ESCOLA DA CIDADE CAMILA DE ALMEIDA TOLEDO
ESTUDIO VERTICAL E SUA METODOLOGIA Trabalho de Conclusão de Curso Arquitetura, Educação e Sociedade Este trabalho pretende abordar as metodologias ativas de ensino e sua relação com a disciplina do Estúdio Vertical da Escola da Cidade.
O currículo geral da Escola da Cidade se divide em 2 tempos. No Primeiro Tempo, das 14 as 17:15, se dão as disciplinas mais específicas. Segunda feira é urbanismo, terça feira é história, quarta feira é desenho, quinta feira é tecnologia e sexta feira é projeto. No segundo tempo, 4 dias por semana, das 17:30 as 20:30, 3 vezes por semana é Estúdio Vertical, segundas, terças e quintas, e as quartas são os seminários Realidade e Cultura Contemporânea . A disciplina de Estúdio Vertical, inserida dentro da grade curricular da Escola da Cidade, é um exercício semestral em grupo para o desenvolvimento de temáticas projetuais. Estes grupos são formados por grupos de 5 alunos, em média, do segundo ao quinto/sexto ano, determinados por sorteio ou escolha interna dos alunos. Esta disciplina visa aproximar os alunos de condições mais gerais e menos específicas da prática do exercício da profissão, integração das disciplinas e um canal aberto para novas práticas e experiências. Esta disciplina propõe um exercício de projeto mais abrangente que aborde, além da utilização dos conhecimentos específicos das outras disciplinas, novos agentes e circunstancias. A própria construção do grupo já propõe uma dinâmica diferenciada por este ser formado por alunos de diferentes anos e intercambistas. Esta é uma primeira dificuldade, a do reconhecimento do grupo. Os alunos mais experientes, que já participaram da disciplina, são o maior fator facilitador para essa dinâmica.
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Ao questionar o desenvolvimento linear do aprendizado e ao defender que podemos resolver problemas mais complexos do que aqueles tradicionalmente propostos para a nossa maturidade e para o nosso nível de conhecimento, por meio da cooperação e da interação com outras pessoas, VIGOTSKI introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal: “distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (VIGOTSKI 1994:112)
O tema é apresentado aos grupos, os professores tutores dos grupos orientam seus grupos uma vez por semana, nos outros dois dias eles desenvolvem os trabalhos de forma autônoma. O tema apresentado requer para seu desenvolvimento a identificação de problemas e a identificação de potenciais de projeto. Na forma de Ensino baseado em projetos e baseado em problemas, o currículo é dado no trabalho com projetos, com o complemento de estudos teóricos, e não ao contrário, com o ensino organizado em cursos teóricos e a prática como atividade complementar. O Estúdio Vertical se caracteriza, então, por uma metodologia ativa de ensino , é o ponto de atenção, e a função das disciplinas é apoiá-lo. “Foi o pensamento pragmático norte-americano que suscitou os primeiros trabalhos sobre a pedagogia de projeto. Nos anos de 1915 e 1920, J. Dewee (1916) e W.H. Kilpatrick (1918) tentaram opor a pedagogia tradicional, que se revelava muito onerosa em relação aos ganhos obtidos, uma pedagogia progressista, também chamada pedagogia aberta, na qual o aluno se tornava ator de sua formação através de aprendizagens concretas e significativas para ele.” (Pg 181, Antropologia do Projeto, Boutinet) O exercício do Estúdio Vertical se assemelha ao Aprendizado Baseado em Problemas, definido no livro “Aprendizagem Baseada em Problemas no Ensino Superior” pela sua interdisciplinaridade, trabalho em grupo, problemas reais que ligam o curso a sociedade, o desafio chama a atenção dos alunos. 2
