investir também. A Secretaria vai atrás do Funding para ajudar os programas e projetos avançarem, e também coleta os resultados, que são indicadores para serem acompanhados ao longo do tempo. Não temos uma estatística muito clara da mortalidade das startups brasileiras, por exemplo. Então, este é um indicador que está sendo criado. Vamos dizer que no futuro, daqui há uns 10 anos, iremos ver a evolução disso. Se a mortalidade caiu é porque estamos fazendo um bom trabalho, mas enquanto não tivermos números para criar um gráfico, não vamos ter uma percepção se estamos fazendo um bom trabalho ou não. Isso não existia, esse trabalho está começando agora no Governo Bolsonaro. Então, veja, nós estamos
atacando todos os temas possíveis, principalmente, aqueles que o mercado nos aborda e considera prioritários. Certamente, alguns já estão avançando mais que os outros. Estamos avançando agora na área de Inteligência Artificial (AI). Lançamos editais para isto. Avançamos bastante na área de águas. Uma das nossas estratégias é resolver o problema hídrico do Nordeste. Isso é muito amplo. Outra área é a de Tecnologia Assistiva [promove assistência e reabilitação com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência]. Se incluirmos os idosos e quem tem dificuldade de mobilidade, temos 40 milhões de brasileiros com alguma deficiência (audição, visão, fala...). Materiais estratégicos, incluindo grafeno, nióbio, terras raras, estamos atacando também. A princípio, não vamos abandonar nenhum tema que seja reconhecido como interessante para o desenvolvimento nacional.
Revista Saneas: Em sua visão, qual é o panorama do meio ambiente no Brasil no âmbito das tecnologias e inovações? Prof. Maurício Pazini Brandão: Há um ano, fui com o Ministro Marcos Pontes a Israel para, entre outras coisas, olhar a questão da dessalinização. É parte de um problema maior em que podemos resumir basicamente o seguinte: existe todo um manejo de água que precisamos tratar. Questão número 1, todos os brasileiros precisam ter acesso à água potável. Focando no Nordeste, que é a região mais carente, há lugares onde se perfura o poço e sai água potável. Então, tudo que é necessário é alguma forma de energia para tirar essa água de lá. A energia pode ser solar, eólica, elétrica, a que vem de rede. Nesses lugares, a solução existe, não é nada difícil. Em outros lugares, a água sai salobra. Precisamos de máquinas para dessalinizar a água e gerar água potável. Descobrimos há um ano que há mais de 20 empresas no Brasil com tecnologia própria ou importada, que têm máquinas prontas para isso. O resultado da dessalinização é uma água salgada, podemos fazer criação de peixe, de camarão e de uma erva que a Embrapa descobriu - a Sálvia, que cresce, absorve o sal da água e serve como comida para gado. O gado come a fibra e o sal. Em todo lugar, se há solução de energia, é possível resolver o problema da água. Outra coisa que estamos atacando é pegar esgoto e separar a água do esgoto, isso é feito em Israel. A princípio a água não é potável, mas que é perfeitamente utilizável na agricultura. Estamos preocupados com o tratamento da água industrial para aumentar o reúso. Ainda em Israel, visitamos uma empresa chamada Watergen [empresa global sediada no país], que doou 11 máquinas de transformação de vapor de água da atmosfera em água potável. O mercado em Israel é pequeno e no Brasil é grande. Então, a empresa resolveu instalar uma fábrica no Brasil, consequentemente, vai gerar empregos, escolas e hospitais. E temos ainda as ações militares, que demandem obter água. Estamos jogando essas soluções e queremos acabar no Nordeste com a distribuição de água por meio do carro pipa - uma solução que não é definitiva, que está politicamente entranhada, gasta muito tempo/dinheiro e pega pouca água, muitas vezes de má qualidade. Queremos resolver esse cenário definitivamente. E isto está atrelado a duas coisas fundamentais: dar água potável e fazer o tratamento dos esgotos. Com isso, virão melhores condições sanitárias, menos problemas de saúde, menos gastos e mais felicidade. Com 100 dias do Governo Bolsonaro, foi inaugurado um laboratório para testar as máquinas prontas de dessalinização, em Campina Grande, na Paraíba. A máquina entra na segunda-feira, testa até quinta e sai na sexta-feira com o laudo. Todas as máquinas estão recebendo a mesma água salobra, e o laudo aponta qual é a água que está saindo, se está boa e potável e qual foi o desempenho da máquina, quanto gastou de energia. Podemos chegar no Ministério do Desenvolvimento Regional e dizer que temos soluções para isso.
