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C. S. Araneda A liberdade religiosa no Chile

A Liberdade Religiosa no Chile

Carlos Salinas Araneda*

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I. Antecedentes gerais

Enquanto o Chile fez parte da monarquia espanhola, a religião católica era a única aceite oficialmente. Existia uma estreita união entre a Coroa e a Igreja, representada juridicamente pela instituição do Patronato. Mais ainda, pelo facto da Coroa ter assumido, como política do Estado, a evangelização dos territórios das Índias ocidentais – e, consequentemente, a dos do domínio chileno – pôde-se qualificar o Estado das Índias de Estado missionário1 .

Este Estado missionário existiu durante todo o período colonial e terminou não por causa do esgotamento ou do fracasso, mais sim porque atingiu o seu objectivo, antes de ser substituído no século XIX pelo Estado confessional.

Uma vez obtida a independência, a situação não se alterou substancialmente no que concerne às relações entre a Igreja e o Estado pois que se é verdade que as autoridades chilenas pediram com insistência o Patronato2 à Santa Sé, esta nunca o concedeu, o que não impediu as autoridades chilenas de o terem assumido de facto, introduzindo-o na sua estrutura constitucional, ao mesmo tempo que declaravam a religião católica a confissão oficial do Estado3. Assim, durante todo o século XIX e o primeiro quarto do século XX, as relações entre o Estado do Chile e a Igreja católica foram estreitas, pelo menos do ponto de vista jurídico; a confissão oficial do Estado era a confissão católica e existia um Patronato unilateralmente declarado pelo Estado, aceite pela Igreja, mas com uma consciência crescente que ele representava um abuso4 .

O carácter confessional católico do Estado não significa no entanto uma rejeição das outras confissões, pois, desde o início, o Estado do Chile

teve para com elas uma atitude de tolerância que manteve enquanto durou a Constituição de 1833. Isso manifestou-se, por exemplo, durante os primeiros anos da Independência, nos tratados assinados com os Estados Unidos da América do Norte (1834), a França (1846, 1852), ou o Reino Unido da Grã Bretanha (1855), atitude de tolerância que foi mesmo consagrada constitucionalmente, quando em 1844 foi promulgada uma lei interpretativa da Constituição5 segundo a qual era autorizado o culto privado das confissões não católicas no território da república, o que, de facto, se praticava já anteriormente. Isso teve como consequência, entre outras, permitir a diversas confissões começarem a solicitar a personalidade jurídica que o Estado lhes outorgou na modalidade de personalidade jurídica de direito privado, o que lhes permitiu agirem sem qualquer dificuldade no tecido jurídico chileno. A primeira a obtêla foi a Igreja episcopal anglicana de Valparaíso6. Seguiram-se, e até 1925, ou seja, enquanto esteve em vigor a Constituição de 1833, vinte e seis organizações religiosas que obtiveram a sua personalidade jurídica de direito privado7. A Igreja católica, durante esse tempo, conservava a sua qualidade jurídica de direito público, reconhecida expressamente no Código Civil (1855)8 .

Este estado de coisas, que remontava à Independência (1881), foi alterado de modo substancial em 1925 quando se promulgou uma nova Constituição política. Ela consagrou pela primeira vez no Chile a separação entre a Igreja e o Estado, assim como a liberdade dos cultos9 . A separação efectuou-se amigavelmente, por meio de um acordo informal entre o Presidente da República da época e a Santa Sé10 .

Contudo, esta nova situação não representou uma mudança maior em relação ao passado no domínio da personalidade jurídica dos organismos religiosos. Se é verdade que alguns discutiram o facto de a Igreja católica continuar a gozar de uma personalidade jurídica de direito público11, tanto a doutrina maioritária12 como a jurisprudência judiciária13 e administrativa14 reconheceram que a sua situação jurídica não tinha mudado. Foi mais ou menos a mesma coisa com as outras confissões religiosas; estas, qualquer que fosse a denominação, quando desejavam obter uma personalidade jurídica, não podiam aspirar senão à de direito privado. Só a título excepcional é que a arquidiocese católica apostólica ortodoxa do Chile obteve, através de uma lei da República, a personalidade jurídica de direito público em 197215 .

A Constituição de 1925 continuou em vigor até 1980, ano em que foi substituída pela actual. Com esta última a situação permaneceu inalterada, mas no seio da Assembleia Constituinte produziu-se um

facto interessante: alguns dos seus membros, ao discutirem o tema da consagração constitucional da liberdade religiosa, entenderam que os organismos religiosos não católicos gozavam também de uma personalidade jurídica de direito público aos olhos do Estado16. Contudo, a promulgação desta Constituição não alterou a situação existente até aí, porque a nova norma que consagrava a liberdade religiosa se inspirou de muito perto na norma constitucional precedente, os constituintes não querendo alterar substancialmente a sua redacção, excepto para aí incluírem reformas secundárias, mais de estilo17. Assim, a personalidade jurídica dos organismos religiosos não conheceu qualquer alteração até 1999.

Em Outubro de 1999 foi publicada a lei18 que, pela primeira vez no Chile, regulamentou a concessão de personalidade jurídica de direito público às confissões não católicas19. Se tal é a ideia principal formulada pela lei, esta mesma lei compreende também alguns artigos onde se desenvolvem os conteúdos do direito à liberdade religiosa, consagrados constitucionalmente. É a primeira vez que a lei chilena fala claramente de liberdade religiosa, pois que, até então, o termo empregue era o de liberdade de culto.

A elaboração desta lei foi longa e árdua20, o que, na minha opinião, releva do seguinte facto. Ao longo do século XX desenvolveramse no Chile diversas organizações religiosas que nasciam e cresciam nos Estados Unidos da América do Norte, ou seja num Estado que compreendia a liberdade religiosa de uma maneira diferente da que tinha progredido no Chile sob a influência da tradição francesa na matéria22. Ou seja, elas tinham vivido sob o regime jurídico onde o Estado se abstinha completamente de toda a acção que lhes fosse favorável ou desfavorável, contentando-se em garantir a cada uma delas o poder de se desenvolverem livremente, numa submissão ao direito comum que, é preciso reconhecêlo, lhes oferecia numerosas possibilidades para encontrar as normas mais apropriadas às suas necessidades, sem que algumas sejam dotadas de um tratamento jurídico especial. Trata-se portanto de organizações religiosas que chegam ao Chile com uma maneira diferente de entender a liberdade religiosa, o que, em todo o caso, não as impediu de se adaptarem às condições da legalidade chilena à qual elas se submeteram durante longos anos, mais particularmente, no que concerne à obtenção da personalidade jurídica.

Se é verdade que as origens dessas confissões não as incomodaram de modo algum para regularem a sua actividade de acordo com o direito

A Liberdade Religiosa no Chile comum chileno, elas não coincidiam, contudo, com um estado de coisas no qual certas organizações religiosas tinham um estatuto jurídico diferente: a Igreja Católica, posteriormente, a Igreja Ortodoxa eram personalidades jurídicas de direito público, enquanto que as outras eram personalidades jurídicas de direito privado. Isto advinha, como já o dissemos, da compreensão diferente da liberdade religiosa que se tinha consolidado no Chile após uma longa história de relações Igreja/Estado e desde a época colonial, com a inegável influência francesa posterior.

Na minha opinião é esta maneira diferente de entender a liberdade religiosa que explica em grande parte o difícil processo de elaboração da lei sobre as organizações religiosas23. Apesar de tudo, esta última lei teve o mérito, como indiquei, de introduzir virtualmente na linguagem jurídica oficial do Chile a expressão “liberdade religiosa” e de desenvolver os seus conteúdos essenciais.

II. A liberdade religiosa enquanto direito

A expressão “liberdade religiosa” é estranha à linguagem constitucional chilena, pois que nem a Constituição de 1925, nem a de 1980 a empregaram. Os comentadores das duas Constituições, numa exegese, na minha opinião ligada à letra da disposição, também não a empregam, mesmo pondo em evidência a liberdade que, em matéria religiosa, está consagrada nos dois textos constitucionais, pois um e outro garantem “o exercício de todos os cultos que não se oponham à moral, aos bons costumes ou à ordem pública”. Este vazio foi colmatado pela lei n.º 19 638 à qual eu fiz referência e que, doravante, citarei frequentemente. Ela emprega precisamente a expressão “liberdade religiosa” relaciona-a explicitamente com a liberdade de culto. Estas duas expressões designam um mesmo conteúdo, a saber: o direito que tem por objecto a fé, enquanto acto, e a fé como conteúdo desse acto, assim como a prática da religião em todas as suas manifestações – individualmente, em comum ou de uma forma institucional, tanto em público como em privado, pelo ensino, a pregação, o culto, a observância dos ritos – ou a sua mudança.

De acordo com isto, a Constituição consagra de maneira expressa não apenas a liberdade religiosa, quando ela garante o livre exercício de todos os cultos, mas acrescenta a liberdade de consciência. No entanto, na minha opinião, não convém entender na Constituição chilena a liberdade religiosa como uma espécie de liberdade de consciência, pois cada uma é diferente no que protege e garante.

A. Liberdade religiosa, liberdade de consciência e liberdade de pensamento

A doutrina destes últimos anos definiu estes três conceitos de maneira a fornecer uma clara distinção entre eles, distinção que, na verdade, não está inteiramente clara nas legislações nacionais nem nos documentos internacionais. Estes três direitos encontram o seu denominador comum no facto de que os três implicam “o reconhecimento da natureza e da dignidade do ser pessoal de cada cidadão na sua dimensão mais profunda e específica, a saber, aquela em que a pessoa se encontra e onde age o carácter inato, inviolável, inatingível e imprescritível da sua racionalidade e da sua consciência, graças à procura e ao estabelecimento por si mesma, e sem nenhuma espécie de coerção ou de substituição, da sua própria relação com a verdade, o bem, a beleza de Deus24”.

Contudo, se tudo o que precede é verdade, e se é igualmente verdade que a religião, na maioria dos casos, se faz acompanhar de uma concepção global do homem, do mundo e da verdade, e, também de todo um sistema ético ou moral, também é verdade que a fé, enquanto acto pessoal e, sobretudo enquanto religião, é em si mesma mais que a ética ou a concepção antropológica e cosmológica que dela se depreende. Em conformidade com isto, uma ética derivada de uma fé religiosa é protegida não pela liberdade religiosa, mas sim pela liberdade de consciência. E a visão antropológica ou cosmológica que acompanha uma religião não é também ela mais protegida pela liberdade religiosa, mas sim pela liberdade de pensamento, da mesma maneira que as cosmovisões, que não se inspiram num credo religioso em particular, são protegidas por esta liberdade. É por isto que “a fé religiosa, enquanto tal, ou seja, considerada independentemente da antropologia, da cosmologia e da moral que ela poderia inspirar, constitui uma realidade própria, original e inédita, um objecto que não se pode confundir com os que são reconhecidos no direito relativo à liberdade de pensamento e de consciência, e, em certo sentido, um campo real e próprio da racionalidade e da consciência da pessoa humana que configura a matéria específica do direito à liberdade religiosa25”.

A liberdade de consciência é mencionada expressamente pelo legislador chileno, e é a primeira das liberdades garantidas pelo artigo 19.º, n.º 6. Trata-se, no entanto, de uma liberdade diferente da liberdade religiosa, pois compreende o julgamento moral e o comportamento de acordo com esse julgamento; no Chile ela protege a liberdade fundamental de toda a pessoa

a procurar o bem, a possuir o seu próprio julgamento moral como acto pessoal de consciência, a adaptar os seus comportamentos e a realizar a sua vida segundo o seu julgamento moral pessoal. Os nossos legisladores, na lei sobre as organizações religiosas evocada mais acima, entenderam claramente que se trata de uma lei distinta da da liberdade religiosa, visto que, nos artigos que desenvolvem os conteúdos da liberdade religiosa, ela não menciona em lado algum a liberdade de consciência, enquanto fala sempre de “liberdade religiosa e de culto”. Deste modo parece-me que o direito chileno actual distingue claramente a liberdade de consciência da liberdade religiosa.

Se considerarmos como adquirido que a Constituição chilena reconhece e garante o direito à liberdade de consciência, o que toca à moral e aos actos relativos a esse direito, e se o “livre exercício do todos os cultos” exprime, de maneira inábil, mas compreensiva, a liberdade religiosa, parece-me que não nos resta mais que interpretar o termo “convicções” utilizado pela Constituição senão como o factor integrador do que se chama mais comummente o direito à liberdade de pensamento. Consequentemente, garantindo --- a manifestação de todas as convicções”, os constituintes chilenos garantiram a cada um, de maneira sem dúvida muito equívoca, o direito de possuir, no Chile, a sua concepção das diferentes realidades do mundo e da vida, mais precisamente a sua concepção das coisas, do homem e da sociedade – nos domínios filosófico, cultural, político, artístico, etc. Desta maneira, a “manifestação de todas as convicções” – ou seja a liberdade de pensamento – atinge no nosso texto uma plena autonomia em relação à liberdade de consciência e à liberdade religiosa.

À margem de outros argumentos que reforçam esta conclusão, a Constituição, no seu artigo 5.º, sub-alínea 2, afirma que “o exercício da soberania reconhece como limitação o respeito pelos direitos essenciais que emanam da natureza humana. É dever dos órgãos do Estado respeitar e encorajar esses direitos, garantidos por esta Constituição, assim como pelos tratados internacionais ratificados pelo Chile e que estão em vigor.” A Constituição faz explicitamente referência aos tratados internacionais dos quais alguns fazem aparecer esta tripla distinção com uma indubitável claridade, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos26 ou a Convenção sobre os Direitos da Criança27 . Reconheço que é um tema que nem sempre beneficiou da claridade necessária28 nos documentos internacionais, mas reconheço também que, nestes últimos anos, a terminologia se afirmou mais claramente, como o mostram os dois tratados que acabo de mencionar.

B. Conteúdo do direito à liberdade religiosa

Sublinhei que a Constituição de 1925 não tinha empregue a expressão “liberdade religiosa”. Ela consagrou a separação entre Igreja e Estado, e consagrou-se na norma constitucional os efeitos que esta separação teria no futuro para as “confissões respectivas”, sem nada dizer dos efeitos que esta norma significava para cada pessoa em particular, razão pela qual os seus autores se limitaram, quando muito a indicar que “o primeiro dever do homem é aquele que ele tem para com Deus – trata-se, portanto, de um dever religioso. Consequentemente, ele tem o direito de exigir que lhe permitam o cumprimento29”. Assim, a exegese que a doutrina fez desta norma não progrediu sensivelmente, pois que, em quase todos os casos, ela se limitou a uma exegese literária do n.º 2 do artigo 1.º 30 sem que o tema, aparentemente, preocupe muito, ao ponto que alguns autores lhe consagram a custo alguns parágrafos31.” Mais, nos primeiros comentários considera-se o tema como “mais teológico que prático, visto que só a Igreja Católica tem um culto público32”. Esta situação não mudou com a Constituição de 1980, pois os delegados decidiram conservar, com alguns aperfeiçoamentos, a norma de 1925. Assim, os comentários exegéticos redigidos posteriormente não acrescentaram nada no que concerne aos conteúdos individuais da liberdade religiosa; contentaram-se em comentar os conteúdos colectivos que a disposição constitucional reconhecia às confissões religiosas e as suas limitaçõs33 .

