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O. D. Muñoz A liberdade de consciência e a religião na Reforma Constitucional do Perú
A liberdade de consciência e de religião na reforma constitucional peruana
Oscar Diaz Munoz *
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A Constituição de 1979, facto sem precedente na nossa história constitucional, começa, no seu artigo 2, por uma ampla Declaração de direitos fundamentais exaltando a pessoa humana, pois que “todos os homens, iguais em dignidade, tês direitos dum alcance universal anteriores e superiores ao Estado”, como ela é proclamada no seu preâmbulo.
Nesta Declaração de direitos, a liberdade religiosa é consagrada muito cedo (art. 2.3), imediatamente após o direito à vida e à igualdade1, o que mostra bem a importância que a regra fundamental lhe reconhece. Assim fazendo, a nossa Constituição seguiu os instrumentos internacionais dos direitos do homem que, a começai pela Declaração universal dos direitos do homem que, a começar pela Declaração universal dos direitos dp homem de 1948 (art.18), reconheceram este direito como fundamental2 .
O projecto de reforma da Constituição de 1993, presente neste momento no relatório de Julho de 2002 da Comissão de Constituição do Congresso da República – desde agora, o Projecto -, conduz-nos a examinar a regulamentação que contém neste documento sobre o direito fundamental à liberdade religiosa, antes de chegar aos nossos comentários a às nossas sugestões.
O art. 2.3 do Projecto confirma que todas as pessoas têm direito:
«Â liberdade de consciência, de opinião e de religião, de modo individual ou colectivo. Nenhuma ideia ou convicção será causa de perseguição. Não haverá também delito de opinião.
“O exercício de todas as confissões e convicções é livre, sob a condição de não atentar contra a dignidade da pessoa, os direitos fundamentais e a ordem pública.”
Esta não é a única regra do Projecto que protege a liberdade religiosa. Há também o art. 2.2, que garante a igualdade religiosa, o art. 2.19, que
reconhece o direito de guardar reserva sobre as suas próprias convicções e que incorpora à nossa legislação a objecção de consciência, e o art. 71, que consagra os princípios de laicidade e de cooperação entre o Estado e as confissões religiosas.
Começaremos pela análise da regra de protecção geral do direito à liberdade religiosa do primeiro parágrafo do artigo 2.3 do Projecto. A regra consagra o direito à “liberdade de consciência, de opinião e de religião”. Em comparação com o que estipula a Constituição actual, incorporou-se aí o preceito da liberdade de opinião.
O reconhecimento da liberdade religiosa associada à liberdade de consciência é uma tradição no nosso sistema constitucional, ela prevalece desde a Constituição de 1979. Esta aproximação revela a influência da Convenção americana dos direitos do homem, dado que o art. 12.1 deste instrumento internacional reconhece o direito de todas as pessoas à “liberdade de consciência e de religião”.
Como anteriormente referimos, o Projecto associa à liberdade de consciência e de religião a “liberdade de opinião”. Em nosso parecer, uma tala associação é incorrecta, porque a liberdade de opinião é um direito distinto, associado à liberdade de expressão. O Projecto lembra-nos a Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, onde se lhe introduziu uma relação inadequada entre religião e opinião. Segundo o art. 10 desta Declaração:
Ninguém deve ser importunado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.
Entretanto, mais próximo de osso tempo, após a Declaração dos direitos do homem de 1948, os textos sobre os direitos do homem souberam distinguir a liberdade religiosa da liberdade de opinião, conferindo um lugar a esta última, ao lado da liberdade de expressão. É assim que a Declaração universal consagra o seu art. 18 à liberdade religiosa, enquanto que a liberdade de opinião se encontra no art. 10, no mesmo lugar que a liberdade de expressão. O artigo 19 da Declaração estipula: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão.”
O Pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos consagra também a liberdade de opinião num preceito diferente do da liberdade religiosa e associando-a à liberdade de expressão. Assim, enquanto que o art. 18 indica que todas as pessoas têm direito “à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, o art. 19 declara:
“1. Ninguém poderá ser inquietado por causa das sua opiniões. 2. Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão (…).”Além disso, a distinção entre liberdade religiosa e liberdade de opinião tinha sido igualmente estabelecida nos precedentes do Projecto, sejam as Constituições de 1879 e de 1993, que reconheceram o direito de opinião assim como a liberdade de expressão num artigo diferente do da liberdade religiosa, ao assinalar que todas as pessoas têm direito “às liberdades de informação, de opinião, de expressão e de difusão do pensamento” (art.24 das duas Constituições), (o sublinhado é nosso).
Por consequência o reconhecimento da liberdade de opinião do art. 2.3 do Projecto deveria ser transferido para a alínea seguinte (art. 2.4), que consagra a liberdade de expressão, como era o caso na Constituição de 1979 e na actual lei fundamental. Além desta mudança, seria necessário também transferir a proscrição do delito de opinião.
Por outro lado, é importante que, seguindo nisto a Constituição de 1979, o Projecto interdite a “perseguição por causa de ideias ou de convicções” – mesmo se ele reconheceu anteriormente a liberdade religiosa –, porque assim seriam também incluídas as ideias e as convicções não religiosas, protegidas pela liberdade de pensamento. Fazendo isto, a nossa Constituição juntaria num mesmo preceito a “liberdade de pensamento, de consciência e de religião” como é o caso nos instrumentos internacionais dos direitos do homem, depois a Declaração universal de 1948 (art.18) 3 .
2 Os limites do direito à liberdade religiosa
O Projecto menciona os limites da liberdade religiosa no segundo parágrafo do art. 2.3:
“O exercício de todas as confissões e convicções é livre, na condição de não atentar contra a dignidade das pessoas, os direitos fundamentais e as regras da ordem pública.”
A ordem pública é um limite à liberdade religiosa dada desde o artigo 10, já citado, da Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789. Como sabemos, trata-se dum conceito jurídico indeterminado, razão pela qual a sua determinação, em última instância, é remetida ao juiz4 .
No art. 16.15 da Constituição espanhola de 1978,a ordem pública é também o limite da liberdade religiosa. Durante os trabalhos parlamentares este texto, emendas foram apresentadas a fim de precisar o alcance da ordem pública, e foi proposto substituir por “o respeito dos direitos
fundamentais reconhecidos na Constituição. Ainda que as em emendas não tenham sido aceites e que se tenha finalmente optado pelo não “ordem pública”, sobressaem claramente argumentos utilizados nas discussões parlamentares, como o sublinha Combalia, que o significado que se dá à ordem pública não é outro senão o dos valores e direitos constitucionais6. É também a opinião de Carlos Alvarez, para quem o único limite ao exercício da liberdade religiosa “é o respeito dos direitos do outro, pois este respeito acompanha inalteravelmente o sentido autêntico da ordem pública7”. Beneyto Pérez participa também desta opinião. Ele afirma que é necessário fazer concordar a “manutenção da ordem pública protegida pela lei” do art. 16.1 da Constituição espanhola com a fórmula “o respeito da lei e dos direitos do semelhante” do art. 10.1 do mesmo texto constitucional8 .
