[FRANCISCO FANUCCI] Monografia

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Associação de Ensino Escola da Cidade Faculdade de Arquitetura e urbanismo Curso de Especialização lato sensu Arquitetura, Educação e Sociedade 2015 Coordenação Prof. Cristiane Muniz Prof. Maira Rios Estúdio Vertical Uma experiência de aprendizagem de projeto Francisco de Paiva Fanucci


2 Estúdio Vertical uma experiência de aprendizagem de projeto "o signo '?' não é objeto, conceito ou relação, mas sim um clima, o clima da interrogação, da dúvida, da procura, em contraste com o clima conclusivo do signo '.' e com o clima imperativo do signo '!'. ...Os três signos-­‐pontos não apenas definem o sentido, mas o clima das frases, logo, são signos existenciais." Vilém Flusser (1) Introdução O propósito desse trabalho é realizar uma breve reflexão sobre ensino de projeto de arquitetura a partir da experiência que, juntamente com o arquiteto Cesar Shundi Iwamizu, estou desenvolvendo desde o início de 2015 como coordenador da disciplina Estúdio Vertical (EV) da Escola da Cidade.

O EV já nasceu, desde o início da Escola, como disciplina estruturante em sua composição curricular e proposta pedagógica, com base na ideia do aprendizado essencialmente como fruto da convivência entre professores e alunos de diferentes estágios de formação, em torno da discussão e da prática de projetos de arquitetura. O EV procura constituir-­‐se em lugar de práxis e de síntese, como complementaridade, desdobramento e integração do conjunto de competências e conteúdos relacionados às disciplinas das áreas de Tecnologia, de História, de Desenho, de Urbanismo e Arquitetura e à própria capacidade de percepção advinda da experiência vivencial de cada um. _____________________________________________________________________________________________ (1) Vilém Flusser, "(?)", O Estado de São Paulo, 22 de outubro de 1966.


3 Pressupostos O projeto em arquitetura, se entendido em seu sentido mais amplo -­‐ como plano para a ação sobre espaços que abrigam a vida humana -­‐ implica na lida com circunstâncias, perspectivas, desejos e possibilidades sempre diferentes em cada caso, em vista do contexto de diversidade e complexidade da vida contemporânea. Nesse campo, é importante mas não é bastante o aprendizado e a instrumentalização de formas de conhecimento definidas e estabelecidas. É necessário também fazer perguntas, fazer escolhas e criar caminhos na bruma da dúvida para articular elementos de conexão e significação na construção de propostas para a arquitetura aplicada à realidade em que vivemos. O EV tem se colocado como uma espécie de laboratório de ensaios de projeto de arquitetura. Seguindo as palavras de Pedro Duarte, podemos dizer que: "O ensaio foge da sanha metódica do sistema mas não cai na banalidade dispersa dos posts..., não troca uma garantia por outra, pois não é certeza, e sim dúvida. Foi Walter Benjamin quem encontrou a fórmula segundo a qual método é caminho indireto, é desvio. Quando fazemos um desvio...abrimos mão do caminho pronto, da estrada já conhecida, ou seja, do método... São os descaminhos de que falaria Foucault. Nesse sentido, o descaminho é um caminho, só que desconhecido."(2) O professor, neste caso, para deixar de ser um mero canal repassador de formas consolidadas de conhecimento, passa a trabalhar com os estudantes as dúvidas que se apresentam no processo de projeto. Ao invés de transmitir modelos aceitos por ele próprio ou dizer como se deve pensar, o professor deve procurar instigar e estimular cada aluno a pensar por sua própria conta. O movimento dos estudantes -­‐ e professores -­‐ pelo território da dúvida, da incerteza, é muito importante no processo de aprendizado -­‐ e de prática -­‐ de projeto. Nesse território de passagem, entretanto, é preciso reconhecer por um lado seu valor e riqueza, por outro seus limites. Como nos adverte Flusser: "A dúvida é um estado de espírito polivalente. Pode significar o fim de uma fé, ou pode significar o começo de outra. Pode ainda, se levada ao extremo ser vista como ceticismo, isto é, como uma espécie de fé invertida. Em dose moderada, estimula o pensamento; em dose excessiva paralisa a atividade mental. (3) ___________________________________________________________________________________________ (2) Pedro Duarte, "Desvio para o Ensaio", Folha de São Paulo, caderno Ilustríssima, 28 de fevereiro de 2016. (3) Vilém Flusser , "A Dúvida", pág. 21, São Paulo, Ed. Annablume, 201