Revista Saneas: A questão do meio ambiente (sobretudo o saneamento ambiental - água, esgoto, drenagem pluvial e resíduos sólidos) e as condições de saúde da população estão intimamente ligadas. De que forma as novas tecnologias e inovações estão contribuindo para melhorar esta relação? Quais são os avanços, neste sentido? Quais são os maiores desafios? Prof. Maurício Pazini Brandão: Deus me deu esse privilégio de executar a estratégia [do MCTIC]. Atualmente, trabalho com 5 startups que vão mudar o mundo, vão gerar produtos brasileiros em escala global. Produtos que irão trazer riquezas de bilhões de dólares e dinheiro novo para o Brasil. Nessas 5 tecnologias, 4 são ligadas à nanotecnologia. Uma delas é na área de combustíveis e vai fazer qualquer combustível ser usado de maneira mais eficiente e poluindo menos, o que vai contribuir enormemente para a saúde. Das outras três tecnologias, uma é na área de grafeno. Não sabemos ainda quais produtos serão obtidos a partir dele. Mas, por exemplo, já se fala em membranas de dessalinização, se forçar água salobra a passar por uma membrana de grafeno, do outro lado sairá água potável. Hoje, temos uma série de membranas para obter água potável, mas que gastam muita energia. Talvez com uma única lâmina de grafeno já se consiga o resultado. A maior fonte de água que temos acesso é a água do mar. Podemos pegá-la e tirar água potável, que é o que Israel faz. As outras duas tecnologias são nanotecnologias também, uma é para a agricultura, estamos caminhando
para eliminar a necessidade de adubo químico. São novos adubos chamados bioestimulantes, que são alimentos para as plantas. As plantas comem esse produto, agregam à sua estrutura e não sobra rejeito nenhum para o meio ambiente. São orgânicos. Temos resultados de testes: a planta melhora a fotossíntese, cresce 20% a mais, torna-se mais produtiva e gasta 40% a menos de água. O maior consumidor de água é a agricultura. Vai melhorar estupidamente o mundo. A outra classe é de biodefensivos. Estamos encaminhando para acabar com os agrotóxicos. Não vai sobrar nada para contaminar o meio ambiente. É o material orgânico que a planta absorve. Temos testes positivos para controle de fungos agrícolas, como é o caso do café, do cacau e outros que estão sendo desenvolvidos. Dentro da mesma linha, essa startup é capaz de criar nanocontroladores de vetores de doença, como o Aedes aegypti, ou seja, a larva do Aedes come esse material e morre. Então, o mosquito não nasce. Ao invés de combater ineficazmente acúmulos de água, que muitas vezes não conseguimos identificar e que são os criadores do mosquito, se espalharmos essa substância por aí, o mosquito simplesmente não nascerá. Isso é só um exemplo. A mesma tecnologia entra na área de fármacos. Tudo isso é novidade, inovação brasileira feita por brasileiros no Brasil. Essas tecnologias vão decolar em escala global trazendo riqueza e qualidade de vida para o povo brasileiro. Dessas 5 tecnologias que estou trabalhando, 2 já estão entrando no mercado; uma está em fase de certificação (agrícola), e 2 (grafeno e nanodefensivos/biodefensivos) ainda vão demorar um pouco mais. O grande desafio é fazer tudo acontecer com pouca gente e pouco dinheiro. Precisa ter equipes muito boas e competentes alinhadas com a filosofia do MCTIC. Mas dinheiro não é o grande problema, fazendo o envolvimento e a articulação correta, dinheiro não vai faltar.
