“Práticas de Animação”
ano 11 | número 12 | outubro 2019
Índice CONSELHO DE REDAÇÃO | 2
EDITORIAL | 4
A ABORDAGEM DIALÓGICA NOS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ | 5
A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO SOCIAL E TERAPÊUTICA NA POPULAÇÃO IDOSA | 18
DA POBREZA À MODA: PERCURSOS DA GASTRONOMIA ALENTEJANA | 34 SUPRIR DISTANCIAS COM O ENFOQUE INTERGERACIONAL: DOS BENEFÍCIOS À INTERVENÇÃO EM ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL | 48 OS CONTEÚDOS CULTURAIS DO LAZER NO PROGRAMA NOVO MAIS EDUCAÇÃO DE SETE LAGOAS/MG | 72 CONTRIBUTOS PARA A DINAMIZAÇÃO DO TURISMO CIENTÍFICO: O CASO DA GRUTA DA NASCENTE DO ALMONDA, PORTUGAL | 90
LA TRANSFORMACIÓN NARRATIVA. SOCIOCULTURAL LIBERADORA | 106
METODOLOGÍA
DE
UNA
EDUCACIÓN
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Ficha Técnica Diretor: Albino Luís Nunes Viveiros E-mail: albinoviveiros@netmadeira.com E-mail da revista: revistapraticasdeanimacao@gmail.com Design/Paginação: Elisa Franco Catanho Coordenação de conteúdos: Cláudia Paixão
Textos (os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos seus autores): António Sérgio Araújo de Almeida, Daniel Buraschi, María-José Aguilar-Idáñez, Natalia Oldano, Ana Cláudia da Conceição Severino, Mario Viché González, Ana Piedade, Ernesto Candeias Martins, Leonardo Toledo Silva, Luciana Lima Brandão, Gabriel Vitor de Melo Souza, Alexandra Catarina Gajeiro Mota, Joana Jogo Nazário e Rafaela Sousa Carvalho.
Periodicidade: Anual Número atual: Ano 11 - N.º 12, outubro 2018 | outubro 2020 ISSN: 1646-8015 Revista com referee
Projeto de intercâmbio editorial «Animação Digital» (para aceder às revistas Quaderns d’ Animació i Educació Social e Animación, territórios y prácticas socioculturales clique no logo «AD»):
Apoio:
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Conselho de Redação Prof. Doutor Victor J. Ventosa Universidade Pontifícia de Salamanca | Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural
Prof. Doutor Marcelino Sousa Lopes Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Prof. Doutor Victor Melo Universidade Federal do Rio de Janeiro | Grupo de Pesquisa "ANIMA"
Prof. Doutor Avelino Bento Instituto Politécnico de Portalegre/ Escola Superior de Educação
Prof. Doutor Mário Viché Universidad Nacional de Educación a Distancia | Revista Quaderns d' Animació i Educació Social
Prof. Doutor Jean Claude Gillet Universidade de Bordeaux
Prof. Doutor Xavier Úcar Martinez Universidade Autónoma de Barcelona
Prof. Doutora Ana Piedade Instituto Politécnico de Beja/ Escola Superior de Educação | Rede CRIA
Dr. Manuel Martins Revista Anim'Arte 2
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Dr. José Vieira Instituto Português de Juventude
Dr. Albino Viveiros AIASC – Associação Insular de Animação Sociocultural
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Editorial Albino Viveiros
A revista Práticas de Animação continua a privilegiar a diversidade de pensamento de investigadores e profissionais de diferentes latitudes. O número agora publicado afirma-se enquanto projeto editorial que ao longo do tempo de existência tem sido participado por diferentes agentes que têm contribuído de forma premente para a sedimentação dos saberes a partir de diferentes ângulos teóricos e práticas profissionais no campo da animação sociocultural, educação social, lazer, antropologia, turismo e trabalho comunitário. O presente número reúne um conjunto de trabalhos que espelham a diversidade das linhas de investigação e sintetizam as práticas profissionais dos animadores socioculturais. Esta diversidade, na nossa perspetiva, contribui para o fortalecimento de um diálogo interdisciplinar que é fundamental continuar a aprofundar, porque a animação sociocultural enquanto pedagogia da participação é fortalecida pela discussão coletiva a partir de diferentes entendimentos disciplinares.
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A ABORDAGEM DIALÓGICA NOS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃi Daniel Buraschi María-José Aguilar-Idáñez Natalia Oldano GIEMIC-Universidad de Castilla-La Mancha e Asociación Mosaico Canarias
Resumo
Apresentamos as principais características das metodologias participativas e a importância de implementá-las através de uma perspetiva dialógica que nos permite aprimorar as nossas próprias práticas. Consideramos que cuidar dessa dimensão relacional é essencial, pois pode prevenir situações de fragmentação de grupos e aumentar a motivação para a participação, evitando alguns esquemas de dominação presentes no ambiente quotidiano. O objetivo da Abordagem Dialógica Transformadora (EDT) é contribuir e favorecer a transformação da sociedade através da criação de estruturas dialógicas que promovam o diálogo e a transcendência não-violenta dos conflitos. São descritas algumas ferramentas de intervenção operacional que provaram ser eficazes para criar estruturas de poder que permitam passar do debate ao diálogo; criar estruturas dialógicas e participativas que não negam ou fujam do conflito, mas o administram de i
Este texto é baseado em várias publicações dos seus autores, cuja leitura é recomendada para expandir e aprofundar o conteúdo da abordagem dialógica em ação comunitária: Aguilar-Idáñez, Maria-José y Buraschi, Daniel (2017). Claves dialógicas para una educación intercultural crítico-transformadora, Interacções, 13(43), 233-253. http://minilink.es/42ud Aguilar-Idáñez, María-José y Buraschi, Daniel (2017). Comunicar para transformar el discurso del odio: aprendizajes para enfrentar eficazmente el racismo desde el empoderamiento comunicacional ciudadano, Documentación Social, 184, 107-129. http://minilink.es/42uc Daniel Buraschi, María-José Aguilar-Idáñez, Natalia Oldano, Maria Eugenia Fonte García y Vicente Manuel Zapata Hernández (2017). Comunicazione partecipativa e cultura dell’ospitalità, Educazione Aperta. Rivista di pedagogía critica, 2, 111-132. http://minilink.es/42ue Daniel Buraschi y María-José Aguilar-Idáñez (2017). Comunicación participativa antirracista. Claves para la acción comunitaria de acogida. Mosaico Canarias: Tenerife. http://minilink.es/42uf Daniel Buraschi y María-José Aguilar-Idáñez (2014). El Método de la Construcción del Consenso. Una herramienta participativa de toma de decisiones para la gestión creativa de conflictos, Política Social y Servicios Sociales, XXXI(105), 87-103. http://minilink.es/42ug Aguilar-Idáñez, María-José y Buraschi, Daniel (2013). Participación, modelos implícitos e intervención de los profesionales de lo social, en Actas del IV Congreso de la Red Española e Política Social (REPS): Las políticas sociales entre la crisis y la post-crisis (pp. 1422-1434). Universidad de Alcalá: Alcalá de Henares. http://minilink.es/42uh
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maneira criativa dentro do marco de estruturas apropriadas; cuidar e mudar a lógica dos relacionamentos que devem necessariamente se basear no reconhecimento. Em suma, criar estruturas e desenvolver habilidades que facilitem o diálogo, a criatividade e a inteligência coletiva são ferramentas essenciais.
PALAVRAS-CHAVE Abordagem
Dialógica
Transformadora,
metodologias
participativas,
estrutura
dialógica, gerenciamento criativo de conflitos.
ABSTRACT We present the main features of participatory methodologies and the importance of implementing them through a dialogical perspective that allows us to improve our own practices. We believe that taking care of this relational dimension is fundamental because it can prevent situations of group fragmentation and can increase the motivation towards participation, thus avoiding the reproduction of certain patterns of domination that are present in our daily environment. The objective of the Transformative Dialogic Approach (EDT) is to contribute and favor the transformation of society through the creation of dialogical structures that promote dialogue and the nonviolent transcendence of conflicts. Some operational intervention tools are described, which have been shown to be effective in: creating empowering structures that allow moving from debate to dialogue; creating dialogical and participative structures that neither deny nor flee conflict but manage it creatively within the framework of appropriate maieutic structures; taking care and changing the logic of the relationships that must necessarily be based on recognition. In short, in order to create structures and develop skills that facilitate dialogue, creativity and collective intelligence are essential tools.
KEY WORDS
Transformative Dialogical Approach; participatory methodologies; dialogical structure; 6
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Creative conflict management.
1. Introdução
Quando iniciamos processos participativos, surge a questão de como torná-los o mais genuínos possíveis, como torná-los sustentáveis ao longo do tempo, além de possíveis mudanças políticas, como romper os obstáculos ligados às relações hierárquicas de poder, sempre presentes nos grupos, às dificuldades de comunicação, à falta de motivação, à descontinuidade dos processos, entre outras questões. A abordagem dialógica aplicada à participação social representa um conjunto muito heterogeneo de métodos e técnicas que visam superar algumas das limitações mencionadas aqui e, principalmente, superar a negligência usual da dimensão relacional nesse tipo de processo. Consideramos que cuidar dessa dimensão relacional é essencial, pois pode prevenir situações de fragmentação de grupos e aumentar a motivação para a participação, evitando alguns esquemas de dominação presentes no ambiente cotidiano. Neste documento, abordaremos as principais características das metodologias participativas e a importância de implementá-las através de uma perspetiva dialógica que nos permita melhorar nossas próprias práticas.
2. ¿O QUE É TRABALHAR A PARTIR DAS METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS?
É focar a tarefa em um conjunto de metodologias e abordagens baseadas na participação da população local. Essas metodologias podem ser utilizadas para o diagnóstico, desenho, execução e avaliação de projetos sociais e políticas públicas. Atualmente, existem várias metodologias que têm a característica comum e básica de promover a participação da população local em todo ou em parte do processo de gerenciamento do ciclo do projeto. Tomando como ponto de partida a opinião e o conhecimento da população, seu objetivo é promover um desenvolvimento centrado em si e no aumento de suas capacidades, promovendo um processo de empoderamento por meio de sua participação. Nessas metodologias, o protagonismo corresponde à população e os 7
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facilitadores externos fornecem ferramentas metodológicas. É a população que expressa, dialoga e analisa as informações, que é fundamentalmente qualitativa. No entanto, a participação da comunidade pode ter diferentes dificuldades, dentre as quais podemos destacar o seguinte: a) a resistência das elites de compartilhar poder e de questionar questões de clientelismo e submissão; b) a subestimação tradicional dos conhecimentos e habilidades dos cidadãos, c) a predominância, na administração e na maioria das instituições, de uma cultura organizacional formal, vertical, hierárquica e até autoritária, pouco permeável à participação e ao diálogo popular; d) a presença de uma visão excessivamente de curto prazo, com base em um critério custo-benefício, o que dificulta o investimento necessário em recursos e tempo para promover um processo de participação social.
3. PODEM-SE IMPLEMENTAR ESSAS METODOLOGIAS SEM CONSIDERAR AS RELAÇÕES PESSOAIS? COMO AVALIAR O VALOR DO PROTAGONISMO DAS PESSOAS NESTE TIPO DE PROCESSOS? COMO FOMENTAR O DIÁLOGO?
A Abordagem Dialógica Transformativa (EDT) que usamos em nossa prática profissional é uma ferramenta útil para promover a participação dos cidadãos de uma perspectiva democrática que promove a justiça social e a igualdade das pessoas, é uma abordagem que valoriza a dimensão Relacional como um mecanismo que impede a reprodução de esquemas de dominação presentes em nossa sociedade. Abaixo, descrevemos sinteticamente as principais características da Abordagem Dialógica Transformativa (EDT), cujo objetivo é contribuir e favorecer a transformação da sociedade através da criação de estruturas dialógicas que promovam o diálogo e a transcendência não-violenta dos conflitos (Galtung, 2000).
4. DA PARTICIPAÇÃO EXCLUENTE À TRANSFORMAÇÃO DIALÓGICA
Um dos principais desafios da participação cidadã é contribuir para a conquista de uma sociedade inclusiva que garanta a plena participação econômica, social, 8
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cultural e política das pessoas em condições de igualdade de tratamento e igualdade de oportunidades. Como argumenta Sclavi (2010), a maior parte da experiência da comunidade continua a ser desenvolvida com base num paradigma participativo desatualizado, uma abordagem que coloca o debate no centro como a principal estratégia comunicativa. O debate é aceito criticamente como a espinha dorsal dos processos de decisão (direito de expressão e resposta, voto majoritário etc.) sem estar ciente das implicações que tem no processo e nos relacionamentos (Buraschi e Aguilar, 2014) . Num debate, a pessoa participa pensando que é um jogo de soma zero: se um vence, o outro perde e vice-versa. Todos se fecham na sua própria posição, defendem-a e mal estão dispostos a abrir-se e explorar novos pontos de vista; realmente não é uma comunicação autêntica, mas um monólogo paralelo. As discussões em processos participativos tornam-se experiências frustrantes. As pessoas que têm menos poder são silenciadas, marginalizadas por pessoas "especializadas", pessoas com maior status social que monopolizam a palavra. A frustração de quem não tem voz traduz-se no abandono do processo e isso implica uma deslegitimização lenta e inexorável do processo. Além disso, o voto de acordo com o critério da maioria gera uma minoria insatisfeita que se sente excluída e marginalizada. O debate centra-se nas posições de cada participante ou grupo de participantes, fazendo as pessoas se identificarem com as suas posições. Desta forma, uma crítica às suas posições é facilmente transformada num ataque pessoal. No debate, além de não considerar a importância de cuidar de relacionamentos pessoais, é dado como certo que as pessoas a priori compartilham os mesmos quadros de referência e que, a priori, há igualdade entre os participantes. Na realidade, os processos participativos frequentemente envolvem pessoas com diferentes horizontes culturais de referência e se desenvolvem em espaços caracterizados por uma forte assimetria de poder, na qual diferentes linhas de dominação e desigualdade se cruzam: gênero, classe, raça, capacidade etc.. Contra o objetivo do debate que é convencer e chegar a conclusões que confirmam nossas posições, o objetivo do diálogo é multiplicar as possibilidades sem se apressar em chegar às conclusões. O objetivo do diálogo não é defender um
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argumento, mas investigar e explorar. O ponto de partida do debate são as posições e, além disso, atacar as posições significa atacar pessoas. O diálogo separa as pessoas dos problemas e concentra-se nos interesses e necessidades que estão na base das posições. O estilo do debate é combativo e argumentativo, busca vencer o debate, é ouvido para identificar a fraqueza do argumento do interlocutor. Em um diálogo, pelo contrário, não pode ser derrotado porque é cooperativo. No debate, um quadro de referência é um dado adquirido, enquanto os valores latentes do nosso quadro de referência são explicitados no diálogo e um senso comum compartilhado é construído. O diálogo é um processo de interação genuína, no qual as pessoas se ouvem e se reconhecem. O compromisso com a reciprocidade incorpora o espírito radical do diálogo: a oferta mútua da palavra, a escuta atenta da outra pessoa, é o que possibilita uma transformação baseada no reconhecimento. Essa autêntica abertura à alteridade envolve uma tripla transformação: uma transformação pessoal, uma transformação relacional e uma transformação social. Essa transformação é possível graças a um duplo processo de empoderamento e reconhecimento de outras pessoas (Bush e Folger, 1994). A transformação dos conflitos e o cuidado dos relacionamentos, por meio do fortalecimento e do reconhecimento, levam à recuperação da percepção da própria competência, reconstrói a conexão com os outros e restaura uma interação positiva. Se não se cuidam dos relacionamentos, os conflitos gerados nos processos participativos, longe de promover sua gestão criativa (Buraschi e Aguilar, 2014), ativam uma espiral de perda de capacidade e demonização de outras pessoas. Nesse contexto, em consonância com a abordagem transformadora de Bush e Folger (1994), consideramos o empoderamento como a passagem de um estado de fraqueza, frustração, desamparo e fechamento, para a capacidade de agir e realizar eleições de forma consciente e confiante. no próprio potencial. O empoderamento e o reconhecimento, portanto, são os dois processos fundamentais de transformação pessoal, relacional e social, e contribuem reciprocamente: o empoderamento pessoal aumenta a força, a competência e a abertura da pessoa; o reconhecimento humaniza, reconstrói o relacionamento: “quanto mais forte me torno, maior a abertura ao outro; Sou mais aberto e o outro se
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sente mais forte e está disposto a se abrir para mim, e assim por diante ”(Bush e Folger, 1994). Isso significa que, de uma perspectiva dialógica, o recurso fundamental para a transformação pessoal, relacional e social se encontra na qualidade humana dos participantes, em sua força, em sua dignidade e capacidade (Rogers, 1970).