4 É essencial que o estudante seja reconhecido como sujeito nesse processo de aprendizagem. Paulo Freire nos ensina que: "ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender"(4) A autonomia dos estudantes nas decisões e encaminhamentos e até mesmo na escolha e definição da própria metodologia a ser adotada no trabalho é condição importante para que as atividades do atelier favoreçam o desenvolvimento e a assimilação de competências técnicas, éticas e estéticas que contribuam, de fato, para a construção de sua emancipação intelectual e poética. Estrutura do curso Enquanto disciplina, o EV possui duração de um semestre. As aulas ocorrem no chamado "segundo tempo" da Escola -­‐ das 17:30h às 20:30h -­‐ em três dias da semana. Para cada um dos três semestres em que, até o momento, atuei na coordenação, foi proposto um tema de projeto e este tema vem se mostrando útil como fio condutor do trabalho dos alunos. Os temas até agora propostos não definiram programa ou local específico de projeto, mas levantaram uma questão e uma preocupação comum, que garantiram trocas profícuas entre os grupos, sem retirar deles a liberdade na elaboração de propostas. No primeiro semestre de 2015 o tema proposto foi Tempo Livre, Campo Limpo; no segundo semestre do mesmo ano propusemos pensar no tema das Passagens e no atual primeiro semestre de 2016 estamos trabalhando com o tema das Pré-­‐existências -­‐ mais adiante será apresentado em que consistem essas propostas. O semestre de trabalho vem sendo organizado em três ou quatro etapas. Cada etapa termina com a apresentação e avaliação de produtos. Pensamos que uma vantagem importante em contar com esse número de etapas está em manter o ritmo e a intensidade de trabalho dos alunos, uma vez que eles estão sempre às voltas com preparações de entrega, além de valorizar a importância do trabalho mais como processo do que como resultado. Outra vantagem da organização do trabalho em diversas etapas está na possibilidade de implementar um rodízio de professores para atendimento em duplas com os orientadores fixos dos grupos de alunos. _____________________________________________________________________________________________ (4) Paulo Freire, "Pedagogia da Autonomia", pág. 25 -­‐ São Paulo, Ed Paz e Terra, 51a. edição, 2015