Em Espanha, a lei orgânica 7/1980, de 5 de Julho, sobre a liberdade religiosa, desenvolve o conceito de ordem pública, mencionando o respeito dos direitos fundamentais dos outros, o artigo 3.1 desta lei estipula:
“O exercício dos direitos que emanam da liberdade religiosa e de culto tem por único limite a protecção do direito dos outros ao exercício de sus liberdades públicas e de seus direitos fundamentais, assim como a salvaguarda da segurança, da saúde e da moralidade públicas, elementos constitutivos da ordem pública protegida pela lei no quadro duma sociedade democrática.”
A partir daqui, é claro que, numa sociedade democrática que tem como ponto de partida o respeito pela dignidade da pessoa humana, a manutenção da ordem pública tem por finalidade a protecção dos direitos do homem, seria pois suficiente fixar como limite à liberdade religiosa o respeito pela ordem pública. Entretanto, o nosso legislador tentou ser mais explícito, pensando talvez na imprecisão do conceito de ordem pública, ou esforçando-se por ser mais concreto, por isso ele prescreve também o atentado aos direitos fundamentais.
Mas é mais importante que o texto precise que ele se refere aos direitos fundamentais “do outro”. É o que faz o Pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos (art.18.3):
“A liberdade de manifestar a sua própria religião ou as suas próprias convicções será sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas, ou as liberdades e direitos fundamentais do outro.” (O sublinhado é nosso)
O artigo 12.3 da Convenção americana dos direitos do homem emprega os termos similares;
“A liberdade de manifestar a sua própria religião ou as suas próprias convicções será sujeito unicamente às limitações prescritas pela lei e necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas, ou os direitos e liberdades do outro” (O sublinhado é nosso) A precisão que nós propomos não é inútil. Para começar, notemos que nestes dois textos internacionais não se fala somente dos direitos do outro, mas também da segurança, da ordem, da saúde ou da moral “públicos”, seja de terceiras pessoas. A razão está em que o exercício da liberdade religiosa pode ser limitada quando ela prejudica os direitos ou interesses do outro, porque se ela prejudica apenas ao que a exerce, no caso em que se trate duma pessoa sã de espírito e livre nas suas decisões, o princípio geral é que esta opção merece a tutela da legislação, porque o contrário seria um desconhecimento da dignidade da pessoa humana10 .
Assim, por exemplo, tratando-se da saúde como limite ao exercício da liberdade religiosa, faz-se notar que esta limitação diz respeito à protecção da saúde “pública”, tal como isto aparece nos textes internacionais que acabamos de citar. Um comportamento, fruto da liberdade religiosa individual, pode por em perigo a súde pública – por exemplo, uma pessoa que recusa, por razões de consciência, uma vacinação, quando o risco de duma epidemia existe, pode-se assim evocar a tutela da saúde pública para recusar o exercício da liberdade religiosa colectiva, alegando que a propagação dum credo representa um perigo para a saúde dos que o aceitam11 . Em casos semelhantes, a tarefa do juiz consistirá em verificar que existe um risco para a saúde pública, caso a ordem pública entre em jogo, e que o risco não pode ser evitado senão for imposta a medida que se opões às convicções do indivíduo.
Então, porque a livre escolha que põe em risco a saúde releva da tutela jurídica, é necessário que diga respeito à própria saúde duma pessoa e não da do outro. É assim impossível aplicar a tutela da liberdade religiosa a uma pessoa de saúde precária na incapacidade de se assumir ela própria ou a menor colocado sob a autoridade de seu pai por exemplo, logo que este, testemunha de Jeová, recusa que o seu filho receba uma transfusão de sangue. Neste último caso, em virtude da ordem pública e da protecção dos direitos do outro, os poderes públicos deveriam suplantar a autoridade paterna e adoptar as medidas necessárias para a protecção da vida ou da saúde ameaçadas. Assim, nos Estados Unidos – país onde a recusa dos tratamentos médicos por motivo de consciência recebeu a maior protecção -, nas decisões do Tribunal supremo que se referem aos tratamentos de
menores contra a vontade dos seus pais, repete-se incansavelmente o argumento seguinte, como o sublinha Palomino; “Os pais são livres de fazer de seu filhos mártires antes que estes atinjam a idade do discernimento, em que eles próprios poderiam efectuar esta escolha12 .
O Projecto sublinha também que a “dignidade da pessoa” é um limite no exercício da liberdade religiosa. Esta menção parece muito singular. Pode-se notar, por exemplo, que os instrumentos internacionais dos direitos do homem, que já citámos, não a mencionam enquanto restrição deste direito fundamental.
Falando de dignidade, fazemos referência ao que constitui em todo o ser humano a sua conduta inelutável, renunciar a ela, vê-la lesada ou menosprezada reduz a sua própria estima a um nível incompatível com a sua verdadeira natureza. A dignidade é inerente à natureza do homem. Não se trata dum direito do homem, mas do próprio fundamento dos direitos do homem. Estes direitos não vêm pela sua origem da atribuição jurídica da personalidade, mas da sua dignidade14 .
A dignidade, como fundamento dos direitos do homem, explica que o artigo primeiro da Constituição em vigor declara, antes da enumeração dos direitos fundamentais, que “a defesa da pessoa humana e o respeito pela sua dignidade são o objectivo supremo dos direitos fundamentais, que a defesa da pessoa humana e o respeito da sua dignidade são o objectivo supremo da sociedade e do Estado”, e que o artigo 10.1 da Constituição espanhola prescreve, no início da sua declaração de direitos, que a dignidade da pessoa e os direitos invioláveis que lhe são inerentes são, com o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito da lei e dos direitos do outro, “o fundamento da ordem pública e da paz social”, O Projecto tem um conceito similar da dignidade, visto que ele fala da igual dignidade de todos os homens como presunção dos direitos e liberdades que lhes são inerentes (Preâmbulo), dignidade que é intangível (art. Primeiro do seu Título preliminar). Todo o direito que daí derivará será protegido pela Constituição para além dos que são enumerados nesta ou nos instrumentos internacionais sobre os direitos do homem (art.53.
Está fora de dúvida que qualquer limitação dum direito fundamental não poderá atentar contra a dignidade.
Em conformidade com o que declarou o Tribunal constitucional espanhol, a dignidade deve ficar inalterável qualquer que seja a situação em que a pessoa se encontre (…), constituindo, em consequência, um mínimo invulnerável que qualquer estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, quaisquer que sejam as limitações que se imponham no gozo de direitos individuais, eles não são acompanhados pelo desprezo pela estima que merece a pessoa, na qualidade de ser humano15”.