5. A ESTRUTURA DO DIÁLOGO
Quando se toma consciência dos limites do debate, o diálogo é frequentemente invocado como solução, mas não como estratégia ou como uma abordagem prática, sistemática e coerente, mas simplesmente como um princípio abstrato ou como uma atitude. Como observa Yankelovich (1999), cai-se, muitas vezes, no erro de considerar o diálogo como uma conversa gentil, educada e tolerante que evita conflitos. Acredita-se que o diálogo não é necessário habilidades específicas, mas apenas a intenção e vontade de dialogar e algum conhecimento sobre o tema da conversa. A experiência ensina que, pelo contrário, embora o diálogo responda às necessidades humanas mais essenciais (e é também por isso que é eficaz), não é um estilo comunicativo que usamos espontaneamente. Fomos educados/as e socializados/as em ambientes antidialógicos, estamos constantemente imersos/as em situações que alimentam a competição, a atitude acrítica, a retirada narcísica e precisamos redescobrir e reaprender o diálogo. O diálogo não é fácil, não é espontâneo e implica esforço constante, o desenvolvimento de novas habilidades, a descoberta e a reavaliação de práticas e experiências; mas quando corre-se o risco de ser fiel ao diálogo, os resultados são extraordinários, porque o diálogo é essencialmente um processo de construção e transformação de relacionamentos. A Abordagem Dialógica Transformativa (EDT) é um conjunto de princípios e instrumentos metodológicos que dão suporte e estrutura à capacidade e ao potencial humano de transformação através do diálogo. Em resumo, podemos dizer que a EDT está preocupada em criar estruturas e desenvolver competências que facilitem o diálogo, a criatividade e a inteligência coletiva. Usando a metáfora de Isaacs, podemos imaginar a estrutura dialógica como um “recipiente” (container), um conjunto de condições graças às quais é muito provável que uma interação rica, generativa e dialógica seja gerada (Isaacs, 1999). 11
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Nos últimos anos, por meio de um intenso trabalho de pesquisa-ação participativa, identificamos cinco elementos que estruturam este espaço majestoso: confiança, igualdade, diversidade, interesse comum e corresponsabilidade.
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Estes cinco elementos são indispensáveis para o desenvolvimento de um diálogo autêntico e podem ser concretizados de diferentes formas e momentos do processo: cuidar da logística de uma atividade comunitária, promover a comunicação não violenta através de dinâmicas participativas ou através da configuração do espaço de uma reunião. A confiança: permite que a pessoa se abra, facilita sua participação autêntica e evita atitudes defensivas. A confiança é alimentada pela transparência do processo e pela criação de espaços seguros nos quais a pessoa não se sente julgada, mas totalmente aceita. Ao cuidar dos detalhes do espaço físico e do clima em que ocorre processo, é criado um contexto de acolhimento e abertura. A igualdade: o diálogo não pode ocorrer se houver uma relação assimétrica entre os participantes. Devemos estar conscientes de que os processos participativos, como lembramos anteriormente, quase sempre são desenvolvidos em espaços assimétricos, onde há pessoas com mais poder do que outras e há histórias de dominação enraizadas profundamente nos relacionamentos. Por esse motivo, a estrutura dialógica deve ter o cuidado de reequilibrar o poder entre as pessoas, tanto quanto possível, e desenvolver diferentes tipos de estratégia para criar igualdade. Participar de um processo dialógico significa estar disposto a abandonar o conforto do próprio papel, da posição e entrar em discussão. Como no caso da confiança, e isso se aplica a todos os cinco elementos da estrutura dialógica, a igualdade é criada cuidando dos detalhes contextuais do espaço participativo, promovendo uma atitude de abertura e desenvolvendo novas habilidades. A diversidade: se um grupo de trabalho é muito homogéneo, o seu potencial criativo é seriamente limitado. Sem diversidade, o grupo cai facilmente na autorreferencialidade, na dinâmica do pensamento-grupo e no fechamento de que um processo participativo pode falhar. Por esse motivo, é importante que nos processos participativos estejam presentes pessoas com diferentes pontos de vista e diferentes visões de mundo. É importante o esforço para incluir todos os pontos de vista, especialmente aqueles que discordam da visão dominante. O interesse comum: se queremos que o proceso de diálogo seja sustentável, as pessoas envolvidas devem senti-lo, apropriar-se dele, sentir que o que está em jogo é real, que podem contribuir para transformar a realidade e que o esforço participativo
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realmente vale a pena. Por esse motivo, um dos pilares da estrutura dialógica é unir os participantes em torno de um interesse comum que será transformado, através do processo dialógico, na construção de uma visão comum: uma definição comum da situação-problema, das pessoas interessadas, da estratégia de intervenção e da mudança a ser alcançada. Como lembra Senge (1990), uma visão comum pode ser extremamente poderosa e transformadora, permite a coesão do grupo e garante a sustentabilidade do processo, porque as pessoas ganham consciência de que a mudança é possível. A construção de uma visão comum implica, como veremos nas próximas páginas também devem estar atentas aos nossos quadros de referência implícitos, desconstruí-los, conseguir interpretar os quadros de outras pessoas e criar um “senso comum” compartilhado. Através do diálogo, a pessoa adquire uma nova perspetiva de seus próprios pensamentos e emoções (Bohm, 1996). A co-responsabilidade: o processo dialógico é um compromisso de todos. Todos os participantes são responsáveis pelo processo, por apoiá-lo e pela sua facilitação. A estrutura dialógica maximiza a distribuição de poder e responsabilidade por meio de um sentido não hierárquico.
6. A ESTRUTURA DIALÓGICA COMO ESPAÇO DE GESTÃO CRIATIVA DE CONFLITOS
Um dos fatores que dificulta os processos participativos é a diversidade de opiniões, interesses e/ou posições que podem gerar conflitos que, se mal geridos, são polarizados e radicalizados. Neste contexto, a construção de estruturas dialógicas não apenas maximiza a participação e os processos de aprendizagem cooperativa, mas também representa um espaço que promove a gestão criativa de conflitos. A maioria das estratégias que usamos para gerenciar conflitos e tomar decisões, geralmente são baseadas numa abordagem normativa ou argumentativa. Estas formas clássicas de lidar com conflitos (e que usamos diariamente na família, com os amigos, no trabalho e na sociedade) podem ser úteis, mas desde que não afetem os relacionamentos, não há assimetria de poder entre partes e que os quadros de referência entre elas sejam os mesmos. No entanto, do nosso ponto de vista, essas abordagens não são as mais eficazes, principalmente, por duas razões: a primeira tem a 14
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ver com a assimetria de poder mencionada, a segunda é que, muitas vezes, não se partilham os mesmos marcos de referência. “En la argumentación se trata de desmontar la otra posición y demostrar la superioridad de la nuestra, la lógica es la de ‘yo tengo razón y tú te estás equivocando’, a menudo no solamente nos limitamos a probar las inconsistencias lógicas de la otra posición, sino que desacreditamos a la otra persona, subrayamos los puntos débiles de la otra persona y minamos su credibilidad. Al contrario, la exploración suspende la negación y coloca las opciones existentes en espera mientras otras posibilidades son ideadas. Las posiciones iniciales se ponen entre paréntesis y se empieza a ampliar el marco del problema para que surjan nuevas alternativas” (Augsburger, 1992, p. 60).
O EDT não assume que existam valores, pressupostos implícitos, crenças comuns, ou seja, um senso comum partilhado entre os participantes. Mas preocupa-se em explicar os interesses, necessidades, valores e significados que estão por trás das posições de cada participante, impedindo que as posições se radicalizem com base em "mal-entendidos". A realização de um processo de ação participativa usando o EDT implica mudar a visão que se tem nos processos de tomada de decisão coletiva. As pessoas geralmente chegam a uma mesa de trabalho com uma visão de "soma zero" do conflito, com base na ideia de que "se você vencer, eu perco", que se houver posições opostas, os interesses também serão opostos. O sucesso do método depende da capacidade de superar essa visão binária, abrindo um espaço de curiosidade e disponibilidade para que outras fórmulas de participação sejam possíveis. É nesse ponto que as contribuições da EDT para os processos de ação coletiva e tomada de decisão são mais evidentes. O ponto de partida é que as pessoas que participam da mesa de trabalho se concentram em entender e sejam compreendidas, e não em convencer e desmantelar os argumentos das outras pessoas. Esse processo dialógico é baseado no entendimento dos quadros de referência que estão por trás das posições. Um quadro de referência é o conjunto de valores, interesses, conhecimentos que interferem na nossa maneira de interpretar a realidade a partir de uma perspetiva cultural específica. O EDT está preocupado em criar as condições para que as pessoas tomem consciência dos quadros de referência e compreendam os quadros de referência de outras pessoas através da explicitação dos interesses, valores e chaves interpretativas do problema em questão. A ideia é que a nossa maneira de interpretar e definir um 15
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problema determine como resolvê-lo. Nesse sentido, soluções criativas podem ser geradas apenas quando um problema é reformulado.
7. CONCLUSÕES
Foram descritas as principais características das metodologias participativas e os seus obstáculos. Foram desenvolvidas as chaves do EDT, cujo objetivo é contribuir e favorecer a transformação da sociedade através da criação de estruturas dialógicas que promovam o diálogo e a transcendência não-violenta dos conflitos. Também foram descritas algumas ferramentas operativas de de intervenção que provaram ser eficazes para: criar estruturas de capacitação que permitam passar do debate ao diálogo; criar estruturas dialógicas e participativas que não negam ou fujam do conflito, mas o administrem de maneira criativa dentro de estruturas apropriadas; cuide e mude a lógica dos relacionamentos que devem necessariamente se basear no reconhecimento; etc. Em suma, criar estruturas e desenvolver habilidades que facilitem o diálogo, a criatividade e a inteligência coletiva são ferramentas essenciais.
8. REFERENCIAS Aguilar-Idáñez, Mª J. y Buraschi, D. (2013). Participación, modelos implícitos e intervención de los profesionales de lo social, en Actas del IV Congreso de la Red Española e Política Social (REPS): Las políticas sociales entre la crisis y la post-crisis (pp. 1422-1434). Universidad de Alcalá: Alcalá de Henares. Aguilar-Idáñez, Mª J. y Buraschi, D. (2017). Claves dialógicas para una educción intercultural crítico-transformadora, Interacções, 13(43), 233-253. Aguilar-Idáñez, Mª J. y Buraschi, D. (2017). Comunicar para transformar el discurso del odio: aprendizajes para enfrentar eficazmente el racismo desde el empoderamiento comunicacional ciudadano, Documentación Social, 184, 107-129. Augsburger, D. W. (1992), Conflict and Mediation Across Cultures. Louisville, KY: Westminster/John Knox Press. Bohm, D. (1996). On dialogue. New York: Routledge.
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Buraschi, D. y Aguilar-Idáñez, Mª J. (2014). El método de la construcción del consenso. Una herramienta participativa de toma de decisiones para la gestión creativa de conflictos. Servicios Sociales y Política Social, XXXI(105), 87-103. [https://goo.gl/xrSKf3] Buraschi, D. y Aguilar-Idáñez, Mª J. (2017). Comunicación participativa antirracista. Claves para la acción comunitaria de acogida. Mosaico Canarias: Tenerife. Buraschi, D., Aguilar-Idáñez, Mª J., Oldano, N., Fonte García, Mª E. y Zapata Hernández, V. M. (2017). Comunicazione partecipativa e cultura dell’ospitalità, Educazione Aperta. Rivista di pedagogía critica, 2, 111-132. Bush, R.A.B. y Folger, J.P. (1994). The promise of mediation: Responding to conflict through revalorization and recognition. San Francisco, CA: Jossey-Bass. Galtung, J. (2000). La trasformazione nonviolenta dei conflitti. Il metodo Transcend. Torino: EGA. Isaacs, W. (1999). Dialogue and the Art of Thinking Together: A Pioneering Approach to Communicating in Business and in Life. New York: Bantam Doubleday Dell Publishing Group. Rogers, C. (1970). Grupos de Encuentro. Buenos Aires: Amorrortu. Sclavi, M. (2010). Il metodo del confronto creativo: un upgrading della democrazia. Riflessioni sistemiche, 2, 128-138. Senge, P. (1990). La quinta disciplina. El arte y la práctica de la organización abierta al aprendizaje. Madrid: Granica. Yankelovich, D. (1999). The Magic of Dialogue: transforming Conflict into Cooperation. New York: Simon & Schuste.
