Revista Digital ARTE INCITATUS Nº 02 • jan / fev • 2015
de ARTE e CULTURA
O Atentado terrorista na sede da Revista de Humor “CHARLIE HEBDO”
Revista Digital ARTE INCITATUS Nº 02 • jan / fev • 2015
de ARTE e CULTURA
A
segunda edição da Revista Digital ARTE INCITATUS traz unicamente em sua capa uma transformação em desenhos das fotos dos cartunistas mortos no ataque terrorista ocorrido no jornal francês “Charlie Hebdo”. Com o título “Humor Negro”, a revista buscou homenagear estas vítimas com um toque, uma pitada de humor, mesmo que com o tema trágico de suas mortes. No entanto, e, sobretudo, é à intolerância que o título da revista mais se aplica, cuja análise se dá com o texto “Deus repousa sob a intolerância? Além de Rosana Dare, Genadir Garcia e David Ferreira, a revista inaugura três novos colunistas. Primeiro é com a fotografia de Vanessa Ferreira, que em belas imagens diz sobre um tempo de glória na construção da estação férrea em Paranapiacaba que serviu ao transporte do café, e a desolação que a cidade vive após o declínio do produto na economia brasileira. Depois vem a estreia do escritor e poeta Willian Delarte que mostra toda sua inventividade com as palavras em textos e espaços. Por fim, Dehoney Peclat faz uma corajosa análise sobre a educação ao afirmar que podemos estar criando uma geração de idiotas. É isso, a revista está pronta e à disposição para leitura e comentários, e principalmente para que sirva à sua reflexão. Tenham uma boa leitura. Agnaldo Ruivo Editor
DIREÇÃO EDIÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Agnaldo Ruivo COLABORADORES DESTE EDIÇÃO Rosana Dare David Ferreira Dehoney Peclat Genadir Garcia Vanessa Ferreira Willian Delarte ON LINE BLOG www.arteincitatus.blogspot.com.br FACEBOOK www.facebook.com/revistaarteincitatus FALE CONOSCO revistaarteincitatus@gmail.com
A Revista Digital ARTE INCITATUS tem registro em cartório e publicação bimestral. Tem objetivo de fomentar o diálogo com a sociedade sobre Arte e Cultura. Próxima edição prevista para 15/03/15 Cotia, 15 jan 2015
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Fala Mulher
Um panorama sobre a participação da mulher na Política.
07 C
Uma entrevista sobre exposição e Galeria com Solange Viana.
26 A
32 P
omportamento
Um texto para ler e refletir sobre nossas escolhas.
08 N
o
A inventividade à flor da pele na Poesia de Willian Delarte.
16 M
20 F
o l í t i ca
O sentimento de justiça social, na entrevista com Maria Eugênia Sukita.
nálise
e r ca d o s
Um Filósofo no Mercado de Ações. Mais um texto brilhante sobre Valor e Preço.
Lindas paisagens no olhar crônico de Vanessa Ferreira.
30 A
oesia
OUTRA PALAVRA
Mínimo
David Ferreira faz uma análise sobre a sexualidade e o dia-a-dia.
12 P
rte
O massacre dos cartunistas franceses não dizem apenas sobre religião.
Estamos sob a égide do abandono na geração dos “idiotas”?.
14 O
pinião
oto
Atualmente no Brasil, observamos as mulheres conquistando um espaço cada vez maior na sociedade a cada dia. No entanto, apesar dos expressivos e incontestáveis avanços nesse campo, muito ainda precisa ser feito para que se possa atingir a almejada igualdade efetiva entre homens e mulheres. Colocada em posição irrelevante na construção da política durante anos, a mulher padeceu - e ainda padece - com a herança de uma época onde sequer lhe era conferido o direito democrático de votar. O ano de 2014 marcou o aniversário dos 82 anos do direito de voto feminino no Brasil, conquistado em 1932. Em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas do Código Eleitoral, embora a obrigatoriedade do voto fosse um dever masculino. Em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres. Com isso pode-se dizer que as mulheres votam há exatos 68 anos. Pouco tempo, mas o bastante para que se levante uma bandeira em prol da efetividade de representação feminina na política. Mulheres constituem 52% do eleitorado do país, mas têm ainda espaço pequeno na política nacional. Garantir que essa maioria seja refletida no Congresso Nacional significa acelerar o lento processo de equiparação Pág. 4 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
dos gêneros, haja vista a dificuldade em se afastar os valores convencionalmente inseridos na coletividade nacional. O Brasil conta, hoje, com apenas 10% de mulheres no Congresso Nacional: Cerca de 12% nas Assembleias Legislativas e 12% nas Câmaras Municipais. Segundo a União Interparlamentar (UIP), com sede em Genebra, na Suíça, o Brasil ocupa a desconfortável 141ª colocação, a respeito de mulheres nos Parlamentos Nacionais, num ranking de 188 países, só ficando à frente da Colômbia, na América Latina. A Argentina apresenta um percentual de 38,3% e Costa Rica 36,8%%. Diferentemente desses países, a legislação brasileira de cotas não pune os partidos que não cumprem a Lei. Mas, a questão não é exclusivamente numérica. Não se trata apenas um problema de quantidade ou de proporção: a questão é política, é de representação. Diante da clara discriminação e da exclusão que ainda lamentavelmente observamos em nosso país nessa temática, é imprescindível dar voz à mulher, que ainda precisa pelejar pelo reconhecimento de seu status de autonomia, mas que, para isso, precisa ter condições de se fazer notar nesse contexto.
Além da questão da justa proporção, hoje, há ainda, o problema do que se pode chamar, trazendo para o português, o termo cunhado em língua inglesa, de “empoderamento”, o qual se refere à representação equitativa de mulheres em estruturas de tomada de decisão, tanto formais quanto informais, e também ao seu direito à voz na formulação de políticas que afetam a sociedade na qual estão inseridas. A ausência de mulheres nas estruturas de governo significa, inevitavelmente, que prioridades nacionais, regionais e locais – isto é, como os recursos são alocados – sejam definidas sem participação significativa de mulheres, cuja percepção de vida em relação aos homens lhes proporciona uma compreensão diferenciada das necessidades, preocupações e interesses. Quando se fala em gestão feminina, é notável que haja união da racionalidade, com a precisão e a afetividade nas ações. A mulher possui a característica de trazer o lado acolhedor para a vida profissional, sem que isso prejudique a objetividade e os resultados. Desnecessário, diante do exposto, que seja mencionada a importância desses “empoderamento” das mulheres no processo de derrubada dos arames farpados que as separam do espaço público, logo, de maior representatividade na política brasileira. Ainda hoje, infelizmente, não é raro que nos deparemos com a opinião de que a presença feminina só tem verdadeiramente sentido no contexto da comunidade familiar. Aos homens cabe a plena aparição pública; às mulheres, apenas os recessos da esfera privada. A questão de atribuir maior participação à mulher na política não faz menção a substituir homens por mulheres, em absoluto, uma vez que esse tipo de discussão seria como propor uma inversão da discriminação. No entanto, é necessário atentar para o sistema de cotas lançado pela legislação eleitoral brasileira em 1997, que exigiu uma porcentagem de 30% de mulheres nas candidaturas dos partidos.