A situação mudou profundamente nestes últimos tempos graças à lei n.º 19 638 sobre as organizações religiosas, tão frequentemente citada, e que, em dois dos seus artigos, explicitou as liberdades individuais contidas no direito à liberdade religiosa (art.º 6.º) e os direitos colectivos que comporta o mesmo direito (art.º 7.º).

I. Liberdades individuais

a) Uma hipótese fundamental: autonomia e imunidade de coerção.

O enunciado do artigo 6.º da lei sobre as organizações religiosas começa por afirmar que a liberdade religiosa e de culto supõe “a autonomia e imunidade de coerção” correspondente para todas as pessoas34. Disse -se35 que a liberdade religiosa é a primeira das liberdades, pois que, para além do facto dela conter indirectamente as relativas ao pensamento e à consciência, encontramos aí também o acto mais radical do homem, o acto de fé, e isso independentemente do sinal positivo, negativo ou agnóstico

A Liberdade Religiosa no Chile que cada homem pode adoptar exercendo-o. É por isso que a liberdade religiosa é a “liberdade das liberdades”; ela faz, com efeito, referência ao acto mais radical do homem enquanto ser racional, a saber o acto de fé.

A primeira atitude de um Estado democrático, indispensável para que o seja, é portanto reconhecer a liberdade religiosa dos seus cidadãos, reconhecendo igualmente e garantindo juridicamente a plena imunidade à coerção em matéria religiosa em favor dos cidadãos e das confissões religiosas face a outros e ao próprio Estado. “Por conseguinte, o poder supremo do Estado não deve, conforme ao direito natural e cristão, exercer-se de modo a impedir ou limitar esta liberdade de pensamento e de convicção religiosa: o Estado não deve empregar a força coerciva que lhe pertence, nem as inúmeras formas de pressão psicológica e moral que estão à sua disposição, para forçar uma adesão ou para interditar que se adopte ou que se mantenha a ideia do divino ancorada nas profundezas da pessoa humana36.”

Mas esta autonomia e imunidade de coerção não é uma simples formulação de programa ou um ideal; ela deve ser a atitude concreta que deve assumir o Estado e terceiros para que cada pessoa, fazendo uso do seu direito à liberdade religiosa, possa praticar os direitos que a lei, sem limitações no caso do Chile, lhe reconhece.

b) Faculdades

Estas páginas não podem ser suficientes para se fazer uma análise detalhada das diversas faculdades que o direito chileno define como inerentes ao direito à liberdade religiosa; limitar-me-ei portanto a enunciar, adicionando alguns breves comentários que me parecem úteis.

I) “Professar a convicção religiosa que se escolheu livremente ou não professar nenhuma; manifestá-la livremente ou abster-se de o fazer; mudar ou abandonar a que se professa” (art. 6.º, alínea a). Visto que a liberdade religiosa garante o acto de fé, qualquer que seja o conteúdo desta – crente, agnóstico ou ateu -, a faculdade de professar uma convicção religiosa ou de não professar nenhuma está protegida precisamente por esta norma, sob o direito à liberdade religiosa. No entanto, isto não está garantido a não ser para as pessoas individuais, visto que o direito chileno, a justo título, não o reconhece aos grupos colectivos. Isto não significa que a profissão colectiva do agnosticismo ou do ateísmo, mesmo o militante, não seja protegida no direito chileno; ele está simplesmente protegido, por outros direitos, como o relativo à liberdade de opinião.

II) “Praticar em público ou em privado, individual ou colectivamente, actos de oração ou de culto; comemorar as suas festas; celebrar os seus ritos: observar o seu dia de repouso semanal; receber na morte uma sepultura digna, sem discriminação por motivos religiosos; não ser coagido a praticar actos de culto e a receber uma assistência religiosa contrária às suas convicções pessoais e não ser entravado no exercício dos seus direitos” (art.º 6.º, alínea b). Retomam-se uma série de faculdades que correspondem ao segundo aspecto da liberdade religiosa, ou seja, a prática da religião à qual dá lugar o acto de fé prévio. A faculdade de “celebrar os seus ritos” pode ser interessante na perspectiva do casamento. No Chile, o casamento canónico foi o único a ser reconhecido pelo Estado até 1884, ano em que foi promulgada a lei sobre o casamento civil. Desde essa data, o único casamento válido aos olhos do Estado é o que é celebrado perante um oficial do registo civil com as formalidades que a mesma lei estabelece, o que não impede a mesma lei sobre o casamento civil de indicar que “os contraentes são livres de se submeterem ou não às exigências e formalidades que prescreve a religião à qual pertencem” (art.º 1.º, sub-alínea 1). Apesar disto, a lei sobre o estado civil estabelece que “se se procede a um casamento religioso sem que ele tenha sido previamente celebrado diante de um oficial do registo civil, os esposos deverão contrair este último antes da expiração de um prazo de oito dias após a celebração do primeiro casamento, excepto em caso de proibição ou de impedimentos legais” (art.º 43.º, sub-alínea 1). A inobservância do que precede é sancionada por uma multa (sub-alínea 2), obriga à celebração do casamento civil e, se este não se realizar, o que se opôs à sua realização é punido com diversas penas de prisão (sub-alínea 4). Como se reconhece agora a faculdade de celebrar os ritos “com a autonomia correspondente e a imunidade de coerção”, podemo-nos interrogar se estas disposições, que sancionam a lei sobre o registo civil, continuam em vigor. Por um lado, para os católicos, “não pode existir contrato matrimonial válido se não for ao mesmo tempo um sacramento” CIC 83, canon 1055 § 2) e as regras canónicas são formalmente reconhecidas pela lei sobre as organizações religiosas no seu artigo 20.º 37; podemo-nos, portanto, interrogar se, reconhecendo o direito de “celebrar os seus ritos ... e não ser entravado no exercício desses direitos” não se abre o caminho conducente ao reconhecimento por parte do Estado do casamento canónico. No entanto, é necessário ter em conta que uma coisa é a possibilidade aparecer agora como realizável e outra bem diferente é optar por essa possibilidade. No actual estado das coisas, a minha opinião é contrária a

uma tal mudança; parece-me mais apropriado manter a situação que existe no Chile desde há mais de cem anos e que, actualmente, é largamente aceite.

III) “Receber a assistência religiosa da sua própria confissão onde quer que se encontre. As formas e condições de acesso dos pastores e dos ministros do culto, para prestarem uma assistência religiosa aos centros hospitalares, às prisões e aos locais de detenção, aos estabelecimentos das forças armadas, às forças da ordem e de segurança serão regidas por regulamentos que ditará o Presidente da República, através dos ministérios respectivamente da Saúde, da Justiça e da Defesa Nacional” (art.º 6.º, alínea c). O tema da assistência religiosa da Igreja Católica às forças armadas é regido pela lei n.º 2 46338 que criou o serviço religioso na armada e na marinha, instituído primeiramente como vicariato militar39 e actualmente como episcopado militar40, cujos estatutos foram aprovados pela Santa Sé em 199741. Trata-se de uma lei concordatária42 cuja implementação prática requer o entendimento entre as duas partes interessadas. O Estado do Chile e a Santa Sé, que devem nomear de comum acordo o bispo militar. Em conformidade com isto, o Estado Chileno não pode proceder unilateralmente a nenhuma modificação dos seus elementos fundamentais. A regulamentação anunciada ainda não foi promulgada, mas não me parece possível que a solução passe pela integração pura e simples dos capelães das outras confissões ao serviço religioso actual das forças armadas, sem falar da dificuldade prática que isso implicaria.

Em contrapartida, já se promulgou o regulamento sobre a assistência religiosa nos centros hospitalares43 .

IV) “Receber e dispensar um ensino ou uma informação religiosa por qualquer meio que seja; escolher por si – os pais para os menores não emancipados e os tutores para as pessoas incapacitadas de tomarem conta de si próprias e colocadas sob a sua guarda – a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções” (art.º 6.º, alínea d). É uma das outras manifestações do segundo aspecto da liberdade religiosa, subentendendo-se que o primeiro é a liberdade relativa ao acto de fé. Reconhece-se, assim, a faculdade de ensinar livremente a religião que se professa e de receber esse ensino, de acordo com o direito à educação reconhecido pela Constituição no artigo 19.º, n.º 10, e com a liberdade de ensinar sancionada no artigo 19.º, n.º 11. É justo reconhecer que esta norma só veio explicitar um direito que se exerce desde há muito no Chile,

pois que as diversas confissões religiosas puderam construir (colégios onde se educam os alunos na sua fé respectiva. Mais, além do facto que as classes de religião estão, desde há alguns anos, regulamentadas em geral nos colégios44, os programas de religião foram aprovados pelas diversas confissões religiosas, além da católica45: a metodista46, a judaica47, a luterana48, a baptista49, a evangélica50, a anglicana51 e a baha’ie52 .

Neste ponto, reconhece-se a faculdade de escolher “a educação religiosa e moral de acordo com as suas próprias convicções”. Pareceme, no entanto, que a referência à educação moral é um erro nesta lei, de acordo com o que disse anteriormente. Se, como eu o entendo, é possível distinguir a liberdade de consciência, a de pensamento e a liberdade religiosa, e que o objecto da liberdade de consciência é o acto moral, no entanto o da liberdade religiosa é o acto de fé, torna-se claro que a educação moral é estranha à liberdade religiosa. É verdade que geralmente uma religião conduz a uma concepção moral definida, mas uma e outra pertencem a esferas diferentes, permanecendo a educação moral protegida pela lei de consciência. Se uma moral pode encontrar a sua origem numa fé religiosa, é igualmente verdade que ela pode encontrar a sua origem numa problemática que não seja religiosa, caso em que se vê claramente que estes conceitos morais não podem ser protegidos pela liberdade religiosa.

V) “reunir-se ou manifestar publicamente com objectivo religioso e associar-se para desenvolver comunitariamente as suas actividades religiosas, em conformidade com a regulamentação geral e com esta lei” (art.º 6.º, alínea c). Projecta-se sobre o factor religiosos o direito de reunião garantido na Constituição (art.º 19.º, n.º 13), de modo que o exercício desse direito se encontra limitado à forma prescrita pela Constituição nesta última norma: as reuniões serão pacíficas, não necessitarão de autorização prévia e deverão desenrolar-se sem armas, e quando se trate de reuniões em praças, nas ruas ou noutros lugares de uso público, elas serão regidas pelas disposições gerais de polícia.

De igual modo, projecta-se no religioso o direito de associação, também ele garantido constitucionalmente (art.º 19.º, n.º 15); em virtude deste, ninguém poderá ser obrigado a pertencer a uma associação, e as associações religiosas que se criarão não poderão ser contrárias à moral, à ordem pública e à segurança do Estado. Esta faculdade de se associar para desenvolver comunitáriamente actividades religiosas pode realizar-se, seja seguindo o direito comum, seja segundo a lei própria às organizações religiosas, que considera diversas possibilidades53 .

Estafaculdadedeseassociarpodedarnascimento,noseiodasconfissões já existentes, a associações de facto ou tendo uma personalidade jurídica, erigidas como meio para atingir os seus próprios fins religiosos. Nada impede, contudo, ‘certo número de fiéis criem uma associação para exercer o seu direito à liberdade religiosa de modo autónomo e independente em relação à própria confissão religiosa. Mais, devido a que esse direito se pode exercer não apenas em conformidade com a legislação comum, mas também em conformidade com a lei sobre as organizações religiosas, em virtude desse direito, um grupo de pessoas pode criar uma nova confissão religiosa e obter a personalidade jurídica de direito público que a mesma lei prevê para esse caso, após ter satisfeito as exigências legais.

2. Faculdades colectivas

a) Plena autonomia

As faculdades colectivas, ou seja, as que são reconhecidas não pelos homens e as mulheres, a título individual, mas sim por organizações religiosas, são consideradas no artigo 7.º da lei das organizações religiosas. Esse artigo começa com uma afirmação decisiva: “Em virtude da liberdade religiosa e de culto, reconhece-se às organizações religiosas uma plena autonomia para o desenvolvimento dos seus próprios fins.” Quando virmos mais à frente a liberdade religiosa como um princípio director do direito eclesiástico chileno, descobriremos que em virtude deste último, o Estado do Chile se declara incompetente face ao acto de fé, de modo que a fé não releva do Estado. No entanto, isso não significa uma passividade face ao facto religioso, pois que compete ao Estado retirar os obstáculos e promover as condições para que a liberdade religiosa dos cidadãos e dos grupos religiosos seja real e efectiva, sendo o facto religioso um factor social que o Estado deve reconhecer e proteger. E, precisamente, porque o Estado se declara incompetente em matéria religiosa e considera o facto religioso como um factor social, entre outros, ele deve garantir às confissões a mais ampla autonomia para o desenvolvimento dos seus objectivos, sem intervir nas questões internas de cada uma delas, à excepção das limitações estabelecidas pela própria Constituição. A autonomia dos organismos religiosos, em todo o caso, não existe apenas em relação ao Estado, mas também em relação a outras pessoas e grupos.

Mas esta autonomia existe em relação aos objectivos que lhes são próprios, ou seja, os que definem a sua originalidade. O que quer dizer

que quando o organismo religioso assume outros objectivos que não lhe são próprios, mas que ele partilha com outros organismos que não são religiosos, como a educação ou a beneficência, cessa a posse de uma autonomia e deve manter-se sujeito, em tudo, às normas que o Estado estabeleceu para o desenvolvimento da educação ou da assistência social.