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A MÚSICA COMO FERRAMENTA DE INTERVENÇÃO SOCIAL E TERAPÊUTICA NA POPULAÇÃO IDOSA Ana Cláudia da Conceição Severinoi
Resumo O recurso à música enquanto ferramenta de intervenção sociocultural, ocupacional e/ou terapêutica junto da população idosa é cada vez mais frequente. A música estimula os séniores a cantar, a tocar, a improvisar, a criar e a recriar, o redescobrir as canções que fizeram e fazem parte de inúmeros momentos ao longo das suas vidas. São diversos os estudos que referem a extrema importância da música para a terceira idade em relação ao resgate de memórias, como tratamento complementar nos casos de demências e outras patologias, dada à eficácia na manutenção das funções cognitivas, autoestima e socialização com e entre os idosos. Partindo da experiência pessoal e profissional da autora, pretende-se espelhar com o presente artigo os benefícios, as potencialidades e os resultados visíveis do recurso da música em atividades de Animação Sociocultural com a população idosa, uma linguagem universal e intemporal que não escolhe idades ou culturas. Palavras-chave: Animação Sociocultural, Música, Canto, Envelhecimento, Idosos
1. A Música e a Terceira Idade
A Música sempre acompanhou o Homem em inúmeras situações da sua vida, como eventos religiosos e épocas festivas, assim como foi sendo construída e modificada através das relações que se estabelecerm entre os diversos povos e culturas, influenciada por acontecimentos de ordem diversa: políticos, culturais, etc.
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Licenciada em Animação Sociocultural pela Escola Superior de Educação de Lisboa e Mestre em Educação Artística pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Animadora Sociocultural com a população idosa desde 2013 até à atualidade. Praticante de instrumentos de percussão e de gaita-de-foles no grupo de percussão BOMBRANDO desde 2006 até à atualidade.
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(Raposo, 2013, p. 34). Na opinião de Ventosa (2001), a evolução do ser humano e da sua cultura poderia muito bem ser descrita através das suas manifestações musicais:
Não existe atividade humana que não esteja acompanhada da sua expressão musical correspondente. Tanto acontece se contemplamos a nossa vida de uma perspetiva diacrónica (desde o nascimento – as canções de embalar – até à morte – os requiem e outras composições para defuntos –), como se o fizermos de um ponto de vista sincrónico (levantamo-nos com a música do despertador ou cantamos no duche e adormecemos embalados pela sintonia da rádio ou do televisor). Se a luz é «a sombra de Deus» (...), bem poderíamos dizer que a música é a sombra do homem (Ventosa, 2001, p. 9, cit. por Raposo, 2013, pp. 48-49).
Tal como a Música, o canto é igualmente uma expressão que acompanha a vida humana desde o nascimento: nas canções de embalar, nas músicas tradicionais, nos hinos que são cantados na escola, no “Parabéns a você”, nas cerimónias religiosas (casamentos, funerais), nos cancioneiros, nas canções de amor, entre outras. Através das canções de uma vida inteira, é possível relembrar momentos que, apesar de individuais, não deixam de ser coletivos; que marcaram uma determinada fase da vida, uma geração, uma época” (Souza, 2002, p.874, cit. por Marques, 2011, p. 19; Degani, 2011, p. 150). Deste modo, o processo de envelhecimento acompanha o ser humano desde o seu nascimento e durante toda a sua vida. A canção que pertence à infância de uma pessoa de 90 anos pode ser a ponte que liga as infâncias de diferentes gerações. A música é, assim, um estímulo potente para a evocação de lembranças, e é lembrando que podemos avivar factos inconscientes que ampliam o significado do “ser velho” e a memória, quando reativada pela música, faz a senescência ser encarada como tempo de lembrar, possibilitando que o idoso reconstrua e reviva passagens significativas de sua vida, resgatando a sua identidade (Marques, 2011, p. 22; Fernandes, s/d). “O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados” (OMS, 2005, p. 13, cit. por Marques, 2011, p. 20). A Música tanto pode ser, deste modo, aplicada individualmente como em grupo; numa atividade ou dinâmica musical (como por exemplo, cantar ou tocar um instrumento musical) ou apenas na audição e escuta ativa de canções ou músicas. A estratégia utilizada permite utilizar, resgatar e ampliar os componentes pessoais 19
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existentes nas sensações, perceções, afeto, escuta, habilidades motoras, espaciais, temporais, mobilização de energia, atenção, memorização, concentração e expressão. Mesmo em casos de demência – em que as componentes acima citadas permaneçam mais adormecidas – podem ser despertados através da música, pois o indivíduo necessita de acioná-las para se conseguir relacionar com a música (Cascarani, 2013, p. 115; Taveira, Caixeta, 2012, p. 358, cit. por Silva e Souza, 2014). Assim, a Música é uma importante forma de estimulação da população idosa, pois além de ser um veículo promotor do bem-estar do idoso, da comunicação com os outros, da apreciação estética e da autoconfiança podendo contribuir decisivamente no combate à tendência depressiva e à solidão, estimula também a memória, a criatividade, a capacidade auditiva e da fala, bem como a motricidade e a coordenação, quando se recorre à utilização de instrumentos musicais (Teixeira, 2015, p. 11). Segundo Gomes (2009, p. 19), a música
(…) é importante, não só no plano artístico, mas também na influência que tem na autorrealização pessoal e social, nas interações entre os seres humanos, e nos momentos, não só de ócio e de lazer, mas também de programas e produção cultural (cit. por Raposo, 2013, p. 51).
É sobretudo neste âmbito da realização pessoal e social e nos programas socioculturais que procuraremos não só, enquadrar a Música enquanto ferramenta de intervenção social e terapêutica da Animação Sociocultural na, da e para a população idosa.
2. A Música na Animação Sociocultural
Como foi referido anteriormente, a Música tem o poder de agregar as pessoas, gerar vínculos e foi elemento responsável pelo surgimento de sentimentos de sintonia grupal, movimentos de aproximação e de organização social (Degani, 2011, pp. 162). A Animação Sociocultural (ASC), na sua essência, pode e deve recorrer à Música como área artística, de expressão, de comunicação e até de intervenção, quer social como terapeuticamente. Ezequiel Ander-Egg, na sua obra O Léxico do Animador (1999), cita a definição de André Raille:
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Animar é fazer participar a população no aumento da sua vitalidade; devolver-lhe a alma, um espírito de equipa, um impulso, despertar o espírito de pioneiro num clima de liberdade... É fazer que cada um tome o seu destino nas suas mãos (Sirgado, Alves & Lopes, 2011, p. 9).
Desta forma, a Animação Sociocultural, de acordo com Palma (2000, p. 14), “estimula o sentido da iniciativa, a criatividade dos mesmo no seu próprio desenvolvimento (…) favorecendo formas de comunicação e expressão entre todos (…) visa transformar as condições de participação dos indivíduos e dos grupos na comunidade, estimulando o sentido de iniciativa” (cit. por Ramos, 2011, p. 61). A Música, enquanto ferramenta artística, de expressão e comunicação, funciona como um elo identificativo, ‘abrindo’ o caminho ao indivíduo para a integração de grupos detentores dos mesmos valores, pensamentos, ideias e opiniões, sendo igualmente um recurso de gratificação psíquica, emocional, de mobilização motora, afetiva e intelectual e de autorrealização (Crozier, 1997, p. 71; Zampronha, 2002, p. 14, cit. por Serapicos, 2011, p. 28). Por outro lado, a Música arroga uma dimensão sociocultural, na medida em que fomenta técnicas promotoras de autorrealização, promove a solidariedade e a socialização, preserva o património musical/tradicional, promove a aprendizagem musical, potencia o bem - estar e fomenta a realização individual e grupal (Canto, 2010, p. 43). Segundo Luís Jacob (2008), as atividades do âmbito da Animação Musical são variadas, nomeadamente:
Canto – Podendo ser espontâneo ou organizado, individual ou em grupo, com ou sem música, é a forma mais simples de expressar as emoções através da música; Instrumental – Aprender a tocar um instrumento é um exercício que demora tempo e necessita de muita prática. Contudo, a utilização de instrumentos mais simples e que requerem menos tempo de aprendizagem (como os ferrinhos, sinos, guizos, tambores, maracas, pandeiretas, entre outros), proporcionam momentos de diversão e convívio; Jogos e dinâmicas musicais – A dinamização de exercícios e jogos a partir da música estimulam sensorial e cognitivamente o idoso, como por exemplo, passar músicas e perguntar o nome do cantor, da música e/ou do acontecimento a que está relacionado com esta, colocar sons de instrumentos, de animais ou do quotidiano e perguntar o que é, associar uma música ou canção e um período da História (anos 20, 50 ou 80), entre outras (cit. por Simões, 2010, p. 36).
A utilização da Música com a população idosa permite, promove e desenvolve: 21
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Reforço ou reestabelecimento do ritmo de marcha – o idoso pode apresentar dificuldades de locomoção e de equilíbrio, afetando inclusive a sua própria marcha. A utilização de músicas com o ritmo e a pulsação bem acentuados e marcados auxiliará o idoso a reestabelecer-se quanto a esta necessidade;
Estimulação da fala – muitas vezes, devido à doença, o idoso tem o seu processo de comunicação verbal afetado. Estas dificuldades, no entanto, podem apresentar-se com maior ou menos intensidade, por exemplo, numa atividade de canto. Estimulando e promovendo o canto, a musculatura facial e as áreas cerebrais envolvidas são estimuladas, auxiliando o processo de reabilitação;
Estimulação da memória – a memória geralmente apresenta debilitações na maioria dos idosos, seja pelo seu processo normal de envelhecimento ou pelo aparecimento de uma demência. A música, porém, traz reminiscência do passado e ajuda no resgate de memórias e lembranças;
Estimulação da cognição – o processo cognitivo atera-se com o avançar da idade, tornando-se mais lento. Aprender novas músicas ou relembrá-las e tocar instrumentos musicais são excelentes meios de estimular a cognição e o raciocínio, ajudando a prevenir ou retardar doenças associadas às demências;
Força muscular – os idosos perdem massa e força muscular com o passar dos anos. Estimular com instrumentos de percussão que exijam um maior trabalho muscular ou trabalhar o corpo através da música (dança, alongamentos), pode ser de grande ajuda para a manutenção e desenvolvimento desses músculos;
Motricidade (ver Fig. 1) – a motricidade fina é uma grande dificuldade encontrada pelos idosos. Através de instrumentos como o piano ou que utilizem baquetas (como o tambor ou o xilofone), promovemos meios excelentes de estimulação neste âmbito;
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Fig. 1 – Idoso a tocar tambor, com recurso a um maço de madeira (Fonte: Própria)
Depressão – a música é, na maioria das vezes, prazerosa, auxiliando o idoso, não só nos aspectos físicos como também nos aspectos emocionais. A música proporciona momentos prazerosos, onde o idoso tem a possibilidade de expressar as suas emoções e também lidar com os seus sentimentos de perda, medos e tristezas;
Solidão (ver Fig. 2) – os idosos institucionalizados têm maior tendência a sentirem solidão e abandono. A música possibilita, através do seu potencial integrador, que os idosos das Instituições se conheçam e compartilhem as suas vivências e experiências, aprendendo a lidar e a apreciar a companhia de outros idosos, promovendo a criação de laços sociais e de convivência, além de ampliar os momentos de satisfação proporcionados pela vivência grupal (Macedo, 2008).
Fig. 2 – Grupo de idosos a tocar instrumentos de percussão (Fonte: Própria)
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A Música, na sua essência, é divertimento, animação, participação, um veículo de por excelência de promoção de bem-estar, em condições propícias de favorecimento nos distintos momentos da nossa vida (Canto, 2010, p. 41). Independentemente das vertentes (educação musical, expressão musical, execução instrumental, classe de conjunto e outras) ou das técnicas utilizadas (audição, constituição/participação em grupos musicais não formais – coros, tunas, ranchos, etc.), a Animação Sociocultural potencia e agiliza a criatividade lúdica e motivacional que a música comporta, promovendo um aumento de qualidade de vida e de desenvolvimento pessoal e grupal, podendo ser um veículo importante no campo da envolvência, da valorização social e interação do ser humano (Gomes, 2011, 2002, cit. por Serapico, 2011, p. 29).
3. A Música como ferramenta de intervenção com a população idosa
A minha experiência profissional enquanto Animadora Sociocultural tem vindo a ser desenvolvida com a população idosa, tanto em territórios rurais como urbanos. Ao longo dos anos e da minha experiência pessoal, defendo que um plano de intervenção em Animação Sociocultural deverá, por um lado, ser o mais variado e abrangente possível e, por outro lado, deve responder às necessidades, potencialidades, gostos e interesses do público-alvo. Deste modo, o Animador consegue motivar individual e grupalmente – especialmente com o público idoso – e deverá planificar e proporcionar atividades e projetos que os seus participantes se identifiquem e se sintam úteis e realizados. A população idosa (rural e urbana), pela sua longa e vasta experiência de vida, sempre esteve em contato com a Música, através de alguns meios que acompanharam igualmente a sua história de vida, como a rádio, a televisão, as festas da aldeia, as idas ao teatro, cinema e/ou a casas de fado, entre outros. Em qualquer faixa etária – e a população idosa não é exceção – existe algum estilo musical, alguma música, canção ou algum som que desperta as nossas emoções, desde bem-estar, energia, alegria, tristeza, raiva ou saudade. A música possui, assim, um importante espaço de significados, experiências, valores usos e funções, pessoas que tomam parte deste, modos de produção, organização e distribuição das suas atividades musicais que o
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particularizam de acordo com o seu contexto sociocultural (Arroyo, 2002, Queiroz, 2004, cit. por Severino, 2017, p.45). No presente artigo, serão documentadas duas atividades que tenho vindo a desenvolver, no âmbito da expressão e animação musical, em vários contextos laborais (anteriores e atuais) com a população idosa, que comprovaram e ilustraram os benefícios e potencialidades do recurso da música como ferramenta de intervenção social e terapêutica: Discos Pedidos e Sons Que (En)Cantam.
a. Discos Pedidos
A atividade Discos Pedidos, inspirada nas rubricas de programas de rádio em que os ouvintes podem solicitar pedidos de músicas do seu interesse, é desenvolvida semanalmente. Com recurso à plataforma de compartilhamento de vídeos e músicas, Youtube, cada idoso é convidado a escolher uma música do seu interesse no decorrer da sessão. Desta forma, é proporcionado aos idosos a oportunidade de auto-expressão e a possibilidade de fazer escolhas, promovendo a sua estimulação (Mello e Rodrigues, 2012, cit. por Silva e Souza, 2014, p. 21). Esta atividade é, habitualmente, desenvolvida em salas de estar ou de convívio, com uma duração aproximada de 60 minutos, onde a heterogeneidade do grupo encontra-se bem representada, pois, na maioria das Instituições para a Terceira Idade, todos os utentes (autónomos, semi-autónomos, com ou sem quadro demencial, entre outros) partilham uma sala comum, permanecendo muito tempo naqueles espaços. Enquanto Animadora Sociocultural, considero que deverão existir atividades que devem ser realizadas em salas ou espaços externos a esta sala de estar ou de convívio comum (como por exemplo, atividades e dinâmicas do âmbito da estimulação cognitiva, em pequenos grupos e sem a possibilidade de existir muitos factores de distração); porém, esta atividade considero que deve ser desenvolvida em grande grupo. Por um lado, o utente que solicita uma determinada música, irá certamente corresponder ao gosto e ao quadro de experiências de vida musicais de outro(s) participante(s); por outro lado, os participantes mais ou menos passivos e, inclusive, outro(s) que apresente(m) um quadro demencial, ouvirão e, por vezes, acompanharão
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a letra das músicas, cantando espontaneamente. Ao longo destas sessões, tenho verificado que um número considerável de séniores canta, no mínimo, o refrão das canções, havendo também quem cante as canções na íntegra, independentemente de apresentarem um quadro demencial ou não. Tal como esclarece a musicoterapeuta Ana Esperança (2014), cantar é uma experiência muito significativa, que ativa memórias, reduz a melancolia e estados depressivos, estimula respirações profundas e o relaxamento físico, diminui o isolamento, promove a auto-expressão, proporciona algo familiar perante o desconhecido e promove a produção verbal. Na verdade, quem sempre gostou de música, continuará a gostar de música, mesmo que o utente esteja doente ou que apresente um quadro demencial, tendo um ótimo efeito relaxante (Sayeg, 2009, p. 307, cit. por Silva e Souza, 2014, p. 21). Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, António Mourão, Fernando Farinha, Marco Paulo, Hermínia Silva, António Calvário, Alfredo Marceneiro, são alguns exemplos dos artistas mais solicitados e que, a maioria dos grupos envolventes, conhecem as suas obras musicais e respetivas biografias. Porém, embora menos frequente e dependendo da cultura e experiência de vida dos participantes, outros géneros musicais surgem para além do Fado, como o Rock N’Roll, Ópera, Música Tradicional, Música Popular Portuguesa, Música Brasileira, Latina ou ritmos africanos. Na presença da música, relações múltiplas são estabelecidas entre os participantes envolvidos, seja numa execução ou audição musical, pois cada membro aceita, espontaneamente, uma disciplina comum; os participantes comportam-se de maneira aceitável, toleram-se, sentem-se livres para criticar e serem criticados, além de projetarem uma imagem representativa de si mesmos, desenvolvendo, assim, a autoestima (Lima e Costa, 2010, pp. 50-51).