lidade. Essa cota não entusiasmou as mulheres à participação na política, já que lhes apresentou uma remota possibilidade de acesso a ela. É fato que essa medida trouxe avanços importantes, mas, não tão significativo quanto se pretendia. A igualdade material, pregada pelo artigo 5º da Constituição Federal brasileira significa muito mais que isso. Para atender essa demanda é necessária que seja colocada em pauta uma discussão mais ampla e efetiva nesse sentido, onde sejam determinadas cotas de cadeiras nos parlamentos em percentuais relevantes, permitindo a concorrência de mulheres com mulheres afim de, finalmente, contarmos com parlamentos (Câmara Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional) com a representativa ideal da maioria feminina da população brasileira. Com isso, haveria de fato, um critério de equivalência entre os sexos, estabelecendo uma concorrência legítima para as cadeiras dos parlamentos brasileiros, onde se poderia garantir a participação da mulher na política brasileira. Contudo, para que isso possa ocorrer, demandamos novas articulações sociais, políticas, econômicas e principalmente, culturais. É preciso capacitar, criar programas de apoio, além de realizar campanhas de incentivo, a fim de despertar interesse e condições para que as mulheres participem dos processos decisórios do país, lhes permitindo o acesso a recursos de financiamento de campanha e abrindo mais espaços nos partidos políticos. Que a participação da mulher na política brasileira não seja tratada como uma nova guerra dos sexos, e sim, como uma parceria cujos frutos sejam aqueles que realmente importam na política em sua origem: atender a população em seus anseios, de modo que sejam verdadeiramente representados, em uma sociedade justa, construída por homens e mulheres.
Entendo que esse número, além de me parecer irrisório, assegura uma concorrência desleal entre essas mulheres que caminham em um terreno pouco conhecido a elas, o qual já é mapeado em todos os aspectos pelos homens já “profissionais” da política brasileira. Os partidos políticos, no cenário de hoje, buscam o preenchimento dessa cota exigida por lei, sem que haja preocupação com critérios qualitativos para essa fina-
ROSANA DARE é formada em Administração de Empresa e atualmente é a Presidente do Projeto Lótus - Cotia Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 5
Um rebate de leitura impulsiva à reflexão e ao confronto com o tempo.
“No velho quintal aberto, de terra pisada, dois velhos conhecidos se abraçam. O Doutor certamente é quem mais se emociona. É capaz de lhe surgirem algumas lágrimas na ponta da retina, o que faria o seu olhar, por trás do vidro, ganhar um brilho infantil, talvez doce...” (Trecho do conto A Visita)
Este é o novo livro de Contos do escritor Willian Delarte.
Já nas livrarias.
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COMPORTAMENTO
O que os outros vão dizer
Um desejo natural de ser parte da maioria pode destruir nossa capacidade de tomar as decisões corretas. Pesquisadores acreditam ter demonstrado que as pessoas se tornaram excessivamente influenciadas por seus vizinhos, em vez de confiar em seu próprio instinto. Como resultado, os grupos se tornaram menos sensíveis às mudanças no seu ambiente natural. A colaboração internacional que chegou a estas conclusões inclui acadêmicos das universidades Exeter (Reino Unido), Princeton (EUA), Sorbonne e Instituto de Pesquisa em Ciência da Computação e Automação (França). Os resultados foram publicados na revistaRoyal Society Interface.
A equipe sugere que isto se deve a um “conflito evolutivo clássico entre o interesse individual e o interesse coletivo”. “Nossos resultados sugerem que não devemos esperar que grupos sociais na natureza possam responder eficazmente às mudanças no ambiente. Indivíduos que passam muito tempo copiando seus vizinhos provavelmente sejam a norma,” concluiu o Dr. Torney. Se isso é evolução ou involução, ou se levará o grupo à sobrevivência ou à extinção, talvez seja matéria para outros estudos. Ou talvez leve à conclusão de que o arcabouço da evolução animal estrita não seja adequado para estudar comportamentos humanos, sobretudo em grandes grupos.
Copiar e emburrecer
“Copiar o que as outras pessoas fazem pode ser útil em muitas situações, como que tipo de telefone comprar, ou para os animais, para que lado correr se a situação é perigosa,” explica o Dr. Colin Torney, coordenador do estudo. “No entanto, o desafio está em avaliar as crenças pessoais quando elas contradizem o que os outros estão fazendo”. Nós mostramos que a evolução vai levar as pessoas a superutilizar a informação social, e copiar os outros muito mais do que deveriam. “O resultado é que os grupos evoluem para serem indiferentes às mudanças no seu ambiente e passar muito tempo copiando um ao outro, e não tomando suas próprias decisões,” detalha o pesquisador.
Evolução ou involução?
A equipe usou modelos matemáticos para analisar como o uso de informações sociais tem evoluído dentro de grupos animais. Usando um modelo simples de tomada de decisões em um ambiente dinâmico, a equipe concluiu que os indivíduos confiam excessivamente na informação social e “evoluem” para serem muito facilmente influenciados por seus vizinhos.