Esta “plena autonomia para desenvolver os seus próprios fins” outorga aos organismos religiosos uma série de faculdades, das quais algumas são enunciadas pela lei, sem vontade limitativa, pois ela indica expressamente que essas faculdades, “entre outras” lhes pertencem. Ora segundo a artigo 5.º da lei, “cada vez que esta lei emprega o termo “organismo religioso”, deve-se entender que ela se refere às Igrejas, confissões e instituições religiosas de qualquer culto”. Para além disso, segundo o artigo 4.º da lei sobre o mesmo assunto, “entende-se por Igrejas, confissões ou instituições religiosas, os organismos compostos por pessoas que professam uma certa fé”. A lei não exige que se tenha uma personalidade jurídica para se ser considerado como um organismo religioso. É, portanto, possível a um grupo professando uma certa fé constituir-se em organismo religioso capaz de exercer os direitos que nós examinaremos sem tardar. Em alguns casos, contudo, para agir no quadro jurídico chileno – por exemplo, para fundar ou manter locais de culto -, as pessoas desse grupo deverão todas agir conjuntamente ou por meio de um mandatário que as representará a todas. b) Faculdades

I) O direito de “exercer livremente o seu próprio ministério, praticar o culto, celebrar reuniões de carácter religioso, fundar e manter locais com essa finalidade” (art.º 7.º, alínea a). Visto que o culto e as reuniões religiosas não têm habitualmente lugar ao ar livre, reconhece-se-lhes a faculdade de fundar e manter locais com esse fim. A expressão “locais destinadosaessafinalidade”,utilizadapelalei,émaisamplaqueautilizada pela Constituição, “templos e suas dependências”, o que parece evidente pois se as cerimónias do culto têm lugar habitualmente nos templos, as reuniões de carácter religioso podem ter lugar nos locais que não sejam templos nem suas dependência. Apesar de tudo, a isenção fiscal instituída na Constituição para os templos e suas dependências54 não cobre esses outros “locais” fundados e mantidos pelas organizações religiosas para aí se realizarem reuniões de carácter religioso. É claro que, no que se refere à construção e à manutenção de templos e de edifícios, eles permanecem submetidos em todos o pontos à legislação comum.

II) O direito de estabelecer a sua própria organização interna e a sua hierarquia, habilitar, nomear, eleger e designar para os cargos e responsabilidades as pessoas competentes e determinar as suas denominações” (art.º 7.º, alínea b). Nenhuma disputa interna por motivos religiosos releva do Estado, a menos que ela implique delitos, caso em que a intervenção do Estado se revela necessária, não em razão da disputa religiosa enquanto tal, mas em razão do delito cometido.

III) O direito de “enunciar, de comunicar e de difundir, pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio o seu próprio credo e manifestar a sua doutrina” (art.º 7.º, alínea c). Este direito encontra-se inteiramente submetido à legislação comum, nesse sentido podem-se criar os meios de comunicação social próprios e que parecerão oportunos. Quando se trata de meios de comunicação que não são os próprios, estes estarão submetidos à livre decisão daqueles que os dirigem para aceitar ou recusar a difusão dessas doutrinas, sem que se possa exigir a sua difusão por meio desses media.

IV) O direito de “criar pessoas jurídicas conforme à legislação em vigor.

Particularmente (...) fundar, manter e dirigir de modo autónomo instituições de formação e de estudos teológicos ou doutrinais, instituições educativas, de beneficência ou humanitárias” (art. 8.º, alínea a). Não se trata de uma das faculdades enunciadas a título de exemplo no artigo 7.º, mas de um outro direito reconhecido aos organismos religiosos e que se adiciona às faculdades do artigo 7.º. É claro que no caso de instituições educativas, humanitárias ou de beneficência, os organismos religiosos continuam submetidos ao direito comum, não apenas no que respeita à obtenção da personalidade jurídica das pessoas jurídicas de direito privado, mas também no que toca às exigências estabelecidas para promover cada uma dessas esferas de acção.

V) O direito de “criar pessoas jurídicas de acordo com a legislação em vigor.

Particularmente (...) criar, patrocinar e encorajar associações, corporações e fundações às quais elas podem participar, para a realização dos seus fins” (art.º 8.º, alínea b). Este direito também não figura no catálogo das faculdades indicado no art.º 7.º, mas é claro que se trata de um direito que se lhe reconhece. Trata-se de associações, de corporações e de fundações submetidas ao direito comum e, por isso mesmo, de pessoas jurídicas de direito privado, que elas podem não apenas criar, mas nas quais podem participar, podem patrocinar e encorajar.

C. Limites ao direito à liberdade religiosa

A Constituição do Chile garante, no seu artigo 19.º, n.º 6, o “livre exercício de todos os cultos que não se oponham à moral, aos bons costumes ou à ordem pública”. Assim, em princípio, as limitações que os constituintes impõem a este direito são em número de três.

1. A moral

É nos mesmos termos que a Constituição de 1925 estabelecia os limites à liberdade de culto, consagrada pela primeira vez no texto legal. Comentando esta Constituição e referindo-se à moral, Silva Bascuñan55 escrevia que “a moral é a adequação dos actos do homem à finalidade que lhe é própria, segundo o que lhe revela a sua razão, com mais certeza quando ele é iluminada pela fé sobrenatural; será portanto imortal tudo o que ilumine a natureza racional do objectivo para o qual ela foi criada. No interior do bem comum dos seus componentes, cuja obtenção é o objecto da sociedade política, esta não pode aceitar manifestações que, num aspecto tão importante como o dos cultos que se rendem à Divindade, se oponha à moral.” E. Evans de la Cuadro, comentando a Constituição de 1980, exprime-se em termos similares56, quando diz que “a moral é a conformidade do que faz o ser humano com os imperativos que derivam da sua natureza racional”.

Estes conceitos visam sobretudo a moral considerada do ponto de vista do indivíduo. A. Vodanovic57, pelo contrário, refere-se a isso num sentido mais social quando diz que nós devemos entender por moral “o conjunto de noções e de sentimentos que tem um povo num dado momento histórico, em relação com a ordem moral. É a maneira que tem um povo, num determinado momento histórico, de ressentir e de distinguir o bem do mal, o que é honesto do que é desonesto, o que é justo do que é injusto.”

2. Os bons costumes

Comentando a Constituição de 1925, Silva Bascuñan entendia que “os hábitos colectivos que favorecem a realização dos actos virtuosos são os bons costumes; a sua manutenção interessa poderosamente à sociedade política, o que justifica que ela não admita o exercício de cultos que, em vez de os encorajar, dão lugar a vícios individuais ou colectivos.”. E. Evans de la Cuadro59, por seu lado, no seu comentário à Constituição de 1980 declara que os bons costumes se relacionam “com as práticas sociais

geralmente aceites como admissíveis no plano da ética”, razão pela qual os bons costumes “não são senão uma expressão específica da atitude moral”. Tal teria sido a razão pela qual a Assembleia Constituinte de 1980 teria preferido referir-se apenas à moral, julgando inútil incluir o conceito dos bons costumes. A expressão, contudo, subsistiu no ante-projecto60 , afim de não inovar em matéria de liberdade de cultos, respeitando, no essencial, a norma de 1925 e o modo específico que tinha presidido à sua concepção. Os dois conceitos têm a virtude da generalidade, que é igualmente retomada por R.Quijada61 quando define, em geral, os bons costumes como “os que são considerados como correctos pela moral social em vigor num tempo e numa sociedade determinada. Trata-se de um conceito sem precisão jurídica, mesmo se é adoptado por numerosas legislações, no que concerne ao carácter ilícito dos actos jurídicos.”

O conceito de “bons costumes” é também utilizado no direito penal, se bem que circunscrito à esfera sexual62. Todavia, os bons costumes em direito penal são uma coisa, e os bons costumes como limitação à liberdade religiosa são algo muito diferente. Não é pois possível, em boa técnica interpretativa, de extrapolar o conceito penal, válido para este ramo do direito, a toda a regulamentação jurídica, pois poderão existir confissões que atentem aos bons costumes sem que os actos em questão respeitem aos delitos sexuais ou simplesmente à sexualidade.

3. A ordem pública

Trata-se de uma noção clássica, mas que comporta um conceito complexo que Silva Bascuñan63 definiu como “a tranquilidade exterior que resulta do respeito da organização colectiva, em razão do exercício correcto da autoridade na sua esfera e da fiel execução pelos administrados das normas e das ordens que ela acorda”. E. Evans de la Cuadro64 entende que a ordem pública “é a concordância entre o comportamento dos administrados e a ordem institucional que, legitimamente regula a coexistência colectiva”. Os tribunais de justiça tiveram a oportunidade de se pronunciar65 sobre isto, compreendendo que “mesmo quando o conceito jurídico de ordem pública não aparece precisado na nossa legislação que, contudo, para aí remete tão frequentemente, não há dúvida que através da casuística do seu alcance legal e dos comentários dos diferentes autores, é possível deduzir que, por tal conceito, se deve entender a situação de normalidade e de harmonia existente entre todos os elementos de um Estado, obtido graças ao respeito exacto da sua legislação e, em particular,

dos direitos essenciais dos cidadãos, situação de onde se elimina toda a perturbação das normas morais, económicas e sociais em vigor e que se conforma com os princípios filosóficos que norteiam o dito Estado”.

Parece claro que existe uma relação directa entre a ordem pública e a tutela dos direitos fundamentais, na medida em que a ordem pública tem um sentido positivo, de protecção jurídica de um espaço de direitos e de liberdades. Todavia, parece-me que o conceito de ordem pública é mais vasto que esta tutela, mesmo se ele a inclui.

4. A segurança do Estado

Os limites que vimos concernem expressamente, na Constituição, as liberdades de consciência, de pensamento e de religião. Esta última, contudo, além de uma dimensão individual, comporta, à diferença de outras liberdades, uma evidente dimensão colectiva e social, manifestada nas confissões religiosas que, como a pessoa jurídica considerada individualmente, estão sujeitas à liberdade religiosa. Assim, é necessário incluir entre as limitações à liberdade religiosa, segundo o texto constitucional, as que restringem o direito de associação garantido no n.º 15 do artigo 19.º, segundo o qual estão interditas “as associações contrárias à moral, à ordem pública e à segurança do Estado”.

O termo “segurança” possui um conteúdo substancial que se tornou tradicional: “Se o contrário da segurança é a insegurança, o essencial da primeira é a ideia de estabilidade e de continuidade. É aí, precisamente, o que o direito postula para o Estado como entidade e para a sua organização institucional66.” Daí que se tenha definido a segurança do Estado67 como a condição da ordem e da autoridade que garante a paz, a estabilidade, a independência e a soberania do Estado, assim como a actividade tranquila e livre dos seus representantes, funcionários e empregados no exercício das suas funções”. Distingue-se a segurança interior da segurança exterior, e o Código Penal considera actos ilícitos que têm por objectivo a sua protecção: no primeiro caso, protege-se “o ser” e no segundo a “maneira de ser” do Estado68 .

Diferentemente do que se produz com os conceitos limitativos que vimos anteriormente, as expressões “segurança exterior” e “segurança interior do Estado” têm um alcance preciso, que advém dos próprios tipos que consagra o direito positivo. Em todo o caso, “as palavras “exterior”

e “interior” não se referem em nada ao local de onde provêm os ataques contra os bens do Estado. Eles remetem apenas a duas projecções estaduais, assim que os poderes e os direitos que ela implica, sem que se possa sustentar que se trata de conceitos opostos, como transparece claramente no exame dos antecedentes históricos desta terminologia.” É por isso que os dois casos de figura podem produzir-se indistintamente no interior ou no exterior do país, com ou sem a intervenção de agentes exteriores69 .

5. Outras limitações

Até agora vimos as limitações do direito à liberdade religiosa que a Constituição chilena considera expressamente. Mas o texto constitucional também estabelece que “o exercício da soberania reconhece como uma limitação o respeito dos direitos essenciais que emanam da natureza humana. É dever dos organismos do Estado respeitar e promover tais direitos, garantidos por essa Constituição, assim como pelos tratados internacionais ratificados pelo Chile e que estão em vigor” (art.º 5.º, sub-alínea 2). Alguns desses tratados internacionais em vigor no Chile70 consideram como limitações possíveis à liberdade religiosa as que já mencionámos, mas acrescentam outras como as liberdades e direitos fundamentais de outros, assim como a saúde pública.

É uma afirmação indiscutível que a tutela dos direitos fundamentais de terceiros limite legitimamente o exercício da liberdade religiosa. Em todo o caso, na minha opinião, convém lembrar que essa tutela, mesmo se entendida no conceito da ordem pública, não lhe esgota o sentido.

A limitação em relação à saúde aparece como mais complexa, na medida em que, aqui, entram em jogo problemas tão actuais como as transfusões sanguíneas, as greves de fome ou os abusos contra a saúde cometidos por certas seitas. A única questão que foi apresentada perante os tribunais chilenos é a das transfusões sanguíneas, tema que abordei expressamente noutro lado71, ao analisar as sentenças proferidas sobre este tema no Chile. O critério unanime dos tribunais, até hoje, foi o de prevalecer o direito à vida sobre o direito à liberdade religiosa, ordenando aos centros hospitalares que pratiquem as transfusões, se bem que, num caso, o doente tivesse estado suficientemente consciente para se realizar o que pedia, ou seja, não receber a transfusão.

6. Uma reflexão final sobre o tema das limitações

Os conceitos que examinámos e considerámos, limitando o direito à liberdade religiosa, são conceitos genéricos, se bem que se possam delimitar nos casos concretos onde eles entram em jogo.

Esta noção geral representa um risco evidente, pois a história não é avara em exemplos onde, em virtude da ordem pública, se justificaram violações abertas da liberdade religiosa. “Para que essas limitações não possam em caso algum ser aplicadas de modo arbitrário, ou seja, para evitar o recurso injustificado a pretensas razões de ordem pública, etc. é importante que a legislação do Estado ofereça garantias suficientes para controlar toda a eventual decisão que limite os direitos fundamentais, graças a medidas de carácter constitucional e jurídico72.” No Chile, o “recurso de protecção” é o meio mais apropriado para reduzir os riscos de abuso aos quais o emprego dessas limitações poderia dar lugar no exercício do direito à liberdade religiosa.

D. Protecção penal da liberdade religiosa

Quando o Estado professa e reconhece como autêntico um determinado credo religioso, a ofensa feita à Divindade ou ao seu culto é um atentado contra o próprio Estado e merece castigo. Esta concepção, todavia, evoluiu de modo que, mesmo quando uma religião oficial do Estado é reconhecida, ao sancionar esses delitos, protege-se na realidade o sentimento religioso dos cidadãos, qualquer que seja a religião professada, do mesmo modo que quando o Estado reconhece a liberdade religiosa.

O Código Penal do Chile (1875) especifica de modo expresso alguns delitos “relativos ao exercício dos cultos permitidos na República” (art.os 138.º-140.º). Esses delitos foram especificados numa época em que o Chile, regido pela Constituição de 1833, reconhecia como religião oficial do Estado a religião católica apostólica romana, mesmo existindo uma atitude constante de tolerância por parte das autoridades para com as outras confissões religiosas; era autorizado de modo expresso, conforme o indicado previamente, por meio de uma lei interpretativa da Constituição, o exercício privado dos outros cultos, essa lei não fazia senão ratificar uma atitude que, de facto, era observada pelas autoridades. Por isso, apesar do carácter confessional da época, os delitos foram especificados de modo genérico e não exclusivamente em relação ao culto católico. Desse modo, os codificadores inspiraram-se no Código Penal belga com, todavia, sensíveis alterações.