Existe um Fado do Leonel Moura que fala da gastronomia portuguesa e de todos os pratos típicos do nosso país [Culinária à Portuguesa] (Domingues, 2019, ao solicitar a música durante uma sessão de Discos Pedidos). Quem Passa Por Alcobaça, uma verdadeira viagem pela cidade e o que se pode lá visitar (Cavaco, 2019, ao solicitar a música durante uma sessão de Discos Pedidos).
Após a audição da música solicitada, é partilhado, em grupo, a biografia do(s) artista(s) e ou grupos musicais. Os participantes mais lúcidos e ativos partilham, frequentemente, conhecimentos e dados biográficos que detêm destes artistas ou até histórias e acontecimentos que tiveram oportunidade de vivenciar com estes artistas. 26
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Eu cheguei a vê-la [Amália Rodrigues] a atuar na Casa de Alfama (Santos, 2019, conversa partilhada durante uma sessão de Discos Pedidos). Tive a oportunidade de estar com Amália Rodrigues pessoalmente (Anjos, 2019, conversa partilhada durante uma sessão de Discos Pedidos). Esse concerto que o Marco Paulo deu no Coliseu de Lisboa [após visualização do vídeo no Youtube]… Eu estava presente! Realmente foi muito bonito (Dias, 2019, conversa partilhada durante uma sessão de Discos Pedidos). A Amália Rodrigues chegou a vender fruta e flores na rua onde eu morava. Passava por ela quase todos os dias (Ferreira, 2017, conversa partilhada durante uma sessão de Discos Pedidos).
A música é um dos mais potentes estímulos para os circuitos do cérebro: contribui para a compreensão da linguagem e para o desenvolvimento da comunicação, a perceção dos sons e para o aprimoramento de outras habilidades. Cantar permite trabalhar a articulação, ritmo, dicção e o controlo respiratório; cantar em grupo pode desencadear uma tomada de consciência de si e dos outros. As canções ajudam, ainda, a lembrar memórias e a contar histórias. Assim, a atividade de Discos Pedidos permite, por um lado, a participação ativa do(s) idoso(s), quer na seleção da música pretendida e/ou no acampanhamento, através do canto, da letra da música que é passada e na partilha e aquisição de conhecimentos e curiosidades sobre os artistas e respetivas biografias, como também promove a participação recetiva, ao envolver o(s) idoso(s) na escuta e audição ativas das músicas selecionadas, estimulando cognitiva e sensorialmente todos os participantes, desde a melhoria a nível da atenção, da memória, da comunicação e a promoção de bem-estar (Miradouro, 2015, pp. 13-15; Associação Portuguesa de Musicoterapia, cit. por Barreira, 2009, pp. 135-136).
Há quantos anos que eu não ouvia esta música! [Jorge Fernando – Rosas Brancas para o Meu Amor] Sinto-me tão feliz. Só por isto, valeu a pena estar aqui (Muacho, 2019, comentário durante a audição da música pedida). Isto é tão bonito menina! Obrigada… [Silva, 2019, observação emotiva após solicitação do seu pedido durante a sessão de Discos Pedidos].
b. Sons Que (En)Cantam
Sons Que (En)Cantam é uma atividade que consiste na experimentação e prática de instrumentos musicais de fácil e leve manuseamento (guizos, tambores, maracas, ferrinhos, xilofones, pandeiretas, entre outros), em simultâneo com canto, mediante a potencialidade e o trabalho conseguido ao longo da atividade com o grupo 27
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participante envolvente. A duração da sessão é variável, dependendo igualmente do interesse, da motivação e da capacidade de resposta dos participantes, contudo, não deverá exceder igualmente os 60 minutos. As músicas cantadas, pelo menos numa fase inicial, deverão ser canções tradicionais portuguesas, dado que os idosos conhecem desde a sua infância e são muito importantes para o estímulo da memória e para a dupla função de manuseamento de um instrumento musical e do canto. Primeiramente, os idosos são convidados a escolher e experimentar o instrumento musical que pretendem tocar, manuseando-o e experimentando-o, enquanto o Animador informa ou esclarece o nome e o tipo de instrumento musical (ver Fig. 3).
Fig. 3 – Residentes a manusear instrumentos musicais (Fonte: Própria)
Após todos os participantes terem um instrumento musical, realizam-se dinâmicas musicais, introduzindo elementos e conceitos básicos fundamentais na música, como o silêncio vs ruído/som, velocidade (lento vs acelerado) e intensidade do som (baixo vs alto). Simultaneamente, solicitam-se solos de determinados instrumentos da mesma família (tocar apenas os metais, as madeiras ou as peles, juntar dois tipos de instrumentos de famílias diferentes (tocar os metais e as madeiras, por exemplo). Finalmente – e mediante o desempenho e grau de motivação do grupo – cantam-se canções do conhecimento do grupo (como por exemplo, canções tradicionais portuguesas, Laurindinha, Resineiro Engraçado, Os Olhos da Marianita, entre outras), acompanhando com os instrumentos musicais fornecidos.
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Ao contrário de outros aspetos físicos e psicológicos, a aptidão musical não diminui à medida que as pessoas envelhecem e, para grande parte da população idosa, as mudanças físicas associadas ao processo de envelhecimento não têm implicações significativas no prazer musical ou na aptidão musical (…) Mesmo em idosos com demência severa e alzheimer, é comum haver uma manutenção de capacidades musicais (como capacidades rítmicas) e da capacidade de resposta a estímulos musicais, mesmo quando a deterioração cognitiva é severa (Silva, 2018, p. 36).
Uma das últimas atividades Sons Que (En)Cantam que desenvolvi foi num dos sectores da Instituição onde colaboro atualmente, em que a maioria dos idosos são dependentes e com quadros demenciais variados e identificados. O grupo, composto por cerca de 13 participantes, participou ativamente, quer na exploração e experimentação dos instrumentos musicais, como no acompanhamento simultâneo da prática instrumental com o canto. Não importa aqui o produto final conseguido, uma composição musical bonita, mas o processo que conduziu ao resultado final desta intervenção: a interação e envolvência do grupo durante a dinamização da sessão, proporcionando bem-estar, ludicidade e a sensação de capacidade e utilidade, que afinal não é tão incapaz como poderia considerar (Simões, 2010, p. 24). O ritmo e jogos de movimento melhoram e facilitam a mobilidade, agilidade, força, balanço, coordenação, consistência, padrões de respiração e relaxação muscular. Aumenta a motivação, interesse, e atua como uma persuasão não-verbal para envolvimento social da pessoa. O uso da voz, dos instrumentos, do movimento, interagem com a pessoa e com o outro, dando a oportunidade de fazer opções e lidar com estruturas de forma criativa (Associação Portuguesa de Musicoterapia, cit. por Barreira, 2009, pp. 135-136). A música pode exercer poderosos efeitos físicos e comportamentais, produzirnos profundas emoções e pode ser usada para gerar infindáveis variações de expressividade (Barreira, 2009, p. 202). No decorrer da sessão, a residente S., uma idosa com mobilidade reduzida e que apresenta uma demência frontotemporal, ao ouvir o restante grupo a tocar e cantar, começou a bater palmas e a balançar os membros inferiores. Num estudo com um grupo de 50 pessoas com Alzheimer, Cuddy, et al. (2012) mostram que escutar uma música ou som familiar pode modificar as respostas afetivas, desencadeando diferentes tipos de comportamentos e/ou emoções (como por exemplo sorrir e bater palmas). É importante, por isso, recorrer ao repertório cultural e afetivo do paciente de forma a devolver-lhe um ambiente familiar, estimulando assim a memória, a produção de reminiscências e a consciência/orientação de si e do meio (Carvalho, 2018, p. 11; Leal, 2017, p. 19). 29
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Considerações Finais
A Música, no âmbito da Animação Sociocultural, é uma ferramenta de intervenção social e terapêutica na população idosa.
A importância da música para a ASC gira à volta de uma dupla funcionalidade imediata, por um lado, a audição e, por outro, a expressão, factores decisivos de fruição e desfrute que, reconhecidamente, promovem sociabilização, educação, bem-estar e respeito pelo outro. A primeira decorre da respetiva difusão ao vivo, em gravação, áudio ou vídeo, na rádio e/ou em auditórios, etc., e a segunda advém das vivências expressivas em âmbitos amadores, onde a atividade prática desencadeada em grupos corais, instrumentais ou combinados, não visa, em definitivo, uma produção artística de excelência, mas uma vivência enriquecedora a nível pessoal e social, se bem que haja, quase sempre, um empenhamento por fazer o melhor, no sentido do aprimoramento expressivo/artístico (Gomes, 2011, p.231, cit. por Serapicos, 2011, p. 29).
Seja entendida no sentido recetivo (audição) ou ativo (canto ou prática instrumental), a Música age independentemente da pessoa que a perceciona. A capacidade de ouvir, apreciar e vivenciar a música permanece intacta mesmo quando as capacidades cognitivas estão deterioradas, sendo possível ao idoso aprender e responder ao estímulo musical (Leal, 2017, p. 20; Lopes, Galinha, Loureiro, 2010, pp. 212-213). O presente artigo procurou, tendo por base a experimentação e os resultados obtidos em contextos laborais e institucionais, evidenciar a importância e os benefícios do recurso da Música na intervenção com a população idosa. A Música favorece e promove a participação (ativa e/ou recetiva) de qualquer indivíduo, incluindo o idoso, dada à sua estreita relação e presença ao longo da vida. Facilitando a comunicação, a autoexpressão, a memória e a socialização, a Música, através da Animação Sociocultural, é um estímulo prazeroso, criativo e lúdico, naturalmente “terapêutica”, que não deve ser confundido com a Musicoterapia, já que esta requer um terapeuta especializado para a sua aplicação. É necessário salientar que a utilização da Música, a experiência com a Música na Animação Sociocultural é benéfica e por vezes terapêutica, melhora a qualidade de vida dos envolventes, contudo, não é necessariamente terapia, pois existe uma diferença importante entre uma experiência que produz um efeito terapêutico e transformador e um processo de musicoterapia (Lopes, Galinha e Loureiro, 2010, p. 117; Bruscia, 2000, pp. 27-36).
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Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Ciências da Educação – Especialização em Animação Sociocultural. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Chaves, Portugal. Severino, A. (2018). Ritmo e percussão como práticas culturais na comunidade juvenil: estudo de caso do projeto BOMBRANDO. Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Educação Artística. Faculdade de Belas-Artes, Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal. Silva, M. (2018). A musicoterapia na demência: comunicação e expressão individual através da música num contexto de isolamento social e de deterioração cognitiva e motora. Relatório de estágio realizado no âmbito do mestrado em Musicoterapia. Universidade Lusíada de Lisboa, Lisboa, Portugal. [Em linha]. Acedido a 24 de fevereiro de
2019,
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http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/3771/6/mmt_miguel_silva_dissertaca o.pdf Silva, C., Souza, E. (2014). A demência de Alzheimer e suas terapêuticas não farmacológicas: um estudo sobre as estratégias e intervenções em reabilitação neuropsicológica. In Caderno Discente, Vol. 1, Nº. 1. [Em linha]. Acedido a 24 de fevereiro
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2019,
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http://humanae.esuda.com.br/index.php/Discente/article/view/157/86 Simões, A. (2010). A influência da animação artística na qualidade de vida dos idosos. Trabalho de Projeto apresentado para a obtenção do Grau de Mestre em Animação Artística. Escola Superior de Educação de Bragança, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal. Sirgado, M., Alves, C., Lopes, C. (2011). Guia do Animador – Ideias e Práticas para Criar e Inovar. Lisboa: Edições Sílabo. Teixeira, J. (2015). Música100Idade: Projeto de Música na Comunidade no Centro Social de Calendário. Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para otenção do grau de Mestre em Ensino de Música. Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal.
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Da pobreza à moda: percursos da gastronomia alentejana Ana Piedade Instituto Politécnico de Beja – Departamento de Educação, Ciências Sociais e do Comportamento; Lab-At (Laboratório de Animação Territorial/IPBeja); CRIA
Da pobreza à moda: percursos da gastronomia alentejana Aspetos introdutórios
É objetivo do presente texto refletir acerca dos processos sociais e culturais que levam à transformação da “comida de pobres” em “comida da moda” e em “comida das elites”, no contexto do Alentejo e compreender de que modo a memória social é construída e imaginada, no que concerne aos alimentos considerados como comida e, de como neste processo, se forjam identidades. A abordagem metodológica é ancorada em trabalho de campo, realizado numa primeira fase, nas cidades de Serpa e Beja mas também na periferia de Lisboa, mais concretamente nos concelhos do Barreiro e Moita. Procedeu-se à análise de ementas de restaurantes que reivindicam servir “comida tradicional” e recolheram-se depoimentos de funcionários (cozinheiros e empregados de mesa), proprietários e clientes. Foram, ainda, recolhidos depoimentos e narrativas de vida de naturais dos concelhos de Beja e Serpa aí residentes e migrantes idosos, há muitos anos residentes em localidades dos concelhos do Barreiro e Moita e, ainda, descendentes destes. Para além da recolha de narrativas de vida, foram feitas entrevistas semidirigidas e apostou-se na observação participante (para já, num café e num restaurante de Serpa e num restaurante da cidade de Beja e em casas particulares) sempre que possível. A observação participante feita em casas particulares privilegiou, de entre os residentes no Distrito de Beja, descendentes e naturais das seguintes localidades: Serpa (vila), Pias, Baleizão, Brinches e Beja. Com a exceção de um caso (em Beja) os pratos observados são confecionados por mulheres e integram o regime normal da dieta alimentar da família. Todos estes informantes têm idades superiores a 58 anos. Quatro destes informantes consideram fundamental manter a sua identidade e
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divulga-la através da gastronomia, do cante e da revitalização da agricultura – 3 fazem agricultura de subsistência.