Mas a “dignidade” do segundo parágrafo, art. 2.3 do Projecto, não é mencionado como este “mínimo invulnerável” face a possíveis restrições do direito à liberdade religiosa, mas como uma protecção de outras pessoas diante dum exercício abusivo deste direito. Assim, , parece-nos que esta condição será coberta pela “protecção dos direitos fundamentais do outro”, como temos sugerido mais acima, razão pela qual propomos que se elimine a menção dignidade da pessoa”.
Terminamos o nosso comentário sobre a regulamentação dos limites da liberdade religiosa sugerindo que seja mudada a expressão “normas de ordem pública” simplesmente por “ a ordem pública”, porque, como o escreveu Rubio Correa – a propósito do art. V do Título preliminar do Código civil que fala de “leis que interessam a ordem pública” -, “a referência à ordem pública não visa particularmente as leis ou as normas legislativas, mas o conjunto de elementos que compõem os aspectos jurídicos da ordem pública […]. Por conseguinte, é mais apropriado utilizar a expressão “ordem pública” que outras tais como “leis que interessam a ordem pública” que têm sentidos mais restritos16”. A justo título, a Constituição actual fala de “a ordem pública” como limite à liberdade religiosa (art.2.3).
3. As objecções de consciência
No segundo parágrafo do seu art. 2.19, o Projecto encara a objecção de consciência, regida pela lei. A objecção de consciência na recusa do indivíduo, por motivos de consciência, de se submeter a uma conduta que, em princípio, seria juridicamente exigível, quer ela provenha da obrigação duma norma legal, dum contrato, dum mandamento judicial ou duma resolução administrativa. E, ainda mais alargadamente, poder-se-ia afirmar que o conceito de objecção religiosa inclui toda a pretensão contrária à lei motivada por razões axiológicas não simplesmente psicológicas – de conteúdo primordialmente religioso ou ideológico, que tenha por objectivo a escolha menos prejudicial para a consciência pessoal, entre as alternativas previstas na norma, de iludir o comportamento contido no imperativo legal ou a sanção prevista pela sua inobservância, ou mesmo, aceitando o mecanismo repressivo, de obter a alteração da lei que é contrária ao imperativo ético pessoal17 .
A objecção de consciência pode ser invocada nos diversos domínios, principalmente aquando do serviço militar obrigatório, tratamentos médicos, face a práticas sanitárias que se impõem para preservar a saúde ou
a vida, em caso de aborto, na recusa, geralmente do pessoal sanitário, de participar de modo directo ou indirecto em práticas abortivas, no domínio fiscal, recusando pagar a parte dos impostos cuja aplicação final fixada pelas autoridades repugna a consciência do contribuinte, no quadro do trabalho, logo que um trabalhador recusa, por razões de consciência, cumprir uma obrigação decorrente da sua relação de trabalho18 .
Em definitivo, a objecção aos tratamentos médicos é a mais polémica e a que exigiu constantes reflexões em matéria de doutrina e de jurisprudência, porque ela põe muitas vezes em jogo bens tão preciosos como a saúde ou a vida. Aqui, a objecção de consciência mais frequente diz respeito à prática de transfusões sanguíneas que as testemunhas de Jeová consideram como interdita por Deus, em consequência duma certa interpretação de certas passagens da Bíblia.
A objecção de consciência é um dos fenómenos mais notáveis que o direito moderno conhece. Há somente alguns decénios antes, era pouco frequente e reduzia-se a alguns casos. Hoje, pelo contrário, há uma tal multiplicação de situações e de modalidades, de soluções possíveis, de pressupostos ideológicos, filosóficos, psicológicos e religiosos, que não se fala mais de objecções de consciência no singular, mas de objecções
de consciência.
As causas desta espécie de eclosão da objecção de consciência são variadas. Por um lado há a crise do positivismo legalista, que parte da hipótese que as determinações jurídicas contidas nas leis esgotam praticamente o conteúdo ideal da justiça. Por outro lado, o valor das motivações subjacentes aos comportamentos da objecção à lei, diferentes das que conduzem à pura e simples transgressão da norma, fundado apenas no egoísmo. Logo que uma pessoa faz objecção à lei, ela o faz, como se disse, por um mecanismo axiológico – um dever porá com a sua consciência – diferente da motivação puramente psicológica da pessoa que transgride a norma para satisfazer um capricho ou um vil interesse. É sem dúvida a razão pela qual o primeiro comportamento provoca uma certa reacção de respeito, traduzindo-se por uma espécie de perplexidade nos mecanismos repressivos da sociedade, o que contrasta com a rejeição frontal dos segundos comportamentos. Enfim, podemos mencionar como causa desta proliferação a metamorfose progressiva da própria regulamentação que, após ter estado na origem dum mecanismo de defesa da consciência religiosa face à intolerância do poder, chegou a reger também conteúdos éticos de consciência, não forçosamente ligados a crenças religiosas.
Ao lado duma exaltação social generalizada de comportamentos em matéria de objecção de consciência e da revindicação sobre o plano jurídico que daí decorre, também se elevam vozes para alertar do perigo de totalitarismo da consciência.
Uma certa denominação de ambivalência do princípio da liberdade de consciência, que poderia também ser o factor duma coexistência social mais livre do que um elemento de desagregação e de degradação das instituições da vida colectiva. Entretanto, convém lembrar que o recurso à objecção de consciência confirma a vitalidade da democracia garantindo um dos elementos políticos que fundam o sistema democrático do respeito pelas minorias19 .
Um dos debates que suscita a objecção é a sua cobertura jurídica. Habitualmente, as constituições não citam directamente a objecção de consciência como podendo ser alegada erga omnes nas suas manifestações muito diversas. Algumas somente se limitam no máximo a mencionar algumas das sua modalidades, particularmente a objecção ao serviço militar. Perante isto, alguns compreendem que a objecção de consciência é operante em todas as situações – como sendo a expressão do reconhecimento da liberdade de consciência e de religião – isto é, mesmo quando a forma concreta de objecção de consciência do qual se trata não é mencionada expressamente no texto constitucional – sem prejuízo, naturalmente, dos seus limites por razões de ordem pública ou de protecção dos direitos de terceiros. Isto é o que se denomina a objecção contra legen e que é considerada como a objecção de consciência por aceitável somente logo que o legislador a terá aceite expressamente, após uma avaliação dos interesses em jogo noutros termos, assim que ele terá tido uma interpositio legislatoris anteriormente.