Os crimes e os simples delitos relativos ao exercício dos cultos permitidos na República são, no Código Penal, os seguintes: 1) o

impedimento violento; 2) a perturbação tumultuosa; 3) o ultraje aos objectos de culto; 4) o ultraje ao ministro do culto. Podemos dividir estas quatro figuras em dois grupos de delitos, segundo atinjam a dimensão colectiva da liberdade religiosa, por um lado, ou os sentimentos religiosos, por outro.

1. Delitos atentatórios à dimensão colectiva ou individual da liberdade religiosa

a) O impedimento violento: “ Quem, por violência ou ameaça, tiver impedido um ou vários indivíduos de praticar um culto permitido na República, será punido com reclusão menor no seu grau mínimo73” (art.º 138.º). Pode-se “impedir” o exercício de um culto tornando impossível a celebração de uma cerimónia ou de uma reunião religiosa pelos meios indicados.

Mas o caso é também tomado em conta quando se interdita a uma pessoa em particular de assistir ou de participar. Contudo, não se pune a situação contrária, a saber, aquela que consiste em obrigar um cidadão a tomar parte num acto de culto, mesmo se essa conduta era especificada no Código Penal belga, tomado como modelo. Além dos casos indicados, o exercício de um culto pode ser impedido por um funcionário público, por meio de um acto de autoridade abusivo nesse sentido. b) A perturbação tumultuosa: “Sofrerão pena de reclusão menor no seu grau mínimo74e uma multa de seis a dez unidades tributárias mensais75 aqueles que, por meio de tumulto ou de desordem, tiverem impedido, atrasado ou interrompido o exercício de um culto que era praticado no local a ele destinado ou que sirva habitualmente para o celebrar, ou nas cerimónias públicas desse mesmo culto” (art.º 139.º, n.º1). “Impedir”, no seu sentido mais lato, significa tornar impossível ou extremamente difícil ou perigoso o exercício de um culto. “Retardá-lo” é provocar um começo posterior ao dia e à hora indicados para o seu início. “Interrompê-lo” é provocar a suspensão de uma cerimónia já começada, que esta possa recomeçar depois ou não. Neste caso, o meio utilizado é o “tumulto” ou a “desordem”, que podem consistir em algazarra, gritos, cânticos, gestos, movimentos bruscos ou outros comportamentos que impeçam, atrasem ou interrompam o desenrolar normal de um culto. A norma não exige necessariamente a presença de várias pessoas que tenham este comportamento, mas não é fácil imaginar um tumulto ou uma desordem provocadas por um único indivíduo. Se, pelo contrário, como é normal, várias pessoas intervierem, a responsabilidade de cada uma deverá ser

A Liberdade Religiosa no Chile determinada em separado e de acordo com as regras gerais. O culto impedido, retardado, ou interrompido pode ser uma actividade colectiva onde intervém uma pluralidade de fiéis, ou uma actividade individual onde intervém uma só pessoa, por exemplo a eucaristia celebrada em privado por um padre católico.

2. Delitos atentatórios dos sentimentos religiosos

a) O ultraje aos objectos do culto: “Sofrerão a pena de reclusão menor no seu grau mínimo76 e uma multa de seis a dez unidades tributárias mensais77, os que, por acções, por palavras ou por ameaças, ultrajarem os objectos de um culto, seja nos locais a este destinados ou que sirvam habitualmente para o seu exercício, seja aquando das cerimónias públicas desse mesmo culto” (art.º 139.º, n.º 2). Esta lei tende a proteger o sentimento religioso como um valor subjectivo, sem tentar pronunciar juízos objectivos em matéria religiosa. De facto, na comissão de redacção, rejeitou-se uma proposta visando adicionar uma alínea relativa à profanação de objectos ou de locais destinados ao “culto público”, dito de outro modo, o culto católico que, na época, era a religião oficial do Estado. Assim, por “objecto de culto” devem entender-se “as coisas corporais que, no interior de um determinado ritual religioso, têm um valor simbólico ou cerimonial para além da simples materialidade78”. O verbo director neste caso é “ultrajar” que, em princípio, representa uma ofensa injuriosa realizada por meio de gestos ou de atitudes; a lei, no caso que analisamos, estendeu os meios de execução às acções – que compreendem os gestos -, palavras e ameaças. Assim, o ultraje consistirá em manifestar por esses meios, desprezo, zombaria ou grave falta de respeito para com as pessoas que se servem dos objectos destinados ao culto. Apesar de tudo, o ultraje não pode produzir-se senão nos locais e nas ocasiões às quais a lei se restringe: a) locais destinados ao culto; b) locais que servem habitualmente ao exercício de um culto; c) cerimónias públicas de um culto. Trata-se de locais e de ocasiões onde sem equívoco os objectos servem à manifestação das convicções. b) O ultraje ao ministro de um culto: “Sofrerão a pena de reclusão menor no seu grau mínimo 79 e uma multa de seis a dez unidades tributárias mensais80, os que por acções, palavras ou ameaças, ultrajam o ministro do culto no exercício do seu ministério” (art.º 139.º, n.º3). O artigo 140.º prossegue graduando a pena segundo os atentados dos quais possa eventualmente ser vítima a pessoa do ministro. Este caso, à semelhança do precedente, protege o sentimento religioso, pois que a protecção não é oferecida ao ministro como simples pessoa, mas enquanto ministro do

culto, estando entendido que este delito não é cometido a não ser quando o ministro age “no exercício do seu ministério”. É ministro de um culto a pessoa que é consagrada ao serviço deste e que, nas cerimónias públicas ou nas reuniões dos fiéis, dirige estes últimos e os representa perante a Divindade ou representa a Divindade perante os fiéis. Em conformidade com a lei n.º 19 638 sobre os organismos religiosos, “os ministros do culto de uma Igreja, confissão ou instituição religiosa acreditarão a sua qualidade de ministros por meio de um certificado emitido pelo seu organismo religioso através da pessoa jurídica respectiva” (art.º 13.º).

O verbo director neste caso é o mesmo que no caso precedente, a saber, o ultraje por meio de acções, de palavras ou de ameaças. Mais, o ultraje pode fazer-se “por via de facto, exercendo violências físicas sobre a pessoa do ministro chegando a vias de facto”; esta expressão compreende os golpes desferidos com as mãos, os pés ou com armas. A pena incorrida pelo simples facto de “chegar a vias de facto” é suficientemente pesada mesmo se a violência não tem consequências qualificáveis de ferimentos e sim de “ofensas” – palavra utilizada no artigo 140.º, sub-alínea 1 - implica feridas ligeiras. A agravação aumenta segundo se trate de ferimentos ligeiros, graves, muito graves81 ou a morte do ministro do culto.

Se os ferimentos são ligeiros não se aplica a clausula agravante do artigo 401.º, que sanciona com uma pena mais pesada os ferimentos menos graves infligidos, entre outros, aos padres, pois esta clausula é considerada como agravante apenas nos delitos de ferimentos, e não no delito de ultraje ao ministro de um culto agravado por ferimentos.

Segundo A. Etcheberri82, a análise da subjectividade desta última hipótese merece uma atenção especial, porque ela apresenta problemas particulares, na medida em que a punição prescrita para violências que impliquem ferimentos ou a morte é superior à que corresponde a esses mesmos delitos cometidos intencionalmente. Depreende-se daí que esta infracção é sempre considerada como um delito contra o livre exercício dos cultos, justificando-se a mais forte punição pelo duplo bem jurídico posto em causa: a pessoa do ministro e o sentimento religioso. O delito, por consequência, conserva a sua estrutura fundamental: deve tratar-se de um ultraje ao ministro de um culto enquanto tal, ou seja, de uma manifestação de desprezo ou de ódio em relação ao culto através da pessoa do ministro. De modo que se a agressão teve lugar sob esta forma, aplicar-se-ão as penas do artigo 140.º nos respectivos casos, a menos que em relação aos resultados, o facto tenha ocorrido em situação de intencionalidade – directa ou eventual – de falta – consciente ou inconsciente – ou, mesmo,

de circunstância fortuita, caso em que se trataria de um delito qualificado pelo resultado. Pelo contrário, se a agressão se exerceu contra o ministro de um culto enquanto pessoa, sem considerar a sua qualidade de ministro, a agravação pelos resultados dependerá das características do dolo ou da falta das lesões e será considerada como um concurso ideal ou material de meio para atingir os fins.

3. Actividades delituosas cometidas por membros de seitas

Eu abordei expressamente este tema numa outra obra83, de onde extraio alguns elementos que me parecem mais úteis para esta rubrica. a) Delitos e sanções

O quadro penal deve ser o último recurso da sociedade na luta contra as seitas. A acção do Estado neste sentido deve ser precedida de medidas de controle e de vigilância, que, protegendo os cidadãos, impeçam as seitas ou os seus adeptos de violarem os direitos que o próprio Estado deve proteger. Na doutrina penal, é corrente indicar-se que uma das características do direito penal dos Estados democráticos modernos é o princípio da intervenção mínima “ultima ratio” na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas. Fora desta solução que fornece o direito penal, ficam toda uma série de controles administrativos ou judiciários para as acções eventualmente prejudiciais a esses grupos.84. Se, apesar de tudo, a violação teve lugar, a resposta do Estado deve ser vigorosa.

Pela sua própria natureza, os novos movimentos religiosos evoluem num meio específico, o meio religioso. Contudo, a maioria dos delitos de que os acusam transgridem valores estranhos ao meio religioso. Como se trata de delitos que qualquer pessoa pode cometer, quer seja ou não membro de um movimento religioso, o castigo incorrido por esses delitos será idêntico ao que atinge qualquer cidadão, ou seja, far-se-á abstracção da sua filiação religiosa.

Os delitos comuns imputados às seitas encontram-se todos definidos no nosso Código Penal ou em leis penais particulares: coacção, ameaças (art.os 296.º e 297.º), atentados à liberdade e à segurança das pessoas (art.os 141.º - 147.º), rapto (art.os 358 - 360.º), homicídio (art.os 390.º - 393.º), ferimentos corporais (art.os 395.º - 403.º), calúnia (art.os 412.º - 415.º), burla (art.os 467.º - 473.º), tráfico de drogas (lei n.º 19366, decreto n.º 565, de 26 de Janeiro de 1996, do Ministério da Justiça), fuga de divisas, delitos do trabalho relacionados com os horários de trabalho, os salários, os pagamentos provisionais, etc. Assim, a sanção dos delitos comuns cometidos por prosélitos das seitas far-se-á segundo a legislação comum.

Existem, no entanto, certos delitos que, ao contrário dos precedentes,

atingem mais especialmente o valor da religião e da liberdade religiosa. Com efeito, uma das acusações que, em direito comparado, é lançada contra certas seitas concerne o proselitismo destas, ou seja, os métodos de captação dos seus membros: “Fala-se da utilização de pressão psicológica que anula a vontade do indivíduo aquando da tomada de decisão de integrar a seita ou de controle mental uma vez que pertence a ela. Conta-se até um tipo de conduta comum a essas seitas, que, combinando o isolamento da vítima, a informação massiça, um regime alimentar particular e a privação de sono, acabam por reduzir as suas faculdades afim de controlar e manipular o indivíduo85 . Entre os autores espanhóis afirma-se – o que nos parece válido em geral – que, tratando-se dos meios de captação, deve-se respeitar todos os que são empregues, à condição que eles se situem nos limites da liberdade religiosa, caracterizada pelos direitos e liberdades dos outros e pela salvaguarda da saúde, da segurança e da moral pública. Caso contrário, desde o momento em que o proselitismo pressupõe pressões, coacções ou ameaças e, bem entendido, quando aparece sob a forma mais subtil da “lavagem cerebral”, deve ser considerado como ilícito. A novidade dos métodos e das técnicas que atentam contra a liberdade da pessoa deveria fazer-se acompanhar de meios de defesa e de sanção equivalentes no sistema jurídico do Estado.

O Código Penal do Chile, como acabámos de ver, sanciona os delitos relativos ao exercício dos cultos permitidos na República (art.os 138.º e 140.º), mas não existem normas que rejam o proselitismo ilegal, como é o caso no direito comparado.

Se o principal problema dos novos movimentos religiosos não é tanto a sua existência – facto que não é historicamente novo – mas sim os métodos que eles empregam na difusão das suas doutrinas e na incorporação dos seus adeptos, parece útil determinar esta conduta quando ela assume características delituosas, ou seja, quando ela atenta contra a liberdade ou a segurança das pessoas, delito que não existe actualmente no Chile. b) Entrada em vigor da lei das seitas

O artigo 292.º do Código penal do Chile estabelece que toda a associação constituída no sentido de atentar contra a ordem social, os bons costumes, as pessoas ou as propriedades “implica um delito que existe pelo simples facto de se organizar”, o que implica a punição dos chefes, dos que aí exerceram o comando, dos que suscitaram essa associação (art.º 293.º) e de todo o indivíduo que aí tenha participado, assim como daqueles que, ciente e voluntariamente, lhe tenham fornecido os meios e os instrumentos para cometer crimes ou simples delitos, um alojamento, um esconderijo ou um local de reunião (art.º 294.º). É igualmente sancionado

o que, tendo tido informações verosímeis dos planos ou das actividades desenvolvidas por um ou diversos membros de uma associação ilícita, não os leve oportunamente até ao conhecimento das autoridades (art.º 295.º bis).

As normas anteriores, que introduzem a sanção dos dirigentes da associação, são completadas pelas que comportam a anulação da sua personalidade jurídica, o que é agora regido pela lei dos organismos religiosos relativa às confissões que obtêm a personalidade jurídica de direito público que esta lei institui. Segundo ela, a dissolução de uma pessoa jurídica constituída em conformidade com esta lei pode ser efectuada em conformidade com os seus próprios estatutos “ou em aplicação de uma sentença judiciária firme, oriunda de uma acção empreendida a pedido do Conselho de Defesa do Estado, o qual poderá agir de ofício ou a pedido das partes, nos casos correspondentes” (art.º 19.º, sub-alínea 1). Uma vez dissolvida a pessoa jurídica proceder-se-á à sua eliminação no registo público (art.º 19.º, sub-alínea 2).

O organismo religioso que não solicite ou não obtenha este registo e, consequentemente, a personalidade jurídica de direito público, e que possua anteriormente ou tenha adquirido posteriormente a personalidade jurídica de direito privado em virtude da liberdade de associação, pode ver anulada a sua personalidade jurídica por um decreto do Presidente da República “desde o instante em que ele o considere contrário às leis ou aos bons costumes, ou devido a inobservância dos objectivos para os quais tenha sido constituído, ou porque cometeu infracções graves contra os seus estatutos”. O próprio Ministério da Justiça poderá proceder à realização do inquérito correspondente para verificar os factos que justifiquem a anulação ou fazê-lo através de outros órgãos do Estado (art.º 25.º, regulamento respeitante à pessoa jurídica)86 .