“Em diferentes variações, as perspectivas da ABP deslocam o aluno para o núcleo do processo educativo, dando a ele autonomia e responsabilidade pela própria aprendizagem, por meio da identificação e análise de problemas; da capacidade de elaborar questões e procurar informações para ampliá-las e respondê-las; e daí, para recomeçar o ciclo levantando novas questões e novos processos de aprendizagem e problematização da realidade. Por trás de tais processos educativos está a mudança de foco no ensino superior, que deixa de se centrar no ensino e passa a priorizar os processos de aprendizagem. Outra faceta essencial da ABP está em assumir problematizações concretas e situações reais como pontos de partida para os processos de aprendizagem, o que, além de ser estimulante, contribui para o desenvolvimento da responsabilidade social e fornece uma formação sólida para o exercício profissional.” (Pg.9 livro Aprendizagem Baseada em Problemas, Ulisses) Essa disciplina exige um corpo docente de pesquisadores ativos e um currículo adaptável. Os professores do Estúdio Vertical se caracterizam por serem profissionais atuantes na prática da profissão sem dedicação exclusiva à Escola. O papel dos professores é elucidar os objetivos, as diretrizes e as expectativas. O grupo deve interpretar esses objetivos e determinar como encontrá-los. O professor também faz o papel de uma espécie de animador que resgata desafios, que procura manter o interesse e implicar os alunos e que procura ajudar os alunos a desenvolverem habilidades como criatividade, pensamento crítico e colaboração. Durante os exercícios os coordenadores do EV procuraram experimentar diversas temáticas, organizações, dinâmicas e avaliações. Os exercícios são direcionados para o enfrentamento de um problema, geralmente alinhados às realidades dos problemas atuais. A catástrofe ocorrida na cidade de São Luiz do Paraitinga no início de 2010, a intervenção na área da favela Cavalo Branco nas margens da represa Guarapiranga, proposta para certa área junto à nascente do córrego Tiaquatira na Zona Leste de São Paulo, intervenção em propostas do hidroanel de São Paulo, propostas para o Porto Maravilha no Rio de Janeiro, a questão do impacto em São Sebastião provocado pela implementação do aparato que deverá explorar o pré-sal 3
e mesmo a delimitação de uma área central de São Paulo como local de intervenção foram temas tratados durante um semestre cada um. São fornecidas bases, seminários e palestras sobre as temáticas em questão, são definidas as bancas e o material a ser entregue em cada uma, são definidas etapas de trabalho. A primeira etapa é a formulação da hipótese seguida pelo desenvolvimento da hipótese e sua síntese, e há durante o semestre 3 ou 4 avaliações. Várias são as problemáticas enfrentadas: -
Dificuldade de identificação do aprendizado, o que se aprendeu com o exercício;
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Dificuldade de motivação dos alunos ao trabalho;
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Diferentes pontos de vistas dos tutores, estratégias individuais, muitas vezes confundem os alunos ou as avaliações;
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Equalização das avaliações;
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Até que ponto serão exigidos resultados de outras disciplinas (projeto, urbanismo, desenho, história e tecnologia)?
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Melhor aproveitamento do tempo de aula sem atendimento/tutoria
Muitas vezes foram atribuídos problemas devido a dificuldade de bases de dados para exercícios tão abrangentes, ligados ao funcionamento das bacias hídricas, por exemplo, dadas as implicações mais complexas de projetos regionais e desvendamento
de
suas
especificidades
políticas,
sociais,
econômicas,
geográficas,etc.
Quando o exercício é muito bem definido, como o caso da intervenção em uma Igreja em Porto Príncipe que foi colocado como exercício um Concurso real, com suas bases e etc. o resultado ainda não atingiu o esperado.
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De qualquer maneira, a definição clara dos objetivos é crucial para aproximação do melhor resultado, mas este resultado não está necessariamente ligado à interpretação de dados, bases e premissas projetuais. O Significado de “uma cabeça bem cheia” é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. “Uma cabeça bem‐feita” significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: – Uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; – Princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (MORIN, 2003, p.21)
Algumas das exposições de exercícios apresentados no decorrer do Curso Arquitetura, Educação e Sociedade apresentavam um processo mecânico permitindo um pulo da problemática prática apresentada para uma solução prática, uma ação sem reflexão teórica.