Quadro 1 – Informantes junto de quem se fez observação participante
Informante Género Naturalidade Residência Idade Tipo
Com quem Naturalidade aprenderam dos pais a cozinhar
1(MA)
F
Serpa (vila)
Serpa
49
Profissional Mãe (87)/C. Serpa (vila) Formação Profissional
2 (AB)
F
Pias
Serpa
54
Particular
Mãe
3 (BE)
F
Serpa
Cuba/Beja
59
Particular
Mãe, Avós
Tias, Serpa Brinches
4 (MCA)
F
Baleizão
Baleizão
61
Particular
Mãe, Avó
Tias, Baleizão
5 (FBM)
M
Beja
Beja
63
Particular
Mãe
6 (MBa)
M
Beja
Serpa
53
Profissional Pais; Restaurante
7(MBb)
M
Serpa
Serpa
57
Profissional Restaurante Serpa (Concelho)
8 (LRa)
F
Beja
Beja
60
Profissional Restaurante Beja
9 (LRb)
M
Beja
Beja
48
Profissional Restaurante Beja
10 (LRc)
M
Beja
Beja
23
Profissional Escola Profissional
Pias e
Beja -
-
No que concerne aos estabelecimentos de restauração (um café e dois restaurantes), a observação participante teve lugar em Serpa e fez-se junto de uma mulher (natural da vila, com 49 anos de idade) e de uma equipa de cozinheiros (um natural de Beja e outro de Serpa, com idades compreendidas entre os 53 e os 57 anos 35
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de idade). No caso de Beja a equipa de cozinheiros é liderada por uma mulher (cerca de 60 anos) e por dois homens (vinte e três e quarenta e oito anos) naturais de Beja e aí residentes.
Gastronomia, tradição e quadros sociais da memória
Os tabus e as ‘obrigações’ alimentares validadas no âmbito de uma sociedade e cultura(s), permitem compreender como estas se estruturam, bem como os processos pelos quais têm vindo a manter-se e a transformar-se ao longo do tempo. Os aspetos alimentares remetem investigadores para questões míticas e sagradas, económicas, de estatuto, de subcultura, de interculturalidade e, obviamente, para os quadros sociais da memória, constituindo-se afinal, como fenómenos sociais totais. Ao permitir diferenciar ‘nós’ dos ‘outros’, a alimentação é um importante elemento identitário que se transforma ao(s) ritmo(s) da(s) sociedade(s) e cultura(s), por um lado e, por outro, se mantém em pequenos nichos, com alterações mínimas. Neste sentido, é frequentemente patrimonializável e patrimonializada, assumindo aspetos ora nacionais, ora regionais ou locais, com a consequente reivindicação de “tradicional”, “verdadeiro” e/ou “original”. É sabido que desde sempre à culinária estão associados “modos de fazer” que se prendem com segredos de família mas também de instituições (Conventos, Mosteiros, empresas de restauração) e comunidades. A reivindicação do tradicional, verdadeiro ou melhor, assume portanto, contornos de identidade ao nível da comunidade ou família. Este tipo de culinária, entenda-se dos mais pobres e dos remediados, serve-se do que outros consideram como não comida ou “comida de 2ª”, para a transformar em comida verdadeiramente comestível e saborosa. Escassa na quantidade e até há pouco tempo na qualidade, é hoje recuperada sob o ponto de vista nutritivo. Pobre em gorduras (excetuando o toucinho, os torresmos de rissol e o queijo) na sua generalidade (pouco queijo se consumia e as carnes mais gordas eram usadas para caldos e para barrar o pão), era rica em ervas que os “outros” não queriam (hoje recomendadas pelo valor nutricional, vitamínico e antioxidante). Complementava-se com a fruta da época, azeitonas retalhadas e com o soro do queijo – almece – extremamente proteico mas considerado como subproduto
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e desprezado pelas rouparias. Era, assim, dado aos indigentes, maltezes e pobres. Hoje é aconselhado nas dietas para perda de peso e procurado também pelas “elites” locais e da região de Lisboa. É interessante analisar o discurso de alguns informantes, sobretudo com origem socioeconómica mais desfavorecida, sobre a quantidade de comida consumida no passado. A escassez do passado contrasta e muito, com a abundância ou até excesso do presente. Perpassa no seu discurso a ideia de que antigamente se comia para viver e hoje se vive para comer: “A gente hoje liga a televisão e é só programas de culinária. Ele é portugueses, é estrangeiros, até já uma pessoa fica de barriga cheia só de ver aquilo… e é com cada ‘porqueira’ que parece lavagem! Há um então que come tudo – baratas, ovos podres, eu sei lá! Havia de ser meu marido, havia… depois de comer tanta porqueira nem me tocava mais! Parece que vivem para comer… quer dizer … a gente antigamente, quem vivia assim mais malzito, não é? Era pão com um pedacito de toucinho ou chouriço ou queijo – também dependia dos patrões… e era pouco. Havia muita fome. Muita fome… muitos filhos e era difícil… ainda quem tinha casa num monte e ia ao rabisco e tinha uma hortita, era diferente.” (AB) “(…) Os da vila passavam mais mal (…) mas ainda me lembro do cheiro da fruta madura na feira de Agosto… aquele cheiro nunca esquece…” (MA)
Reconhece-se nestas palavras a alegação de Sutton (2001), de que existe uma relação estreita entre a memória e a alimentação. O local, a nostalgia e o global, cruzam-se na produção de um discurso que traduz memórias de grupo e identidades de grupo. O consumo de proteínas – carne e peixe – serviam para distinguir a ‘comida de pobre’ da ‘comida de rico’, tanto em termos reais como simbólicos. A comida foi (não o é ainda?) uma das formas mais visíveis e importantes de pensar hierarquias sociais e económicas (Canesqui, 1976). Os discursos aqui plasmados, embora individuais, remetem-nos para a ideia de Halbwachs no que concerne à memória individual: ela existe a partir de uma memória coletiva na medida em que todas as lembranças se constituem no interior de um grupo e, portanto, a memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva que é plural. Também neste caso não há a memória coletiva mas memórias coletivas visíveis nas categorizações do mundo apresentadas pelos informantes no seu conjunto:
a)não há gastronomia alentejana mas gastronomias alentejanas
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b) há comidas de monte e comidas de vila ou cidade - Residir na Vila (hoje cidade de Serpa) ou no monte implicava grandes diferenças ao nível da alimentação. Se no monte mesmo os que viviam pior podiam criar um borrego ou um porco i, os que residiam na vila não o podiam fazer. Limitavam-se à criação de galinhas sobretudo e poucos perus e patos. c) há comidas quotidianas e comidas rituais – As papas doces, os borrachos, as filhós e as turtas, as castanhas e as bolotas cozidas com erva-doce , o arroz doce e o peru estufado, faziam-se em épocas festivas. d) há comidas de inverno e comidas de verão – as lavadas, as vinagradas, as tomatadas, gaspachos, são comida de verão e) há comidas tradicionais e outras ditas tradicionais – realidade espelhada, como se verá em seguida, nas ementas dos restaurantes analisados f) há comidas de pobre e comidas de rico g) comidas fortes e comidas fracas – ou leves e pesadas, ou de verão e de inverno h) comidas de casa e as dos mosteiros e conventos - diferença visível sobretudo, na doçaria: uso de açúcar, mel, ovos e amêndoa i) comidas de casa e comidas de restaurante – ou as verdadeiras e as falsas
Vejamos agora o que é referido por alguns dos informantes como sendo a comida com a qual cresceram e a que hoje confecionam.
Informante
Género Naturalidade
Tipo
Pratos tradicionais consumidos em casa
1(MA)
F
i
Serpa (vila)
Profissional Favas de azeite, feijão com ‘catacuzes’, grão com acelga, grão de alho e louro, caldo de (alvará para café e ovos, caldo de toucinho, borrego á pastora, caldo petiscos) de cação, açordas,
Pratos tradicionais confecionados (café)
Espargos com ovos, tordos, cogumelos selvagens com ovos, caracóis, moelinhas com molho de tomate, bochechas de porco estufadas, salada de ovas,
Maria Antónia, 49 anos, natural de Serpa (vila) 38
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masmaguias, caldos de beldroegas, papas, vinagradas, lavadas, tomatadas, popias, turtas, borrachos, arroz doce, bolinho de massa, peru estufado, castanhas e bolotas cozidas com erva-doce, marmelos cozidos com açúcar
salada de polvo, torresmos de rissol, manteiga de cor, carne assada, bifanas, “tapas” de queijo de Serpa (abafado, fresco e curado) e de paio, frango frito com tomate, fígado assado com coentros, camarão cozido
(Tem um Monte) 2 (AB)
F
Pias
Particular
Favas de Azeite, feijão Continua a confecionar com ‘catacuzes’, grão todos os pratos (não tem com acelga, cozido de terra, mas familiares têm) grão, canja com hortelã, borrego á pastora, caldo de cação, açordas, sopa de beldroegas, papas, vinagradas, lavadas, tomatadas, popias, borrachos, fidalgos, arroz doce, aletria doce, bolinho de massa, entremeada, entrecosto, mão de vaca, pezinhos de borrego, pezinhos de porco, cabeça de borrego assada
3 (BE)
F
Serpa
Particular
Favas de Azeite, feijão com ‘catacuzes’, grão com acelga, borrego á pastora, caldo de cação, açordas, sopa de beldroegas, tomatadas, popias, arroz doce, bolinho de massa, cozido de grão, feijão com abóbora, gaspacho, migas de espargos,
Continua a confecionar todos os pratos sempre que possível - dificuldade em encontrar catacuzes, tengarrinhas e beldroegas (não tem terra)
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espargos com ovos, açorda de poejo, feijão com tengarrinhas, abóbora assada 4 (MCA)
5 (FBM)
F
M
Baleizão
Beja
Particular
Particular
Feijão com carne de porco, açorda de bacalhau, caldo de pescada com espinafres, caldo de tomate, caldo de bacalhau, feijão com espinafres, ensopado de menina, perna de borrego acerejada, caldo de cação, grão com acelga, grão com tengarrinhas, cozido de couve, arroz doce
Continua a confecionar todos os pratos (tem terra)
Açorda de bacalhau com carapaus assados, caldo de corvina com espinafres, caldo de bacalhau e safio, feijão com espinafres com peixe ou carne
Feijão com ‘catacuzes’, Continua a confecionar grão com acelga, cozido todos os pratos (tem de grão, açorda de terra) bacalhau, caldo de pescada com espinafres, caldo de tomate, caldo de bacalhau, feijão com espinafres, feijão com tengarrinhas, vinagradas, gaspacho com peixe frito, entremeada, enchidos, cozido de grão, feijão com abóbora, gaspacho, migas de espargos, espargos com ovos, açorda de poejo, açordas, migas, entrecosto, pezinhos de borrego, pezinhos de porco, cabeça de borrego assada
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6 (MBa)/ M 7(MBb)
Beja/Serpa
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Profissional
Restaurante 1 (Serpa)
Ementa sazonal – Gaspacho com carapaus fritos Ementa fixa Caldo de cação Bochechas de porco preto, plumas, secretos, febras, cozido de grão, borrego à pastora, cozido de grão, entrecosto assado, entrecosto frito, carne de porco à alentejana, manteiga de cor, azeitonas, azeites, sericaia, bolo de requeijão, queijos de Serpa, presunto, torresmos de rissol
7 (LRa)/ 9 F/M (LRb)/ 10 (LRc) Restaurante 2 (Beja)
Beja
Profissional
Ementa sazonalGaspacho com carapaus fritos, azeitonas
Ementa fixa Febras de porco
Prato do dia Caldo de cação, ensopado de borrego, cozido de grão, carne de porco à alentejana, entrecosto frito, dobrada, carapaus fritos com arroz de tomate, feijoada, arroz doce
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“Práticas de Animação”
Restaurante 3
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Profissional
(Serpa, apenas análise da ementa)
Ementa sazonalGaspacho com carapaus Fritos Ementa fixa Caldo de cação Bochechas de porco preto, plumas, secretos, febras, lampreia, sopa de tomate, cozido de grão, borrego à pastora, azeitonas, ensopado de borrego sericaia, tarte de requeijão, queijos de Serpa, presunto
Restaurante 4
Profissional
(Serpa, apenas análise da ementa)
Ementa sazonalGaspacho com carapaus fritos Ementa fixa Caldo de cação Bochechas de porco preto, plumas, secretos, febras, lampreia, sopa de tomate, cozido de grão, borrego à pastora, entrecosto assado, entrecosto frito, azeitonas, ensopado de borrego sericaia, tarte de requeijão, queijos de Serpa, presunto
Algumas conclusões podem tirar-se:
1- A maioria dos pratos considerados como tradicionais e ainda hoje confecionados em casa dos informantes não surgem nos restaurantes; 42
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2- Os restaurantes e o café apresentam como pratos tradicionais, comida que não era consumida habitualmente nas casas “normais”; 3- Os restaurantes “importam” pratos oriundos de outras regiões do país e reinventam uma tradição gastronómica local
Perante esta situação, colocam-se várias questões. Desde logo o modo como o Baixo Alentejo está a ser percecionado, reinventado e vendido. Impõe-se, portanto, refletir acerca dos estereótipos e representações do Alentejo.