Talvez o arcabouço da evolução animal estrita não seja adequado para estudar comportamentos humanos, sobretudo em grandes grupos.[Imagem: Wikimedia/Doug Kline CC BY 2.0]
Fonte: http://www.inovacaotecnologica.com.br
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NO MÍNIMO
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J
Por David Ferreira
ulgava-me habitué de certos lugares da metrópole paulistana, cuja época de noites românticas da minha juventude estudantil nos convidava constantemente, a mim e aos amigos, a um bom bate-papo com cerveja, invariavelmente, e a partidas de xadrez com muita frequência. Certa feita, adentrando o bar que nos acolhia pacientemente nessas peculiares e prolongadas sessões, apinhado de um público heterogêneo na ocasião, sentimos que a atmosfera pesava; hesitamos por algum tempo antes de abrir o tabuleiro. Pressentíamos que algo desagradável iria acontecer. Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 9
Nunca tínhamos visto o nosso bar com tanta gente diferente. Na realidade nos acostumamos com a solidão do horário e especialmente do lugar. Apenas seis companheiros de sonhos que poetizavam e liam, jogavam xadrez e partiam na alvorada. Mas naquela noite o pequeno espaço do bar continha muitos casais gays, belos e exuberantes travestis, e também grupos heterossexuais - estes, nítida e propositadamente afastados dos primeiros. Por que pesava o ar? Perguntávamos silentes e a resposta se delineava na possibilidade da intolerância, já que um brutamonte se referia aos homossexuais com desdém, e àqueles pouco se lhe davam que suas espetaculosas e picantes narrações incomodassem os machões. Para encurtar o prefácio ao tema do texto, a briga começou quase no mesmo instante do final da piada desenxabida sobre “bichinhas” - contada pelo brutamonte; do ciúme do sapatão que supôs um flerte entre sua namorada e um homem do outro grupo, e da bofetada que um traveco aplicou num safadinho que, a pretexto do exíguo corredor do banheiro, bolinou-o escandalosamente. Saímos em meio a um infernal tumulto. Horas depois rimos muito pelo inusitado dos acontecimentos. Porém, filosofando noutro botequim, ponderamos sobre a delicada condição humana no trânsito dos sentidos e dos desejos ante o imperativo das morais, das convenções, da educação e das leis. Décadas passaram e eis que surge uma retumbante polêmica jurídico-sociopolítica com inúmeros fatores: o PL122, o Estatuto da Diversidade Sexual, as igrejas, o medo, o desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão e da pessoa humana, a discriminação, a urbanidade, as convenções sociais, homens e mulheres, heterossexuais, homossexuais... Em linhas muito leigamente gerais o projeto de lei nº122 postula a inclusão de atributos de gênero, orientação sexual e identidade de gênero, e ainda idosos e portadores de deficiência na lei contra o preconceito e a discriminação racial 7716/89 que originalmente protegia os indivíduos portadores de atributos de cor, raça, etnia, religião e procedência nacional, com efeito de aplicação do código penal, de relações de trabalho e da vida civil. Dispensada a pretensão de comentários técnicos, para o que, aliás, não teria conhecimento e habilidade suficientes, fica o registro de que não vejo que haja clareza bastante quanto ao que seria realmente injúria, ofensa ao individuo e aos coletivos dos grupos incluídos, ou seja, numa palavra, o que realmente seria uma atitude de homofobia, passível, então, de penas tão graves. Além de “descobrir um santo para cobrir outro”! Exemplo: impedir, recusar ou proibir o ingresso ou permaPág. 10 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
nência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público. Ora, me parece que rituais de fé e crença que não aceitem a condição homossexual em seu culto terão de aceitá-la, e isso, prima facie feriria direitos e garantias fundamentais dos indivíduos que não concordem. Já no estatuto da diversidade sexual a coisa fica ainda mais estranha quando pleiteia a supressão dos termos “pai” e “mãe” do registro de nascimento e documentos oficiais; ou quando supõe que uma criança ou adolescente possa vir a ter condição plena de decidir-se pela mudança de sexo. Será? À vista da amplitude, força e radicalismo dos dispositivos legais (afinal trata-se de lei, regra; de processo civilizatório, reengenharia social, redefinição de normas de união e relacionamento civil, coerção e castigo, valores e liberdades – e, por que não?! - trata-se de mexer com os deuses), os opositores das regras propostas alegam um desmonte da família tal como se formulou culturalmente pelos séculos e séculos, segundo os desígnios de Deus. Às vezes me dá a impressão de que os que defendem tais diplomas pretendem homossexualizar toda a sociedade numa tacada só; por outro lado ouve-se a grita e a resistência, não raramente truculenta, de heterossexuais. Tenho sincero receio de que dessa discussão histérica decorra o sério risco do aumento da homofobia e – também, por que não?! – da heterofobia. Fato, no entanto, é que em 2013, no Brasil, foram celebrados mais de 3mil casamentos homossexuais e que a parada do orgulho LGBT atrai milhares de novos adeptos a cada ano. No entanto, é fato estrondosamente mais trágico que por ano são assassinados mais de 50 mil brasileiros (a maioria de jovens, negros e pobres) e que o trânsito mata outros mais de 40 mil. Sem contar que temos sistemas precários de educação e saúde, uma relação fisiologista de poder, uma corrupção endêmica, uma péssima administração pública, uma desigualdade social atroz, uma horrível seleção de futebol (vai como referência de uma copa financeiramente, inclusive, desonrosa) e um sistema eleitoral capenga e duvidoso. Ou seja, parece que a acalorada e midiática polêmica sobre homofobia é necessária, sim, porém, antes de acharmos que estamos democraticamente tranquilos para fazer uma guerra parlamentar dos sexos, precisaremos sair do boteco.
DAVID FERREIRA é escritor , autor do livro “Crônicas dos Coveiros do Cemitério Verde” - 2014.
A 2ª edição da revista ESCOLA ABERTA já está disponível. www.revistaescolaaberta.blogspot.com.br
ENTREVISTA
Por David Ferreira
“Precisamos de cinema, teatro, cursos... Enfim, precisamos estimular as pessoas para a produção de arte, dando acesso à cultura e à educação”.
Maria E. Sukita
N
ascida em Osasco, mora há dezoito anos em Cotia, onde desenvolveu o interesse especial pelo ativismo da paz, apostando no exercício da cidadania e na união dos agentes sociais para a redução das desigualdades. Conheceu outros lugares e morou algum tempo no Japão, acumulando assim experiências adicionais ao natural universo de mulher e mãe. A mulher-mãe, feminina e madura, constitui um ser atuante com absoluta convicção de que a participação na vida política é uma via possível para a construção de um país mais justo e fraterno. Pág. 12 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
Trata-se da jornalista Maria Eugênia Sukita, que de voz suave, jeito meigo e entusiasmada nos recebeu em seu escritório para conversarmos um pouco de “política”.