5 De acordo com as mudanças que temos implementado, cada grupo possui um professor orientador que o acompanha ao longo de todo o semestre -­‐ em geral na proporção 2 grupos/1 orientador. Esse orientador acompanha o trabalho de seu(s) grupo(s) em conjunto com um outro professor e participa, por sua vez, do acompanhamento do(s) grupo(s) de seu colega. Essas duplas de professores se renovam a cada etapa. As conversas com as duplas de professores ocorrem semanalmente, de modo que nos outros dois dias de aula os alunos se dedicam a desenvolver seus trabalhos no âmbito da própria equipe. As duplas de professores são definidas por meio de sorteio, no início de cada semestre, de modo a evitar que se formem unicamente por professores com afinidades de trabalho. Essa forma de compor as duplas de professores tem a ver com uma afirmação do educador Paulo Freire, que nos diz: "É não só interessante mas profundamente importante que os estudantes percebam as diferenças de compreensão dos fatos; as posições às vezes antagônicas entre professores na apreciação dos problemas e no equacionamento de soluções" (5) A orientação em duplas visa ampliar o contato dos estudantes com visões de diferentes orientadores e colegas de outros grupos, estimulando nessa convivência o enriquecimento da discussão, dos encontros e das trocas no ambiente do EV. Ao longo das etapas, procuramos organizar o trabalho da seguinte forma: -­‐ Na etapa inicial propomos que os alunos desenvolvam uma hipótese de trabalho sobre o tema proposto. A formulação dessa hipótese como ponto de partida deve nascer das discussões e reflexões iniciais do grupo e mesmo que seja modificada, desviada ou substituída por outra, ela aponta taticamente o início do caminho. Este é um momento fundamental para que, de fato, os estudantes assumam seu papel de sujeitos no processo. -­‐ Na(s) etapa(s) intermediária(s) a ênfase é no desenvolvimento do projeto. É a fase mais longa, rica e exploratória. Aqui as ideias são debatidas, confrontadas, ensaiadas, se articulam, o projeto ganha corpo. -­‐ A etapa final é a da produção da apresentação do trabalho: o registro do processo e a expressão do resultado. A conclusão dessa etapa ocorre no que convencionamos chamar de "semana do EV", a última semana do período letivo semestral, quando os alunos já não têm mais aulas ou compromissos das demais disciplinas e podem se dedicar integralmente à conclusão seus trabalhos. ____________________________________________________________________________________________ (5) Paulo Freire, ibid, pág.18


6 Assim pedimos aos grupos, assim podemos sugerir e imaginar o que seriam os conteúdos das bancas de avaliação de cada etapa. O que parece uma receita para um trabalho realizado de forma muito organizada, sem sobressaltos, entretanto nem sempre ocorre dessa maneira.

Na maioria dos casos, os grupos terminam por se enredar em dinâmicas próprias; descaminhos, crises, retrocessos e desvios podem surgir. As etapas de trabalho terminam sendo outras, felizmente quase sempre mais ricas e até surpreendentes como aprendizado e resultado. As etapas de trabalho acabam se caracterizando muito mais como tomadas de ponto do andamento do processo nos grupos. Como não há uma única metodologia imposta que uniformiza os trabalhos, esses "pontos" têm se revelado muito diferentes entre si, por conta da diversidade de abordagens, ritmos e apropriações que o caminho de cada grupo propicia.


7 Avaliação A avaliação do EV leva em conta o processo, o resultado do trabalho dos grupos, a participação individual dos estudantes, e a experiência do conjunto estudante-­‐ grupo-­‐orientador(es). A avaliação é decomposta em diversas categorias, no intuito de assegurar que cada um dos participantes da experiência tenha garantida sua presença na composição da nota final. Cada grupo tem seu processo de trabalho e a apresentação de seu produto síntese resultante avaliados pelo orientador do próprio grupo e também pelos orientadores que formam as duplas de atendimento das etapas. Na última etapa, aos orientadores que avaliam a participação individual de cada membro do grupo, juntam-­‐se os próprios estudantes como avaliadores, elaborando dois tipos de considerações: a de sua própria participação pessoal no grupo e a da experiência coletiva no trabalho do semestre. O quadro abaixo ilustra o sistema de avaliação adotado


8 A nota final de cada aluno será a resultante da média aritmética entre a Nota final do Grupo e a Nota final Individual A avaliação proposta abrange a participação de cada estudante e cada grupo no processo e no resultado final do trabalho, além do desenvolvimento da visão crítica por parte de todos os participantes a respeito do processo de aprendizagem do EV. Dessa forma avalia-­‐se, além da performance, também o aproveitamento dos estudantes, inclusive a partir de seu próprio ponto de vista. A auto-­‐avaliação é também uma forma reforçar o papel do aluno como sujeito e fomentar seu espírito crítico em relação à sua própria produção. Essa visão crítica se constitui numa base muito importante, que contribui para a formulação da proposição das temáticas e procedimentos a serem adotados nos semestres subsequentes, fazendo do EV um sistema aberto e em constante transformação.