Revista Saneas: Além das Câmaras da Indústria 4.0, Agro 4.0 e Cidades Inteligentes 4.0, o MCTIC e Ministério da Saúde lançaram, em janeiro deste ano, a Câmara da Saúde 4.0, com o objetivo de melhorar o uso da tecnologia no setor. Quais são as perspectivas da Secretaria para o desenvolvimento desta iniciativa? Prof. Maurício Pazini Brandão: Saúde é uma área que tem um orçamento muito grande, da ordem de centenas de bilhões de reais, por ano. Essa é uma área que precisa ser devidamente mapeada. Se inserirmos novas tecnologias às iniciativas de engenharia que já existem no país, vamos poder gastar melhor esse dinheiro. Para isso, temos a estratégia transversal de levar mais engenharia para a área da medicina. Muitos dos insumos usados em medicina são importados. Fazer a nacionalização deles - porque eles têm escala
e gasta-se muita coisa - podem gerar novas indústrias no país. Tem uma área de Normatização e Inteligência Artificial que pode ajudar na gestão das atividades de medicina na área de fármacos. É um trabalho grande de integração de tecnologias aplicadas na área de medicina. Criamos no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) um laboratório de engenharia que está desenvolvendo meios para levar mais engenharia para a medicina. Estamos trabalhando também na área de telemedicina. Com a facilidade de comunicação que obtemos, podemos levar especialistas a aconselharem online um agente de medicina, que não necessariamente precisa ser um médico especialista, pode ser um clínico ou até alguém da área de enfermagem, para prover um atendimento remoto em uma situação que demandaria até em óbito. O Exército está muito interessado nisso, temos pelotões de fronteira no meio da Floresta Amazônica. Às vezes, na comunidade, tem um agente de saúde e com essas ferramentas, um médico clínico, que está lá no meio do mato, vai ter contato online com especialistas dos melhores hospitais.
Revista Saneas: Nunca se debateu tanto como agora sobre os temas ambientais - tanto os veículos de imprensa quanto a sociedade, que ganha cada vez mais voz por meio das redes sociais. Poderia apontar os pontos positivos e negativos deste cenário? Prof. Maurício Pazini Brandão: É excelente que todas as pessoas possam falar. Temos hoje um sistema político representativo. Elegemos pessoas que a princípio irão defender nossos interesses no Legislativo. No futuro, como isso vai evoluir? Creio que continuaremos tendo representantes, mas eles estarão diretamente conectados aos seus eleitores e serão cobrados pelo que está sendo discutido no Senado ou na Câmara, mesmo que não queira, os eleitores
vão online passar qual é a visão deles. Isso estará público, ele [o político] não vai poder esconder. Não que ele não possa ter vontade própria, mas vamos supor que a maior parte das ações realmente represente o eleitor, certamente será eleito. Agora, se contrariar os interesses dos eleitores, provavelmente não será reeleito. Não vai ter como escapar disso. O cenário até hoje é que o político se elege e a princípio não se importa com o eleitorado, age de acordo com a cabeça dele, com a pressão dos lobbys. E chegaremos a um momento em que poderá ter pressão de lobby econômico, mas os eleitores vão falar o que querem e se ele não contentar os eleitores, eles vão ficar sabendo. Estamos inaugurando a rede da representatividade online e com total transparência. Isso é maravilhoso. Temos que agradecer aos engenheiros eletrônicos, de computação e de telecomunicações, que produziram essas tecnologias todas, aos engenheiros aeronáuticos, aeroespaciais, que colocaram satélites em órbita, permitindo que as comunicações se exerçam em escala ampla. A engenharia muda o mundo. É assim que eu enxergo.
Revista Saneas: Qual é o papel da Internet das Coisas (IoT) na saúde? Como podem ser realizadas as melhorias na área por meio desta tecnologia? Prof. Maurício Pazini Brandão: Preferimos trabalhar com a figura da Indústria 4.0, que engloba 9 tecnologias. Dentro dela, encontramos Inteligência Artificial e IoT. A IoT é um pedaço da chamada da Indústria 4.0. Só vai existir, se tivermos diversos sistemas que conversem entre si, em tempo real, tomem decisões e as executem automaticamente. Precisamos avançar a Inteligência Artificial, a capacidade de cada sistema de perceber o que está acontecendo e conversar com outros sistemas. IoT, Inteligência Artificial, robótica avançada, manufatura avançada, manufatura aditiva, integração de tecnologias estão todas dentro da Indústria 4.0, que já tem a sua Câmara no MCTIC.
