[PAULO VON POSER] Monografia

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ASSOCIAÇÃO ESCOLA DA CIDADE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

DESENHO COLETIVO São Paulo 2016

Paulo von Poser


ASSOCIAÇÃO ESCOLA DA CIDADE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ARQUITETURA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

A observação do espaço urbano com alunos de arquitetura

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada à Associação Escola da Cidade

Paulo von Poser

São Paulo 2016

DESENHO COLETIVO


Dedicatória Aos estudantes que me ensinaram a ouvir a cidade em seus depoimentos gráficos.

Desenho coletivo Parque da Águas Minerais - Brasília

Agradecimentos A todos meus Professores e colegas de ensino, que me despertaram o gosto e a paixão por descobrir e passear pela cidade desenhando. As Professoras Cristiane Muniz, Maira Rios e Carolina Klocker, pela paciência e generosidade na Pós-Graduação AES. Além de todos os colaboradores do Baú (acervo digital da Escola da Cidade), que nos proporcionam acesso fundamental a diversos conteúdos de reflexões e palestras.


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Apresentação

Apresento nesta monografia, práticas de Desenho Coletivo desenvolvidas em aulas nos cursos de Desenho dos primeiros anos dos cursos de arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos, UNISANTOS, e Escola da Cidade, e também em outros cursos livres propostos em diversas instituições educacionais, tais como Fundação Bienal e Centro Cultural São Paulo, CCSP. Pesquisando meus arquivos fotográficos para esta apresentação de conclusão do curso, notei que, desde 1983 (ano de inicio de minhas atividades como professor de desenho), já desenvolvia práticas coletivas compartilhadas com equipes de arte educadores e pedagogos do CCSP, onde lecionei no setor de oficinas, e na Fundação Bienal, onde participei dos setores educativos, em 1985 e 1987. Na atualidade, continuo experimentando essas práticas regularmente e preferencialmente em espaços públicos das cidades que visito com grupos de estudantes. Para esta apresentação, compilei estas propostas de aula em um projeto gráfico de fichas de consulta e material de apoio para utilização por professores ou arte educadores interessados em experimentar as possibilidades deste tipo de desenho colaborativo, ampliando e aprofundando a reflexão sobre estas atividades.

Objetivos Como a prática do desenho coletivo pode colaborar no aperfeiçoamento dos processos gráficos individuais? Como este desenho colaborativo pode requalificar nossa percepção do espaço e da cidade? Que tipo de resignificação do lugar esta prática sugere aos usuários e cidadãos? Quais as propostas que cada material, suporte e dinâmica gera no desenvolvimento de novas competências de trabalho em grupo, colaboração e sociabilidade? Este trabalho de conclusão, visa investigar e ampliar a reflexão sobre a efetividade do desenho coletivo na percepção e representação do espaço, e sua competência na superação de bloqueios e impedimentos nos estudantes e desenhistas. No processo de desenvolvimento gráfico individual a auto crítica pode impedir o estudante de se envolver com o próprio desenhar, paralisado pelo medo de errar (caso típico dos alunos que afirmam categoricamente que “não sabem desenhar”, e que não tem o “dom” para tal). Estes são resquícios comuns resultantes de nossa formação escolar conservadora, estruturada no ensino de modelos e cópias. Estes bloqueios desmotivam o desenhista que não consegue ultrapassar os limites auto impostos, não percebendo a evolução natural que surge da ação continua do desenho livre.

“Para desenhar é preciso

ter talento, imaginação, ter vocação. Nada mais falso. Desenho é linguagem também e, enquanto linguagem, é acessível a todos. Demais, em cada homem há o germe, quando nada, do criador que todos os homens juntos constituem”. O desenho - Artigas


“Assim, o desenho se aproximara da noção de Projeto (pro-jet),

Sobre o Desenho

de uma espécie de lançar-se para a frente, incessantemente, movido por uma ‘preocupação’. Essa ‘preocupação’ compartilharia da consciência