Nas experiências que utilizam trabalho com projetos baseados em problemas, podemos observar certas experiências com análises que ajudam a compreender melhor as oportunidades desse processo. A Fundação Getulio Vargas utiliza este método de ensino, segundo a impressão de um professore este método tende a subir os níveis dos alunos com mais dificuldade e segurar os mais “brilhantes” os quais eles se apoiam. Na experiência da Faculdade de Aalborg relatada no livro Aprendizagem Baseada em Problemas, de Araújo e Sastres, os alunos trabalham com problemas reais que vão surgindo no âmbito empresarial, nas instituições, nas ONGs ou na sociedade civil, e tentando solucioná-los com projetos em grupo e modernas tecnologias, sob supervisão de um professor da área de pesquisa. Um problema prático engendra um problema teórico seguido por uma solução teórica seguido por uma solução prática. Essa passagem para teorização da pratica é obrigatória para o pensamento critico, não mecânico, da disciplina. 5
Na experiência de Maastrich, também descrita no mesmo livro, o curso de medicina utiliza a estratégia de etapas chamada de “sete” passos. (Schmidt 1983). 1. Descrição do problema. 2. Definição o problema; que significa: Descrever exatamente que fenômenos têm que ser explicados ou compreendidos. 3. Brainstorm: Usando seus conhecimento prévio e sentido comum, tentativa produzir possíveis explanações diferentes. 4. Elaboração das explanações propostas: tentar construir uma teoria pessoal coerente e detalhada dos processos subjacentes aos fenômenos. 5. Formulação de objetivos de aprendizagem para a aprendizagem auto-dirigida. 6. Tentativa de preencher as lacunas em seu conhecimento com o auto-estudo. 7. Compartilhamento de suas bases de informações com o grupo e tentativa de integração do conhecimento adquirido, em uma explanação apropriada para os fenômenos. Verificação de suficiência do conhecimento. Avaliação do processo de aquisição de conhecimento. Uma avaliação do método utilizado constatou uma dificuldade na exposição dos alunos tanto no passo 3 e 4, de contribuição com o conhecimento prévio e teoria pessoal como na avaliação da aquisição do conhecimento. “Omitindo uma análise independente dos problemas, baseados em seus conhecimentos prévios, os estudantes não elaboram hipóteses, que é condição sine qua non para estruturação do seu conhecimento. Conseqüentemente, a aquisição da informação nova será menos eficiente (Bransford e outros. 1999).”
No ano de 2015 foram feitas algumas mudanças no processo do Ev que se mostraram satisfatórias. O tema apresentado foi menos definido, deixando para o grupo a autoria do problema arquitetônico a ser resolvido. A definição feita pelo grupo tende a comprometer mais os integrantes do grupo no trabalho. A eleição do trabalho a ser desenvolvido vem da interpretação do tema, dos dados, da situação, e 6
muito da personalidade, bagagem cultural e crença de cada integrante do grupo. Esse primeiro momento, de definição do trabalho se encerra com a primeira entrega. Quando um vídeo de 1 minuto foi uma vez foi definido como a primeira entrega verificou-se um instrumento facilitador da integração do grupo. Eles produziram através do vídeo uma primeira abordagem, um primeiro recorte, uma partida com a anuência de todo grupo em um meio de apresentação descolado do que se costuma exigir como entrega de trabalho de arquitetura. Essa dinâmica já deu o tom do tipo de reflexão que interessava naquela etapa e mais autonomia ao grupo. Na contemporaneidade não há verdades que não possam ser reformuladas, não apenas na arquitetura mas em quase todas as áreas do conhecimento. No processo projetual arquitetônico, caminhos diversos se abrem a cada passo dado e a cada momento de decisão a ser tomada. Estes caminhos podem e devem ser investigados e avaliados em toda sua diversidade e complexidade. Acredito que aplicação da estratégia dialética proposta no ensino de projeto de arquitetura[,] poderá ampliar a reflexão crítica dos alunos sobre o problema a solucionar, além de estimular sua criatividade. A interação professor-aluno não estará baseada na submissão, que controla e manipula. Esta deverá ser substituída pela sedução- que incorpora a emoção- possibilitando a geração de um domínio de convivência diferente, muito mais atraente e significativo na construção do conhecimento em sala de aula ou no ateliê de projeto. Desaprender e re-aprender num processo mútuo de sedimentação dos saberes para o qual Roland Barthes, usando o termo sapientia o definiu brilhantemente: “nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível” (BARTHES, 1977). ALCANTARA, Denise
A dinâmica do grupo é variada, dependendo da personalidade dos seus integrantes, havendo mais ou menos desenvoltura para participação individual no grupo. O grupo é livre para propor suas estratégias de projeto e neste novo formato o trabalho final também pode ser teórico. As mudanças no processo deram mais possibilidade de autonomia para os alunos que, se realmente efetivada, trará maior aquisição de conhecimento por ser mais auto dirigido. 7
Quanto à avaliação dos conhecimentos adquiridos, este novo formato privilegia a sua avaliação, exigindo como entrega obrigatória a prancha síntese postada no site, a elaboração da mesma para integrar um caderno de registro impresso e um relatório de autoavaliação e avaliação do EV, também obrigatória.