Nestas condições, nós pensamos que a questão não está tanto em admitir ou não admitir um direito geral e teórico à objecção de consciência como em precisar os seus limites. Trabalho de precisão que o legislador não será sempre em condições de fazer, nem por vezes deverá fazer, precisamente por causa desta faceta inédita e instável que o exercício do direito à liberdade de consciência e de religião apresenta. O velho problema da tensão entre a liberdade de consciência e de religião duma parte e a autoridade política da outra, mesmo se ele admite a proposta de alguns princípios abstractos, deve sobretudo ser resolvido pelo exame das condições práticas que podem ser propostas. No caso contrário, corre-se o risco de criar um aparelho lógico-jurídico que não poderá ser aplicado senão duma
maneira forçada à experiência muitas vezes conflitual que o exercício do direito à liberdade de consciência e de religião propicia20 .
Esta é a razão pela qual, resolver com justiça os conflitos de objecção de consciência supões, em último recurso, um processo de equilíbrio de interesses – a que a jurisprudência da América do Norte chama um balancing process – que determina quando deve prevalecer a opção assumida em consciência e quando devem primar outros interesses sociais afectados nesta situação concreta. É talvez por isso que a objecção de consciência é pouco susceptível d e receber uma regulamentação maioritariamente legislativa, porque, a este nível, as respostas definitivas que se lhe podem dar são pouco numerosas, também a jurisprudência, chamada a resolver as controvérsias singulares que o exercício dos direitos provoca, tem um papel especial a jogar. Isto não significa que devíamos mudar um totalitarismo normativo por um outro jurisprudencial, que dispense de críticas as decisões judiciais adoptadas sobre a questão. Isto quer dizer simplesmente que em princípio, desta maneira, a jurisprudência está à altura de apreciar – melhor que a rigidez da norma – a plasticidade das situações vitais21 .
Para voltar ao Projecto, parece assaz estranho que se faça disso um exame geral da objecção de consciência, ainda que, a seguir, se reenvie a sua regulamentação à lei. Entretanto, por razões já expostas, pensamos que a lei terá dificuldade a dar uma resposta eficaz a todas a possibilidades de objecções de consciência. A realidade poderá acabar por transbordar e, no exercício do direito fundamental à liberdade de consciência e de religião, objecções de consciência contra legen poderiam aparecer.
Isto porque, em nossa opinião, a jurisprudência é a mais apropriada para trazer soluções aos conflitos e para estabelecer critérios sobre limites de objecção de consciência. Por sua parte, a lei poderia encarregar-se das questões de actuação nos casos onde isto seria necessário22 .
4. As relações entre o Estado e as confissões religiosas
O artigo 71 do Projecto declara:
“No interior dum regime de independência e de autonomia, o Estado reconhece a Igreja católica como elemento importante na formação histórica, cultural e moral do Peru e dá-lhe a sua colaboração. O Estado reconhece e respeita outras confissões e estabelece com elas modos de colaboração.”
Este preceito, salvo a menção ao segundo parágrafo do reconhecimento de confissões diferentes do catolicismo, está presente tanto na Constituição de 1993 (art.50) como na de 1979 (art.86)23 .
O primeiro parágrafo, indicando o carácter de independência e de autonomia do qual beneficiam as relações entre o Estado e a Igreja católica, fixa com clareza o princípio de laicidade do Estado – que alguns chamam aconfessionalidade24. A laicidade valoriza o factor religioso, ela não se confunde com o laicismo, o que qualifica um estado que, por oposição com os Estado confessional, adopta uma posição de indiferença, a ver uma certa hostilidade, contra o religioso.
O mesmo art.71 contém também o pricípio de cooperação (“colaboração”, do Projecto) do Estado com a Igreja católica e de outras confissões, estas são a demonstração da dimensão colectiva do direito à liberdade religiosa inerente à pessoa humana. São instituições independentes e autónomas em relação ao Estado, presentes na sociedade civil. Decorre daqui que o Estado laico, tal como ele é concebido em nosso tempo, para tornar efectivo o direito à liberdade religiosa, não pode, contrariamente ao que acontece com os direitos paralelos no domínio da educação, da beneficência, dos hospitais, etc., oferecer um serviço público do Estado, ele pode somente cooperar com as confissões religiosas para que estas tomem conta das necessidades religiosas dos cidadãos25 .
Como o disse Espin, esta obrigação constitucional para o Estado de cooperar com as confissões religiosas presentes na sociedade supõe que a norma suprema considera a satisfação das necessidades religiosas como sendo de interesse geral. Por conseguinte, o princípio constitucional de colaboração com as diversas confissões interdita uma política, não somente de hostilidade, mas mesmo de indiferença contra os sentimentos religiosos existindo na sociedade. A Constituição obriga a ter conta destes sentimentos, o que torna constitucionalmente obrigatória uma política de cooperação com as confissões religiosas26.Para Mantecón Sancho, pela consagração do princípio de cooperação com as confissões, reconhece-se ao mais alto nível – o nível constitucional – que o religioso constitui um dos elementos naturais da sociedade, e que este elemento, para além disso, é um factor social positivo. De outro modo, a cooperação do Estado com as confissões não teria fundamento razoável. Está aí um exemplo tangível das possibilidades de relação dum Estado aconfessional com as confissões. Assim, ultrapassa-se, com felicidade, a dinâmica confessionalidade-separação da Igreja e do Estado, que desembocou tão frequentemente no
passado num laicismo aos repelões anti-religiosos, assim que triunfava a separação da Igreja e do Estado, ou o confessionalismo mais excluidor27 .
O preceito que comentamos menciona expressamente a Igreja católica, Esta menção, que reconhece a sua importância sociológica e a sua situação maioritária no nosso país, longe de supor um atentado à laicidade e à igualdade religiosa, serve precisamente para garantir um amplo reconhecimento da liberdade religiosa de todas as confissões onde o conteúdo da liberdade reconhecida à Igreja católica e às outras confissões é substancialmente o mesmo. Segundo a opinião de Ferrer Ortiz, acerca do artigo 16.3 da Constituição espanhola que pode muito bem ser aplicado ao preceito que comentamos, a inclusão da Igreja católica “volta a constitui-la em “paradigma extensivo de todo o tratamento específico do factor religiosos” (Viladrich) ou em “modelo de relação de cooperação” (Amorós)29 .
Como já o sublinhámos, o Projecto, a propósito do texto que figura na Constituição de 1979 e na que etá em vigor actualmente, anexa ao segundo parágrafo do art.71.1: O Estado ‘reconhece’ confissões diferentes da confissão católica.
O verbo que se deseja introduzir tem um sentido muito preciso no domínio das relações entre o Estado e as confissões religiosas: com o reconhecimento do Estado, uma confissão adquire uma personalidade jurídica.
Nos países como a Espanha, as confissões são reconhecidas pelo Estado pelo meio da sua inscrição no registo dos organismos religiosos. Graças a isto, elas adquirem uma personalidade jurídica e consequentemente, beneficiam de todos os direitos, faculdades, obrigações e encargos que correspondem às pessoas jurídicas civis – elas poderão então efectuar todas as espécies de empreendimentos jurídicos, comparecer e introduzir acções diante dos tribunais, etc. Entre as confissões inscritas, aquelas que, por sua importância e pelo número dos seus fiéis, terão atingido um enraizamento notório em Espanha, estarão habilitadas a passar acordos com o Estado, os quais poderão conter vantagens fiscais nos limites previstos para os organismos sem objectivo lucrativo e outros organismos de beneficiencia31 .