9 Proposição Temática Consideramos que o EV deve ser pensado como um ciclo dentro do período completo de permanência do aluno na escola. Nesta escala ampliada de tempo, é preciso considerar que cada aluno passa por sete semestres de EV, sendo que o primeiro é realizado no segundo semestre do segundo ano e o último no primeiro semestre do sexto ano. As proposições temáticas portanto devem ser articuladas em períodos de sete edições de que cada aluno participa. Alternando questões ora mais amplas e abertas a desdobramentos de abordagens e conteúdo, ora com temáticas e procedimentos mais claramente definidos e restritos, a sequência das proposições busca refletir a diversificada e vasta demanda do campo da arquitetura na vida contemporânea. Essa sequência não é pré-­‐definida e fixa, ao contrário, se refaz a cada momento. A proposição temática do trabalho para cada período deve ser formulada também levando-­‐se em conta as diferentes formações de grupos de trabalho nos primeiros e segundos semestres de cada ano: Nos primeiros semestres o EV é formado por estudantes dos 3o., 4o., 5o. e 6o. anos, todos já com participações anteriores no EV. Cada grupo de trabalho neste caso é montado pelos próprios estudantes, que já se conhecem e escolhem suas parcerias. Os estudantes do 6o. ano estão retornando da Vivência Externa -­‐ um programa semestral de estágios em oficinas ou cursos em universidades conveniadas com a Escola da Cidade, no Brasil e no exterior. Trazendo em sua bagagem o frescor dessas experiências externas, esses alunos participam do seu último EV e se preparam para, no semestre seguinte, elaborar seus Trabalhos de Conclusão de curso (TC), que fecham o ciclo de sua formação na escola. Sua participação nos grupos, como membros mais experientes, naturalmente acaba sendo bastante decisiva e influente. Desta forma, a proposição temática nesses primeiros semestres procura ser mais abrangente e aberta para acolher os diferentes interesses em áreas pelas quais os estudantes do 6o. ano, juntamente com seus colegas de grupo, possam ter, advindos da experiência na Vivência Externa e/ou ligados à área de interesse do TC, que será desenvolvido por eles no semestre seguinte. Nos segundos semestres do ano letivo o quadro é bastante diverso. Os grupos são formados por estudantes do 3o. e 4o. anos que recebem os do 2o. ano para sua primeira participação no EV. Ocorre também a chegada de estudantes visitantes intercambistas provenientes de outras escolas nacionais e internacionais.


10 Esses estudantes possuem menor experiência e não se conhecem ainda, necessariamente. São, por isso, alocados por sorteio em grupos nos quais terão que construir aproximações, criar afinidades e sentido de conjunto para o desenvolvimento do trabalho. Estas características têm nos levado a definir temas de trabalho mais restritos, mais delimitados em escala e desdobramentos. Em contrapartida, temos pensado que os temas dos segundos semestres devem assumir caráter mais experimental e receptivo a práticas de diferentes linguagens e formas de expressão. A sequência de variações de abordagens temáticas e de formatos de funcionamento com formações de grupos renovados procura realimentar, a cada edição do EV, o interesse e a curiosidade dos estudantes e professores, fatores essenciais para a criação de um estado de espírito propício e profícuo para o aprendizado do projeto de arquitetura.


11 Relato Neste tópico apresento, a título de exemplificação, os programas das disciplinas propostos para as três primeiras edições do EV dos quais participei como coordenador -­‐ Primeiro semestre de 2015 Campo Limpo Tempo Livre A proposta para o primeiro semestre de 2015 se baseia num lugar -­‐ Campo Limpo -­‐ e uma questão -­‐ Tempo livre. A região escolhida de Campo Limpo, em São Paulo, é formada por uma centralidade em constante transformação, que abriga uma estação de metrô, um shopping center, igrejas, a subprefeitura e uma futura unidade do SESC -­‐ e seu entorno, de diversificada composição social, econômica e tipológica. Uma paisagem física e humana complexa e rica que, no entanto, se apresenta socialmente fragmentada, retalhada pelo sistema viário, descontínua em termos de equipamentos, conforto, segurança e qualidade de vida. O lugar proposto para este projeto é uma amostra contundente das condições da maior parte do território de nossa cidade, que reclama por ações estruturantes de todas as escalas e tipos, um campo aberto ao exercício de investigações e propostas aos alunos e professores do EV. O X Seminário Internacional de Projetos da Escola da Cidade, entre os dias 23 a 27 de março com o tema "Tempo livre nas cidades" coincide com a finalização da primeira etapa do