Arte Incitatus – [Ela escrevia, pudemos vislumbrar as palavras “brinquedos”, “doações”, “bairro”] Você obteve doações de brinquedos? Sukita – Sim! Graças a pessoas sensíveis, que compreenderam a necessidade de ajudarmos desinteressadamente, de levarmos um pouco de alegria aos outros, conseguimos 300 brinque-
dos em doação, que doaremos para crianças de bairros carentes da cidade. Sabe?! Sonho com o tempo em que poderemos fazer isso continuamente, o ano todo, independente do período de natal e das festas de fim de ano. AI - Além dos projetos envolvem diretamente as pulações mais carentes, outras funções você tem sempenhado?
que poque de-
Sukita – Atualmente sou Presidente do Partido Pátria Livre – PPL e Presidente Estadual Mulher da ACAAPESP; trabalho em parceria com inclusão social de jovens, escrevo para alguns jornais de SP e revista do RJ, e sou empresária... AI – ACAAPESP, o que é? O que faz? Sukita – Significa Associação dos Consultores, Assessores e Articuladores Políticos do Estado de São Paulo, criada com a finalidade de acolher todos os militantes de todos os partidos políticos, assessorar e preparar, de forma séria e desinteressada, os assessores dos parlamentares para que as ações visem à colaboração para um Brasil mais justo. Já estamos em 72 Municípios de 4 Estados. AI – PPL... você pretende candidatar-se nas próximas eleições? Sukita – O Partido “Pátria Livre” é um partido novo, tem alguns anos, uma derivação dos antigos MR8 e MDB. Sim,
eu sou pré-candidata e, embora tenhamos aproximadamente 120 afiliados na região, estou otimista em relação à competitividade eleitoral. Sou otimista, sempre! AI – Falemos da lei Maria da Penha, que completou 8 anos em 2014. O que você pensa a respeito? Sukita – É indiscutivelmente um avanço a criação de abrigos para mulheres vítimas, e as prisões de agressores e incremento de juizados e Delegacias de Mulher. Também encorajou a mulher a denunciar os casos de agressão. Mas quando vemos que ainda há muitos assassinatos e violência física, e sequer percebemos as outras formas de agressão (psicológica, patrimonial, moral); quando sabemos que as mulheres – além de negros e outras etnias – são desprezadas em muitos aspectos, como o salarial p.ex.: a mulher recebe até 30% a menos, fazendo os mesmos trabalhos que os homens; então entendemos que o problema não é só de normas, mas principalmente de cultura e educação. AI – O que mais te preocupa na cidade? Sukita – A cidade precisa cuidar do meio-ambiente; estamos construindo, crescendo demais com pouca atenção à preservação do verde e a questão da mobilidade; também estagnamos quanto ao número de creches e escolas; a cultura é um ponto importante, mas que não tem recebido atenção: Precisamos de cinema, teatro,
cursos... Enfim, precisamos es timular as pessoas para a produção de arte, dando acesso à cultura e à educação. Além da falta de investimentos na educação e ociosidade dos jovens, o que os levam aos caminhos obscuros da vida e da criminalidade. AI - Qual a sua mensagem de fim de ano? Sukita – Eu amo as pessoas, e é esse amor que me leva a sempre estar otimista, a viver! Minha mensagem é que as pessoas se permitam amar fraternalmente umas às outras, deixando a ansiedade de lado; o egoísmo, a ambição das coisas materiais, a acumulação do amanhã, trocando-os pelo inesgotável prazer de praticar o bem, hoje e sempre! O universo conspira a favor das pessoas com gratidão!
Cotia, 15.12.14
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OPINIÃO
Por Dehoney Peclat
E
stamos diante de um dilema: Que tipo de educação e escolarização nós desejamos para os nossos jovens e crianças? O sistema que aqui está não é objetivo, funcional e adequado e diante desta situação faremos uma breve reflexão. Hoje a opinião é quase que unanime a respeito das fragilidades do sistema educacional, e nossos jovens são postos em estado de vulnerabilidade diante do futuro. Opinião que não faz parte exclusivamente do corpo docentes, mas também, passa por alunos, familiares e até mesmo por uma grande parcela do empresariado e políticos. As incoerências das políticas se refletem nas posições que o Brasil ocupa em Rankings internacionais de aprendizagens, caracterizado pelas politicas aqui adotas e carregadas de vícios subjetivos e paliativos, muito além da obrigatoriedade das constru-
ções de centros educacionais e aprovações compulsivas de jovens meramente analfabetos ou analfabetos funcionais. As mazelas de ordens culturais, como o baixo aproveitamento literário, poderiam ser combatidas com incentivo e distribuição de recursos que alimentam e fomentam o gosto pela leitura - a leitura quando incentivada produz um ser com maior desenvolvimento intelectual, além do senso critico produtivo. Outra abominação, ou melhor, exclusão total do ser, vem inserida no sistema que promove alunos com baixo desempenho intelectual. Como podemos dizer que a escola está democratizada e inclusiva, se podarmos o direito de nova oportunidade ao jovem que não aprendeu? Qual seriam a motivação e o estímulo que terá o aluno que apresenta baixo desempenho, já que
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o mesmo não será avaliado? O sistema político e familiar está criando uma nova função para a escola, a função de depósitos ociosos e muitas vezes degenerativos, expondo os alunos a situações de riscos, tais como a droga e a violência e sem controle ou regras que protejam os bons alunos. Além do abandono familiar, em orientações e acompanhamentos periódicos na vida escolar para crianças e jovens, faz da função do professor, que inicialmente era ensinar e orientar, a ser um “Personal Pai”, “Personal Mãe”, pais de tempo integral sem as liberdades de doutrinamento e educação, criando rusgas, muitas das vezes agressivas por parte dos alunos e familiares contra o professor. Pais e filhos parecem achar que a escola não pode contrariar os alunos ou exigir desempenhos satisfatórios, assim o professor
fica no centro das polêmicas e injustiças acometidas contra o ensino, já que na maioria das vezes é abandonado pelo próprio poder publico. A escolarização tem como barreira principal a “Promoção Continuada dos alunos” que apresentam fragilidades nos seguintes aspectos: 1. Domínio da norma culta da língua escrita, e leitura. 2. Compreensão e criação de opinião crítica referente às atitudes ou fatos apresentados. 3. Criações de textos, novas ideias e argumentações. 4. Conhecimento básico de operações matemáticas e suas utilizações. 5. Domínios básicos dos conhecimentos voltados para as áreas de humanas e ciências biológicas. Educação e escolarização são temas que remetem à construção do cidadão social? Sim. Porém, notamos nas últimas duas décadas que o sistema corrompeu o significado, bem como a quem cabe o educar e o escolarizar. Primeiramente devemos entender o que é educação e escolarização. Educação é a formação de caráter, ética imposta pela modulação familiar e âmbito coletivo/ social e os pais têm como dever orientar os filhos referentes aos quesitos: Obrigações, respeito e valores. Esclarecendo as verdadeiras formas pelas quais o mundo cobrará responsabilidades, os pais deveriam lembrar aos filhos que a vida cobra pelas nossas atitudes e que devemos seguir ordens,
mesmo quando compreendemos o emaranhado de leis, hierarquias e condições pelas quais somos conduzidos. O respeito e a tolerância para o diferente ou contrario. Porém, muitas das vezes nem as próprias famílias conseguem impor limites aos filhos, e é grande também o números de pais sem limites, reflexo de uma escola obsoleta, abandonada e marginalizada nos valores que deveriam ser os pilares da sociedade. Escolarização é uma extensão da educação familiar, onde o dever parte do educador/professor via sistema publico ou privado. As escolas têm a função de passar conhecimentos, socializar e construir um cidadão crítico, consciente. Isso está muito além da mera formação e criação de mão de obra – um gado novo. O contexto de uma escola para todos é uma falácia que o próprio governo, instituições e familiares fazem questões de derrubar adiante, no inicio da vida adulta. Observando os pontos abaixo, vemos como a política educacional familiar e escolar é feita para idiotas: 1. Provas para ingressar em instituições superiores de ensino, sejam elas públicas ou privadas – na progressão continuada não é permitido tais avaliações. 2. Responsabilidade com os prazos e obrigações, passiva de duras punições – situação refugada, mascarada e até mesmo inexistente na vida do jovem, criando uma falsa sensação que nunca serão cobrados, ou criando uma visão de vilania para aqueles que os cobrem.