Alentejo e os estereótipos e representações
A região Alentejo é, desde há vários anos, promovida em Portugal e no exterior. É-o através estereótipos relacionados com a planície, com a calma, a proximidade com a natureza, mas também pelo pão, vinho e azeite (por excelência, a trilogia dos produtos mediterrânicos considerados como “alimentos culturais”) e, em termos gerais, alimentação dita tradicional das suas populações. A imagem do cante, agora património imaterial da Humanidade, surge á volta da(s) comida(s) tradicionais confecionadas e consumidas na taberna – no seu interior e no espaço exterior, encarado como prolongamento de um lugar de sociabilidade dos homens. Também neste caso o contexto cultural constrói artefactos, gestos, corpos, gostos e comidas, um dos aspetos culturais porventura mais acarinhados e prezados por portugueses e turistas estrangeiros. E por isso mesmo mais passíveis de serem “produtizados” do ponto de vista cultural. De facto, pratos como o ´gaspacho' (ou deverá dizer-se gaspachos?), migas, açordas, caldos e muitas das sobremesas, constituem-se como um importante património imaterial, agora redescoberto, reapropriado e ‘repatriamonializado’ do ponto de vista económico e da animação territorial. Estes aspetos são visíveis nas rotas propostas por Câmaras Municipais e diversas associações existentes em municípios do baixo Alentejo – rota das tabernas, festival do caracol, festa do vinho da talha, festival das açordas, vinipax, Feira do queijo de Serpa, rota do azeite,… e vários outros. Associados ao “cante formal”, isto é à atuação/performance dos corais alentejanos, aparece o “lanche” que lhes é oferecido, 43
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geralmente servido por empresas de “catering” contratadas por quem solicita a atuação dos grupos (sejam IPSS, ONGs, estabelecimentos de ensino ou Câmaras Municipais) que substituem o petisco à volta do qual, de modo espontâneo, o cante surge nas tabernas. Aí, no mundo de homens, o petisco é geralmente confecionado por homens – os couratos assados e as bifanas, o paio, queijo e torresmos de rissol – e acompanhado por vinho e, em alguns casos, atualmente, por cerveja. A ideia de uma alimentação simples e pobre do passado choca com as expectativas dos consumidores do presente. As comunidades imaginadas e esperadas da atualidade não são as da escassez mas a da abundância. A base da alimentação – o azeite, as ervas aromáticas (coentros, poejos, hortelã, hortelã da ribeira, alho) o tempero e a simplicidade das técnicas, mantêm-se. A gastronomia, contudo, reinventa-se na proporção entre as quantidades de pão e de carne ou peixe, na substituição dos cogumelos e espargos selvagens pelos de estufa, na eliminação de tengarrinhas, catacuzes, beldroegas e outros vegetais na alimentação quotidiana. Pela obrigação de cumprir regras que obrigam à compra a fornecedores “legalizados” dos produtos adquiridos pela restauração. Na consciência de que os clientes não vão afinal, a um restaurante para comer “muito pão e pouco conduto”. E diz um dos informantes:
“Nos restaurantes vende-se muita vez gato por lebre … e os Lisboetas engolem tudo! Papam tudo! (…) se lhe dessem mesmo, mesmo, o que aqui se comia antigamente, havia de ver quantos fregueses tinham… ai muitos abalavam e deixavam a comida no prato… agora é tudo muito fino… as sopas de cação, por exemplo: agora é mais cação do que pão mas antigamente o cação era pra dar o gosto. Comia-se o pão pra encher a barriga, pois. Pois era assim… agora vai ali ao (…) e aquilo é um alguidar parece pra uma casa de família e com duas ou três postas de peixe… ah…”. (JS)
O hábito de consumir as partes menos nobres das carnes - chispe, orelha de porco, pés de porco e de borrego, mão de vaca, beiço de vaca, rabo de boi – e peixes considerados menos nobres, perdeu-se na população portuguesa, a partir do momento em que a mobilidade social e económica no sentido ascendente passou a ser mais fácil. Fala-se no período pós 25 de Abril de 1974, que também coincidiu com as grandes mudanças no tecido social do Alentejo. À semelhança do que acontece com os 44
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que partem para o estrangeiro ou para cintura industrial de Lisboa nos anos 50, 60 e 70 do séc. XX, os que ficam, recusam uma alimentação representativa de um tempo que se quer simultaneamente lembrar e esquecer. Para explicar este fenómeno, convoque-se Bourdieu (1979), e o conceito de distinção social. O autor relaciona a definição de gosto com fatores como o capital cultural e a classe social, relacionando diferenças de gosto como mecanismo de hierarquização social. A ideia de que os Lisboetas – verdadeiros ou “falsos” porque de outras zonas do país que não Lisboa ou porque são “alentejanos de 2ª ou 3ª geração” – tomam por autentico o que alguns dos locais não consideram como tal, é extensível aos turistas estrangeiros, sobretudo espanhóis.
Gastronomia(s) e identidade(s) local/locais
Cada vez mais a gastronomia portuguesa, organizada e dividida em regiões ganha terreno quando se pensa e fala em identidade portuguesa e identidade local, tanto para os portugueses como para os estrangeiros como se verifica através das declarações de turistas espanhóis de visita a Serpa. De facto, cada região do país assume a sua identidade e subcultura no que concerne à comida e modos e de a confecionar, preservando truques e segredos, reinventando formas que aproximam os atuais modos de confeção aos “verdadeiros”, “originais”, e conferindo a cada território (e a cada restaurante) um sabor/símbolo característico. No caso dos restaurantes, surge a “especialidade da casa” e no que se refere aos territórios, tanto emergem “as capitais” como se identifica, de imediato, um conjunto de alimentos aí produzidos (p.ex., queijo de Serpa). Ocorrem, ainda, situações em que nos lemas dos municípios se expressa a valorização de determinados produtos. Sendo o Alentejo um território bastante pobre, sobretudo até meados dos anos setenta do século passado, muitos foram os migrantes que daí saíram, rumo a outras regiões, com especial destaque para a península de Setúbal e Lisboa. Uma vez aí fixados e auferindo rendimentos mais elevados, negam a modesta comida tradicional assumida como manifestação de pobreza e de uma vida anterior, adquirindo os hábitos alimentares da região de destino. A maior diferença alimentar prende-se com o consumo de peixe, sobretudo de rio, e marisco, vendidos a preços acessíveis e/ou
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capturados pelos própriosii. É vulgar que, nos tempos livres, os homens com maiores dificuldades financeiras ou com famílias maiores, pratiquem pesca à linha, se tornem mariscadores ou façam algumas saídas em embarcações de pescadores que, ocasionalmente, necessitem de mão-de-obra. Às mulheres com grandes dificuldades financeiras, cabe a apanha de bivalves (sobretudo lamejinha ou lambujinha e ameijoa), no estuário do Tejo (concelhos do Barreiro e Moita). Há, contudo, alimentos ditos alentejanos cuja importância é reconhecida nos territórios de destino, como o azeite, as azeitonas, o pão, o queijo, o vinho e alguma doçaria conventual, pelo que continuam a ser consumidos e valorizados.
(Re)valorização da gastronomia alentejana
O fenómeno da revalorização da gastronomia alentejana acontece quando os pratos da pobreza chegam aos restaurantes da região de Lisboa, já reconfigurados no que concerne à proporcionalidade entre a base (pão, batata, feijão, grão,…) e a carne ou o peixe, apresentando a uma elite urbana os pratos rurais e a uma elite rural obviamente afastada da pobreza, pratos que nunca tinha comido. Há, portanto uma descontextualização e recontextualização da gastronomia, de tal modo que a não comida se transforma em comida das elites sociais e culturais. Mas não é, como se pode ver, verdadeiramente a ‘não comida’. Ela é depurada, reconfigurada e dela se elimina a verdadeira pobreza – quer pela quantidade quer pela eliminação do que lhes é estranho. A par da moda dos montes que escritores, atores e empresários adquirem, surge a moda do tradicional na gastronomia. De repente, a comida tradicional e popular encara-se de modo completamente diverso. Ela é “branqueada”, “reinventada” e à volta dela surgem histórias que se vão contando a filhos e a netos… Para os que durante parte da sua vida recusaram aqueles pratos por nunca terem necessitado de os consumir ou porque consideravam importante negar que o tinham feito, o constrangimento e a vergonha transformaram-se em memórias validadas dentro e fora do grupo territorial de origem. Saber manipular e combinar ervas
ii
Era vulgar os indivíduos dos estratos socioeconómicos mais desfavorecidos consumirem, no Lavradio, os seguintes alimentos: ostras, navalheiras, lamejinhas, canivetes, polvos, chocos. 46
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aromáticas com o pão, o alho e o azeite para os transformar numa açorda, torna-se conhecimento a preservar e transmitir às gerações seguintes.
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SUPRIR DISTANCIAS COM O ENFOQUE INTERGERACIONAL: DOS BENEFÍCIOS À INTERVENÇÃO EM ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL Ernesto Candeias Martins (Instituto Politécnico de Castelo Branco; CeiED da Universidade Lusófona de Lisboa)
Resumo: A sociedade encontra-se num processo acelerado de transformações e um dos aspetos demográficos é a existência de uma população envelhecida pouco participativa e estereotipada por outras gerações. O enfoque intergeracional tem na realidade de muitos países uma forma díspar de concretização, com resultados pouco difundidos e no caso português com grande escassez de estudos. O papel da educação intergeracional pretende que os educandos se convertam em responsáveis da sua própria aprendizagem, que sejam partícipes nas atividades de intercâmbio de experiências e pontos de vista de umas gerações com as outras, de modo a conseguirse um desenvolvimento pessoal, grupal e familiar. Trataremos de abordar o enfoque intergeracional desde a educação e tendo como desafio o papel da animação sociocultural e/ou socioeducativa no momento de gerar relações intergeracionais, entre jovens, adultos e adultos maiores. De facto, indagar sobre o impacto dos programas intergeracionais e, em especial da educação intergeracional, nos participantes e agentes implicados na convivência e relação intergeracional é fundamental para responder aos desafios da sociedade atual, que deve promover relações e a solidariedade entre as gerações. Iremos abordar 4 pontos na nossa argumentação: como promover e avançar para a participação social das pessoas adultas maiores/idosos através dos PI/PEI; análise às boas práticas de intervenção que têm sido feitas no desenvolvimento gerontológico (programas dirigidos aos idosos); o enfoque da educação intergeracional como um novo desafio formativo na sociedade atual; impulsar e implementar os PI para todas as idades/gerações tendo na animação sociocultural um aliado fundamental.
Palavras-Chave: Educação intergeracional; Programas de educação intergeracional; convivência geracional; solidariedade intergeracional; Relações geracionais.
Questões Preliminares de inserção As relações intergeracionais são inerentes à condição humana, sabendo que existe múltiplas variáveis que convertem a presente sociedade fragmentada, desde o ponto de vista da idade (aumento demográfico dos idosos). A distância geracional é uma realidade que deve ser suprida gradualmente já que o envelhecimento da 48
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população obriga a intervir e aplicar novas formas de relações e de cooperação entre as gerações. Esta preocupação, presente nos organismos nacionais e internacionais, as quais promovem iniciativas e programas, poderá fomentar a prosperidade e o fortalecimento dos laços de convivência geracional. Desde a II Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, em 2002 (Madrid) e da proclamação do Ano Europeu de Envelhecimento Ativo e da Solidariedade Intergeracional, em 2012 que se têm intensificado o aparecimento de Programas Intergeracionais (PI) e/ou de Programas de Educação Intergeracional (PEI). Os estudos, mesmo escassos em certos países como o nosso, demonstram a pertinência de unir gerações perante os acontecimentos, os problemas e as necessidades do ser humano, para além de oferecer múltiplas oportunidades de promoção da interdependência, da participação comunitária e da cooperação intergeracional (MacCullum et al., 2006). Este desafio dos organismos e entidades pela solidariedade intergeracional na atualidade é bem evidente da importância de realizar e impulsar PI/PEI. Estes na prática têm o objetivo de aproximar as pessoas de diferentes gerações com o intuito de conseguir benefícios mútuos e promover o entendimento e o respeito entre as gerações (Almeida Pinto; Hatton-Yeo; Marreel, 2009: 22). Estes programas, devidamente organizados e planificados, geram relações geracionais, com a finalidade de intercâmbio de experiências e saberes, com vários benefícios pessoais e sociais. Os PI permitem que as gerações entre em contacto (encontro relacional), pois constituem um instrumento de reconstrução do tecido social, o qual parece deteriorado perante os cenários políticos, educativos e económicos, que se terem configurado sob a égide de critérios prioritários de idade (York, 2014). De facto, o enfoque intergeracional tem vindo a implementar-se de modo dispare na realidade demográfica, com algumas iniciativas e projetos locais, mas ainda longe da grande importância que têm neste século na promoção inter-relacional, convivencial e de qualidade de vida das pessoas adultas maiores (terminologia das Nações Unidas), das crianças, dos jovens e dos adultos neste mundo global (Muñoz García, 2017: 115). Trata-se de um desafio que nós elencamos no âmbito da intervenção social e educativa em vários contextos, constituindo especialmente um desafio para a educação social e animação sociocultural (ASC) e/ou animação socioeducativa (ASE), perante o avanço progressivo do envelhecimento. Esta
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abordagem parece desvanecer-se no contexto local rural, comunitário, associativo e escolar, já que não se consolidam em ações definidas (programas, projetos). Assim, partimos do pressuposto duma análise hermenêutica de como entendemos as relações intergeracionais na comunidade, seja com coletivos afetados, seja com a participação dos profissionais que contribuem para essa intervenção. O propósito do nosso estudo de reflexão epistemológica, refere-se à importância do enfoque (social, educativo e cultural) intergeracional, a partir da promoção de programas/projetos de intervenção e/ou ações (atividades) entre pessoas de diferentes gerações, no encaminhamento do lema da II Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, pelas Nações Unidas (8 a 12 de abril/2002, em Madrid), em que se impulsou a ideia da sociedade para todas as idades, ajustada nas suas estruturas e funcionamento, para além da implementação de políticas às necessidades e capacidades de todas gerações no novo cenário atual. Esses programas pretendem retirar benefícios de todos para todos, gerindo as possibilidades de todos para todos, num investimento recíproco, na base da equidade, reciprocidade e solidariedade intergeracional. Naquela II Assembleia Mundial surgiu um novo conceito de ‘pessoa adulta maior’, que vai envelhecendo ativamente em qualidade e em satisfação no seu percurso de vida. Esta aposta por um modelo integrador de envelhecimento permite compreender o significado da vida dessas pessoas nesse ciclo de vida, as suas ações, experiências e possibilidades de participação, dentro do contexto geográfico, social e biográfico próprio (Pérez Serrano; De-Juanas, 2013). É que os aspetos socioeducativos e socioculturais ‘dialogam/interagem’ ativa e constantemente
(âmbito
relacional
e
comunicacional),
num
processo
de
transferibilidade de saberes, vivências, experiências e práticas com a realidade do processo de envelhecimento (York, 2014: 402), sabendo que a trama de fatores preponderantes do envelhecer varia de pessoa para pessoa e daí haver várias velhices abordadas por distintas ciências. É óbvio que o envolvimento geracional e o papel das respetivas redes sociais e comunitárias de apoio determinam a promoção, o impulso, a motivação, o potenciar e o promover duma sociedade com melhores indicadores de eficácia participativa e de qualidade (conteúdo) nessa desejada solidariedade intergeracional. Daí que qualquer PI, na sua análise conceptual, aluda a uma tríade de dimensões: intencionalidade da
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intervenção do próprio programa; a distância implícita inerente ao ‘inter’ em tudo o que sucede entre duas ou mais gerações e/ou idades; a temporalidade e historicidade, que implica falarmos sobre gerações para o bem comum (Gutiérrez Sánchez; Hernández Torrano, 2013: 215). Os estudos confirmam que os PI provocam mudanças positivas nos comportamentos, atitudes e nas aprendizagens (Osborne & Bullock, 2000), de tal forma que na área da saúde as crianças/jovens melhoram a autoestima e estilos de vida com a sua participação, assim como essa mesma participação influi nas atitudes e na cooperação com as pessoas adultas maiores. Cremos que os PI permitem que algumas gerações jovens se remontem ao passado no descobrir de experiências e saberes com essas pessoas idosas, conhecendo a história, as tradições culturais a que pertencem (Dupont; Letesson, 2010). Iremos abordar 4 pontos na nossa argumentação: a ASC no cenário da intervenção gerontológica, destacando o seu papel no trabalho com os adultos maiores, a forma de promover e avançar para a participação social dessas pessoas através dos PI/PEI e, ainda a análise às boas práticas de intervenção que têm sido feitas com programas dirigidos aos idosos; o enfoque da educação intergeracional como um novo desafio formativo na sociedade atual; impulsar e implementar os PI para todas as idades/gerações tendo na animação sociocultural um aliado fundamental (Sánchez; Díaz, 2005; Sánchez Martínez; Kaplan; Sáez Carreras, 2010).
