[MARIO GAIA] Monografia

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PÓS GRADUAÇÃO LATO SENSU Arquitetura, Educação e Sociedade ESCOLA DA CIDADE

Proposta para Curso de "Estudo e Registro dos Fundamentos da Construção"

Mario Gaia, 2016



Aos bons professores que tive a oportunidade de conhecer.


“Quando um grupo de pessoas pernósticas e incompetentes, chamadas professores, ensinam a um indivíduo sem gosto e vocação, uma série de noções tolas ou, no máximo, discutíveis, conseguem formar, no fim de uma dezena de anos, essa coisa ao mesmo tempo ridícula e monstruosa que se chama um homem culto” Millôr Fernandes em conversa com Armando Nogueira, Jornalista. 1968


PREFÁCIO: Frequentei a Escola da Cidade como aluno entre 2005 e 2010, como monitor da disciplina de Tecnologia (2º, 3º e 4º ano), entre 2014 e 2015 e novamente como aluno, nesse curso de pós-graduação lato sensu "Arquitetura, Educação e Sociedade”, entre 2014 e 2015. Minha experiência de 8 anos nesses dois períodos é minha principal fonte de referências no que tange ao ensino e ao aprendizado da Arquitetura e do Urbanismo. Nesse período, uma questão sempre prendeu minha atenção: o distanciamento entre os trabalhos de projeto (desenho) e canteiro (execução). Seja na graduação, seja no mercado profissional. Nos cursos de Arquitetura em geral é lamentável a distância que observamos entre disciplinas das mais intrinsecamente ligadas: as aulas de Arquitetura (Projeto) e as aulas de Tecnologia. Segundo Richard Sennett1, o trabalho manual, menosprezado equivocadamente por uma camada social, é uma das qualidades do bom cidadão. Para Sennett, o bom artífice sabe que não deve trabalhar contra as forças resistentes, mas com elas (como os engenheiros que construíram túneis sob o rio Tâmisa), sabe como completar suas tarefas empregando o mínimo de esforço (como os chefs quando fatiam vegetais) e, acima de tudo, sabe “brincar”, e aí é que nasce o diálogo com os materiais que ele manuseia, como argila e vidro.

1

Richard Sennett, O Artífice (São Paulo, 2009)


“O erudito é um mal social dos mais lamentáveis e só um idiota como ele se confundiria com cultura. Já está sendo substituído, nos países desenvolvidos, por centrais cibernéticas de dados. Você necessita uma informação, liga um botão, recebe a informação em 10 segundos. Isso libera o cérebro para sua única função digna - pensar -, não se necessitando sobrecarregá-lo com uma cloaca de erudição” Millôr Fernandes em diálogo com Renata Deschamps, uma bela mulher. 1971


INTRODUÇÃO: Ao analisarmos os currículos dos cursos de arquitetura das universidades brasileiras, vemos que as atividades ligadas a execução da Arquitetura (canteiro, obra e construção), são frequentemente tratadas como: aula de canteiro de obra aula de acompanhamento de obra aula de visita a obra Consideramos essas nomenclaturas equivocadas, imprecisas ou reducionistas independentemente da nomenclatura, o objetivo é sempre aproximar o aluno (via de regra, alienado as questões construtivas) do canteiro da obra, do fazer. Não nos parece que se pode falar em um curso de canteiro de obra. Isso presume ou um enfoque sobre as questões de gerenciamento e gestão do canteiro, ou uma cátedra onde o aluno irá aprender cada uma das atividades desempenhadas pelos trabalhadores do canteiro da construção (o que nunca é o caso, e nem o propósito desses cursos). Também não se pode falar em um curso de acompanhamento de obra. Acompanhar presume uma atividade de presença e registro sistemática, por vezes diária, de determinada obra. Nenhum aluno em nenhuma escola pode dedicar o tempo e a duração necessárias a isso dentro de um curso de graduação nos moldes atuais. Tampouco devemos falar em visita a obra, sob pena de reduzir um estudo e uma pesquisa de rigor acadêmico a um mero "ver, apreciar ou estar”. Preparamos então uma proposta de curso de "Estudo e Registro dos Fundamentos da Construção”. Estudo pois requer apreciação, pesquisa e introspecção; e registro pois demanda produto fisico, gráfico e escrito, para investigar os Fundamentos da Construção.