Será esta medida efectiva? Infelizmente, a resposta não é muito positiva. A regra jurídica existe, mas, aparentemente, falta a vontade de a pôr em prática. Apesar de tudo, alguns exemplos recentes provam que ela pode ser praticada87 .

III. A liberdade religiosa como princípio

Um dos temas centrais do direito eclesiástico do Estado é o que se relaciona com os princípios que o norteiam, ou seja, “os valores superiores ou as ideias fundamentais que inspiram a regulamentação do factor religioso nos estatutos jurídicos88.”. O tema é muito importante como o mostra o facto de que ele é abordado expressamente por quase

todos os tratados89 e manuais90 de direito eclesiástico que foram escritos em Espanha. Partindo do princípio que é possível falar actualmente de um direito eclesiástico do Estado do Chile, parece-me igualmente possível abordar a liberdade religiosa não mais enquanto um direito, mas como princípio orientando a actividade do Estado Chileno em matéria religiosa. O primeiro a ter abordado este assunto de modo exaustivo e, na minha opinião, ainda inigualado, foi Pedro Juan Viladrich, com o primeiro tratado de direito eclesiástico do Estado publicado na esfera universitária espanhola91; os outros autores que escreveram sobre este tema seguiramno, de uma maneira geral92. Não é aqui o lugar para teorizar sobre o tema dos princípios directores, matéria para a qual remeto à excelência de Pedro Juan Viladrich. Considerando, portanto, como adquiridas as noções gerais sobre estes últimos, dirigirei brevemente a minha atenção para a liberdade religiosa como princípio no aparelho jurídico chileno.

A. Uma clarificação conceptual

Quando nos referimos à liberdade religiosa como direito fundamental, como fizemos no parágrafo precedente, a nossa atenção debruça-se sobre um direito concreto, natural, inviolável, imprescritível e inerente à pessoa humana, e que, ao mesmo tempo que outros direitos, constitui o património jurídico de base, radical, face à sociedade e ao Estado. Nesta perspectiva, a liberdade religiosa enquanto direito fundamental contém uma ideia ou uma definição da pessoa.

Pelo contrário, quando nos referimos à liberdade religiosa como princípio director, a nossa atenção dirige-se para uma característica do direito eclesiástico e do próprio Estado, os quais se encontram estruturados de um modo bem preciso em resposta às exigências que nascem do princípio. Nesta perspectiva, a liberdade religiosa contém uma ideia ou uma definição de Estado93 .

A Constituição de 1925 foi decretada num momento em que o direito religioso ainda não figurava entre as declarações universais e regionais dos direitos, que só apareceram mais tarde. É por isso, e mesmo que a liberdade religiosa ocupasse o seu lugar nas declarações dos direitos do fim do século XVIII, a Constituição de 1925 limitou-se a consagrar a separação da Igreja e do Estado. Pelo contrário, a Constituição de 1980 foi decretada quando o direito à liberdade religiosa já estava universalmente consagrado, não apenas no direito constitucional comparado, mas também em documentos internacionais sobre os direitos do homem subscritos oficialmente pelo Chile. Assim, mesmo que o conteúdo do

artigo respectivo da Constituição de 1925 tenha sido conservado quase literalmente na de 1980, esta última Constituição consagra entre outros, o direito à liberdade religiosa. É por isso que a lei n.º 19 638 sobre os organismos religiosos (1999) pôde afirmar, no seu artigo primeiro, que “o Estado garante a liberdade religiosa e de culto nos termos da Constituição política da República”, e, sobre as suas bases, desenvolver nos seus artigos 6.º e 7.º os conteúdos da liberdade religiosa, conforme vimos anteriormente.

B. O princípio da liberdade religiosa no direito eclesiástico do Estado Chileno

Convém ver se é possível encontrar o princípio da liberdade religiosa, entendido como o faz a doutrina eclesiástica, enquanto princípio fundador dos actos do Estado do Chile face ao religioso na sua dimensão social. Nós partimos do princípio de que o direito fundamental à liberdade religiosa se encontra reconhecido e garantido na nossa Constituição. Mas será possível salientar nesta ou, em geral na nossa legislação, os elementos que nos permitem afirmar a existência, no direito chileno, desse princípio da liberdade religiosa?

A minha resposta a esta questão é afirmativa, não apenas porque a Constituição em vigor reiterou a rejeição do Estado do Chile ao carácter confessional do Estado, mas também porque a acção do Estado Chileno e a legislação publicada ultimamente mostram até que ponto o Estado Chileno se deixa nortear na sua acção em matéria religiosa, pelo princípio da liberdade religiosa. Refiro-me à lei n.º 19 638, que estabelece normas sobre a constituição jurídica das Igrejas e das organizações religiosas. Esta lei contém dois grupos de normas regulando dois temas diferentes, se bem que inteiramente ligados: por um lado ela explicita o conteúdo do direito fundamental à liberdade religiosa garantido na Constituição (art.º 6.º e 7.º) e, por outro lado, ela regulamente as diversas modalidades da personalidade jurídica que podem ter os organismos religiosos (art.os 8.º - 20.º). Na minha opinião, e deixando de lado as imperfeições técnicas da lei, o princípio que anima este segundo bloco de normas reguladoras da personalidade jurídica consiste, precisamente, em afirmar com firmeza que o Estado do Chile é absolutamente incompetente em matéria religiosa; incompetente, ao ponto de não se poder considerar em condições de qualificar os conteúdos religiosos das doutrinas sustentadas pelos organismos que solicitam a sua inscrição como confissões religiosas e, até, estabelecer a estrutura de organização que cada uma delas desejará

possuir, o que elas fazem hoje de modo totalmente autónimo94. Ao enfrentar esse tema tão importante da dimensão social da religiosidade dos cidadãos, esta lei, na minha opinião, teve o efeito de fazer agir o Estado Chileno unicamente enquanto Estado, assumindo a tarefa de promover o religioso, mas sem assumir uma qualquer atitude religiosa. Decorre claramente da sua legislação que o Estado Chileno não coage os seus cidadãos em matéria religiosa, como também não toma o seu lugar nem coopera com eles, contentando-se em desempenhar o papel que lhe incumbe enquanto Estado.

Nesta perspectiva, a lei das organizações religiosas constitui um marco importante na nossa legislação eclesiástica, pois ela esclarece até que ponto o princípio da liberdade religiosa é o que anima e determina a atitude do Estado Chileno face ao fenómeno religioso. Desde a Constituição de 1925, a liberdade religiosa foi compreendida no Chile como um direito director. No meu ponto de vista, a lei das organizações religiosas representou um avanço de singular importância, visto que, conservando o reconhecimento da liberdade religiosa como garantia constitucional de um direito fundamental, ela introduziu a liberdade religiosa como princípio fundamental do direito eclesiástico chileno. Graças a isso, a nossa legislação seguiu de perto os progressos que foram realizados em matéria de liberdade religiosa nas últimas décadas, o que é motivo para nos felicitarmos. É verdade que a lei apresenta deficiências técnicas, explicáveis em grande parte pelo desenvolvimento recente do direito eclesiástico no nosso país, mas isso prova também de modo explícito que o princípio da liberdade religiosa está a orientar o Estado nessas matérias. E é importante que se tome consciência disso, pois, precisamente, os problemas que suscita a própria lei – tais como o difícil equilíbrio entre o exercício do direito fundamental à liberdade religiosa em matéria de personalidade jurídica e os abusos que se podem cometer apoiando-se nela - deverão ser resolvidos pelas autoridades tendo em conta esse princípio, que, definindo a atitude fundamental do Estado do Chile em matéria religiosa, realça os restantes princípios que deverão ser estudados noutras circunstâncias.

O que precede permite-me de compreender, consequentemente, que a Constituição de 1980, mesmo conservando em matéria religiosa o texto da Constituição de 1925, excepção feita a algumas alterações menores, escolheu enquanto função de primeiro princípio director definindo o Estado do Chile em matéria religiosa o da liberdade religiosa, o que me parece conduzir às seguintes consequências imediatas:

1. Ela quebra a ideia tradicional que consiste em conceber o carácter confessional ou a laicidade do Estado como os extremos opostos de uma mesma linha, como as alternativas pendulares e contraditórias da atitude do Estado face ao religioso. A Constituição de 1980 rompe o binómio contraditório confessional-laico e propõe uma nova alternativa: o primeiro princípio que define o Estado em matéria religiosa é o princípio da liberdade religiosa, substituindo o da confissão do Estado que impregnou as nossas Constituições durante todo o século XIX e os primeiros anos do século XX95 . 2. A Constituição aceita também o princípio da laicidade, mas ela concebe-o com um conteúdo e uma função muito diferentes em relação aos que são habituais, no sentido próprio ao século XIX, de “laicidade do Estado”. Deste modo, é o princípio da liberdade religiosa que define a atitude do Estado do Chile, como entidade, face à fé religiosa, e não o da laicidade, princípio que, submetido ao da liberdade religiosa, vem a significar a natureza e os limites da responsabilidade do Estado na garantia e na promoção do factor religioso como fazendo parte do bem comum da sociedade. 3. Aceitando como princípio primário o da liberdade religiosa, a Constituição resolve desde logo, de modo mais ou menos profundo e mais sólido, o fundamento, as garantias e os limites do direito fundamental à liberdade religiosa, o que não aconteceria se ela tivesse optado, como princípio fundamental primário, por ser não confessional. Isto merece uma explicação.

Num regime confessional, tal como existia no Chile até 1925, o princípio confessional impede, por definição, que o primeiro princípio definindo o Estado em matéria religiosa seja o de liberdade religiosa. “Os dois princípios, entendidos como critérios de organização cívica e de definição do Estado, são incompatíveis entre eles. Não se passa o mesmo com o direito à liberdade religiosa. Em teoria e na prática, existe lugar para a coexistência de um Estado confessional que reconheça o direito fundamental à liberdade religiosa96. É por isso que “nos sistemas confessionais, na própria medida em que o ser confessional se constitui em princípio primário da definição do Estado, o direito civil à liberdade religiosa é limitado pelo facto de ser confessional, cuja protecção prevalece (...) sobre a do direito97”.

Dito de outra forma, a esfera do direito à liberdade religiosa tende sempre a ser fixada pelo princípio primário – qualquer que seja – que define o Estado face ao religioso. Contudo, isso não acontece apenas nos sistemas confessionais, pois também aparece com nuanças próprias, nos

Estados que se declaram laicos com a mesma solenidade com que outros se declaram confessionais, atribuindo à laicidade o papel de primeiro princípio definindo a atitude do Estado em relação ao factor religioso.

IV. Algumas reflexões finais

Nas páginas precedentes concentrei a minha atenção na liberdade religiosa na sua dupla dimensão de direito e de princípio. É evidente que a atenção que o Estado Chileno presta ao fenómeno religioso, na sua dimensão social, vai para além do que eu indiquei nas páginas precedentes, mas uma visão mais completa e detalhada faria o objecto de um tratamento mais desenvolvido da parte do direito eclesiástico do Estado, o que ultrapassa o propósito deste trabalho. Apesar de tudo, a liberdade religiosa nos termos estudados, entendida como direito e como princípio, é o quadro jurídico que delimita todo o tratamento que o direito do Estado do Chile faz da religiosidade dos seus cidadãos enquanto factor social. A partir desse quadro podem-se fazer algumas reflexões finais: 1. Desde a sua independência (1818) e até 1925, ou seja durante mais de um século, o Chile foi um país confessional católico. Todavia, este carácter confessional não o impediu de reconhecer, primeiro de facto, mas depois de jure, outras confissões a quem permitiu a acção no país, com um reconhecimento jurídico, se bem que com um regime manifestamente diferente do da religião oficial. Esta situação prolongou-se até 1925, ano em que, com uma nova Constituição, foram estabelecidas a liberdade dos cultos e, de um modo amigável, a separação entre a Igreja e o Estado.

A Constituição de 1925 não falou de liberdade religiosa e, se é verdade que de jure a liberdade dos cultos era reconhecida, a presença e a importância da religião católica permanecia incontornável, pois que o que se chamava outrora “dissidentes” constituía uma minoria da população; entre essas confissões, as mais numerosas eram os evangélicos e os protestantes que, sociologicamente, se situavam entre os grupos com menos recursos.

Esta situação prolongou-se até aos anos sessenta do último século, quando começou a produzir-se, por um lado, o desenvolvimento no Chile de grupos religiosos estrangeiros não católicos que empreenderam um vigoroso trabalho de proselitismo e de captação de adeptos entre as classes médias da sociedade, como os mormons ou as testemunhas de Jeová. Por outro lado, é preciso contar com o desenvolvimento de grupos evangélicos e protestantes, que começaram a ultrapassar a sua esfera habitual para se espalharem pelas classes médias; esta situação foi

favorizada pelo desenvolvimento geral que o país conheceu na segunda metade do século.

Tudo isto levou a uma tomada de consciência crescente – particularmente entre os evangélicos e os protestantes – da situação juridicamente diferenciada que era a sua em relação à Igreja católica e, consequentemente, o desejo de alcançarem a igualdade jurídica. O centro da discussão religiosa desses últimos anos no Chile andou em torno da personalidade jurídica das confissões evangélicas, discussão que elas indiscutivelmente inspiraram.

Tornou-se evidente que a Igreja católica – e mais tarde a Igreja ortodoxa – tinha uma personalidade jurídica de direito público, enquanto que as restantes confissões tinham uma personalidade jurídica de direito privado. Mas também se evidenciou que, entre umas e outras, não existia nenhuma diferença quanto à sua capacidade de agir no sistema jurídico chileno. Noutros termos, a discussão não visava a obtenção de novos espaços ou capacidades de acção, mais sobretudo a de uma qualidade – pessoa jurídica de direito público – que não ia trazer-lhes vantagens substanciais98. O desejo era somente de ter um estatuto jurídico similar ao da Igreja católica. É por isso que alguns dos projectos apresentados a partir de 1990, depois da instalação do Congresso Chileno, tendiam a satisfazer esta pretensão do mundo evangélico e protestante, a saber outorgar-se-lhes – e apenas a eles – uma personalidade jurídica de direito privado99. Finalmente, o projecto foi mais abrangente, pois aspirava a estabelecer “normas sobre a constituição jurídica e o funcionamento das Igrejas e organizações religiosas” em geral100. Mas o militantismo que os grupos evangélicos tinham tido até esse momento era retomado de modo expresso no projecto101 .

Este último projecto esteve na origem da lei n.º 19 368, à qual já me referi neste trabalho numerosas vezes102. Trata-se de uma lei geral que não menciona os evangélicos nem os protestantes, mas que, sem dúvida, se aplica a eles. No entanto, esta lei não se aplica à Igreja católica103, nem à Igreja Ortodoxa, para o que diz respeito à obtenção da personalidade jurídica de direito público, pois ambas a conservam, gozando já dela, o que é reconhecido na mesma lei (art.º 201.º104).