12 trabalho do EV. Durante uma semana importantes convidados irão compartilhar, através de palestras e debates, suas experiências e reflexões didáticas e profissionais, além de um workshop com os professores e alunos de pós graduação do ESA -­‐ École Speciale d'Architecture, de Paris. O chamado Tempo Livre -­‐ tempo em que não estamos atrelados ao trabalho ou às obrigações sociais, no qual nós mesmos podemos escolher e decidir o que fazer, malgrado as precárias condições de vida para a maioria absoluta dos habitantes de nossas cidades, é maior hoje do que sempre foi na história. Entretanto, a heteronomia e a alienação dominantes na maioria das produções da indústria cultural e de diversão acaba por se apossar desse tempo, surrupiando-­‐o de todos nós.

Qual poderia ser o papel dos espaços públicos, onde transcorre a vida cotidiana da cidade, para a apropriação criativa do tempo livre? Pensar o tempo livre é uma forma de ver o espaço da cidade, é procurar criar as circunstâncias para a utopia da emancipação, da construção da cidadania e, quiçá da própria liberdade. Como seu próprio nome sugere.


13 -­‐ Segundo semestre de 2015 Passagens A arquitetura dos espaços intermediários, que ligam pontos, transições, conexões, intervalos por onde se caminha, espaços que fazem a trama do tecido da cidade.

A observação da paisagem que nos cerca em nossos deslocamentos cotidianos revela muitas vezes percursos desnecessariamente longos, desconfortáveis ou inseguros, a nos conduzir por lugares inadequados. Uma vereda, uma passagem ou um atalho entre quarteirões podem tornar mais fácil e prazeroso nosso deslocamento, propiciando um caminhar capaz de nos oferecer o desfrute das riquezas e dos prazeres de viver na cidade: essa é a questão a ser desenvolvida no Estúdio Vertical.


14 A escolha do lugar e do programa de projeto, a partir da percepção da dinâmica da cidade e das experiências pessoais dos integrantes das equipes, será o objeto já da primeira etapa do trabalho. Deste ponto de partida, tendo a cidade e seu movimento como pano de fundo, pretende-­‐se que seja desenvolvida uma hipótese de intervenção em escala reduzida -­‐ mais próxima ao edifício que ao território -­‐ mas ainda no âmbito do caráter público e ligado ao espaço que envolve o corpo em sua caminhada. O desafio do desenho desse espaço imediato à nossa volta, através do qual caminhamos em direção a algum lugar, ou mesmo à deriva, sem pressa, é fazer desse andar um ato de prazer na experiência da cidade como local de encontro.

-­‐ Primeiro semestre de 2016

-­‐+ Ação em preexistências

"No sentido rigoroso da palavra, poesia é uma tomada de medida, somente pela qual o homem recebe a medida para a vastidão de sua essência" Martin Heidegger -­‐ "...poeticamente o homem habita..."sobre poema de Hölderlin (7)

Toda ação arquitetônica ocorre em situações preexistentes: em lugares na cidade, na natureza, em toda parte. A arquitetura, neste sentido, pode ser entendida como a transformação de preexistências. Compreender o lugar, em seu sentido mais amplo -­‐ não apenas lugar físico, mas também social, cultural e histórico, lugar como memória e desejo -­‐ é a base e já início do trabalho de projeto.