RESUMO DA PROPOSTA DO CURSO:

1 semestre de duração

atividades em classe: 16 aulas no total (uma aula por semana) 10 aulas teóricas/expositivas sobre fundamentos da construção (em média, duas por mês) 5 aulas retorno de trabalhos avaliados, corrigidos e comentados pelo professor 1 aula de avaliação oral

atividades extra-classe: estudo de campo nas semanas subsequentes a aulas teóricas/expositivas, com visita a obras e sítios de interesse produto gráfico e dissertativo para avaliação (em formato A3 com diagramação padrão)


OS FUNDAMENTOS DA CONSTRUÇÃO - OBJETOS DO ESTUDO:

Ao falarmos em fundamentos, nos referimos não apenas a base ou alicerce, mas também a "um conjunto de princípios a partir dos quais se pode fundar ou deduzir um sistema, um agrupamento de conhecimento”. Especificamente, estamos reunindo em uma aula, uma série de elementos da construção que, incluem materiais, técnicas, atividades, produtos e procedimentos num mesmo tema - emas que podem ser afinados e refinados de acordo com a experiência:

AULA FUNDAMENTO

ESTÁGIO DA OBRA

OBRA sugerida

1

solo e fundações

pré-obra

infra-estrutura

2

coberturas

inicial

galpão

3

piso

variada

galpão, casa

4

colunas e vigas

estrutura

galpão, casa

5

lajes

estrutura

escola, indústria

6

escadas

estrutura

apartamento alto

7

instalações

cobertura

restaurante, indústria

8

impermeabilização

acabamento

laje jardim

9

fechamentos

após a cobertura

prédio alto

10

portas e janelas

após a cobertura

prédio alto


CURSO: ”Estudo e Registro dos Fundamentos da Construção” A proposta elaborada é de um curso para a grade curricular da graduação em Arquitetura e Urbanismo, inserido na cátedra de Tecnologia, que seja aplicável a qualquer curso de Arquitetura e Urbanismo no território nacional. O enfoque do curso são os fundamentos da construção. A estrutura básica do curso é a seguinte: 1. O professor apresenta o tema e comunica - o aluno é provocado; 2. O aluno vai a obra e vê a teoria acontecendo na prática - inclusive com suas contradições, limitações e peculiaridades; 3. O aluno desenha, relata e apresenta; 4. O professor avalia e retorna com a correção comentada.

É um curso onde o professor expõe as bases teóricos e apresenta detalhes técnicos e específicos de fundamentos da construção civil e, ao mesmo tempo, delega ao aluno o empenho com a pesquisa e o estudo necessários ao aprofundamento do tema. O professor expõe, fundamenta, indica e instiga. O aluno critica, aprofunda e desenvolve o tema: estuda e pesquisa mas também vivencia, observa e registra. É matéria individual, uma introspecção necessária. Os alunos visitam individualmente as obras. A produção do conteúdo, bem como a avaliação, também é individual.


BASES PARA APLICAÇÃO: O Curso está desenvolvido com uma independência de currículo e de formação prévia que é necessária para seu objetivo: ser aplicado em qualquer ano da grade curricular de um curso de Arquitetura e Urbanismo em escolas brasileiras. A sugestão, entretanto, é que o curso entre no segundo ano da graduação (terceiro semestre). Por quê? Entende-se que no primeiro ano as aulas de Arquitetura (também nomeadas aulas de Projeto) devem tratar da matéria essencial da Arquitetura: o Espaço - matéria sem a qual qualquer esforço no sentido de aproximar o aluno do fazer seria inócuo: vai aprender a fazer sem saber o quê nem por quê fazer? Medições, levantamentos, sentir o espaço, entender as proporções e as escalas, as dimensões das coisas, objetos, pessoas e a interação entre elas, são fundamentos básicos sem o qual o aluno de arquitetura sequer saberá o que e porquê observar e registrar em uma obra. A partir desse entendimento conceitual básico do alcance e da amplitude da Arquitetura, e com o aluno já seduzido e minimamente familiarizado com as questões de Espaço e Estética, podemos chamar sua atenção para a questão Técnica (assunto que, na maioria das vezes, percebemos menos sedutor a maioria dos alunos de arquitetura).