A transcendência do reconhecimento duma confissão, da qual pode terse dúvidas, faz com que este reconhecimento não possa ser automático para as confissões minoritárias, porque seria absurdo que um organismo desprovido duma finalidade e duma actividade religiosa ou dum certo
grau de organização e dum certo número de fiéis, receba uma personalidade jurídica, com tudo o que isso supõe, e obtenha a cooperação do Estado32. É por isso que, como é o caso em Espanha, seria necessário que sejam os poderes executivos, sob controlo judiciário, que aprecie se a confissão que faz o pedido de reconhecimento reúna os elementos que acabámos de mencionar33 .
Bem entendido, as confissões são realidades que se constroem em conformidade com as suas próprias normas e independentemente do Estado, de modo que elas já existem quando o Estado as reconhece. De facto as confissões não reconhecidas não têm a protecção genérica do direito à liberdade religiosa – consagrado no art.2.3 do Projecto, como o temos visto, elas não beneficiam da personalidade jurídica e da possibilidade de receber a cooperação do Estado. Como o diz López Alarcón: “O reconhecimento civil, personificando o organismo religioso, não o cria na ordem confessional onde ele tinha já uma existência, mas dá-lhe vida nessa qualidade na organização do Estado como pessoa jurídica civil, isto é que o reconhecimento e a natureza constitutiva na ordem civil34.” Segundo este mesmo autor, trata-se então de três patamares diferentes de garantia da liberdade religiosa: Um primeiro patamar para as confissões não inscritas, um segundo, para aquelas que o estão, e o terceiro pra as confissões que têm acordo de cooperação35 .
Como se pode notar, com o reconhecimento geral das confissões que se propõe o Estado fazer, no segundo parágrafo do art. 71 do projecto, ele concederia a personalidade jurídica e a sua cooperação àquela que se autodefiniria como tal, sem levar em linha de conta se se trata duma entidade com actividades e fins religiosos, e se tem um mínimo de membros e de organização
Talvez que dizendo que o Estado “reconhece” outras confissões, se diga que ele tenta dar força ao seu objectivo de as respeitar. Mas, para isso, a consagração da liberdade religiosa que ele estipula no seu art.2.3 é suficiente. A expressão escolhida (“O Estado reconhece …”) não traduz esta intenção, porque, como já o vimos, o reconhecimento, pelo Estado, duma confissão envolve um conteúdo e consequências muito precisas. Por isso sugerimos que se elimine a referencia ao reconhecimento no segundo parágrafo do ert.71 do Projecto.
Bem entendido, uma lei sobre a liberdade religiosa, que o Peru ainda não possui, deverá regulamentar o reconhecimento das confissões, com as suas atribuições respectivas de personalidade jurídica e outros efeitos,
assim que a assinatura de acordo de cooperação com o Estado, no caso de confissões que fazem prova dum enraizamento notório no nosso país e do conteúdo desses acordos.
5. Direito dos pais ao ensino religioso e moral dos seus filhos em acordo com as suas próprias convicções
O Projecto não menciona a educação religiosa como parte integrante no respeito da liberdade de consciência, tal como consta no art.14 da actual Constituição. Será assim porque o art. 9 do Projecto prescreve o carácter obrigatório da formação ética e moral nas instituições educativas a todos os níveis?
Nestas condições, propomos que a futura Constituição emendada garanta aos pais que os filhos receberão o ensino religioso e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções, direito que pode ser incluído num segundo parágrafo do art. 10 de Projecto, que fala dos direitos e deveres dos pais no domínio educativo36 .
O direito que sugerimos que seja introduzido visa tornar real e efectivo, no quadro da educação institucionalizada, o direito fundamental à liberdade religiosa tanto dos filhos como dos pais, porque cabe aos progenitores o dirigir o ensino religioso dos seus filhos menores37 .
Depois da Declaração universal dos direitos do homem de 1948, este direito encontra-se reconhecido como aquele pelo qual os pais dispõem dum direito preferencial para escolher o tipo de educação que será necessário dar a seus filhos (art.26.3). Comentando este artigo da Declaração, Verdoodt declarou: “Os pais [...] têm, em prioridade em relação a todas as outras pessoas e instituições, entre as quais o Estado, o direito de escolher o género de educação que deve ser dada a seus filhos, sendo entendido que não se trata de filhos maiores e que, na prática, o seu objectivo não é o de limitar a liberdade dos menores, mas de permitir a escolha duma escola cujo sistema de educação corresponda às convicções dos pais.” E aí está alguma coisa de primário e de fundamental que não poderá nunca ser ignorado nem violado: o direito a ser educado em liberdade. Uma projecção desta liberdade fundamental é precisamente o direito dos pais de se assegurarem que a educação religiosa e moral de seus filhos menores seja feita segundo as suas convicções”.
Na mesma direcção que a Declaração universal dos direitos do homem, o Pacto internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais obriga os Estados a garantir a liberdade dos pai em escolher para seus filhos
escolas diferentes das criadas pelas autoridades públicas, na condição que elas satisfaçam as normas mínimas que o Estado prescreve em matéria de ensino, e de fazer que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja em acordo com as convicções de seus pais (art.18.4)40 .
O direito que estudamos está também presente na Convenção americana dos direitos do homem, que declara: “Os pais, ou eventualmente os tutores, tên direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”. (art.12.4)41.
Como é este direito garantido? Pelo reconhecimento do direito a criar centros de ensino e a dotá-los dum modelo educativo, o que permite a escolha entre estabelecimentos de orientações ideológicas diferentes, oferecendo aos pais a possibilidade de escolher aquele que corresponde às convicções que eles desejam transmitir a seus filhos. E nos estabelecimentos públicos, com a garantia de neutralidade ideológica e propondo um ensino religioso facultativo para os alunos, porque, como o disse o Tribunal constitucional espanhol, esta neutralidade [...] não impede de organizar, nas escolas públicas, ensinos facultativos que tornem possível o direito dos pais em escolher para os seus filhos a formação religiosa e moral que esteja em acordo com as suas próprias convicções42”.
Assim, o direito que examinamos – que temos observado até ao momento nas normas internacionais citadas, mas que, precisamente por esta razão, está em vigor nos nossos regulamentos 43, exige que o Estado ofereça nos estabelecimentos públicos um ensino religiosos em favor dos pais que o desejem voluntariamente para os seus filhos, pois deste modo estes pais verão garantir a formação religiosa de seus filhos segundo as suas próprias convicções. Chegou-se a dizer que a existência dum ensino religioso nas escolas públicas é uma exigência do conteúdo essencial deste direito 44 .