15 ____________________________________________________________________________________________( 6) Martin Heidegger, "Ensaios e Conferências", pág. 173, Petrópolis, Ed. Vozes, 2a. edição, 2001 O valor da arquitetura não se restringe somente aos atributos intrínsecos ao objeto arquitetônico em si. Seu maior valor é relativo à sua disposição na paisagem na qual se insere, com a qual dialoga e da qual passa a fazer parte: o novo lugar, que poderá, por sua vez, ser reconhecido em ação futura, como preexistência. A ação transformadora sobre o lugar quase sempre pressupõe operações de subtração -­‐ a retirada de elementos naturais ou construídos esvaziados de uso e sentido, de ambientes indignos, de malfeitos, de puxados aderidos ao longo de sua história que acabaram por ficar, de excessos, de sobras, de gambiarras -­‐ e de adição -­‐ a construção de novos elementos, usos e espaços. Em cada caso particular, as medidas relativas dessas operações são essenciais para a ação em preexistências. Grosso modo, poderíamos pensar num necessário posicionamento técnico e poético no vasto território compreendido entre, por um lado, a preservação integral da edificação ou paisagem dada, restaurando o que existe ou até recompondo fielmente o que existiu, num ato de renúncia à transformação e, por outro, a demolição completa do existente, partindo-­‐se da "terra arrasada" numa busca do novo que quer se impor absoluto. O EV do primeiro semestre de 2016 propõe uma reflexão sobre a questão da medida do que se subtrai e do que é acrescido na experiência de projeto em lugar/edifício de uso público em nossa cidade. A definição do lugar e do programa é livre.


16 Conclusão Escrevo este trabalho enquanto divido a coordenação do EV pelo terceiro semestre consecutivo com o arquiteto Cesar Shundi Iwamizu, a quem se deve grande parte da eventual riqueza do processo e dos resultados dessa experiência. A experiência pedagógica em curso, iniciada em 2015 e aqui descrita brevemente em seus pressupostos e estrutura é continuidade e consequência da própria história do EV na Escola da Cidade. Propomos o estudo do projeto essencialmente como atividade crítica perpassada pelo exercício da dúvida, buscando ampliar a autonomia dos estudantes, incentivando relações horizontais entre professores e alunos, conferindo a estes maior liberdade na escolha de programas e locais de projeto e na definição de metodologias e de formatos de apresentação. Implementamos modificações na busca de entender qual o papel do projeto ou, mais precisamente, da ação em arquitetura nos dias de hoje, com o extraordinário avanço do acesso à informação nas últimas décadas, com os novos recursos de linguagem, com as novas tecnologias de representação disponíveis e, principalmente, com a abrangência necessária, as perspectivas e a diversidade das demandas que a sociedade contemporânea apresenta.


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Agradecimentos

-­‐Ao colega de coordenação Cesar Shundi Iwamizu. -­‐Aos professores assistentes Alexandre Gervásio, Edson Buzet, Guilherme Bravin, Joca Yamamoto, Ligia Miranda, Lucas Thomé, Matheus D'Almeida, Thiago Vita e Vinicius Spira. -­‐Aos professores arquitetos André Vainer, Cristina Xavier, Marcos Boldarini, Martin Corulon, Ruben Otero, Silvio Ocksman, Camila Toledo, Camile Bianchi, Daniel Corsi, Gui Sibaud, Marina Grinover, Mário Figueroa, Mauro Munhoz, Pablo Hereñu, Carlos Ferrata, Eduardo Colonelli, Clóvis Cunha, Marta Moreira, Luciano Margotto, Fernanda Barbara, Vinicius Andrade, Rafic Farah.

Imagens Pág. 6 -­‐ EV Passagens grupo 37 Pág. 8 -­‐ EV TLCL grupo 06 Pág. 10 -­‐ EV TLCL grupo 36 Pág. 11 -­‐ EV TLCL grupo 02 Pág. 12 -­‐ EV TLCL grupo 16 Pág. 13 -­‐ EV Passagens grupo 24 / grupo 37 Pág. 14 -­‐ EV Passagens grupo 37 Pág. 16 -­‐ EV TLCL grupo 06


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