Revista Saneas: Como a sociedade brasileira em seus diversos setores pode participar dos avanços tecnológicos e inovação? Prof. Maurício Pazini Brandão: Primeiro, estamos abertos para receber qualquer pessoa que tenha interesse para interagir conosco. Já formamos uma doutrina porque somos poucos, temos uma capacidade limitada de trabalho e de atendimento. Gostaria que o povo percebesse todos os assuntos que estejam no âmbito do TRL do 1 ao 3 (saiba mais na página 11). O ambiente de desenvolvimento disso é a universidade. As universidades hoje estão no âmbito do MEC. E enquanto as coisas estiverem no âmbito das ideias isso deve ser desenvolvido nas escolas públicas e privadas. Vamos supor que haja um grupo de pesquisa formado por professores e alunos, que a partir dessas ideias surgiu algo que possa dar origem a um novo produto, processo ou serviço. E essa ideia mereça ser investigada mais profundamente, ela passará para o ambiente de trabalho de interesse do MCTIC. Resumindo, se os assuntos estiverem muito imaturos, no âmbito do conceito e da ideia, devem ser explorados nas escolas. Quando tiver amadurecido, conceitualmente fortalecido e teoricamente verificado para que possa entrar no laboratório, aí sim, é o ambiente de trabalho do MCTIC. Nosso trabalho é receber, verificar e, se tiver futuro, vamos apoiar. Temos as ferramentas de apoio do governo, que devem ser usadas com critério porque o dinheiro é limitado. Muita gente acha que é dever do governo apoiar a sua ideia. Mas precisa ver primeiro se a ideia tem viabilidade, se está madura o suficiente, porque estamos investindo dinheiro público nisso. Não impede que ninguém busque dinheiro privado. Dessas 5 tecnologias apresentadas, algumas delas evoluíram com dinheiro público, mas pelos menos duas foram com dinheiro privado e zero participação do governo. É possível ter solução, em termos de desenvolvimento, totalmente privada, do governo ou público privado. Montamos uma estrutura para atender qualquer caso que aparecer. Vamos ouvir qualquer cidadão brasileiro que queira ter isso. A entrada na página (Programa Centelha: http:// www.mctic.gov.br/) já está aí e aquelas que identificarmos que merecem uma atenção especial, vão receber apoio. Esse pipeline de tratamento científico e tecnológico também não existia. Foi criado neste governo.
Revista Saneas: Qual é a situação das comunicações no país? Quais são os pontos que precisam ser melhorados? Em que avançamos? Prof. Maurício Pazini Brandão: Os números da telecomunicações variam rapidamente com o tempo. Já vi chegar a 60% e foi evoluindo. Hoje, 70% da sociedade brasileira está conectada. O ministro Marcos Pontes verificou que usando a capacidade do satélite de comunicações, que está em órbita, poderia levar diretamente do satélite internet para lugares remotos. Para celebrar os 400 dias do Governo Bolsonaro (5 de fevereiro) foi divulgado um filme do MCTIC comemorando quantas mil escolas remotamente foram conectadas. Nas telecomunicações tem-se: links baseados em terra ou oriundos do espaço. Um lugar remoto, não tem links terrestres suficientes para o sinal chegar, mas o do satélite chega. Isso está sendo muito explorado e comemorado porque o satélite tinha uma capacidade de atender o que não estava sendo explorado. Agora, devido ao agronegócio e utilização de máquinas bastante inteligentes, precisamos levar comunicações: WI-FI, internet para a área ru
ral. Resumindo o cenário, podemos ter 70% dos brasileiros conectados, mas isso corresponde à área urbana. Dos 8.500.000 km² do Brasil, a área rural coberta é apenas de alguns % porque a conexão é fortemente urbana. Temos agora empresas que estão surgindo para levar conexão para a área rural, ou seja, ampliar a conexão dos brasileiros em qualquer lugar do país. Inicialmente, essas empresas irão começar com 4G e à medida que o 5G chegar também [será utilizada]. Além das redes terrestres de elo de comunicações, da conexão direta do satélite, estamos trabalhando também com links aéreos - são veículos aéreos não tripulados de altitude, que poderão colaborar nessa cobertura. Eles podem ser links com o satélite e com as bases terrestres. Em relação ao setor automotivo (participei recentemente de uma reunião com a ANFAVEA - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores e as provedoras de conexões) e a ANFAVEA já está reocupada com a mobilidade urbana e com os veículos autônomos, que que vão usar tecnologia IoT, 5G, mas para isso tem que ter rede. Enquanto é urbano, tudo bem, e se um caminhão autônomo precisar ir daqui para a Colômbia? Precisamos ter cobertura o tempo todo. Estamos trabalhando nisso.