O ensino da religião não se justifica exclusivamente em virtude da fé de alguns cidadãos, mas também por causa da importância que tem para a formação integral da pessoa, finalidade da educação institucionalizada, como o proclama o Projecto no seu art. 7 45. O Estado, consciente do serviço que ele presta aos cidadãos, reconhece esta importância assim como o valor que as crenças religiosas têm para estes últimos, e dispõe-se, a partir do seu aconfessionalismo, a propor também, nos próprios estabelecimentos públicos, o ensino religioso que estes cidadãos desejam para os seus filhos 46 .
Consciente da importância do ensino da religião nos estabelecimentos de ensino, o Conselho da Europa emitiu a recomendação 1202 (1993) pela qual a Assembleia parlamentar convidou os governos a velar a que os cursos de religião e de moral figurem nos programas escolares (n. III), porque o conhecimento da sua própria religião ou dos seus próprios princípios éticos é uma condição que precede toda a verdadeira tolerância e pode assim servir de protecção contra a indiferença ou as presunções (n. IV) 47 . Do mesmo modo, a recomendação 1396 (1999) declara que a democracia e a religião não são incompatíveis, antes pelo contrário. A democracia fornece o melhor quadro à liberdade de consciência, ao exercício da fé e aoo pluralismo religioso. Por sua parte, a religião, pelo seu compromisso moral e ético, pelos valores que defende, pelo seu senso crítico e pela sua expressão cultural, pode ser complemento precioso da sociedade democrática 48.”
6. Proposta de disposição constitucional
Ao terminar, queremos propor as recomendações seguintes que representam as sugestões formuladas no decurso deste trabalho. Em todo o caso, salvo pelo art. 10 do Projecto onde ajuntamos um parágrafo que consagra o direito dos pais ao ensino religiosos e moral dos seus filhos, de acordo com as suas convicções, nós propomos ajustes ao texto já existente.
Art. 2.3 (Toda a pessoa tem direito)
À liberdade de consciência e de religião, de maneira individual ou colectiva. Ninguém sofrerá preseguição por causa das suas ideias ou convicções.
O exercício de todas as confissões e crenças é livre, na condição que não atente contra os direitos fundamentais do outro e não altere a ordem pública 49 .
Art. 10. Os pais têm o dever de educar os seus filhos e o direito de escolher os centros e as modalidades de educação, assim como o participar na gestão do processo educativo, nos termos estabelecidos pela lei.
O Estado garante o direito dos pais a que os seus filhos recebam o ensino religioso e moral que esteja em acordo com as suas próprias convicções.
Art. 71. Num regime de independência e de autonomia, o Estado reconhece a Igreja católica como um elemento importante na formação histórica, cultural e moral do Projecto e dá-lhe a sua colaboração.
O Estado respeita as outras confissões e pode estabelecer formas de colaboração com elas.
* Professor de direito constitucional, Universidade católica pontifical do Peru.
Notas: 1. É também isto o que fará a Constituição de 1993 (art: 2.3). 2. É verdade que a Declaração Universal não seja o primeiro texto que fala dos direitos do homem. Isso é o que jáa nateriormente, a Declaração dos direitos do bom povo da Virgínia de 1776 (secção 16: «todos os homenes têm o direito igual ao livre exercício da sua religião»); em 1791, a primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos («O Congresso não aprovará nenhuma lei pela qual se adoptará uma religião oficial do Estado ou se interditará de a praticar livremente»); a Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1798 (art. 10 «Ninguém deve ser inquietado por causa das suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não perutrbe a ordem pública estabelecida pela lei»). E a Carta das Nações Unidas de 1945 declara no seu art. 1.3, que um dos objectivos deste organismo é desenvolver e estimular o respeito pelos direitos do homem, sem fazer distinção de motivos, entre outros, de religião. Ver também art. 13 e 55) 3. Fala-se de «liberdade de pensamento, de consciência e de religião», por exemplo, no Pacto Internacional relativop aos Direitos Civis e Políticos (art.18), na Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de intolerância e de descriminação fundadas sobre a religião ou as convicções, de 1981 (art. 1º) e na Convenção dos Direitos da Criança de 1989 (art. 14.1). 4. J. Ma. Beneyto Pérez, «Artícgo 16. Libertad ideológica y religiosa», in Comentarios a la Constituición española de 1978, O. Alzaga Villaamil (Dir.), II, Madrid, 1997, p. 324. 5. «Art. 16.1. É Garantida a liberdade ideológica, religiosa, e de culto dos indivíduos e das comunidades sem outros limites, nas manifestações, a não ser as que são necessárias para a manutenção da ordem pública proteguida pela lei» 6. Z. Combalía, «La salud como límite al derecho de libertad religiosa», in Persona y Derecho. Suplemento Humana Iura de Derechos Humanos 3,1993, p. 60, 61. 7. J. Calvo Álvarez, Orden público y factor religioso en la Constitución española, Pampelune, 1983, p. 250, 251. 8. J. Ma Beneyto Pérez, Article 16, cit., p. 324. 9. No quadro da ONU, seguindo o texto do Pacto, fala-se também de protecção dos direitos fundamentais «de outrem»: ver a Déclaração sobre todas as formas de intolerância e de descriminação fundadas na religião ou nas convicções (art. 1.3), e a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, (art. 14.1), referindo-se aos limites da liberdade religiosa do menos, 10. Z. Combalía, «La salud como límite...», op. cit., p. 78. 11. Um exemplo deste último caso é o que ocorreu em Espanha, onde a Durecção Geral dos Assuntos Religiosos recusou a inscrição no registo das organizações religiosas de Igreja da Cientologia, argumentando, entre outros motivos, que as práricas e actividades desta última afectavam negativamente a saúde pública, porque impedia os seus membros de receberem assistência médica competente e induzia-os a terapias que não são científicas e que são realizadas por pessoas incompetentes. (C. Combalía, op. cit., p. 72). 12. R. Palomino, Las objeciones de conciencia, Madrid, 1994, p. 311. 13. J. J. Solazábal Echevarría, «Dignidad de la persona», in Temas Básicos de Derecho Constitucional, III, M. Aragón Reyes (Coord.), Madrid, 2001, p. 114. 14. A. Aparisi Miralles, «Alacance de los derechos del hombre a la luz del pensamiento