DINÂMICA DO CURSO: É uma dinâmica sequencial:

TEORIA ——> PESQUISA, OBSERVAÇÃO, REGISTRO e ESTUDO ——> PRODUÇÃO DE PRANCHA ——> AVALIAÇÃO e RETORNO ——> TEORIA

O curso, em cada uma de suas etapas, sempre inicia-se com uma aula teórica/expositiva com duração entre uma e três horas2. Após cada aula teórica/expositiva segue-se uma atividade, extra-classe, de visita, estudo e registro de obra. A visita a obra é parte do processo de ensino. Essa atividade é programada pelo aluno, que, desse modo, tem controle sobre sua rotina e suas necessidades, programando as visitas de acordo com seu cotidiano, deslocamentos e horários. Os alunos visitam individualmente as obras. A produção do conteúdo, bem como a avaliação, também é individual. Não há convênios agenciados pela Escola. O aluno que deve procurar uma obra. Isso tem um objetivo duplo: ao ter liberdade para escolher a obra que pretende acompanhar em cada etapa do curso, por um lado, o aluno que corre atrás de seu interesse, por outro, facilita sua agenda, pois ele escolherá obras acessíveis ao seu cotidiano, deslocamentos e horários (próximas de sua casa, escola ou trabalho). O Aluno vai no dia e horário que for interessante para o tema que estiver abordando. A visita ocorre também na frequência que o aluno julgue necessária: pode ser apenas uma visita mais longa e também podem ser várias visitas na mesma semana - algo que varia de acordo com o fundamento/tema estudado. A Escola ajuda no acesso as obras com sua credibilidade: fornece um certificado ou equivalente, atestando que o sujeito é aluno e está lá para estudar e completar um trabalho universitário. Funciona como um cartão de visitas e boa fé. Em caso de dúvidas, o responsável pela obra pode ligar para a faculdade, confirmar e combinar.

2

Embora a maior quantidade de carga horária seja desejável, pois proporciona mais tempo de aula para aprofundar e sofisticar o ensino, o curso pode ter sua carga horária variada devido a fatores práticos como: disponibilidade de créditos para essa disciplina em cada universidade, grau de maturidade da turma de alunos, nível da formação básica (1º e 2º graus) da turma de alunos entre outros critérios.


A AULA: É uma aula TEÓRICA / EXPOSITIVA: O professor apresenta os detalhes, fornece desenhos e links, mostra projetos de referência e prepara uma bibliografia sobre cada tema/fundamento da construção. No início da aula teórica/expositiva, cada aluno recebe uma apostila preparada sobre o tema da aula. Essa apostila deverá conter uma explicação básica sobre o tema e também informações adicionais (contextualização histórica, novidades técnicas, etc…), mas, principalmente, deverá conter os desenhos de detalhes típicos de cada tema, por exemplo: se o tema for fundação, a apostila deverá conter croquis, esquemas e detalhes sobre os diversos tipos de técnicas de fundação (sapata, radier, estacas, tubulões, etc…) para que o aluno já chegue na obra bastante familiarizado com o tema, e seu período de visita, observação e registro seja mais produtivo e eficiênte. O aluno, em seu período de estudo extra-classe, pesquisa e estuda o assunto, associa e compara com projetos conhecidos. A premissa é que se o aluno chega a obra minimamente situado no assunto, ele aprende mais. E a idéia é ele aprender.