Novo ministério abrange todos os temas inerentes à sociedade brasileira, inclusive saneamento O professor Maurício Brandão explica que o ministério anterior focava fortemente em três assuntos: Radiodifusão, Telecomunicações e Tecnologia da Informação. O novo mudou a identidade com o objetivo de abranger todos os assuntos inerentes à sociedade brasileira, como o saneamento, que não era abordado, segundo ele. “Precisávamos de uma nova estrutura”, conta. Como é professor de Engenharia Aeroespacial e o ministro Marcos Pontes é astronauta, encontraram em numa ideia da NASA a forma para organizar o ministério.
Trata-se de um conceito chamado Technology Readiness Levels - TRL [método desenvolvido pela NASA para avaliar a maturidade das tecnologias durante a fase de aquisição de um programa], publicado em 1995, passando a ser usado pelas organizações. TRL é uma escala que vai de 1 a 9 (1 é Ciência pura e 9 é inovação). Desta forma, tem-se: 1) Pesquisa Básica; 2) Pesquisa Aplicada; 3) Concepção de Aplicações; 4) Prova de Conceitos; 5) Prototipação; 6) Ensaios Ambientais; 7) Qualificação Operacional; 8) Demonstração de Requisitos; 9) Emprego Operacional. O conceito, de acordo com o especialista, tornou-se uma NORMA ISO, em 2013, e foi traduzida pela ABNT, em 2015. “Encontramos a inspiração para estruturar o novo MCTIC”, sublinha Maurício Brandão.
Na visão do MCTIC
CIÊNCIA: é o principal insumo para a tomada de decisões. Quanto mais acesso a Ciência tiver o decisor, melhor será a qualidade de suas decisões e melhor o impacto delas na sociedade. “É importante perceber isso porque tem muita gente no Brasil hoje, grandes autoridades, tomando decisões e não necessariamente tem nas mãos conhecimento do fato para tomar decisão.”
TECNOLOGIA: a instrumentalização da Ciência no caminho da Inovação.
INOVAÇÃO: um novo produto, um novo processo, um novo serviço ou uma nova estrutura organizacional colocados à disposição da sociedade. “Enquanto não tiver gerando nota fiscal e retorno econômico, não é inovação.
EMPREENDEDORISMO: é qualquer ação que possa ser feita para amadurecer uma dada tecnologia, transformá-la em inovação, particularmente fazê-la escapar ao Vale da Morte e virar um negócio. “O caminho é longo, no meio tem o Vale da Morte, que é onde a maioria das inovações morrem porque não conseguem passar nos critérios”.
De acordo com o professor, o ministério está estruturado para ter 7 secretarias, 4 são dedicadas à Gestão, Regulação e Operação, e 3 são voltadas para a Ciência, Tecnologia e Inovação. A Sefae (Secretaria de Políticas para Formação e Ações Estratégicas) trata dos assuntos da TRL 1 a 6; a Setap (Secretaria de Tecnologias Aplicadas), inaugurada em Brasília pelo professor Brandão, cuida da TRL de 7 a 9, e a SEMPI (Secretaria de Empreendedorismo e Inovação), que cuida de qualquer assunto de 1 a 9, mas sob o viés de startups, incubadoras, impactos tecnológicos e transformação de uma inovação em negócio.
“Colocada nessa visão”, detalha o professor, “o ambiente típico da universidade trabalha a TRL 1, 2 e 3; os Centros de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) trabalham tipicamente TRL 4, 5 e 6; e a indústria está interessada em 7, 8 e 9. A indústria quer uma resposta rápida. Existe interação entre a indústria e a universidade, mas será melhor se tiver um Centro P&D no meio”, reforça.
Vale da morte Conforme o especialista, o Vale da Morte está no TRL 4 a 6. “É quando tem que entrar no laboratório e isso começa a ficar caro. Se não tiver investidor, morre. Estamos atacando o Vale da Morte com as 3 Secretarias (Sefae, Setap e Sempi). Continuamos com Radiodifusão, Telecomunicações e a Secretaria Executiva e Secretaria de Planejamento”, informa. As tecnologias foram divididas em 4 grupos, de acordo com Brandão: 1) Tecnologias Estratégicas (são civis e militares); 2) Tecnologias da Economia de primeiro, segundo e terceiro nível; 3) Tecnologia ligadas ao Meio Ambiente e Sustentabilidade; e 4) Tecnologias Sociais.