Todavia, o resultado não foi uma equivalência completa – aos olhos do direito chileno – entre as Igrejas e as confissões, porque esta lei, mesmo se ela outorga às confissões religiosas a personalidade jurídica de direito público, introduziu na regulamentação jurídica chilena uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito público – unicamente aplicável

às confissões religiosas regidas por ela – que, mesmo se ela se aproxima da anterior, não a torna equivalente. Na prática, isso significa que a igualdade, à qual aspiravam tão fortemente as confissões evangélicas, não foi atingida, se bem que tenha havido uma aproximação notável105 . Por exemplo, a Igreja católica conserva a possibilidade de concluir acordos com o Estado do Chile pela via tradicional das concordatas ou através das novas modalidades surgidas nesse tipo de relacionamento, o que não podem fazer as outras confissões religiosas, porque a lei não prevê essa possibilidade. Por outro lado, a anulação da personalidade jurídica da Igreja católica exige, pelo menos, uma lei da República106, o que não é o caso das outras confissões, pois que basta a sentença de um juiz numa instrução aberta pelo Conselho de Defesa do Estado. Isto não representa uma entorse à igualdade proclamada pela Constituição (art.º 19.º, n.º 2), porque mesmo que “no Chile não existissem pessoa ou grupo privilegiados (...) e que nem a lei nem nenhuma autoridade pudessem estabelecer diferenças arbitrárias”, a própria Constituição reconhece que podem existir diferenças, à condição que elas não sejam arbitrárias.

E é o que acontece neste caso. 2. A lei dos organismos religiosos, finalmente aprovada, ultrapassou, como se pode observar, as motivações que estavam na origem da sua promulgação. Ela teve a virtude de introduzir o conceito de liberdade religiosa nas disposições jurídicas e desenvolveu os conteúdos mais elementares destas, seguindo de perto os tratados internacionais sobre os temas que estão em vigor no Chile. Na minha opinião, o seu principal mérito, contudo, é de ter feito da liberdade religiosa o princípio director mais importante da acção do Estado em relação ao religioso como factor social. Assim, a liberdade religiosa não é apenas mais um conceito que foi introduzido no património jurídico chileno, não é apenas um direito protegido pela Constituição e pela lei, mas, o que também é importante, é o princípio que deve orientar no futuro a acção do Estado em matéria religiosa.

Tudo isto representou um avanço importante no que concerne à liberdade religiosa no Chile. Contudo, subsistem problemas que merecem um maior interesse. Alguns tiverem origem na própria lei de que falámos.

O primeiro deles é o próprio conceito de confissão religiosa que figura na lei. Em geral, o direito mostrou-se muito prudente quando se trata de formular um conceito de “religião” ou de “confissão religiosa” nos textos legais, por causa da própria dificuldade que supõe esse conceito107 .

Esta lei, contudo, forneceu um conceito legal, entendendo “por Igrejas, confissões ou instituições religiosas os organismos compostos de pessoas que professam uma certa fé” (art.º 4.º), conceito completado pelo artigo seguinte, segundo o qual “cada vez que esta lei emprega o termo “organismos religiosos” entende que ela faz referência às Igrejas, confissões e instituições religiosas de qualquer culto” (art.º 5.º). A amplitude do conceito salta aos olhos, pois a lei deixa a cada confissão religiosa o cuidado de se auto-definir enquanto tal, cingindo-se o Estado a registar as que se auto-qualificam “de organismos religiosos”, sem que a lei lhe forneça meios mais amplos para rejeitar, por aspectos de fundo, uma inscrição religiosa. A coisa complica-se ainda mais pelo facto de que, durante a elaboração da lei, eliminaram-se os artigos que, seguindo o modelo espanhol, excluíam da aplicação desta os grupos que se consagravam a práticas psíquicas, parapsicológicas, mágicas ou satânicas108 .

Reside aí um dos aspectos da lei que foi mais criticado. Por este meio, a porta está aberta às seitas mais destrutivas que, habitualmente se auto -qualificam de “religiosas”, podendo assim adquirir no Chile a qualidade de pessoas jurídicas de direito público e obter não apenas as garantias económicas e fiscais que a lei reconhece aos organismos religiosos, mas, pior ainda, o apoio do estado concernente à sua qualidade religiosa, o que facilita o seu trabalho de engano junto do público.

Um outro problema colocado pela lei é o reconhecimento pelo Estado Chileno – de acordo com o artigo 9.º desta lei109 – de pessoas jurídicas constituídas no interior de uma confissão religiosa quando “as suas normas jurídicas próprias” permitirem essa constituição. Trata-se de um artigo redigido em relação com o direito canónico, mas que, de facto, não se aplica à Igreja católica. Eu sou de opinião que é preciso revogar este artigo ou entendê-lo como aplicando-se às confissões religiosas que têm uma regulamentação jurídica semelhante ao direito canónico, tais como o direito anglicano ou ortodoxo110. Não o entender assim abre a porta a abusos insuspeitos por parte de grupos sectários, além do facto de que ele introduz uma desigualdade arbitrária entre essas pessoas jurídicas constituídas no interior de uma confissão religiosa e as que estão constituídas pelo Estado Chileno, pois as primeiras seriam isentadas dos controlos estritos aos quais estas últimas devem sujeitar-se junto das autoridades administrativas para obter a dita personalidade111 . 3. A publicação da lei dos organismos religiosos mostrou que os organismos que obtiveram a sua personalidade jurídica de direito público

são já numerosas112. Uma olhadela geral aos estatutos aprovados pelos organismos religiosos113 mostra desde logo a aplicação parcial que é feita danormaquepermiteaessesorganismosreligiososdedefiniremaestrutura e a hierarquia que pareçam as mais apropriadas aos seus fins. Se existe algo de comum entre um bom número delas, é a falta de originalidade dos seus estatutos, tendo-se a impressão que eles se contentaram em recopiar os estatutos que tinham quando eram pessoas jurídicas de direito privado ou, se não o eram, que seguiram o modelo desses estatutos. Em numerosos casos, a profissão de fé é a única coisa que permite observar diferenças entre esses organismos religiosos de direito público e qualquer outra associação de direito privado. Todavia, alguns há que fazem prova de uma maior originalidade nos seus estatutos e na sua configuração como, por exemplo, os organismos pentecostais.

Parece-me que é necessário procurar a explicação deste fenómeno, pelo menos em parte, na fraca tradição e na criação recente de um grande número desses novos organismos. A maioria deles apareceram e desenvolveram-se durante o século XX, a coberto das normas do direito chileno que, anteriormente à lei dos organismos religiosos, lhes permitia de se constituírem em pessoas jurídicas de direito privado, adoptando a configuração que a lei fixava, o que, aparentemente, não os incomoda; é por isso que eles não sentem a necessidade de produzirem uma estrutura diversa e original. Pelo contrário, os que têm uma história mais antiga apresentam uma organização mais original e mais adaptada às suas próprias especificidades.

O apego excessivo de algumas confissões ao aspecto económico chama igualmente a atenção. A um ponto que em algumas delas, o membro que tem três meses de atraso no pagamento das suas cotizações – frequentemente sob a forma de dízimo – se encontra suspenso de todos os seus direitos, ou mesmo expulso da comunidade, se o atraso é de dez meses consecutivos. Se as confissões religiosas têm por finalidade ver os seus fiéis a viverem intensamente a sua fé, face a tais preocupações pecuniárias e a tais sanções, podemo-nos legitimamente questionar se o verdadeiro objectivo de certos organismos religiosos é espiritual ou se se trata apenas de uma desculpa para atingir objectivos menos louváveis. 4. A legislação chilena reguladora do factor religioso na sua dimensão social não está limitada. Ela foi abundante durante os anos em que foi confessional e que se estenderam até 1925.

Durante os anos seguintes e até hoje, continuou-se a legislar nestas matérias, e as normas oficiais chilenas em vigor no domínio são numerosas.

Algumas delas hoje em vigor foram editadas durante o período precedente, ou seja, durante os anos em que foi confessional. Se, como eu penso, é possível actualmente afirmar que no direito chileno o princípio director em matéria religiosa é o da liberdade religiosa, parece que essas normas, ou pelo menos algumas delas, deveriam ser revistas e adaptadas à nova realidade que conhece o país. Para dar um único exemplo, penso no artigo 965.º do Código Civil114. Segundo este: “por testamento feito por ocasião da fase terminal de uma doença, não pode receber nenhuma herança ou legado, nem mesmo enquanto executor testamentário encarregado de um fideicomisso, o eclesiástico que tenha confessado o defunto durante essa doença, ou habitualmente no decurso dos dois anos anteriores ao testamento; nem a ordem, o convento ou a confraria do qual seja membro o eclesiástico; nem os seus parentes por consanguinidade ou por aliança até ao terceiro grau inclusive”. A simples leitura desta norma exclui, desde logo, toda a aplicação possível fora da esfera católica. Mas o abuso que se pretende evitar por esta norma não é um abuso que também pode existir noutras denominações religiosas onde, mesmo que não se possa falar de confissão propriamente dita, há assistência espiritual ao doente e ao moribundo? Não existe aqui um perigo real se nós nos lembrarmos das preocupações pecuniárias e patrimoniais de alguns desses grupos, interesses económicos que aparecessem manifestamente nas suas normas e que eu acabo de evocar? Não existe aqui uma evidente discriminação? Mais, não se trata de uma norma inconstitucional?

Poder-se-ão multiplicar exemplos como o precedente. Temos assim, sob os nossos olhos, uma quantidade de normas que poderiam aparecer como suspeitas de inconstitucionalidade para terem sido decretadas em épocas em que o regime instituído era um regime confessional. Contudo, é preciso salvaguardarmo-nos da tentação de os qualificar como inconstitucionais. É por isso que, no futuro, será importante reexaminar essas normas à luz dos novos princípios constitucionais, pois que não será bom continuar a aplicar essas normas como se nada se tivesse passado no plano constitucional115 . 5. O direito eclesiástico do Estado constituí um ramo do direito que, contrariamente ao que se produziu na Europa, não conheceu um grande desenvolvimento na América latina, em geral, nem no Chile, em particular. Os progressos que o direito eclesiástico conheceu nalguns países europeus, particularmente na segunda metade do século XIX116 , não tiveram grandes repercussões no Chile até datas muito recentes. Produziu-se a mesma situação noutros países latino-americanos, onde

se constatou também um novo interesse por esta disciplina. Uma das razões do fraco eco que produziram no Chile as reflexões europeias sobre o direito do Estado em matéria religiosa foi que a questão religiosa durante o século passado foi uma questão sobretudo pacífica, pelo menos na perspectiva do seu tratamento jurídico; só recentemente é que ela suscitou um interesse crescente e uma discussão, em particular como consequência da promulgação da lei que estabelece regras para a concessão da personalidade jurídica aos organismos religiosos e que colocou em primeiro plano, durante algum tempo, o regresso ao Estado da competência de regulamentar na sua dimensão social o factor religioso dos seus cidadãos.

Este fraco desenvolvimento do direito no Chile não impediu que aparecesse no país uma interessante bibliografia que aborda os aspectos específicos da regulamentação, feita pelo Estado Chileno, do factor religioso nas suas diversas manifestações de interesse jurídico.

Todavia, trata-se de uma literatura dispersa, que trata de temas pontuais, por vezes polémicos na sua doutrina, e sem grandes pretensões de elaborar um sistema orgânico a partir das diversas normas jurídicas chilenas em matéria religiosa.

À luz do que acaba de ser exposto e do progresso esperado, no plano do direito positivo, da lei dos organismos religiosos, parece-me que o momento é chegado de poder começar a desenvolver-se um direito “eclesiástico do Estado do Chile117. Trata-se de um trabalho de longa duração que deverá ocupar os próximos anos, mas a realidade da liberdade religiosa que existe hoje no Chile exige, não apenas o esforço intelectual de sistematizar, num novo ramo do direito, na legislação em vigor, mas também, o que é ainda mais importante, os princípios que deverão caracterizar a actividade do Estado Chileno face ao religioso. O primeiro desses princípios é, precisamente, o da liberdade religiosa.

Abreviaturas:

ADEE: Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado (Madrid). BACH: Boletín de la Academia Chilena de Historia. BL: Boletin de Leyes y Decretos del Gobierno. CIC 83: Código de Derecho Canónico de 1983. DE: Il Diritto Eclesiástico (Milano). DO: Diario Oficial de la República de Chile. RDJ: Revista de Derecho y Jurisprudencia. RDV: Revista de Derecho de la Universidad Católica de Valparaíso, Chile. REDC: Revista Española de Derecho Canónico (Salamanca, España).

* Professor de direito histórico, Universidade católica de Valparaíso, Chile. Notas: 1. B. Bravo Lira “El Estado misional, una institución propia del derecho indiano”, in AA. VV, Estudios en honor de Alamiro de Ávila Martel, Anales de la Universidad de Chili, 5ª série, n.° 20, 1989, pp. 249-268; Idem, “La epopeya misionera en América y Filipinas: contribución del poder temporal a la evangelización”, in Pontificia Commissio Pro America Latina, Historia de la evangelización de América, Simposio Internacional, Actas, Librería Editrice Vaticana, Cité du Vatican, 1992, pp. 65-75. 2. J. González Echenique, “Esquema de las relaciones entre la Iglesia y el Estado 15411925”, in Diplomacia, 39,1987, pp. 18-30; C. Oviedo Cavada, “Un siglo de relaciones entre la Santa Sede y Chile” 1822-1925, in Diplomacia 39, Op. cit.; Idem, “Negociaciones chilenas sobre convenios con la Santa Sede”, in Finis Terrae 19, 1958, pp. 37-53; Idem, “La misión Irarrázabal”, in Roma, 1847-1850, Santiago, 1962. 3. O carácter confessional do Estado foi reconhecido desde os primeiros ensaios constitucionais e consagrado expressamente no artigo 5.º da Constituição de 1883 – em vigor até 1925 – onde para mais o Patronato foi expressamente reconhecido por diversas disposições constitucionais. 4. As relações políticas entre a Igreja católica e o Estado Chileno conheceram uma tensão crescente, sobretudo na segunda metade do século XIX, mas não se chegou à liberdade dos cultos, como alguns desejavam, por decisão do próprio governo que temia um aumento do poder da Igreja sem contrapartidas a nível do controle que permitisse o Patronato. 5. Lei de 6 de Setembro de 1844, in BL, 1844, pp. 229-233. 6. Decreto-lei de Justiça, Culto e Instrução Pública de 9 de Dezembro de 1875, in BL 1875, pp. 631. 7. C. Salinas Araneda, “Materiales para el estudio del Derecho Eclesiástico del Estado de Chile (II). Entidades religiosas diversas de la Iglesia católica con personalidad jurídica bajo la vigencia de la Constitución de 1833”, in Revista Chilena de Historia del Derecho, 2002, no prelo. 8. Código Civil, art.º 547.º, sub-alínea 2: “As disposições desse tipo [nas quais se legisla sobre as pessoas jurídicas de direito privado] também não se estendem às corporações ou fundações de direito público, como a nação, o fisco, os municípios, as Igrejas, as comunidades religiosas, e os estabelecimentos financeiros pelos dinheiros públicos: estas corporações e fundações são regidas por leis e regulamentos especiais” (Sublinhado nosso). 9. Constituição de 1925, art.º 10.º; “A Constituição assegura a todos os habitantes da República: n.º 2: [sub-alínea 1]Amanifestação de todas as convicções, a liberdade de consciência e o livre exercício de todos os cultos que não se oponham à moral, aos bons costumes ou à ordem pública; consequentemente, as confissões religiosas respectivas poderão construir e conservar templos e suas dependências em condições de segurança e de higiene fixadas pelas leis e ordenanças. [Sub-alínea 2] As Igrejas, as confissões e as instituições religiosas de todo o culto terão os direitos que outorgam e reconhecem no que concerne aos bens, as leis actualmente em vigor; mas elas ficarão, sujeitas, no quadro das garantias desta Constituição, ao direito comum para o exercício do domínio dos seus bens futuros. [Sub-alínea 3] Os templos e as suas dependências, destinados ao serviço de um culto, estarão isentos de contribuições.” 10. Como o explica Carlos Oviedo, “A Santa Sé apresentou cinco condições para aceitar a separação. Em primeiro lugar, o Chile não deveria tornar-se um Estado ateu e, para isso, a nova Constituição deveria ser promulgada invocando o nome de Deus. A segunda condição tinha a ver com a liberdade de ensino, para deixar um lugar à educação privada e conseguir que, em certos tipos de ensino, o seu caracter obrigatório fosse indicado sem aí adicionar a