Um arquiteto é ensinado principalmente pelo exemplo e pela prática. Ele é julgado por soluções que produz em vez dos métodos que usa para se chegar a elas. O cientista é ensinado por uma sucessão de conceitos e se exercita por meio de exemplos, a fim de demonstrar que ele pode aplicar esses princípios. Ou seja, o arquiteto trabalha com simulações de conjecturas com posterior análise. Percebemos nessas colocações a presença e a consciência da incerteza e da dúvida constante no problema da concepção. Lawson afirma ainda que, em arquitetura, o universo de soluções alternativas possíveis deve ser tão elevado que torne ensaio e erro sucessivo uma estratégia “rentável”, de modo que nenhuma solução que o sujeito pode produzir pode ser prevista (1979, p. 59). Não há uma óbvia resposta "certa" para o problema, mas sim a que é deixada para o sujeito (designer) decidir e que é o melhor que ele pode alcançar (LAWSON, 1979, p. 59). A subjetividade da concepção arquitetônica é para Lawson evidente, visto que é o arquiteto que decide qual é a resposta “certa” para seu problema, extremamente complexo problema.(Simone da Hora Macedo , Guilherme Lassance)
A disciplina do Estudio Vertical abrange todas as outras disciplinas e delas se distancia na medida em que não deve repeti-las. Isto tornaria desinteressante, pela repetição de forma incompleta, de uma delas. Seu resultado final deve se distanciar dos resultados finais das disciplinas de projeto, desenho, tecnologia ou urbanismo. Percebe-se a visão crítica que pode brotar na avaliação dos diferentes resultados desdobrados do mesmo tema de um exercício mais autônomo e por isso mais rico e plural.
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Bibliografia ARAÚJO, U. F.; SASTRE, G. (Org) Aprendizagem baseada em problemas no ensino superior. São Paulo: Summus, 2009. BARTHES, Roland. Aula – Aula Inaugural da Catedra de Semiologia Literária do Colégio de França. São Paulo: Ed. Cultrix, 1992. BOUTINET, Jean Pierre. Antropologia do Projeto. Porto Alegre: ArtMed, 2002. Bransford, J.D., Brown, A.L. and Cocking, R.R. (1999). How People Learn: Brain; Mind, Experience; and School. Washington: National Academy Press. LAWSON, Bryan. Cognitive strategies in architectural design. In: Ergonomics, vol. 22, n.1, 1979, p. 59-68.
RHEINGANTZ, Paulo Afonso Arquiteto, Doutor, PROARQ/UFRJ e PROGRAU/UFPel, parheingantz@gmail.com CUNHA, Eduardo Grala da Arquiteto, Doutor, PROGRAU/UFPel, egcunha@terra.com.br KREBS, Carlos Leodário Monteiro Arquiteto, Mestrando PROGRAU/UFPel, carlos.krebs@ufpel.edu.br Ensino de projeto de arquitetura no limiar do século XXI: Desafios frente às dimensões ambiental e tecnológica Seminário PROJETAR- 2015 Natal Reflexões sobre o processo de concepção arquitetônica para a pratica do ensino de projeto II Seminário PROJETAR – 2005 Natal ALCANTARA, Denise Arq. M.Sc, Doutoranda PROARQ-FAU-UFRJ COMPLEXIDADE NOS PROCESSOS DE CONCEPÇÃO ARQUITETONICA Anais Congresso Internacional de Ensino Mackenzie 2013 Simone da Hora Macedo , Guilherme Lassance.
J.H.C. MOUST1,* , H.J.M. VAN BERKEL1 & H.G. SCHMIDT2 REFLECTIONS ON THREE DECADES OF PROBLEM-BASED LEARNING 4 (SINAIS DE EROSÃO) Tradução do Professor Luiz Novaes, MD, MSc – FM-ESCS-FEPECS Estudante do Curso de Especialização em Gestão Curricular 9