cristiano» in Anuario Fidelium Iura 9 (1999), p. 145. Eis porque o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos começa por reconhecer que os direitos do homem «são parte da dignidade inerente à pessoa humana». 15. Sentence n° 120/1990, du 28 juin. Fondement juridique n° 4, 16. M. Rubio Correa, Nulidad y anutabilidad. La invalidez del acto jurídico, Lima, 1989, p. 134 17. R. Naarro-Valls et d. Martínez-Torrón, Las objeciones de con Conciencia en el derecho español y comparado, Madrid, 1997, p. 14. 18. Cf. sur tout ceci, R. Palomino, op. cit. 19. Cf. A. Ollero Tassara, Derechos Humanos y metodotogia jurídica, Madrid, 1989, cité par R. Navarro-Valls et J. Martínez-Torrón, op. cit., p. 8. 20. R. Navarro-Valls et J. Martínez-Torrón, Las objeciones de conciencia, op. cit., p. 25. 21. No quadro da jurisprudência, a tutela da objecção de consciência poderá ser informada por princípios de orientação que marcam as linhas de força canalisando esta protecção; estes princípos poderiam ser construídos pela própria jurisprudência. Poderão encontrar-se alguns destes princípios em R. Navarro-Valls et J. Martínez-Torrón, op. cit., p. 29-33. 22. Por questões de procedimento, entendemos as que são necessárias à aplicação da objecção de consciência. Por exemplo: em Espanha, por objecção de consciência ao serviço militar, a lei indica que o organismo era encarregado de reconhecer a situação de objector de consciência; que consistia a prestação de serviço social de substituição onde o pudesse ser efectuado; os direitos e deveres dos objectores de consciência, etc. (ver lei 22/1998, de 6 Julho, regulamentando a objecção de consciência e a prestação de serviço social de substituição). No mesmo sentido, a lei pode: estabelecer tipos de consciência neste caso, por exemplo: objecção de consciência ao aborto, como acontece nos Estados Unidos onde, na legislação sobre o aborto interditando, com sanções civis e mesmo penais, o tomar medidas descriminatórias contra todo o médico que se recusa, por motivos de consciência, a participar em acções abortivas (ver R. Navarro-Valls, « La objeción de conciencia al aborto en la legislación y jurisprudencia norteamericanas», in VV AA., Aspectos juridicos de lo religioso en una sociedad pluralista. Estudios en honor del Dr. Lamberto de Echevarria, Salamanca, 1988, p. 423-440). 23. Pode encontrar-se a génese e a discussão deste preceito na Constituição de 1979 em I,. A. Carpio Sardón, La Libertad reLigiosa en eL Pertí. Derecho Eclesiástico deL Estado, Piura, 1999, la. 113-131. 24. Num estudo sobre a Constituição espanhola, que poderia aplicar-se a outras legislações, a teoria distinguiu os seguintes princípios nas relações entre o Estado e as confissões religiosas: liberdade religiosa, laicidade do Estado, Igualdade religiosa e cooperação com as confissões (ver P J. Viladrich et J. Ferrer Ortiz, « Los principios informadores del Derecho eclesiástico español », in Derecho eclesiástico del Estado español, J. Ferrer Ortiz (Coord.), Pampelune, 1996, p. 115-152). Estes princípios também se encontram na nossa Constituição: liberdade religiosa (art. 2.3),igualdade religiosa (art. 2.2), laicidade do Estado e cooperação com as confissões (art. 50). 25. J. Ferrer Ortíz, « Los principios constitucionales de Derecho Eclesiástico como sistema», in Las relaciones entre La Iglesia y el Estado. Estudios en memoria del profesor Pedra Lombardia, Madrid, 1989, p. 319. 26. E. Espín, « Los derechos de la esfera personal », in Derecho Constitucional, I, L. López Guerra et coll., Valencia, 2000, p. 219. 27. J. Mantecón Sancho, «El reconocimiento civil de las confesiones minoritarias en España», in Libertad religiosa. Actas del Congreso Latinoamericano de Libertad Religiosa, Instituto de Derecho Eclesiástico, Lima, 2001, p. 144. 28. J. Ferrer Ortiz, op. cit., p. 320.
29. Idem, «Laicidad del Estado y cooperación con las Confesiones», in Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, III, 1987, pp. 244, 245. O artigo 16.3 da Constituição espanholae declara: « Nenhuma confissão terá uma carácter estático. Os poderes públicos terão em conta as crenças religiosas da sociedade espenhola e estabelecerão as relações de cooperação que se infere com a Igreja católica e as outras confissões.» 30. De acordo com o art. 5.1 da lei orgânica 7/1980, de 5 de Julho, sobre a liberdade religiosa, «As Igrejas, confissões, comunidades religiosas e as suas federações gozarão de personalidade jurídica uma vez inscritas no registo público correspondente, que é criado para esse fim no Ministério da Justiça ». 31. Art. 7 da lei orgânica 7/1980, sobre a liberdade religiosa. Em 1992, o Estado espanhol subscreveu acordos de cooperação com a Federação dos organismos religiosos evangélicos de Espanha, com a Federação das comunidades israelitas de Espanha e com a Comissão islâmica de Espanha. Esses acordos regulam aspectos importantes, tais como a definição e o estatuto legal dos ministros e dos locais de culto, o ensino religioso nos centros de ensino públicos ou sob contrato (centros privados sustentados por fundos públicos), a assitência religiosa nas forças armadas, os hospitais públicos e os estabelecimentos prisionais, os efeitos civis do casamento realizado religiosamente, as isenções fiscais, etc. 32. No caso contrário, nada impedirá o reconhecimento de uma entidade compasta, por exemplo, de um casal ou de um pequeno grupo de amigos.O enraizamento social é um elemento que é necessário ter em conta e que deve ser apreciado de maneira razoável no momento de avaliar um pedido de inscrição. Assim, em Espanha, de acordo com o professor Mantecón Sancho, «a maior parte das Igrejas evangélicas que pedem a sua inscrição não têm mais de 40 ou 50 fiéis. Fixar um número superios seria, por conseguinte, tendenciosamente injusto» (J. Mantecón Sancho, op. cit., p. 149). 33. Segundo os dados de Mantecón Sancho no ano 2000, havia em Espanha 1043 entidades inscritas, das quais 821 se definiam a si mesmas como evangélias ou p+rotestantes (551 destas últimas fazem parte da Federação de organismos evangélicos de Espnha), 156 são comunidades islâmicas (126 aderiram a uma das Federações islâmicas espanholas, que pertencem por sua vez à Comissão Islâmica de Espanha), 14 communides judaicas (das quais 13 formam a Federação dos comunidades israelitas de Espanha), 5 Igrejas ortodoxas, 3 comunidades de origem indú, 9 comunidades budistas e algumas outras comunidades menos conhecidas (J. Mantecón Sancho, op. cit., p. 157). 34. M. López Alarcón, «Confesiones y entidades religiosas», in Derecho eclesiástico del Estado español, J. Ferrer Ortiz (Coord.), Pampelune, 1996, p, 246. 35. Ibid., p. 225. 36. O art. 10 do Projecto estipula: «Os pais têm o dever de educar os seus filhos e o direito de escolher os estabelecimentos e as modalidades de educação, assim como participar na gestão do processo educativo, nos limites estabelecidos pela lei.» 37. A diferença do que se passa no nosso país, em algumas legislações, o criança, a aprtir de uma certa idade, pode exercer, ela mesma, o seu direito à liberdade religiosa. Para nos limitarmos a dois exemplos, na Itália, segundo o art. 1º da lei de 18 de Junho de 1986, nº 281, o menor, em geral de 14 anos, tem o direito de escolher se assiste ou não ao ensino de religião na escola secundária superior. na Alemanha, a lei sobre a educação dos crianças, de 15 de Julho de 1921 (Gesetz über die religiöse Kindererziehung), indica que a partir dos 14 anos, toda a pessoa tem o direito de escolher, livremente, a sua religião, e num considerando prévio a esta capacidade, atingindo a idade de 12 anos, a criança não pode ser obrigada a receber um ensino religioso deferente daquele que receu até então. 38. A. Verdoodt, Declaración Universal de los Derechos del Hombre. Nacimiento y significación, Bilbao, 1970, p. 246. 39. J. L. Martínez López-Muñiz, «El derecho a la educación en los instrumentos