palavra “laico”. A terceira condição era a derrogação expressa de todos os abusos regalengos da Constituição de 1833, tais como o Patronato, o salvo-conduto, etc. A quarta, que nos pactos internacionais, era necessário fazer menção expressa das concordatas, a saber, o termo próprio aos tratados da Santa Sé. Mais, era pedido inoportunamente que se fizesse uma concordata; e, a última condição era exigir uma compensação económica do Estado depois da supressão do subvenção do culto.” Entretanto, o Chile passava, em 1925, por uma situação política delicada, o que levou o Presidente da República a pedir à Santa Sé de agir com prontidão na aprovação da separação, sem esperar um acordo escrito formal ou uma concordata, que viria depois. Todas as outras condições foram preenchidas e consignadas no texto constitucional. C. Oviedo Cavada, La jerarquía eclesiástica y la separación de la Iglesia y el Estado en 1925”, in BACH 89, l975-1978, pp. 28. 11. A. Alessandri Rodriguez, “Derecho civil. Primer año” (Versões mecanográficas dos seus cursos compiladas par Onías León Gaete), 3a ed., Zamorano y Caperán, Santiago, 1934, p. 237; C. Balmaceda Lazcano, El estatuto de las personas jurídicas, Nascimento, Santiago, 1943, pp. 129, 130; A. Vodanovic, Curso de Derecho Civil 1-2, Nascimento, Santiago, 1962, p. 283. 12. L. Vergara, “Algunas consideraciones sobre el n° 2 del artículo 10 de la Constitución reformada de 1925 en relación con la personalidad jurídica de la Iglesia católica”, in RDJ 38, 1941, sec. Derecho, pp. 71-86; G. Barriga Errázuriz, “La personalidad jurídica de la Iglesia ante la reforma constitucional del año 1925”, in RDJ 39, 1942, sec. Derecho, pp. 142-160; J. H. Campillo, Opúsculo sobre la condición jurídica, de la Iglesia católica en general y especialmente en Chile después de separada del Estado, Santiago, 1932; L. Claro Solar, Explicaciones de Derecho Civil chileno y comparado 5. De las personas, Santiago, 1927, p. 453; I. Larraín Eyzaguirre, La parroquia ante el derecho chileno o estatuto jurídico de la parroquia, Santiago, 1956, p. 146. 13. Por exp. Supremo Tribunal, 7 de Novembro de 1931, in RDJ 29, II, secção I, p. 119; Supremo Tribunal, 3 de Janeiro de 1945, in RDJ 42, II, secção 1, p. 499; Supremo Tribunal, 25 de Agosto de 1965, in RDJ 62, II, secção 1, p. 291; Tribunal da Relação de Santiago, 30 de Dezembro de 1931, in RDJ 51, II, secção 2, p. 26. 14. Por exp. Tribunal de Contas da República, Decisão n.º 22 014 de 26 de Abril de 1957. 15. Lei n.º 17 725 publicada no DO de 25 de Setembro de1972. 16. Actos oficiais da Assembleia Constituinte, sessão n.º 132 de 23 de Junho de 1975. 17. Constituição de 1980, art.º 19.º: “A Constituição assegura a todas as pessoas, n.º 6: [subalínea 11] a liberdade de consciência, a manifestação de todas as convicções e o livre exercício de todos os cultos que não se oponham à moral, aos bons costumes e à ordem pública. [subalínea 2] As confissões religiosas poderão construir e conservar templos e suas dependências em condições de segurança e de higiene fixadas pelas leis e disposições. [Sub-alínea 3] As Igrejas, as confissões e instituições religiosas de todo culto terão os direitos que outorgam e reconhecem, no que concerne aos bens, as leis actualmente em vigor. Os templos e as suas dependências, destinados exclusivamente ao serviço de um culto, estarão isentos de todo o tipo de contribuições.” 18. Lei n.º 19 638 publicada in DO a 14 de Outubro de 1999. 19. Ver a bibliografia sobre esta lei in C. Salinas Araneda, “Avance para una bibliografia de Derecho Eclesiástico del Estado de Chile”, in RDV 21, 2000, pp. 154, 155. 20. A. K. Segovia Iraira, “Historia parlamentaria de la ley n° 19 638 que establece normas para la concesión de personalidad jurídica de las iglesias y confesiones religiosas”, Memoria Escuela de Derecho, Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, 2002. 21. Sobre a presença no Chile de confissões não católicas, ver C. Salinas Araneda, Op. cit., pp. 142, 143. 22. Sobre a liberdade religiosa na democracia norte-americana e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e sobre o constitutionalismo europeu, ver P. Lambardia, “ Síntesis 76

histórica ”, in J. M. Gonzalez del Valle e coll., Derecho eclesiástico del Estado Español, Eunsa, Pampelune, 1980, pp. 74-90. 23. Isto, bem entendido, sem prejuízo da incidência de outros factos tais como atitude beligerante por parte de alguns dos grupos evangélicos e protestantes mais fundamentalistas. 24. P.T. Viladrich, “Los principios informadores del Derecho Eclesiástico español”, in J. M. González del Valle et coll., Derecho Eclesiástico del Estado Español, Eunsa, Pampelune, 1980, p. 268. 25. Idem, p. 269. 26. Art.º 18.º, n.º 1; “Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião [...]” O tratado foi promulgado pelo decreto-lei dos Negócios Estrangeiros n.º 778 de 30 de Novembro de 1976 e publicado no DO de 29 de Abril de 1989. 27. Art.º 14.º, n.º 1: “Os Estados signatários respeitarão o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.” Publicado no DO de 27 de Setembro de 1990. 28. Por exemplo o Pacto de San José de Costa Rica. 29. C. Estévez Gazmuri, Elementos de Derecho Constitucional chileno, Jurídica, Santiago, 1949, p. 101. 30. Ver a nota 7. 31. Por exemplo, M. Bernaschina González, Constitución Politica y leyes complementarias, 2ª ed., Jurídica, Santiago, 1958, pp. 334, 336; J. M. Quinzio Figueiredo, Manual de Derecho Constitucional, Jurídica, Santiago, 1969, pp. 271-274. 32. C. Estévez Gazmuri, Op. cit., p. 102. 33. Por exemplo, E. Pfeffer Urquiaga, Manual de Derecho Constitucional, fondamentado em explicações dos professores L. Bulnes Aldunate et M. Verdugo Marinkovic, Conosur, Santiago, 1985, pp. 258-260; M. Verdugo Marinkovic, E. Pfeffer Urquiaga, H. Nogueira Alcalá, Derecho Constitucional 1, Jurídica, Santiago, 1994, pp. 258-260; G. Urzúa Valenzuela, Manual de Derecho Constitucional, 2ª ed., Jurídica, Santiago, 1996, pp. 165-167. 34. Lei n.º 19 638, art.º 6.º; “A liberdade religiosa e de culto, com a autonomia correspondente e a imunidade de coerção, significa para todas as pessoas as faculdades de […]” (Sublinhado nosso). 35. A. C. Jemolo, I problemi pratici della libertà, Milan, 1961, p. 131. A mesma ideia foi desenvolvida por João-Paulo II no seu abundante magistério sobre a liberdade religiosa. Cf. A Colombo (a cura di), La Libertà religiosa negli insegnamenti di Giovanni Paolo II, 1978-1998, Université catholique du Sacré Coeur. Centro de pesquisa para o estudo da doutrina social da Igreja, Milan, 2000. 36. A. Silvia Bascuñan, Tratado de Derecho Constitucional 2. La Constitución de 1925, vol. 1, Jurídica, Santiago, 1963, p. 223. 37. Lei n.º 19 638, art.º 20.º: “O Estado reconhece as regras, a personalidade jurídica, quer seja de direito público ou de direito privado, e a plena capacidade de gozo e de exercício das Igrejas, confissões e instituições religiosas que dela disponham à data de publicação desta lei; essas organizações conservarão o regime jurídico que lhes é próprio, sem que isso implique um tratamento desigual entre elas e aquelas que se constituírem em conformidade com esta lei.” 38. Lei de l de Fevereiro de 1911, publicada no DO de 23 de Março de 1911. 39. J. I. González Errázuriz, El Vicariato castrense de Chile. Génesis histórica y canónica, de su establecimiento. De La independencia al conflicto de Tacna (1810-1915). Estudio documental, Universidad de Los Andes, Colección Jurídica 3, Santiago, 1996. 40. J. I. González Errázuriz, Iglesia y Fuerzas Armadas. Estudio canónico y jurídico sobre la asistencia espiritual a las Fuerzas Armadas en Chile, Universidad de los Andes, Colección Jurídica 2, Santiago, 1994. Autres titres chez Salinas, Avance n° 20, pp. 161, 162. 41. Idem, pp. 304-306. Pelo decreto-lei da Defesa Nacional n.º 99, de 24 de Setembro de 1986, publicado no DO de 29 de Outubro de 1986, substitui-se a designação “Vicariato militar” por 77

“Episcopado militar do Chile”. 42. C. Salinas Araneda, “Las fuentes del Derecho Eclesiástico del Estado de Chile”, in RDV 21, 2000, pp. 187-192. 43. Decreto-lei da Saúde n.º 351 de 12 de Maio de 2000, publicado no DO de 28 de Outubro de 2000. 44. Decreto-lei da Educação n.º 924, de 12 de Setembro de 1983, publicado no DO de 7 de Janeiro de 1984. 45. Por exp., o decreto regulamentar da Educação n.º 158 de 12 de Agosto de 1983, publicado no DO de 26 de Agosto de 1983, aprova programas de religião católica para a educação média humanístico-científica. 46. Decreto regulamentar da Educação n.º 80 de 28 de Maio de 1984, publicado no DO de 8 de Junho de 1984. 47. Decreto regulamentar da Educação n.º 78 de 18 de Maio de 1984, publicado no DO de 11 de Julho de 1984. 48. Decreto regulamentar da Educação n.º 106 de 17 de Julho de 1984, publicado no DO de 18 de Agosto de 1984. 49. Decreto regulamentar da Educação n.º 141 de 6 de Setembro de 1984, publicado no DO de 17 de Outubro de 1984. 50. Decreto regulamentar da Educação n.º 143 de 13 de Setembro de 1984, publicado no DO de 6 de Novembro de 1984. 51. Decreto regulamentar de Educação n.º 75 de 6 de Maio de 1985, publicado no DO de 28 de Maio de 1985. 52. Decreto regulamentar de Educação n.º 98 de 12 de Maio de 1989, publicado no DO de 20 de Junho de 1989. 53. A lei das organizações religiosas oferece três possibilidades: 1) as confissões constituídas como pessoas jurídicas de direito público, em conformidade com o procedimento que a própria lei estabelece (art.os 10.º-12.º, n.º 3) essas entidades religiosas poderão criar pessoas jurídicas de direito privado constituídas “em conformidade com a legislação em vigor” e, mais particularmente elas poderão “a) fundar, manter e dirigir de modo autónomo institutos de formação e de estudos teológicos ou doutrinais, instituições educativas, de beneficência ou humanitárias et b) criar, patronar e encorajar associações, corporações e fundações para a realização dos seus objectivos e neles participar” (art.º 8.º, n.º 3) “As associações, corporações, fundações e outros organismos criados por uma Igreja, confissão ou instituição religiosa, que, em conformidade com as suas próprias normas jurídicas, gozem de personalidade jurídica religiosa, são reconhecidas como tal. A sua existência será garantida pela autoridade religiosa que as tenha criado ou instituído” (art.º 9.º). 54. Segundo a sub-alínea 3 do n.° 6 do art.º 19.º da Constituição, “os templos e suas dependências, destinados exclusivemente ao serviço de um culto, estarão isentos todo tipo de contribuições. 55. Silva Bascuñan, Tratado [...], Op. cit. (nota 36). 56. E. Evans de la Cuadro, Los derechos constitucionales 1, Jurídica, Santiago, 1986, p. 209. 57. A. Alessandri, M. Somarriva, A. Vodanovic, Tratado de Derecho Civil. Partes preliminar y general I, Jurídica, Santiago, 1998, p. 60. 58. Silva Bascuñan, Op. cit., p. 225. 59. E. Evans de la Cuadro, Op. cit., p. 209. 60. Ante-projecto de Constituição de 1980, artigo 5.º, sub-alínea 1: “A liberdade de consciência, a manifestação de todas as crenças e o livre exercício de todos os cultos que não se opõem à moral, aos bons costumes ou à ordem pública.” 61. R. Quejada, Diccionario jurídico, Conosur, Santiago, 1994, pp. 71,72 à “buenas costumbres”. fi2. L. Rodríguez Collao, Delitos sexuales, Jurídica, Santiago, 2000, p. 59. 78