A VISITA A OBRA: Na visita a obra, além do tema pertinente a visita, o aluno deve observar e anotar algumas variáveis, tais quais: do projeto: os materiais utilizados, as técnicas utilizadas, os usos de pré-fabricação da obra, do canteiro: endereço, zonas de restrição urbana, horários permitidos para serviço, acesso a obra do fazer: os materiais utilizados, as técnicas utilizadas, o tempo que demanda a atividade que estiver acompanhando, o numero de pessoas necessárias para desempenhar aquela tarefa, a sequencia necessária para realizar determinada tarefa, as ferramentas utilizadas, os equipamentos e sistemas necessários, o desperdício de material ou de processos, o uso dos EPIs necessários. do trabalho: as condições de trabalho, as condições de limpeza, as condições de organização, o desperdício de material ou de processos, os excessos.


CRONOGRAMA: 1. Aula teórica apresentando determinado fundamento da construção3. 2. Atividade de campo: visita a obra para observação e registro de fundamentos da construção. 3. Produção de prancha em formato pré-determinado para apresentação do fundamento estudado. 4. Avaliação e retorno (feedback) por parte do professor. Essa dinâmica se repete nos 10 fundamentos da construção estudados naquele semestre.

3

Listados no ítem “FUNDAMENTOS DA CONSTRUÇÃO”


PRODUTO PARA AVALIAÇÃO: Prancha base padrão é fornecida pelo professor4. Formato A3 A prancha deve conter: desenhos, fotografias, relatório com descrição do projeto e da obra e aprofundamento sobre o tema estudado.

4

Não é aula de composição ou desenho: em outras matérias já há essa liberdade de experimentação e composição


PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO: Correção, retorno (feedback) e nota. É sabido que o produto final depende da capacidade do aluno, mas é atribuição do professor contribuir. O retorno do produto entregue pelo aluno, corrigido e comentado pelo professor, é uma forma de ensinar. O aluno tem uma aula teórica forte, faz um trabalho (dissertativo e gráfico), recebe um retorno e é avaliado a cada aula/tema. Ao final do curso (um semestre), aplica-se uma avaliação escrita, qualificatória para a avaliação oral. No dia da avaliação oral, o aluno deve entregar o trabalho gráfico refeito de acordo com o feedback recebido, e o professor pode reconsiderar a nota. Na sequencia, aplica a avaliação oral, última e definitiva.


ANEXO TEMAS E FUNDAMENTOS SUGERIDOS - AULAS “TIPO" : O Solo sondagens influência da água medidas das características do solo em laboratório coesão do solo ensaio triaxial ensaio no terreno cálculo das fundações

Concreto constituíntes do concreto: agregados cimento a dosagem e as suas regras principais mistura transporte trabalhabilidade adensamento por vibração secagem concreto injetado concreto com ar incorporado concretagem em tempo frio concretagem em tempo quente cura do concreto com calor deformação e ruptura do concreto: retração antes da pega retração após a pega dilatação térmica deformação sob carga: elasticidade - plasticidade - fluência ruptura do concreto retomadas de concretagem estado triplo de tensões ataque químico do concreto concretos leves concretos pesados concretos e resinas sintéticas colagem do concreto controle do concreto no canteiro auscultação de obras em concreto


Alvenarias, paredes e vedações constituíntes execução resistência a ruptura argamassas: revestimentos externos revestimentos internos isolamento contra o calor e o frio isolamento contra o ruído


“O Estado só deveria dar ao indivíduo, como educação, o aprendizado da leitura. Daí em diante, o cidadão seria, do ponto de vista oficial, somente deseducado, o Estado criando apenas vastíssimas bibliotecas e centros de informações, onde o cidadão pudesse encontrar todas (mas todas mesmo) tendências culturais existentes. Ao chegar a puberdade (14, 15, 16, 17 anos ou quando ele próprio decidisse) o cidadão frequentaria centros de aprendizado técnico, onde lidaria com máquinas e instrumentos necessários a uma educação técnica, não-abstrata. Os cidadãos interessados apenas em atividades abstratas - escrever, pintar, psicanalizar ou politicar- frequentaria, sem quisessem, locais de discussão - ágoras modernas - mas continuariam, no sentido atual, totalmente autodidatas. O sistema educacional vigente é apenas uma maneira de levar a ignorância às suas extremas consequências" Millôr Fernandes em conversa com João Uchoa Cavalcanti Neto, Juiz, Professor, Artista Plástico. 1970




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