internacionales» in Hacia una cultura de dos derechos humanos. Un manual alternativo de los derechos fundamentales y del derecho a la educación, A. Fernandez (Ed,), Genève, 2000, p. 180. 40. Outros instrumentos da ONU que reconnecem o direito que estudámos são a Convenção Internacional sobre o estatuto dos refugiados (art. 4), a Convenção sobre o estatuto dos apátridas (art. 4), a Convenção Internacional sobre a protecção dos direitos dos trabalhadores emigrados e as suas famílias (art. 12.4) e a Convenção relativa à luta contra as discriminações na esfere do ensino (art. 2.b et 5.1.b). 41. De um outro lado, no quadro europeu, o art. 2 do Primeiro Protocolo adicional à Convenção Europeia dos direitos do homem ordena aos Estados para respeitarem «as convicções religiosas e filosóficas» dos pais na educação dos seus filhos. De igual forma, muitas Constituições europeias reconhecem esse direito, como a Constituição espanhola (art. 27.3 : «Os poderes públicos garantem o direito que assiste aos pais para que os seus filhos recebam a formação religiosa e moral que esteja de acorco com as suas próprias convicções), a lei fundamental da Répública Federal da Alemanha (art. 7), l Constituição irlandesa (art. 42), a Constituição italiana (art. 30) ou a Constituição belga (art. 24.3). 42. Sentence n° 5/1981 du 13 février. Fondement juridique n. 9. 43. Cf. art. 3, art. 55 et quarta disposição final da Constituição actual. 44. A. Martínez Blanco, «La enseñanza de la religión en el derecho español. Antecedentes, régimen y problemas actuales», in Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, IX, 1990, p. 173. 45. J. Fornés, «La libertad religiosa y la enseñanza de la religión en los centros educativos», in Libertad religiosa. Actas del Congreso Latinoamericano de Libertad Religiosa. Instituto de Derecho Eclesiástico, Lima, 2001, p. 242. Cf. aussi Auto del Tribunal Constitucional español, n. 40/1999, du 22 février. Fondement juridique n° 2. 46. C. De Diego Lora, «La garantía constitucional del artículo 27,3 de la Constitución española en los centros públicos de enseñanza», in VV AA., Las relaciones entre La Iglesia y el Estado. Estudios en memoria del profesor Pedro Lombardía, Madrid, 1989, p. 662. 47. Conselho da Europa – Assembleia parlementar, recomendação 1202 (1993) relativa à tolerância religiosa numa sociedade democratica, adoptada a 2 de Fevereiro de 1993. 48. Conselho da Europa – Assembleia parlamentar, recomendação 1396 (1999), Religião e democracia, adoptada a 27 de Janeiro de 1999. 49. Posteriormenta a este trabalho, o Congresso da República aprovou, a 3 de Outubeo de 2002, o preceito que contém o reconhecimento da liberdade religiosa, nos seguintes termos(art. 2.3) : «[Toda a pessoa tem o direito] à liberdade de consciência e de religião, de maneira individual ou colectiva. Nenhuma ideia ou convicção será objecto de perseguição. O exercício público de todasas confissões é livre, com a condição de não ofender a moral ou de não alterar a ordem pública.» O texto é o mesmo que o do art. 2.3 da Constituição en vigor, salvo suprimir a proscriçãp do delito de opinião por incluir, com todo o direito, no art. 2.4 que consaga as liberdades de informação, de opinião e de expressão. Modificámos as alíneas 1 e 2 do presente documento em vista desta aprovação, porque pensamos que eles permitem reconhecer os trabalhos parlamentares do art, 2.3 e porque o texto aprovado não difere substancialmente da nossa posição (lembramos que a leitura democrática da ordem pública visa a protecção dos direitos fundamentais); por conseguinte, na nossa opinião, os argumentos contidos nestes pontos continuam a ser pertinentes.
Declaração de princípios
Acreditamos que o direito a liberdade religiosa foi dado por Deus e afirmamos que ela se pode exercer nas melhores condições, quando há separação entre as organizações religiosas e o Estado.
Acreditamos que toda a legislação, ou qualquer outro acto governamental, que una as organizações religiosas e o Estado, se opõem aos interesses dessas duas instituições e podem causar prejuízo aos direitos do homem.
Acreditamos que os governos foram instituídos por Deus para manter e proteger os homens no gozo dos seus direitos naturais e para regulamentar os assuntos civis; e que neste domínio tem o direito a obediência respeitosa e voluntária da cada individuo.
Acreditamos no direito natural inalienável do indivíduo a liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou uma convicção da sua escolha e de mudar segundo a sua consciência; assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individualmente ou em comum, tanto em publico como em privado, através do culto e da realização dos ritos, das práticas e dos ensinos, devendo, cada um, no exercício desse direito, respeitar os mesmos direitos nos outros.
Acreditamos que a liberdade religiosa comporta, igualmente, a liberdade de fundar e de manter instituições de caridade e educativas, de solicitar e de receber contribuições financeiras voluntárias, de observar os dias de repouso e de celebrar as festas de acordo com os preceitos da sua religião, e de manter relações com crentes e comunidades religiosas tanto ao nível nacional, como internacional.
Acreditamos que a liberdade religiosa e a eliminação da intolerância e da descriminação fundadas sobre a religião ou a convicção, são essenciais para promover a compreensão, a paz e a amizade entre os povos.
Acreditamos que os cidadãos deveriam utilizar todos os meios legais e honestos, para impedir toda a acção contrária a estes princípios, a fim de que todos possam gozar das inestimáveis bênçãos da liberdade religiosa.
Acreditamos que o espírito desta verdadeira liberdade religiosa está resumido na regra áurea: Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o a eles.
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