63. Silva Bascuñan, Op. cit., p. 225. 64. E. Evans de la Cuadro, Op. cit., p. 209. 65. RDJ 51,1954, II, 4ª sec., p. 123. 66. T Solari Peralta et L. Rodríguez Collao, “Reflexiones en torno al concepto de seguridad del Estado”, in RDV 12, 1988, pp. 213, 214. 67. R. Quijada, Op. cit., (nota 61), pp. 585-586, à “Seguridad del Estado”. 68. T. Solari Peralta et L. Rodríguez Collao, Op. cit., (nota 66), p. 214, que citam J. M. Rodríguez Devesa, Derecho penal español, 5ª ed., Madrid, 1973, p. 526. 69. Idem, pp. 215, 216. 70. Diario Oficial de La República de Chile, Tratados internacionales vigentes en Chile en materia de derechos humanos, Santiago, 1999, 2 vol. 71. C. Salinas Araneda, Sectas y Derecho. La respuesta jurídica al problema de los nuevos movimientos religiosos, Ediciones Universitarias de Valparaíso de la Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, 2001, pp. 205-269. 72. J Mantecón, “La libertad religiosa como derecho humano” in AA. VV, Tratado de Derecho Eclesiástico, Eunsa, Pampelune, 1994, p. 129. 73. Reclusão menor no seu grau mínimo: de 61 a 540 dias. A reclusão, ao contrário da prisão para forçados, não implica a obrigação de trabalhar. 74. Ver a nota precedente. 75. Cerca de 250 a 420 euros. 76. Ver a nota 73. 77. Ver a nota 75. 78. A. Etcheberri, Derecho penal. Parte especial, 3ª ed., vol. 3, Jurídica, Santiago, 1998, p. 229. 79. Ver a nota 73. 80. Ver a nota 75. 81. A gravidade dos ferimentos é avaliada em relação com a importância do prejuízo que sofre a vítima. Os ferimentos muito graves: impotência, incapacidade, demência, incapacidade de trabalhar, privação de um membro importante, enfermidade notável são punidos com prisão maior no seu grau mínimo, com prestação de trabalho, seja de __ anos e um dia a 10 anos (art.º 397.º, n.° 1); como se trata de uma pena de prisão para forçados, ela implica a obrigação de trabalhar. São considerados como ferimentos simplesmente graves as que provocam uma doença cujo estabelecimento é de pelo menos 30 dias; elas são punidas com prisão menor no seu grau médio com prestação de trabalho, ou seja de 541 dias a 3 anos (art.º 397.º, n.° 2). Os outros são considerados como ferimentos menos graves; eles são punidos com relegação ou com prisão menor, no seu grau mínimo, com prestação de trabalho, ou seja de 61 a 540 dias, ou com uma multa de 11 a 20 unidades tributárias mensais, ou seja de 460 a 840 euros (art.º 399.º). 82. A. Etcheberri, Op. cit. (nota 79), pp. 230, 231. 83. C. Salinas Araneda, Op. cit. (nota 71), pp. 333-345. 84. A. Motilla de la Calle, “Reflexiones sobre el tratamiento jurídico-penal de las sectas religiosas en España”, in J. Goti Ordeñada, Aspectos socio-jurídicos de las sectas desde una perspectiva comparada, Onati Proceedings 5, Vitoria, 1991, pp. 305, 306. 85. A. Motilla, Sectas y Derecho en España. Un estudio en torno da la posición de los nuevos movimientos religiosos en el ordenamiento jurídico, Madrid, 1990, p. 179; Idem, “Reflexiones sobre el tratamiento jurídico-penal de las sectas religiosas en España”, in Goti Ordeñada, Op. cit., (nota 84), p. 313, que menciona, entre outros, Gascard, Le nuove religioni giovanile. Tra anelito e patologia, Balsamo, 1986, p. 46. 86. A mesma norma estabelece que “esta medida poderá ficar sem efeito caso se prove nos três meses que se seguem à data de publicação do decreto de anulação, que se produziu um 79

erro de facto.”. 87. Por exp. no decreto-lei n.º 89 da Justiça de 26 de Janeiro de 2001, publicado no DO de 3 de Abril de 2001, que declarou dissolvida e anulou a personalidade jurídica do “Centro de estudos tibetanos CET” de Valparaíso. Num dos seus considerandos lê-se: “que, segundo as informações da polícia de investigação [...], o objectivo escondido do Centro de estudos tibetanos era recrutar jovens menores, que eram persuadidos a submeterem-se voluntariamente aos avanços amorosos do seu guru; que os seus ensinos continham uma forte distorção da vida familiar e sexual das pessoas, das diferentes religiões, qualificando Deus como o Deus da Besta, o catolicismo como uma grande máfia e os polícias como seres amorfos, mentalmente retardados o que é contrário à moral, à ordem pública e aos bons costumes e que não corresponde ao objectivo da associação, motivo suficiente para anular a sua personalidade jurídica”. 88. D. García Hervás et coll., Manual de Derecho Eclesiástico del Estado, Madrid, 1997, pp. 129. 89. P J. Viladrich, Op. cit. (nota 24), pp. 211-317; P J. Viladrich, J. Ferrer Ortiz, “Los principios informadores del Derecho Eclesiástico español”, in Derecho Eclesiástico del Estado español, R. Navarro Valls (coord.), Eunsa, Pamplona, 1993, pp. 165-226; J. Calvo-Álvarez, “La presencia de los principios informadores del Derecho Eclesiástico español en las sentencias del Tribunal Constitucional” in Tratado de Derecho Eclesiástico, Instituto Martín de Azpilcueta, Facultad de Derecho Canónico, Universidad de Navarra, Eunsa, Pampelune, 1994, pp. 243-320. 90. García Hervás, Op. cit., (nota 88), pp. 129-142; P. M. Garín, Temas de Derecho Eclesiástico del Estado. La “Religión” en la comunidad política desde la libertad, Universidad de Deusto Bilbao, 2000, pp. 161-168; J. M. González del Valle, Derecho Eclesiástico Español, 4ª ed., Servicio de Publicaciones, Universidad de Oviedo, 1997, pp. 119-174; I. C. Ibán, L. Prieto Sanchis, A. Motilla, Curso de Derecho Eclesiástico, Servicio de Publicaciones, Facultad de Derecho, Universidad Complutense, Madrid, 1991, pp. 173-215; D. Llamazares Fernández, Derecho Eclesiástico del Estado. Derecho de la libertad de conciencia, 2ª ed., Servicio de Publicaciones, Facultad de Derecho, Universidad Complutense, Madrid, 1991, pp. 37ss; A. Martínez Blanco, Derecho Eclesiástico del Estado, Tecnos, Madrid, 1993, pp. 72ss; V. Reina Bernáldez, A. Reina Bernáldez, Lecciones de Derecho Eclesiástico Español, PPU, Barcelona, 1983, pp. 293ss; R. M. Satorras Fioretti, Lecciones del Derecho Eclesiástico del Estado, Bosch, Barcelona, 2000, pp. 61-97; J. A Souto Paz, Derecho Eclesiástico del Estado, El derecho de la Libertad de ideas y creencias, Marcial Pons, Madrid, 1992, pp. 63ss. 91. P. J. Viladrich, Op. cit. (nota 24). 92. Para um relance geral do tema, ver J. Calvo-Álvarrez, “Los principios informadores del Derecho Eclesiástico español en la doctrina”, in ADEE 14, 1998, pp. 187-233. 93. P J. Viladrich, Op. cit. (nota 24), pp. 251, 252. 94. A situação era diferente no regime precedente: era o Estado Chileno que definia a estrutura jurídica e de organização à qual deveriam conformar-se as confissões religiosas, se elas desejassem obter a personalidade jurídica de direito privado. 95. Que seja assim, torna-se evidente quando se estudam os detalhes que conduziram ao reconhecimento constitucional da liberdade de culto na Constituição de 1925 e a sua projecção, sem modificações substanciais, na Constituição de 1980. 96. P. J Viladrich, Op. cit. (nota 24), p. 254. Podem-se multiplicar os exemplos: a Dinamarca, a Finlândia, a Islândia, a Noruega, a Suécia são de confissão evangélico-luterana e os seus sistemas jurídicos respectivos reconhecem amplamente o direito à liberdade religiosa. É também o caso da Inglaterra, cuja confissão é anglicana. A literatura sobre este tema é abundante. Ver, entre outros, G. Robbers (ed.), Estado e Iglesia en la Unión Europea, BadenBaden 1996.

97. Idem. 98. A única diferença reside em que a dissolução de uma pessoa jurídica de direito público requer uma lei da República, enquanto que a dissolução de uma pessoa jurídica de direito privado requer um decreto do Presidente da República. Na prática, esta atribuição foi utilizada em raras ocasiões. 99. Por exemplo, “Moção do honorável senador Arturo M. Frei, pela qual ele introduz um projecto de lei que reconhece às Igrejas evangélicas o direito de gozarem da personalidade jurídica de direito público” in Diario de Sesiones del Senado, sessão n.º 43-1992, pp. 43474350. Também há a “Moção dos honoráveis senadores, Sra. P. Soto et Sr. Arturo Frei, Papi et Ríos pela qual eles introduzem um projecto de lei que regulamenta a constituição e o funcionamento das Igrejas e organizações evangélicas cristãs”, in Diario de Sesiones del Senado, sessão n.º 24-1993, pp. 4190-4198. 100. Câmara dos Deputados, sessão n.º 11, 2 de Novembro de 1993, pp. 1078-1084. 101. O artigo primeiro do projecto, na sua sub-alínea primeira dizia: “Para efeitos desta lei entende-se por Igreja ou organização religiosa, o organismo constituído por pessoas que professem uma fé determinada, a pratiquem, a ensinem e a difundam. Por esta denominação,

entendem-se especialmente as Igrejas cristãs evangélicas que, no exercício das liberdades de consciência e de culto, se organizam com uma personalidade jurídica para o

cumprimento dos objectivos que lhes são próprios.” (Sublinhado nosso.) 102. C. Salinas Araneda, “Una primera lectura de la ley chilena que establece normas sobre la constitución jurídica de las iglesias y organizaciones religiosas” in REDC 57, 2000, 149, pp. 625-676; com alguns desenvolvimentos in RDV 20, 1999, pp. 299-341; Idem, “La reciente ley chilena que establece normas sobre la constitución jurídica de las iglesias y organizaciones religiosas”, in DE 111, 2000, pp. 435-496. 103. A Igreja católica não se opôs a estas pretensões dos evangélicos e dos protestantes; pelo contrário, a Igreja católica não apenas não se opõe, como apoia fraternalmente a legítima aspiração das Igrejas evangélicas e outras confissões propriamente religiosas, no que respeita obtenção da condição jurídica de que carecem para exercerem a sua missão no nosso país”. “Informe para dar a conocer la posición de la Iglesia católica”, in Iglesia de Santiago 75, Julho de 1998. Opúsculo. 104. Lei n.º 19 638, artigo 20.º: “O Estado reconhece a organização, a personalidade jurídica, quer seja de direito público ou de direito privado, e a plena capacidade de gozo e de exercício das Igrejas, confissões e instituições religiosas que os possuíam à data da publicação desta lei; os organismos conservarão o regime jurídico que lhes é próprio, sem que isso seja a causa: de um tratamento desigual entre os ditos organismos e os que se venham a constituir em conformidade com esta lei.” 105. C. Salinas Araneda, “La personalidad jurídica de las entidades religiosas en el derecho chileno”, in Libertad Religiosa. Actas del Congreso Latinoamericano de libertad religiosa, Lima, Pérou, septembre 2000, pp. 95-126. 106. Alguns pensam que uma lei não seria suficiente, mas que, para anular a sua personalidade jurídica, uma reforma constitucional seria necessária. Ver, entre outros, H. Corral Talciani, “Iglesia católica y Estado en el ordenamiento jurídico chileno”, in Ius Publicum 1, Santiago, 1998, pp. 61-79. 107. C. Salinas Araneda, “Confesión religiosa: los intentos hacia un concepto jurídico”, in Libertà religiosa e ordinamenti democratici, número monográfico de Religioni e Sette nel mondo 22, Bologne, 2001-2002, pp. 75-129. 108. Projecto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, artigo 8.º: “[Sub-alínea 2] Ficam fora do campo da aplicação desta lei os organismos e as actividades relacionadas com o estudo e a experimentação de fenómenos psíquicos ou parapsicológicos, de práticas mágicas, supersticiosas, espíritas ou outras estranhas ao conhecimento e ao culto religioso. [Sub-alínea 81

3]. Está interdita a existência a organismos em que se desenvolvam actividades destinadas ao satanismo.” 109. Lei n.º 19 638, artigo 9.º: “[Sub-alínea 1] As associações, corporações, fundações e outros organismos criados por uma Igreja, confissão ou instituição religiosa que, em conformidade com as suas próprias normas jurídicas gozem de personalidade jurídica religiosa, são reconhecidas como tal. A autoridade religiosa que as tenha criado ou instituído garantirá a sua existência.” 110. C. Salinas Araneda, “La personalidad [... ]”, Op. cit. (nota 105), pp. 122-124. 111. Dêmos um exemplo extremo: um líder iluminado decide fundar uma nova Igreja com trinta pessoas que constituem todos os seus fiéis – a lei não estabelece um número mínimo para fundar uma confissão religiosa – e nos seus estatutos, ele estabelece que a que a nova confissão poderá constituir, em conformidade com as suas próprias normas estatutárias, quantas pessoas jurídicas lhe pareça oportuno, ficando a constituição destas sujeita à decisão pessoal e discricionária do líder. Isto é suficiente para que o Estado do Chile deva reconhecer, de um modo necessário, como pessoas jurídicas no quadro jurídico chileno, as pessoas jurídicas constituídas pelo guru? Parece-me que não. 112. A 17 de Maio de 2002, 148 organismos religiosos tinham-se constituído em pessoas jurídicas de direito público, ou seja, em 148 Igrejas autónomas; a imensa maioria delas provindo do mondo evangélico e protestante. 113. C. Salinas Araneda, “La primera aplicación de la ley 19 638 que establece normas sobre la constitución jurídica de las iglesias y organizaciones religiosas”, in Actas del Coloquio de Derecho Eclesiástico del Estado (Argentine, Chili, Pérou), Valparaíso, Chili, 29-30 de Agosto de 2002, Valparaíso, 2003, no prelo. 114. J. Olivero Aliaga, Antecedentes históricos de la incapacidad de los eclesiásticos para recibir herencia o legado según el artículo 965 del Código Civil, Tese, Universidade católica de Valparaíso, Valparaíso, 2002 115. C. Salinas Araneda, “Las fuentes [...]”, Op. cit., (nota 42), p. 172. 116. Um panorama recente sobre este tema em J. Martínez-Torrón, Religión, derecho y sociedad. Antiguos y nuevos planteamientos en el Derecho eclesiástico del Estado, Grenade, 1999. 117. C. Salinas Araneda, “El derecho chileno frente al factor religioso: la posibilidad de un Derecho Eclesiástico del Estado de Chile”, in Derecho y cambios culturales, volume monográfico de Anuario de Filosofía Jurídica. y Social 18, Santiago, 2000, pp. 551-582.

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