Segundo Maurício Brandão, as três maiores razões para uma startup desaparecer são: a não absorção do produto pelo mercado, ele não está preparado para aquilo; não ter dinheiro, uma startup precisa de investimento; e briga da equipe devido às dificuldades que aparecem. “Conhecemos essas razões e estamos estudando os meios de minimizar a morte das startups, ou seja, fazer com que a taxa de sucesso dela seja ampliada”, diz. “Temos nesse trabalhos três objetivos a atingir: fazer com que as inovações aconteçam. Se elas costumam morrer, vamos tentar minimizar isso e fazer acontecer; fazer com que a decolagem dessas tecnologias seja feita no Brasil - é a única forma de trazer dinheiro para o país, gerar emprego, renda, melhorar a qualidade de vida, dar ao governo a chance de alavancar economia e o recolhimento de impostos; e quando houver a identificação de quem vai ser impactado negativamente, ao invés de fazer uma estratégia de confronto, temos que fazer uma estratégia de transição. Convidar os impactados a se reajustarem à onda que virá”, acentua.
Ele reafirma que as startups precisam de dinheiro para decolar, pois encontram dificuldades e cabe ao governo criar um cenário favorável ao desenvolvimento. “Em termos econômicos, falamos em economia circular, que não produz rejeitos. Vamos trabalhar com trocas de tecnologia. Se as novas tecnologias que chegarem, reduzirem o custo Brasil, melhorarem produtividade, competividade, sustentabilidade, segurança e ambiente de trabalho, tudo isso será bom”, avalia o engenheiro. Ele acrescenta que o ideal é atrair investidor do setor privado porque o governo hoje não tem dinheiro. “Não adianta uma startup ter a melhor solução do mundo e achar que o governo precisa investir na empresa. A princípio tem que buscar investimento privado”, frisa. “Há uma escala de inovação mundial de 129 países, e o Brasil está na 66ª posição. É uma posição ruim”, complementa. Isso acontece, de acordo com o professor, porque o país não tem produtos inovadores de escala global. Ele novamente recorre ao exemplo da Apple, o iPhone está no mundo inteiro. “Precisamos criar produtos inovadores com selo brasileiro. Usamos o Waze (israelense). Precisamos usar produtos brasileiros”, diz.
Pensando nisso, foi criado o Programa Centelha. “Qualquer pessoa com uma boa ideia pode cadastrá-la no site do ministério e isso vai sendo filtrado. Isso é novo, começou em 2019”, esclarece. E lembra que o maior disruptor brasileiro é o avião - levado ao TRL9, criado por Santos Dumont - o que muitos países não querem reconhecer.
“Essa é a nova identidade do MCTIC. São políticas de Estado, não tem nada de política partidária. Não importa quem esteja no governo. É o que queremos implementar, criar uma cultura que se daqui 3 ou 7 anos, a esquerda voltar ao poder, terá que usar. A esquerda pode focar mais a área social, a redistribuição da riqueza, mas o cerne que está estabelecido aqui, esperamos que seja imutável e perene”.
Tecnologias disruptivas O professor diz que o MCTIC trabalha diversas estratégias, mas destaca uma. Para contextualizar, ele salienta que o que mais falta no Brasil hoje é dinheiro novo. “Vemos políticos brigando para tirar dinheiro de um lugar e colocar em outro. Achamos que a solução para esse problema é dinheiro novo. E dinheiro novo vem de inovação, que se for boa, vai entrar em operação e vai mudar o cenário econômico, gerar novas riquezas. Esta é a ideia”, frisa, citando Roberto Campos, a quem chama de guru econômico: “se a gente quiser grandes riquezas, temos que investir em alto valor agregado, aquilo que vem da educação e da tecnologia”.
“A estratégia”, prossegue o especialista, “é privilegiar as tecnologias disruptivas de interesse da sociedade brasileira. Se colocarmos novidade versus impacto, a grande maioria das inovações será revolucionária, que se caracteriza por pegar algo que já existe e melhorar alguns % (um dígito por cento). Uma inovação disruptiva muda radicalmente o cenário, traz melhorias de indicadores na casa dos 2 dígitos por cento”, exemplifica. Ele lembra de um paper que escreveu há alguns anos sobre as características da inovação disruptiva, entre as quais estão “ter uma ideia maluca, caso típico do iPhone. O Steve Jobs não saiu perguntando, ele criou a coisa”, reitera, “o mercado não é o protagonista, não dita o que vai ser feito, o negócio é feito e o mercado se adapta àquele produto; a quebra de paradigmas entre outros”.