“Na história da luta que o homem vem travando com a natureza, a técnica e a arte caminham juntas, quando não se confundem. O grafismo paleolítico, a origem do desenho, nossa linguagem, certamente nasceu antes da linguagem oral. Foi a linguagem de uma técnica humilíssima e também a linguagem dos primeiros planos da natureza humana rudimentar. No pensamento mais primitivo há traços do espírito científico”. O desenho - Artigas

da necessidade. Num certo sentido, ela já assinala um encaminhamento no plano da liberdade. Desde que se considere a preocupação como resultante de dimensões históricas e sociais, ela transforma o projeto em ‘projeto social’. Na medida em que uma sociedade realiza suas condições humanísticas de viver, então o desenho se manifesta mais preciso e dinâmico em seu significado. Vale dizer que através do desenho podemos identificar o projeto social. E com ele encontraremos a linguagem adequada para conduzir a emancipação humana.” Desenho e emancipação - Flávio Motta

Será que todo o Desenho poderia ser considerado e desenhado como uma ação coletiva? Em seu contexto histórico cultural e sua origem na formação de todo conhecimento humano: o “desenho rupestre paleolítico”, é nossa marca primordial e neste sentido se liga diretamente à nossa expressão gráfica infantil. Todos nós desenhamos espontaneamente até nossa alfabetização, quando a sobreposição das linguagens escritas, orais e gráficas tendem a interromper este processo natural.

“O ‘disegno’ do Renascimento, donde se originou a palavra para todas as outras línguas ligadas ao latim, como era de esperar, tem dois conteúdos entrelaçados. Um significado e uma semântica, dinâmicos, que agitam a palavra pelo conflito que ela carrega consigo ao ser a expressão de uma linguagem para a técnica e de uma linguagem para a arte”. (Artigas, 1999, p.73).

Quem terá sido o primeiro ser humano que traçou com um carvão em brasa uma marca qualquer na pedra? E se surpreendeu ao perceber perplexo seu propósito singular: a expressão deste gesto banal?

Na prática, o desenho pode ter sido nosso desejo mais coletivo e mais humano, além das culturas e épocas, uma linha contínua desde sua origem na fonte de todo conhecimento. Mais que linguagem visual ele surge efêmero para o outro, mas também, para a duração no tempo. Esta “palavra” aqui escrita é puro desenho, cada letra foi cuidadosamente desenhada e redesenhada em sua longa história, e pode ser estudada em suas heranças dos sinais cuneiformes sumérios, passando pelos hieróglifos egípcios, pelo grego, ideogramas orientais e hebraico, até chegar ao latim arcaico.


“O conteúdo semântico da palavra desenho desvenda o que ela contém de trabalho humano acrisolado durante o nosso longo fazer histórico. O fazer histórico para o homem comporta dois aspectos. De um lado este fazer é dominar a natureza, descobrir os seus segredos, fruir de sua generosidade e interpretar as suas freqüentes demonstrações de hostilidade. Dominar a natureza foi e é criar uma técnica capaz de obrigá-la a dobrar-se às nossas necessidades e desejos. De outro lado, fazer a história é, também, como se diz hoje, um dom de amor. É fazer as relações entre os homens, a história como iniciativa humana.” O desenho - Artigas


Sobre as fichas de práticas

5 DESENHOS EM DUPLAS: ANDAR E DESENHAR: esta ficha descreve uma atividade onde os estudantes trocam cadernos e continuam os desenhos dos seus parceiros

As fichas de consulta, foram desenvolvidas como projeto gráfico para uso durante as aulas, sendo de fácil manipulação pelo professor. Impressas em formato A3 para auxiliar nas apresentações em grandes grupos. O projeto tem uma versão digital disponível na internet para download e impressão no site: https://www.facebook.com/PaulovonPoseraulas As fichas descrevem atividades variadas de desenho coletivo em poucas imagens, e a descrição das propostas estarão nas legendas, com informações descrevendo o número de participantes e considerações sobre o local ou cidade onde a atividade foi proposta, e os materiais necessários, descritos abaixo. As fichas são modulares e formam uma coleção, não determinando um roteiro fixo de ação, e sim sugestões abertas, e ideias de organização e avaliação.