3. Respeito às leis e regras de convivências – na vida escolar e juventude são banalizadas e ignoradas, criando uma falsa sensação de supremacia e superioridade. 4. Avaliações e testes para promoção de uma vida profissional – algo totalmente ignorado na idade de formação de caráter da criança e jovem. Observando os pontos acima notamos que estamos criando uma geração de idiotas que acreditam em um mundo que não existe e que mais tarde os transformarão em escravos de suas fraquezas, deixando-os abandonados à própria sorte e à mercê de exploradores que se utilizarão de suas incapacidades intelectuais. Hoje eles são folgados, distraídos, superficiais e insubordinados. Amanhã serão escravos das suas atitudes, do descontrole, da falta de educação, da inércia intelectual oriunda de uma miséria cerebral e da fuga de intelecto, num passado em que alienaram o ser do ter, deixando morrer o ser do ser. “Vivemos o momento em que as interações humanas e seus valores foram ultrapassados por futilidades e superficialidade – vivemos a geração dos idiotas?”
DEHONEY PECLAT
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MERCADOS E NEGÓCIOS
Por Genadir Garcia
“O movimento incessante do mercado é interpretado em função das emoções aparentemente ressaltadas pela maioria dos seus agentes, deduzidas estas da intensidade e da direção deste movimento”.
M
ercado não tem uma face, porque ele nada mais é que espaço e movimento. Essa simplicidade de conceito, no entanto, pode deixar escapar aos incautos a riqueza de conteúdo que o conceito encerra. De fato, tal qual o Mundo, em que espacialidade e temporalidade ocupam o centro da definição deste, escondendo a complexidade do que o Mundo pode ser, também ao falar de Pág. 16 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
Mercado, tentando defini-lo por conceitos simples, corremos o risco de esconder mais do que revelar, porque se a simplicidade ajuda o pensamento a caminhar por trilhas melhores, também pode impedir de ver a beleza e os perigos ocultos na floresta das ideias. Portanto, é preciso apenas este cuidado ao entrar nestes textos, porque forçosamente vamos simplificar as coisas mais do que gostaríamos o que não significa que desconhecemos os detalhes, mas que simplesmente eles não vão nos interessar aqui. Por exemplo, no texto anterior, reduzimos “mercado” a “bolsa de valores” e esta sequer é parte significativa do “mercado financeiro”. E este é ainda apenas um segmento deste vasto espaço que chamamos de Mercado, do qual até o mercadinho da esquina participa, é claro. Esta simplificação excessiva não invalida as ideias expressas, porque para
qualquer lugar deste imenso Mercado que se olha o que se vê são agentes transacionando e embora existam agentes mais poderosos que outros, não há nenhum com força suficiente para chamar a si a representação deste espaço e deste movimento. É uma terra sem rei, embora não seja uma terra sem lei. Tudo bem, mas porque ainda assim sentimos certa verdade em afirmações do tipo “o Mercado está em compasso de espera, na expectativa de definições da nova equipe econômica” ou “o mercado está nervoso com o noticiário que chega da China” ou “o mercado respondeu bem ao discurso do FED de que vai manter as taxas de juros baixas por um período mais longo”. Como podemos atribuir essas emoções tipicamente humanas de tranquilidade, nervosismo, otimismo, entre outras, para algo que não se consegue fazer representar? É que, na verdade, olhamos para este espaço de transaçõ es e nos deixamos impressionar pelo movimento. O movimento incessante do mercado é interpretado em função das emoções aparentemente ressaltadas pela maioria dos seus agentes, deduzidas estas da intensidade e da direção deste movimento. A intensidade vista em termos de aumento ou diminuição de negócios
e a direção deduzida das cotações, ou seja, liquidez e preço. As condições de liquidez dos negócios, marcadas por aumento ou recuo do volume transacionado, propiciam à mídia expressões como “tranquilo” e “nervoso”, com o preço atingido ajudando a acrescentar o viés de “otimista” ou “pessimista”. Ou seja, se as transações dos agentes estão ocorrendo numa frequência acima da média e os preços estão descendo, os meios de comunicação vão afirmar com muita certeza que; “o mercado está bastante nervoso e pessimista”, seguindo a frase com o “que” e o “ porquê”, completando a notícia. Mas será que é realmente certo isso?
Em geral, o tal “mercado nervoso” é o mercado de capitais, pois é ali naquele espaço que agentes compram coisas tais que podem ser vendidas a um preço maior ou menor no decurso de um tempo que, não raras vezes, duram apenas segundos.
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Tais coisas, que já foram coisas concretas na forma de uma ação de uma companhia, um contrato de compra de mercadorias ou qualquer outro papel que referencie um ativo, hoje não passam de simples registros virtuais, garantidos por uma entidade reguladora. Estes ativos negociáveis passam da conta de um agente a outro num contrato de compra e venda em que ambos acordaram um preço.