1.-A animação sociocultural na forja da intervenção social e gerontológica É um facto real que não sabemos lidar com o envelhecimento populacional, pois constitui um dos maiores desafios da atualidade. Apesar dos esforços e medidas governamentais e de organismos internacionais vemos emergir a falência nos valores éticos e morais, estimulada pela corrupção, desleixo, impunidade e pelo aumento da violência e criminalidade. A solidariedade intergeracional pode reverter não só na quebra de preconceitos sociais frente ao envelhecimento, como na melhoria da qualidade de vida de jovens, adultos e idosos (Rosa, 2012). A maneira como o indivíduo constrói e interpreta as suas situações, nas relações sociais, produz efeitos na sua saúde e bem-estar. As pessoas que vivenciam aspetos positivos nas relações de apoio intergeracional sentem-se mais positivas em relação a si próprias e ao seu mundo, 51
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suportando melhor a doença, o stress e outras dificuldades. O convívio dos idosos com os seus filhos e netos pode beneficiar mutuamente as gerações, no sentido do aprimoramento dos conhecimentos em relação a história familiar, a cidade onde residem, ao mundo, e fora do contexto familiar, pode facilitar o estabelecimento de uma nova amizade/afetividade que desencadeie a solidariedade e o desenvolvimento cognitivo social. O âmbito afetivo-emocional, a sociabilidade e a comunicação podem ser desenvolvidas a vida inteira. Contudo sob o ponto de vista pragmático, o estímulo à solidariedade, por meio da quebra de preconceitos, poderá ser obtido quando houver um ambiente propício para o conhecimento recíproco entre as gerações. Assim, a experiência em envelhecer é uma experiência comunitária e daí os índices demográficos existentes em algumas zonas interiores do País. O envelhecer arrasta aspetos díspares que dependem muito da capacidade e experiências de cada pessoa. Daí que deverá de haver programas/projetos e ações de intervenção em animação sociocultural e/ou socioeducativa. Vejamos em seguida a importância da animação sociocultural (ASC) no processo de envelhecer das pessoas e os seus benefícios e as boas práticas de intervenção da ASC (Lopes, 2006).
1.1.-Animação sociocultural e o processo de envelhecimento ativo A animação sociocultural (ASC) tem sido nas últimas décadas um instrumento usado pelos profissionais da intervenção com crianças e jovens (acampamentos, atividades de lazer ou tempos livres e de turismo juvenil, atividades interculturais e de educação não formal, ações recreativas e culturais, etc.) e com os idosos ou adultos maiores (animação gerontológica com diversas atividades e práticas) (Trilla, 2004). Todas essas intervenções pretendem promover um conjunto de ideias e atividades para uma melhor participação e qualidade de vida. ASC tem-se enriquecido com as ciências da velhice em especial a gerontologia social ou gerontologia educativa. Os vínculos entre estas áreas são débeis e algumas vezes confusos para muitos dos profissionais que exercem essas intervenções, principalmente para os que trabalham no âmbito da atenção às situações de risco, de serviços sociais, de dependência e aos problemas relacionadas com o envelhecimento (Nazareth, 2009). Há países onde a ASC possui apoios institucionais e prestígios académicos para campos de intervenção profissional definidos (Úcar, 1994). Quando a animação 52
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começou a inserir-se nos meandros da gerontologia com uma diversidade de atividades (culturais, festividades e viagens turísticas para a terceira idade e/ou atividades lúdicas, plásticas, artísticas e físico-motoras para idosos institucionalizados) parece ter sido recusada devido ao seu afastamento das suas origens epistemológicas (P. Freire, Ander-Egg, X. Úcar, Caride, etc.) e pelos estereótipos aos coletivos de adultos maiores, comparativamente com a sua conceção à juventude e à sua participação social e comunitária. Ou seja, falar de ASC em pessoas adultas maiores/idosas, no âmbito socioeducativo da educação social e gerontológica resulta ‘algo estranho’ ou incompreendido (Úcar, 1997). O termo ASC foi substituído por expressões de intervenção nos idosos, animação gerontológica, dinamização das pessoas idosas, educação gerontológica, feira gerontológica e outros termos que intentam ressaltar os elementos da intervenção (sociocultural, socioeducativa) que caraterizam a atuação desses profissionais na finalidade de darem momentos de satisfação, qualidade de vida ou bem-estar no seu envelhecimento (Lopes, 2006). De facto, devemos reconhecer que essas intervenções na área da animação sociocultural e/ou socioeducativa (equipamentos ou instituições para idosos) contribuíram para estenderem e consolidarem as políticas sociais de envelhecimento ativo. Na verdade a participação dos coletivos de idosos ou pessoas adultas maiores mantém viva a ASC ao estender valores, ações e metodologias impensáveis na década de 70 e 80 do século XX (Martins, 2013). Continua a ser um desafio de compreensão e integração mútua da animação nos idosos/adultos maiores e no envelhecimento ativo, nos domínios da gerontologia, gerontagogia e geriatria (Pinazo & Sánchez, 2005). Sabemos que a intervenção na velhice, na sua vertente cultural e educativa proporciona a essas pessoas fortalecerem as suas competências na resolução dos problemas da vida diária, manter-se estimuladas intelectualmente e encontrarem apoios sociais (redes), onde praticam e exercitam o diálogo, a escuta ativa, a partilha de saberes/ideias, a negociação, o debate e o inter-relacionamento pelo convívio. Só assim, se conseguirá promover um estilo de vida saudável e ativo contributivo para a sua qualidade de vida (Mendel; Ohsako & Mauch, 2001). Cabe ao animador sociocultural, tal como o educador/trabalhador social, desenvolver
a
responsabilização,
autonomia
e
participação
crítica/reflexiva,
construtiva e transformadora dos adultos maiores, pois no dizer de Osório e Pinto
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(2007: 315) “o profissional (…) não deve ser um mero executor de programas concebidos à margem do coletivo adulto, mas partir das suas necessidades”. Por isso conhecer as perceções dos diversos intervenientes, identificar e priorizar os seus problemas e necessidades significativas para depois intervir e, consequentemente promover as relações entre as gerações, envolvendo-as na organização e participação das atividades, constitui as suas funções de intervenção gerontológica. Contudo, há três parâmetros fulcrais no seu desempenho: respeitar a singularidade da pessoa adulta maior, adaptando a comunicação à sua forma de compreensão, posicionandose no lugar do outro e ao mesmo tempo valorizando a relação de implicação e envolvimento como da pessoa (Pérez, 2008); conhecer (diagnóstico) a realidade dos seus intervenientes, as suas ações, práticas, rotinas e a conduta pelo qual se rege, vendo o sujeito na sua individualidade, mas também no convívio e interação com os demais; programas/projetos de intervenção em ASC pelo diálogo, interação, convívio relacional com os demais, no seu contexto e, por isso a sua execução deve possibilitar a essas pessoas viverem momentos de satisfação e partilha, de troca de experiências/vivências, dando-lhes voz e poder de decisão no seu cotidiano suprindo as distâncias com as outras gerações e, simultaneamente dar-lhes uma ocupação de atividades ajustadas ao seu processo de envelhecimento. Paralelamente o animador sociocultural/socioeducativo, nas suas funções de intervenção, realiza um trabalho ativo de motivação, valorização e envolvimento das pessoas nos programas (gerontológicos, intergeracionais) nas práticas e quotidianos das instituições que frequentam/residem e na comunidade local. Aquelas instituições destinadas às pessoas adultas maiores devem priorizar as relações de proximidade e reflexão conjunta (geracional), para assim dar respostas adequadas, principalmente às suas necessidades, tendo a ASC e a educação social um papel relevante nesta área de intervenção, de modo a promover uma visão crítica sobre a realidade envolvente, bem como a autonomia, a participação e a envolvência das pessoas participantes. Por outro lado, começa a haver uma crescente preocupação em garantir o bem-estar da população adulta maior e adequar os espaços, os serviços e as respostas sociais existentes às suas reais necessidades e aspirações. Neste sentido cobra cada vez mais importância a ASC e ASE nos equipamentos ou valências disponíveis, assim
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como ao nível comunitário. Podemos citar alguns projetos e iniciativas desenvolvidas nos últimos anos para essa população adulta maior: *-Projeto ’Recriar o Futuro’ promovido pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, em 2000, com o objetivo de preparar os indivíduos para a reforma, segundo uma lógica de prevenção e inclusão, através do desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida, a promoção do envelhecimento ativo e o empowerment. *-‘Promoção do Envelhecimento Ativo’ resultante em que a Organização Mundial de Saúde publicou, em 2002, um documento com o objetivo de apoiar e implementar políticas e programas que melhorem a saúde, a participação e a segurança dos adultos maiores, bem como apoiar na discussão e formulação de planos de ação que promovam um envelhecimento ativo e saudável (OMS, 2002). *-‘RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados’ criada pelo Decreto-Lei nº 101 de 6/06/2006 e as suas entidades promotoras foram o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social consistindo num conjunto de intervenções sequenciais de saúde e/ou de apoio social decorrentes da avaliação conjunta, centrados na recuperação global entendida como o processo terapêutico e de apoio social, ativo e continuo (unidades e equipas de cuidados continuados de saúde e/ou apoio social, de cuidados e ações paliativas, com origem nos serviços comunitários. *-‘PCHI – Programa de Conforto Habitacional para Pessoas Idosas’ iniciado em 2007, nos distritos de Beja, Bragança e Guarda, e a sua entidade promotora foi o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, tendo como objetivo apoiar investimentos, ao nível do edificado e do equipamento, para a melhoria das condições e do conforto habitacional dos idosos, para que assim possam permanecer nas suas casas o maior tempo possível com qualidade de vida e evitar a institucionalização. *-‘Planos de Ação Gerontológicos’ desenvolvidos em algumas partes do país (Lisboa, Matosinhos, Santa Maria da Feira, Madeira, Almada, Amadora, Santarém, etc.) que consistem na criação de redes locais de serviços e respostas para a população adulta maior, através da elaboração prévia de um diagnóstico acerca das suas necessidades e expetativas.
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*-Guia Global de ‘Cidades Amigas das Pessoas Idosas’ publicado pela Organização Mundial de Saúde, em 2007, que foi o resultado de um projeto que envolveu 33 cidades de 22 países e grupos de discussão compostos por técnicos e adultos maiores, tendo-se elaborado uma lista de verificações para tornar as cidades amigas dessas pessoas adaptadas às suas estruturas e serviços de modo a que estas se incluam nela tendo em conta acessibilidades adequadas. *-‘Serviço de Teleassistência Domiciliária’ disponibilizado pela Cruz Vermelha Portuguesa é destinado às pessoas em situação de risco (idade avançada, incapacidades ou limitações) com o acesso a um sistema de vigilância domiciliária permanente e a assistência em casos de emergência (serviço telefónico de apoio aos utilizadores). *-‘Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações’, em 2012, aquando das celebrações deste Ano Europeu, que teve como objetivo alertar para a importância da participação e dos contributos dos idosos para a sociedade e incentivar os decisores políticos e todos os interessados a tomarem medidas e iniciativas que criem as condições necessárias ao envelhecimento ativo e ao reforço da solidariedade intergeracional; etc.
1.2.- Avançar para a participação social das pessoas adultas maiores Os índices de aumento da esperança de vida nas pessoas (em paralelo com o abaixamento dos índices de natalidade), produzidos devido aos avanços tecnológicos e científicos e outras condições ‘modus de vida’ provocaram incremento demográfico no coletivo de pessoas maiores, com perfis e situações/condições diferentes, que implicam mudanças, especialmente nas estruturas e ambientes social e familiar. Essas alterações nas relações familiares e nos modelos de família tradicional, associado à incorporação da mulher no mercado de trabalho, às mobilidades laborais e emigrações no setor jovem, aos processos de urbanização da população, etc. fizeram diminuir o tamanho dos núcleos familiares básicos, as dimensões das próprias casas de habitação, como domicílios, à redução dos núcleos populacionais rurais, ao envelhecimento do interior do País (índices elevados em concelhos de Guarda, Vila Real, Bragança, Idanhaa-Nova, Oleiros, etc.).