durante um percurso pré determinado. Nesse caso, a proposta de “visão serial” foi desenvolvida sob o Minhocão (Elevado Costa e Silva). 6 DESENHO COLETIVO E ESPAÇO PÚBLICO: esta ficha relata uma atividade de participação aberta com grupo espontâneo de idades variadas, no Parque Minhocão. 7 DESENHO INDIVIDUAL + DESENHO COLETIVO: atividade integrada de um dia completo, com materiais e dinâmicas variadas no Instituto Moreira Sales em Poços de Caldas, MG. 8 DESENHO DO PATRIMÔNIO: ESCOLA ITINERANTE: atividade realizada em Ouro Preto, utilizando como suporte oito folhas de papel Kraft A1. 9 O ESPAÇO ARQUITETÔNICO E A PAISAGEM: atividade simultânea com vários

Cada ficha apresenta um tema específico que caracteriza uma prática resultante: 1 FICHAS DE MEMÓRIAS: atividade sobre a “Declaração dos Direitos da Criança”, realizada no Centro Cultural São Paulo, CCSP, em 1984, cujo objetivo foi a produção de outdoors comemorativos. Nesta primeira ficha, a documentação serve como um princípio de desenvolvimento didático, apresentando a memória como tema de reflexão, além de uma aplicação direta na cidade realizadas por jovens de escolas públicas, destacando aspectos lúdicos e experimentais. 2 LINHA DO HORIZONTE: A PAISAGEM COLETIVA: esta ficha apresenta uma atividade ao ar livre no topo do Monte Serrat, na cidade de Santos, que destaca a importância do traçado da linha do horizonte na construção da imagem e na integração dos participantes . 3 VISÃO CIRCULAR: A RODA COMO DESENHO: esta ficha apresenta a formação de uma roda de participantes, como oportunidade de apresentação preliminar e ocupação do espaço, onde a atividade será desenvolvida. A roda é muito eficiente em grupos heterogêneos e que estão juntos pela primeira vez, em ambientes e lugares novos. 4 PAISAGEM E TRANSPARÊNCIAS: CORES E TINTAS NO ENGENHO DOS ERASMOS: nesse caso a atividade foi desenvolvida em dois momentos com o uso de transparências de acetato, utilizando como suporte os vidros do edifício, para desenhos de observação da paisagem externa. Posteriormente foram propostos painéis coletivos ao ar livre, com o uso de tintas coloridas.

grupos de estudantes, desenvolvendo painéis coletivos simultaneamente, retratando pontos de vistas e ângulos variados a partir do terraço do Conjunto Habitacional de Pedregulho, RJ. 10 URBAN SCKETCHERS: DESENHAR JUNTO SEM PALAVRAS: atividade com materiais variados e participantes de diversos países, proposta como parte do Encontro Internacional de Desenhistas Urbanos, URBAN SCKETCHERS, realizada em 2014 na cidade de Paraty, RJ.


Sugestão de Roteiro para definição da proposta e descrição nas legendas informativas das fichas: 1 Quantos estudantes participarão da atividade? Qual a idade média do grupo? 2 Descrição do local e dinâmica, análise das condições de apoio e estruturação do suporte e do espaço. 3 Materiais de desenho: carvão, grafites, giz pastel e crayons, tintas nanquim colorido, guache ou acrílicas. 4 Papéis de suporte: rolo papel Canson por metro, folhas de papel Kraft A1. 5 Apresentação da proposta: roda de apresentações e nomes dos participantes, apresentação da sequência e tempos da atividade, alongamento corporal e percepção do espaço. 6 Apresentação dos materiais coletivos e breve demonstração de usos desses materiais e recomendações gerais. 7 Formação de subgrupos conforme o número de participantes. 8 Desenvolvimento: apesar de seu forte apelo lúdico, o desenho coletivo necessita de uma prévia apresentação dos procedimentos, para que cada grupo possa estabelecer sua dinâmica particular com autonomia, na tentativa de uma construção da imagem coletiva. A iniciativa natural é que cada participante reserve sua área de desenho e trabalhe sem a percepção do todo, para que isso não ocorra, é preciso que cada gesto inicial seja observado por todos e que a posição dos participantes seja livre para que a imagem resultante configure um todo, e não uma “colcha de retalhos” de participações individuais. É recomendável que o grupo participante converse sobre questões de sobreposições e justaposições das ações gráficas, e que crie intervalos e paradas para avaliar e tomar decisões em conjunto. 9 Avaliação final: observação dos resultados, comentários. Se for o caso, o professor pode sugerir auto avaliações dos participantes e depoimentos escritos do processo.