O preço é do momento do acordo, quando comprador e vendedor avaliaram, com base nas informações que dispunham quando estavam fechando um bom negócio, pois a expectativa de um era de valorização positiva, enquanto para outro era de depreciação futura. No mercado, no mesmo momento da transação, há uma divergência de expectativas futuras e uma convergência de preço por parte dos agentes. Um estará certo e outro errado, obviamente, mas ape-
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nas verificarão isso no decorrer do tempo após fechado o acordo, pois no momento exato do “aperto de mão” que hoje se resumiu a um “aperto de botão”, ambos estão convictos de suas certezas. No instante zero do Mercado que é o momento do acordo de compra e venda não há aí uma direção única de sentimentos, mas sim duas direções, pois ninguém compra estando pessimista, nem vende estando otimista quanto ao futuro da cotação do ativo. Se todos os agentes fossem tomados de um mesmo sentimento comum é certo que não haveria transação, pois haveria uma situação em que os possuidores de ativos não os disponibilizariam para venda, em caso de otimismo absoluto, ou não teriam para quem os vender, em caso de pessimismo generalizado, por absoluta falta de comprador. E aqui neste ponto, talvez seja fácil perceber a diferença entre valor e preço. Em qualquer transação, valor e preço são confundidos, mas um não se mistura com o outro. Na venda de um produto, por exemplo, cabe ao vendedor fazer com que o comprador perceba o valor do que está sendo ofertado para que o preço não entre tan-
to na consideração final. Ações de marketing tentam essa proeza o tempo todo, seja com produtos diferenciados ou até com commodities, pois aquele “ovo” que tem um selo na casca atestando ser este “superior” não surte efeito, mesmo o consumidor desconfiando que não passe de um ovo como outro qualquer? No mercado de renda variável, no entanto, o valor é dado pela expectativa futura dos agentes, não havendo necessidade de esforço de marketing por parte do vendedor. O preço reflete a opinião do momento, um ponto zero, da qual partem as expectativas de valorização ou desvalorização do que está sendo negociado. A ação daquela companhia X está cara ou barata? Para o vendedor, cara; para o comprador, barata, pois ambos possuem sentimentos distintos em função do preço que pode atingir aquela ação no decorrer do tempo. Enfim, o Mercado é um espaço constituído de agentes que, devido à diversidade de sentimentos, o movimentam ora numa direção ora noutra, de forma mais ou menos intensa, conforme as circunstâncias. Simples assim... Ou talvez não. Cabe perguntar por que os agentes têm expectativas contrárias num mesmo momento, mas isso nos levaria a uma nova trilha, em que uma fauna começa a surgir nesta floresta e ao invés de seres racionais, passamos a ver predadores e manadas. As coisas ficam mais complicadas quando a racionalidade dá lugar a impulsos primitivos. Mas fica para um próximo artigo essa exploração.
“Em qualquer transação, valor e preço são confundidos, mas um não se mistura com o outro. Na venda de um produto, por exemplo, cabe ao vendedor fazer com que o comprador perceba o valor do que está sendo ofertado para que o preço não entre tanto na consideração final”.
Genadir Garcia é graduado e licenciado em Filosofia pela USP e MBA em Gestão Empresarial
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OLHARES CRÔNICOS
Vanessa Ferreira
É
com grande alegria que inicio este projeto, dividir um pouco dos meus olhares por ando passo.
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INTRODUÇÃO Este registro foi realizado em Paranapiacaba - Santo André/SP, uma vila que surgiu no século XIX devido à necessidade de se construir a estrada de ferro SPR, que facilitaria o transporte do Café aqui produzido até Santos, destinado posteriormente à Europa. É um vilarejo tombado, parado em seu próprio tempo por ser detentor de grande riqueza histórico-social. E um olhar sobre o seu tempo presente revela um aparente descaso social com seu patrimônio físico-cultural, remetendo-nos a um sentimento de solidão e isolamento.
Foto 1: Estação Ferroviária de Paranapiacaba Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 21
Foto 1: Acima Pelas Ruas da Vila: Automรณvel
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Foto 2: Abaixo Pelas Ruas da Vila: Caminhantes
Vanessa Ferreira passeia por lugares isolados e tempos distantes. Uma abordagem perceptiva da paisagem isolada é revelada nesta sequência de sete fotos. Suas imagens em preto-e-branco analisam um tempo “pós-galarim” que guardam segredos e em silêncio uma melancolia no fluxo de suas histórias. São pessoas ou lugares retratados e que estão em contraste com nosso tempo. Estão de alguma forma, distorcidas em função do algo imanente à paisagem. E o resultado obtido é a relação dura da poética com a avassaladora solidão. Pelas lentes de Vanessa Ferreira se descobre uma experiência multi-sensorial do tempo e da paisagem, mas também cheiro e som. O presente é o mesmo passado conhecido, que capturado em instantes pela sensibilidade de seu olhar se cristaliza em momentos. E este é o poder de sua fotografia. Foto 4: Dois tempos.
“Suas imagens em preto-e-branco analisam um tempo “pós-galarim” que guardam segredos e em silêncio uma melancolia no fluxo de suas histórias.” Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 23
Foto 5: Postagem
“Um Olhar Curioso que Busca Eternizar Momentos”, o título do ensaio fotográfico de fato resume a reviravolta na importância de um tempo áureo na história de Paranapiacaba, que de revolucionária pela construção da linha férrea, passa a estar nos dias atuais fora de foco, mas não nas lentes de Vanessa, cujas belas imagens em branco e preto registram nitidamente este contrastante, às vezes em lugares e às vezes em pessoas e animais. A ausência de riso em suas faces prova o que a cidade foi, e então, Vanessa registra momentos de quando tudo mudou, naquilo que o tempo prova o isolamento em tudo o quanto ainda não se transforma. O papel da cidade é de longo alcance, pós-reinado de sua economia cafeeira, de ruína econômica, o que muito impacta em sua população em todos os sentidos. Em particular, o atraso na urbanização e na vida particular das pessoas. E é neste cenário decadente, porém poético que a fotógrafa foi, irresistivelmente, atraída. Assim, foi com enorme satisfação que a Revista Arte Incitatus recebeu em suas páginas as belas imagens da fotógrafa Vanessa Ferreira.
Vanessa Ferreira é educadora em Ciências Humanas, graduada em História e amante da Arte, em especial a Música e Fotografia. Pág. 24 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
Foto 6: Acima Ao Senhor do Castelo
Foto 7: Abaixo Museu Castelinho
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ENTREVISTA
O MUNDO D ivertido DE SOLANGE VIANA
Por Agnaldo Ruivo
“Procuro trazer todos os tipos de arte contemporânea, seja ela de qualquer técnica: fotografia, pintura, escultura, instalação, cinema, mas na essência, a galeria busca ser uma referência de arte contemporânea e um ponto de encontro entre artistas”.