Considerações Finais O desenho coletivo pode ser uma atividade extremamente enriquecedora e lúdica e em geral todos os participantes se envolvem com entusiasmo. Curiosamente, apesar de muitos preparativos e situações inusitadas, como uma mudança radical do tempo ou um acidente com tinta ou ainda o abandono de um desenho inacabado por um grupo que se desarticula, esta prática sempre resultou em eventos de transformação do desenho pessoal, com grande liberdade e satisfação pelos desenhistas. Talvez o desenho coletivo seja a prática que gerou o maior número de erros e “tropeços”. Mas não seria esta abertura para o erro e o imprevisível, justamente a busca autêntica do desenho? Lidar com grupos pode ser um desafio instigante e provocador, por ser uma atividade com grande risco de descontrole, mas com certeza é também a atividade que gerou resultados e processos mais inusitados e surpreendentes.


“Desenho esquema esboço bosquejo “O que é desenho, hoje? É tudo. Ou quase tudo. Qualquer coisa – linha, traço, rabisco, pincelada, borrão, corte, recorte, dobra, ponto, retícula, signos lingüísticos e matemáticos, logotipos, assinaturas, datas, dedicatórias, cartas, costura, bordado, rasgaduras, colagens, decalques, frotagens, formas carimbadas. Conquistadas a duras penas sua autonomia, caminha agora, pelo inespecífico, absorvendo qualidades e características pictóricas, escultóricas, ambientais, performáticas. É madeira, pedra, ferro, plástico, xerox, fotografia, vídeo, projeto, design. É sulco, incisão, impressão, emulsão, cor e massa. É qualquer coisa feita com não-importa que materiais, técnicas, instrumentos ou suportes”. ( Frederico Morais, 1995, p.2 ).

projeto debuxo pretende romper com esse modo de encarar o desenho. Seu objetivo é ampliar essa perspectiva, muito aquém do papel jogado pelo desenho nos mais variados processos de cognição e expressão de que nos valemos, sejam eles internos ou externos à arte. defende o desenho como entrelaçamento do pensamento com o aparelho perceptivo, uma prática que pendula do desejo de exteriorização à intuição que, etimologicamente, remonta à noção da apropriação à primeira vista, sem a mediação da razão. Desenha, portanto, tem a ver com olhar, comentar, registra, lançar uma ideia, tanto em estado mais avançado quanto em condição larvar. Desenhar como se colocar em relação a algo, esteja ele diante de si, situado no presente, ou venha sob a forma de lembrança ou ainda como a tentativa de tradução de um relato, como o célebre desenho de um rinoceronte que Dürer fez a partir de uma descrição. Desenhar como lançar-se ao futuro, abrindo-se à imaginação e à possibilidade. Qualquer que seja o caso, desenhar é o mesmo que ampliar a subjetividade”. (Farias, Agnaldo, 2012, p. 6)


Referências bibliográficas ARTIGAS, Vilanova. O desenho. In: Caminhos da arquitetura. São Paulo: Cosac & Naif, 1999. FARIAS, Agnaldo. Desenho esquema esboço bosquejo projeto debuxo ou o desenho como forma de pensamento. In: Catálogo Gabinete do Desenho. São Paulo: Gabinete do desenho, 2013. MORAIS, Frederico. Doze notas sobre o desenho. In: Jornal da Galeria Nara Roesler, n°1. São Paulo: Galeria Nara Roesler, 1995. MOTTA, Flávio. Desenho e emancipação. Disponível em: < http://winstonsmith.free.fr/textos/desenhoE-FLM.html>. Acesso em: 15 mar. 2016.



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