ência e capacidade para organizar sua própria galeria. Solange Viana é assim mesmo, uma amante das artes que busca oferecer condições de visibilidade aos artistas da região de Cotia e nos arredores, pois sabe da carência de espaços expositivos. Solange Viana nos concedeu uma entrevista na própria Galeria de Arte, e em meio à exposição “Natal com Arte – 2014” demonstrou grande satisfação de poder falar de sua grande paixão: A ARTE.
P
roprietária da Galeria de Arte e Fotografia Solange Viana localizada no bairro da Granja Viana, em Cotia, Solange Viana se diz uma pessoa extremamente apaixonada por Arte e que vive dela de todas as maneiras, seja como apreciadora ou como promovedora. Jornalista de profissão, sempre trabalhou com assuntos relacionados à Cultura, e se orgulha de poder ter trabalhado na divulgação da 27a Bienal de São Paulo, em 2006. Acredita que com a bagagem adquirida, trabalhando com diversos museus e galerias, ganhou experiPág. 26 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
Solange Viana diante a uma obra exposta em sua Galeria.
ARTE INCITATUS: Olá, Solange. Obrigado por ter aceitado a entrevista para a Revista Arte Incitatus e nos receber em sua galeria. Em primeiro lugar, gostaria de lhe perguntar como e quando nasceu a ideia de criar a Galeria de Arte e Fotografia Solange Viana? SOLANGE VIANA: Sou formada em jornalismo, e me especializei em divulgar exposições de arte de outras galerias e Museus da cidade. Em 2006 fui fazer a Bienal de São Paulo e descobri que depois de ter participado, havia me capacitado para organizar minha própria galeria. Percebi que a região é farta de artistas ávidos por espaços em que possam divulgar suas artes. Com o amor pela arte e esta demanda, abri minha galeria em 2010, e procuro trazer todos os tipos de arte contemporânea, seja ela de qualquer técnica: fotografia, pintura, escultura, instalação, cinema, mas na essência, a galeria busca ser uma referência de arte contemporânea e um ponto de encontro entre artistas. AI: Como surgiu seu interesse pela Arte? SV: Surgiu como consequência do meu trabalho de jornalista especializada em cultura. Foi uma consequência. AI: Quem são os artistas e que tipo de arte a galeria expõe? SV: Aqui é aberto para todos os meios de arte contemporânea, seja escultura, pintura, fotografia, instalação… tudo. É claro que procuro valorizar e divulgar os artistas da região, mas isto não impede que eu tenha artistas de São Paulo, ou mesmo de outros países, por exemplo, assim o público local não precisará se locomover até lá para ver as exposições. AI: Sente que a Galeria tem ajudado a divulgar obras de jovens artistas, com dificuldade em encontrarem espaços para expor? SV: Temos artistas que ninguém conhecia e graças ao trabalho da Galeria hoje são mais conhecidos. Por ter uma localização de fácil acesso, a Galeria oferece condições para que as pessoas possam visitar e também fazer aqui outras tipos de eventos ligados à arte, tais como lançamento de livros, desfiles de moda, eventos que tenham a linguagem
“linkados” a arte e em meio às exposições. AI: E em relação a produtos audiovisuais, há mostras de vídeos ou filmes? SV: A Galeria possui um fundo infinito que permite a projeção de filmes e vídeos, e também para produções de fotos. Teremos um curso com o crítico de cinema Christian Petermann sobre cinema autoral já em 2015. Um curso e ciclos de debates sobre as obras de grandes diretores de cinema, tais como Wood Allen, Tarantino, Godard, Almodovar, Fernando Meirelles, e tantos outros. AI: Como tem sido a reação das pessoas à Galeria de Arte e Fotografia Solange Viana? SV: Cada ano eu sinto que a Galeria está cres-
cendo e se firmando, criando vínculos com o público e os artistas, mas sempre tem que divul-
gar, pois ainda tem muita gente que não conhece este espaço. AI: Com relação à fotografia, como são avaliadas as exposições? SV: Primeiro é necessário que ela (a obra fotográfica) traga empatia, que eu tenha afinidade com a
Obras expostas no evento “Natal com Arte - 2014” Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 27
linha da Galeria. Independente do nome que o fotógrafo tenha, é a sua obra e sua técnica que mais me interessam. Gosto muito quando o artista faz com que suas fotos sejam mescladas com outras mídias ou outras artes, mas isso não é fundamental. Atualmente tenho em exposição uma obra em que a artista junta a fotografia com a pintura, e isto me interessa, juntar os meios. Todo o tipo de arte me interessa.
“Acredito que as pessoas estão cada vez mais interessadas em consumir arte, seja comprando, investindo, ou indo a exposições. ”. AI: Como você avalia o mercado de fotografia no Brasil? SV: Em franco crescimento, principalmente com o aumento do interesse do publico jovem pela fotografia. Eles estão investindo, comprando fotografia. E isso é muito bom. AI: Você acredita que o espaço da internet (redes sociais e mídias sociais) colaboradora para o processo de acesso as artes? SV: Sim. Graças a Deus surgiram todos estes meios, porque é outro tipo de divulgação e acredito que a tendência é que a internet seja usada cada vez mais, inclusive como meio de negociação e venda de obras de arte. Acho que quanto mais a arte for popularizada, no sentido de torná-la acessível a todos, mais valorizada ainda será a verdadeira obra de arte. AI: Você percebe uma mudança no cenário das Galerias de Arte, está mais fácil realizar exposições ou ainda existem entraves? SV: Quando eu comecei a trabalhar com artes, há 20 anos, eram poucas galerias e entraves provavelmente sempre irão existir… Mas acredito que as pessoas estão cada vez mais interessadas em consumir arte, seja comprando, investindo, ou indo a exposições. Ainda mais quando grandes artistas como Salvador Dali ou Ron Mueck são expostos em espaços Institucionais e sempre fazem sucesso Pág. 28 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
por onde passam.
BATE BOLA: AI: A arte é? SV: Provocação. Tem que ter emoção seja ela boa ou ruim. AI: Um artista? SV: León Ferrari (contemporâneo). Vincent van Gogh (eterno) AI: Uma exposição inesquecível? SV: Impossível dizer uma só. São tantas... AI: Um filme? SV: “Eu sou o Senhor do Castelo”, do cineasta francês Régis Wargnier, foi marcante, pois era muito jovem quando vi este filme. Agora, convide nossos leitores para conhecer a Galeria de Arte e Fotografia Solange Viana. Quero convidar a todos para conhecer o espaço dedicado exclusivamente a arte que se propõe a ser referência para os artistas e ao publico em geral. Um local onde seja a casa do artista. A entrada é gratuita e está aberta para pessoas de todas as idades. Venha se divertir, refletir, trocar ideias. Arte, além de cultura, é diversão. Serão todos bem-vindos!!
Abaixo: Valéria Lotufo
Acima: Giuliana Sommantico.
Abaixo: Sônia Carbonell
Acima: Pato Papaterra
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ANÁLISE
Tragédias como a ocorrida recentemente na França e o temor do crescimento terrorista, reforçam a frustração sob o domínio de um Estado laico.
Q
uando Nietzche ao escrever seu livro “A Gaia Ciência” em 1882 perguntava se o niilismo dominante em sua época não seria resultado da perda de referências gerais à vida, o mundo caminhava para uma revolução de costumes e valores. Foi a época em que a ciência graçava com a indústria e o comércio, a sociedade despertava para o gosto popular e na economia crescia o conflito político-social. Introduziu para o século XX o mundo moderno, mas trouxe consigo muitos Pág. 30 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
preconceitos. E o preconceito parece ser o divisor a tudo que possa servir de amparo para o Bem e para o Mal, impulsionando sentimentos e despertando emoções. O mesmo Nietzche questionava onde começa o bem, e respondia que era devido a nossa imperfeita percepção de enxergar o mal, que como ele mesmo afirmava “quanto mais for ela imperfeita, maior será a extensão do bem”. Ora, no mundo dos nossos dias atuais em que carregamos a hipocrisia sob o pretexto social da tolerância e da convivência, deixamos de enxergar o que nos cerca ou que nos cega: O mal germina e cresce quando se subverte em algo que faça crer que ele não exista. Não é de agora que ouvimos de alguns especialistas que o planeta está em rumo de um aquecimento global, de que o aparecimento de uma doença mui-
to contagiosa poderá colocar à existência humana em perigo, de que uma minoria revoltosa poderá se transformar em uma “causa” e arregimentar seguidores. Tudo isso tratado de forma branda e descrente por autoridades e pela maioria da sociedade. No entanto, o sentido de realidade parece distante, parece quase uma necessária maneira que encontramos para conviver em meio a tantos perigos. Assim, não nos causa mais desassossego o número de vítimas de alguma tragédia, são apenas números. Não nos comove mais o sacrifício de tantas pessoas que diariamente sofrem em meio ao caos urbano e nem a morte assistida ao vivo na TV é condizente com o existencialismo.
quinhão de sua civilização a “tolerância”. E o valor percebido com isso é de que também se possua a liberdade, seja de expressão ou não. O que parece estar em marcha, e de braços dados com o preconceito, é a frustração, o medo e a ânsia de estar contra tudo que se relaciona ao perdão, e a resposta das preces oriundas desta sociedade perplexa com tamanha crueldade, tenha sido o som das balas e bombas atiradas pela polícia francesa. Deus, impassivo e do alto de sua onipresença, possa estar em repouso observando sorumbático o problema que em seu nome temos criado.
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Assim, o juízo que fazemos dos fatos ou que temos dos acontecimentos, são sem consequências com nossos umbigos, e enquanto a tecnologia nos garantir uma alusória gestação de indivíduos exacerbados, o que mais importará é a centralização que ele ocupar no universo. Mas, onde fica o papel da religião neste mundo dominado pelo individualismo e pelo paradoxal? Quando uma violenta reação de terroristas matam alguns cartunistas franceses e quem mais estiver à sua frente de forma cruel em nome de uma retaliação às charges divulgadas, ou quando aviões são arremessados em prédios como resposta ao ódio pela civilização ocidental, é sinal de que está sendo corroído o princípio do Estado laico e alimentando uma visão sectária ao mundo. Assim, o gesto de alguns líderes em marchar de braços dados pelas ruas de Paris sugere, na esteira dos acontecimentos da semana passada, um esforço em afirmar os princípios de um ocidente tolerante para quais das crenças religiosas um Estado laico possa suportar. No entanto, o terrorismo crescente e “ungindo” sob solo do ocidente o sangue de pretensos “infiéis”, isso passa a ser algo igualmente intolerável, até mesmo para uma sociedade que tem como maior
Quando uma violenta reação de terroristas matam alguns cartunistas franceses de forma cruel em nome de uma retaliação às charges divulgadas, é sinal de que está sendo corroído o princípio do Estado laico e alimentando uma visão sectária ao mundo.
Agnaldo Ruivo editor da Revista AI Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 31
OUTRA PALAVRA SALVE, SALVE, CARO LEITOR. Muita honra poder estrear minha coluna por aqui. “Outra Palavra” será um espaço de reflexão onde a palavra literária se fará presente, seja na forma de contos, crônicas, poemas, ou qualquer gênero a se inventar. Vamos juntos re(des)construir a linguagem e o modo como encaramos a realidade? Essa é a meta. Desajeite-se. E boa viagem!
MANTRA as palavras estão a nosso serviço não o contrário subverta-as se for preciso dê a elas nova cor, cheiro de rio gostinho de ar arrisque inéditas retire uma a uma do baú antes do mundo muda-se o mantra palavra muito usada se desgasta e silêncio, ouça só também é uma palavra todinha virgem (em estado de graça)
O
CEGO
Foi num dia qualquer, comum de trabalho. Dei uma volta após o almoço e numa calçada avistei um cego de bengala, caminhando solitariamente com o auxílio do seu instrumento. Um mendigo estirado dormia ao seu lado sobre uns papelões. O cego encostou a ponta da bengala e deu um passinho para o lado, percebendo a iminência de um entulho qualquer, ou saco de lixo, vai saber... Não era qualquer cego, era a metáfora da sociedade que desfilava a céu aberto, para minha cegueira. Pág. 32 | Revista Arte Incitatus • jan & fev 15
onde tudo é cais
~adentro~
oceano
de uma única onda
no fluxo
ou tudo poderá morrer
ame demais!
o que tu amas, amigo,
é índice de um coração
teu produto interno líquido
PARA BAUMAN: PARA LAÇOS COM NÓ
subdesenvolvido
GPS melhor maneira de mapear a alma ------------------------------------------é se p e
r
d
e
r
no centro -------------------------------------------
Willian Delarte É autor dos livros “Sentimento do Fim do Mundo” (poesia, 2011) e “Cravos da Noite” (contos, 2014), ambos pela Editora Patuá. Tem publicações em diversas revistas e antologias. Foi co-editor da revista “Rebosteio Digital”. Revista Arte Incitatus • jan & fev 15 | Pág. 33
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Reprodução