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Todos estes fatores irreversíveis alteraram as redes tradicionais de apoio e de atenção familiar e aos idosos e, ainda o papel do cuidador informal (assumido pelas mulheres em relação aos dependentes) e da rede social de voluntariado. Ora perante este cenário e sabendo que a rede de social de equipamentos parece dar resposta a uma sustentabilidade desejável, assim como outras intenções de política social e de redes de apoio, o que parece enquadrar-se nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Contudo, só podemos enfrentar os desafios do envelhecimento (ativo, exitoso, satisfatório e em qualidade) se orientarmos as intervenções e atuações (sociais, culturais, assistenciais e de serviços), através de planos gerontológicos e/ou PI. De facto, o envelhecimento ativo implica uma participação contínua das pessoas maiores nos problemas e situações comunitárias e/ou coletivas de todo tipo, de modo a ampliar a esperança de vida saudável e a qualidade da mesma para todas as pessoas residentes, em especial as do mundo rural e suburbano. A intervenção social e cultural, onde incluímos o papel da educação social e animação sociocultural/socioeducativa, assim como a promoção de empreendorismo na terceira idade ou no âmbito intergeracional, pretende diversificar e melhorar os modelos sociais existentes nesses territórios de baixa densidade populacional e elevados índices demográficos no período da velhice, para além de reconhecer e incorporar essas pessoas adultas maiores como transmissoras de conhecimentos, vivências, valores e tradições essenciais para as novas gerações. Neste sentido de política cultural e territorial
os
municípios,
as
instituições
sociais
e
educativas
e
as
associações/organismos associativos devem criar e promover espaços de encontro, de convivência e de intercâmbio de saberes, entre gerações, de modo a contribuir para esse respeito, aproximação e dignificação das pessoas nas diferentes etapas de vida, convergindo para uma solidariedade geracional (Pinazo & Sánchez, 2005). É um facto que os PI e/ou PEI constituem uma ferramenta primordial para estimular, promover e melhorar as relações entre as pessoas idosos e as gerações mais jovens e, simultaneamente, favorecer o seu desenvolvimento pessoal, social e afetivoemocional. Historicamente os PI começaram no Canadá, EUA, Austrália e nos países europeus nórdicos, nos finais do século passado, dando resposta a várias problemáticas surgidas, por exemplo: a integração de imigrantes, de etnias, de
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reformados jovens, de modo a fomentar o envelhecimento. Neste caso insistência das Nações Unidas na prática intergeracional é de destacar como uma ‘boa prática e tática para potencializar a coesão social. Daí que os PI sejam veículos/meios e estratégias de intercambio determinado e continuado de recursos e aprendizagens, entre as gerações (jovens, adultos e idosos), de sensibilização e promoção do apoio social e intercâmbios, com a finalidade de se gerarem benefícios individuais e sociais e laços afetivos ao nível da comunidade ou da população (Abrams; Eller & Bryant, 2006). Só assim, se poderá construir uma sociedade mais justa, integrada e solidária (geracionalmente), com atividades dirigidas a fins beneficiosos para as gerações e, onde a animação sociocultural/socioeducativa, tem uma função especial. Ora bem as relações intergeracionais permite a intergeracionalidade, o qual implica que as pessoas de cada geração realizem atividades potencializadoras de uma consciencialização mutua e integral das suas diferentes perspetivas. Convém distinguir a intergeracionalidade da multigeracionalidade, pois este último conceito supõe uma partilha e participação de atividades e de caraterísticas entre as gerações, sem uma necessária interação, nem uma influência entre elas, daí utilizarmos no nosso estudo o primeiro conceito e enfoque intergeracional (Sáez Carreras, 2002). Assim, só mediante a solidariedade, a cooperação e apoio mútuo entre todas as gerações poderemos conseguir que as oportunidades de crescer, desenvolver-se e envelhecer ativamente estejam ao alcance de qualquer pessoa. A Rede de Relações Intergeracionais ou Rede Intergeracional intenta implementar essa sociedade para todas as idades, no seguimento da II Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, em 2002, pelas Nações Unidas. Deste modo, a participação das pessoas adultas maiores têm que ser envolvidas em programas intergeracionais, pois estes constituem o veículo, os meios, as estratégias, as oportunidades e as forma de criação de espaços de encontro, sensibilização, de promoção do apoio social, do intercâmbio recíproco, de aprendizagens, de compromisso e valores úteis orientados a produzir entre as gerações laços afetivos, mudanças e benefícios de toda a índole, na construção de uma sociedade mais justa, integrada e solidária (Sánchez, 2007; Sánchez Martínez ; Kaplan & Saéz Carreras, 2010).
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1.3.-Promover boas práticas de intervenção com os adultos maiores A atenção dada à melhoria dos idosos e a sua qualidade e bem-estar de vida em territórios específicos como as zonas do interior rural exige uma intervenção (plano de boas práticas) norteada pela (Pérez Serrano, 2008): *-Inovação no âmbito das intervenções e ações socioeducativas e socioculturais habituais que envolvem as pessoas adultas maiores e as redes sociais de suporte, o que implica respostas integrais às necessidades ou aos problemas de atenção a esses coletivos, seja em termos de organização criativa, inserida nos recursos sociais e de serviços já existentes, seja na criação de novos recursos e serviços nesses territórios de baixa densidade demográfica. *-Orientação e envolvência para a melhoria da qualidade de vida das pessoas adultas maiores, tendo em conta as dimensões da qualidade e satisfação para a vida desses coletivos e/ou dos grupos relacionados (famílias, cuidadores, comunidade), implementando um bem-estar físico, emocional, relações interpessoais, inclusão social, desenvolvimento
pessoal
(social e comunitário), material/económico
(empreendorismo), autodeterminação, direitos, etc. a bem de um envelhecimento ativo e saudável. *-Participação ativa, cívica e comunitária dos agentes e agências implicados com o bem-estar das pessoas adultas maiores, das famílias cuidadoras, dos profissionais e serviços ao nível local ou territorial. Alguns exemplos destas boas práticas de PI orientados às pessoas adultas maiores (Monreal; Del Valle & Serda, 2009; Pinazo, 2012) para poderem viver com qualidade, são por exemplo: potencializar aptidões/habilidades no âmbito da residência/domicílio (rede social de vizinhos); a promoção do envelhecimento ativo e saudável, através de uma sensibilização e consciencialização de uma educação para a saúde (hábitos saudáveis) e de bem-estar físico e emocional; potencializar a prática do artesanato e ofícios/profissões antigas, que representam a identidade local/regional, envolvendo outras gerações, de modo a recuperar as tradições, os costumes, a educação popular e a historicidade cultural; caminhadas em grupos (geracionais), visitas a lugares religiosos/santuários, passeios e viagens de índole patrimonial/cultural e termal, evitando situações de isolamento e solidão; feiras intergeracionais com
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envolvimento de instituições sociais, educativas e associações; criação de rede social de pessoas adultas maiores e famílias dos territórios de baixa densidade demográfica (inter municipal e/ou paroquial; promoção de ateliês ou oficinas de leitura e contos inserida no âmbito da animação sociocultural; incrementar a atenção e apoio à dependência nas zonas rurais ou de baixa densidade demográfica, seja de índole pessoal, doméstico e social, com envolvência da família e comunidade, seja na melhoria dos serviços sociais; programas promoção de relações intergeracionais (espaços paroquiais, municipais, associativos), convidando à participação das gerações e ao conhecimento das necessidades reais de cada geração, de modo a criar empatia e laços afetivos nos grupos de diferentes idades; etc. De facto a realidade cotidiana do mundo da vida inclui a natureza experimentada e/ou vivenciada, o mundo social e cultura na qual se insere e atua a pessoas, sabendo que esse modo de vida da quotidianidade dessas pessoas vai-se construindo no alicerce do que fazem, do porquê o fazem ou do que fizeram ou do que pensam fazer nele (Pérez Serrano, 2008). Por exemplo, em termos de intervenção o uso da metodologia do photovoice e da investigação-ação (colaborativa) pode ser uma boa forma de conhecer esses estilos de vida, que configuram as influências pessoais/familiares, biológicas, socioculturais e educativas no seu contexto histórico, biográfico e vital. Sabemos que o ‘modus vivendi’ – estilos de vida das pessoas não estão isolados dos contextos a que pertencem/vivem, devendo estar em sintonia com os objetivos do progresso de desenvolvimento comunitário e/ou do bem-estar da própria pessoa humana, satisfazendo-lhes as necessidades primordiais e os problemas prementes e, daí serem importantes esses comportamentos e atitudes configuradores da maneira de viver nesses territórios de baixa demografia. Ou seja, essa visão do mundo, os valores, o sentido de vínculo/pertença e as atitudes, mesmo sendo resilientes às mudanças, são de grande importância no processo da velhice, destacando-se o papel das redes sociais de suporte e os profissionais dos serviços orientados para essas pessoas adultas maiores ativas. É neste sentido que a animação sociocultural e socioeducativa orienta e facilita atividades que promovam estilos de vida saudáveis para todas as gerações. No caso específico do animador sociocultural e/ou educador social este molda-se consoante a
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especificidade dos coletivos que tem perante si, não podendo perder a capacidade de observar, diagnosticar, ouvir e agir em conformidade dos interesses dos outros, estimulando-os nas suas capacidades de agentes e protagonistas do seu próprio desenvolvimento (Peres & Lopes, 2007). O animador sociocultural como um educador incentivador, dinamizador e impulsionador de mudança, constitui um elemento fulcral para potenciar as capacidades de relação entre pares, a partir de um conjunto de estratégias ativas que implicam atividades diversificadas em contextos de aprendizagem não formal (Trilla, 2004). Ou seja, promover e fazer adquirir novas competências, habilidades e formas de envolvimento sociocultural (Lopes, 2006).
2.- Desenvolver a educação intergeracional como um novo desafio formativo Sabemos que
a
educação/formação
em valores
contribui para
as
aprendizagens, seja em contexto formal ou não foral dos indivíduos, pois no seguimento do Relatório de J. Delors (1997) permite-nos aprender ao longo da vida entre as gerações (educação permanente), reforçando as recomendações da Agenda 2000, em Lisboa. Na prática a educação geracional promove 4 pilares básicos na formação, que são: ensinar a viver conjuntamente, no diálogo e na resolução de conflitos, num processo de socialização enriquecedor para todos, devido aos benefícios advindos; ensinar a conhecer no reforço da capacidade de pesquisar e desenvolvimento comunicacional, no viver em contacto com outros conhecimentos e aspetos adaptados às necessidades dos sujeitos; ensinar a fazer, aprendendo pela interação e reflexão-ação; ensinar a ser na (auto)realização individual e coletivamente, incrementando as experiências de autoestima e a satisfação. A educação ao ser libertadora e caraterizada por aprendizagens significativas, em que cada geração se encontra implicada e motivada para conhecer a realidade e poder transformá-la, no seguimento de valores de justiça e equidade. Na nossa perspetiva a educação deve possuir um enfoque multidimensional, de apoio e de responsabilidade contínua entre as gerações, na compreensão e respeito pelo pensar e atuar do outro, em potencializar valores (diálogo intergeracional), na aceitação do outro (equidade e justiça social) e possibilitando à pessoa momentos de reflexão sobre a bagagem cultural da educação acumulada ao longo dos anos. De facto, a educação
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intergeracional melhora tanto pessoal como socialmente as relações (García Minguez, 2005). De facto, o diálogo intergeracional e entre culturas pretende o descobrimento de valores simbólicos para enriquecer os próprios projetos de voda, o desenvolvimento colaborativo (intercâmbio ideias), para além de aproximar culturalmente as diferentes idades, permitindo o intercâmbio de tradições, modos de ser/atuar, valores, saberes, experiências e conhecimento da história (Sáez Carreras, 2002: 39). Ao estarmos num contexto acelerado de envelhecimento da população aumenta a importância e análise da educação intergeracional, inserida na dinâmica dos diferentes contextos e relações entre os sujeitos, gerando processos de reflexão, de ações/atividades, contributos díspares de convivências e experiências úteis a uma harmonia entre gerações, na sociedade atual. Desde ponto de vista educativo é necessário incidir na formação de professores de modo a que estes possam implementar os PEI, possibilitando o entendimento da realidade heterogénea e a aproximação às gerações, numa articulação de reflexões e interconexão entre teoria e prática. McCrea, Weissmann e Thorpe-Brown (2004) destacam a organização destes programas em 6 fases: diagnóstico e planificação, a partir do levantamento das necessidades, dos grupos e estabelecimento dos objetivos, lista de atividades e limitações previstas; mobilização dos participantes com métodos adequados a conseguir maior participação e estratégias motivacionais; orientação e formação dos participantes (conhecimentos e habilidades propostas) no período temporal de execução dos programas; implementação/execução do programa com estratégias, procedimentos e realização das atividades com respetivos recursos e envolvimento de diversos profissionais; avaliação contínua e final (resultados) em relação aos objetivos propostos e às realizações das sessões, para além da reflexão (relatórios) dos profissionais, das organizações e grupos parceiros; apoios e financiamento para execução dos PI. É sabido que a convivência e o trabalho em comum (colaborativo, participativo) oferece uma oportunidade de educação intergeracional geradora de enriquecimentos mútuos. Na verdade, a formação evolui a partir de diferentes modelos de aprendizagem,
promovendo
uma
melhor
educação,
com
um
enfoque
multidimensional, de apoio e de responsabilidade permanente entre todas as
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gerações. Daí o papel da educação intergeracional que implica, por si mesma, uma compreensão pessoa, social e cultural, melhorando e respeitando o modo de pensar e atuar do (s) ‘outro (s) ‘, através do encontro de potencialização de valores e experiências entre crianças, jovens, adultos e adultos maiores. Por isso, o diálogo intergeracional ancora-se na construção de novas vias de entendimento (humano), com a aceitação dos outros e, em especial de quem possui mais idade. Assim, a tradicional educação permanente vê-se substituída pelo conceito de educação ao longo da vida, ressaltando a importância das aprendizagens, na comunidade, na procura de mais equidade e justiça social nas pessoas, independentemente da idade, geração ou raça ou cultura (Medel, Ohsako & Mauch, 2001). É evidente que a educação, no seu reportório cultural e de valores, constitui uma prática que nos carateriza como seres humanos e que se vai acumulando ao longo da vida. Desse processo educativo compreendemos melhor os saberes, derivados dos valores próprios de cada época, cultura e civilização. Pouco a pouco identificamos esta ideia da educação como um processo de aperfeiçoamento contínuo da pessoa inserida na sociedade. Há, pois um impacto ou benefícios dos PI/PEI nos participantes (diversas gerações), famílias e profissionais no desenvolvimento e execução desses programas ao nível comunitário e municipal, já que a participação, as relações estabelecidas e a comunicação envolvida favorece um clima social e comunitário que se repercute no bem-estar de crianças, jovens, adultos e adultos maiores (Dupont; Letesson, 2010). Ou seja, contribui especialmente para aumentar as redes sociais das pessoas maiores no seu envelhecimento ativo, forjando outra imagem da velhice e diminui os estereótipos.
3.-Impulsar os PI para todas as idades/gerações com animação sociocultural O enfoque intergeracional pretende em sociedade para todas as idades ajustada às estruturas e funcionamento e as políticas para resolver necessidades em benefício de todos os intervenientes. O propósito, no sentido do envelhecimento ativo, é o de um modelo integrador de envelhecer (Pérez Serrano; De-Juanas, 2013), em que o processo de envelhecimento seja um desafio para a sociedade e para o indivíduo que envelhece, potencializando o contacto entre gerações jovens e idosos e fortalecendo a solidariedade e as associações intergeracionais. Com o Relatório das 63
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Nações Unidas, de 2012 – Ageing in the Twenty-first Century, ao analisar a situação desses coletivos de pessoas idosas, declarou-se o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e a Solidariedade Intergeracional e propôs-se na Europa o objetivo dum envelhecimento saudável, no âmbito duma sociedade para todas as idades ((Osborne & Bullock, 2000; Pinazo, 2012). Os PI permite as relações geracionais, impondo critérios. Este enfoque em termos educacionais e de animação sociocultural está orientado para a atenção e capacidade da ação institucional aos problemas sociais/culturais, admitindo que as respostas fortalecem os processos de desenvolvimento humano, desde que sejam impulsadas e desenvolvidas a partir do encontro e vínculo entre gerações. Ou seja, haverá que proporcionar formas de otimização das oportunidades de participação, na saúde, segurança e até de educação (ao longo da vida) (OMS, 2015). Trata-se, pois de organizar atividades intergeracionais, possibilitando enriquecimento das relações sociais, na base do desenvolvimento local. Assim, os objetivos dos PEI assentam: refletir sobre conceito próprio da educação ao longo da vida; compreender os distintos factos e mudanças produzidas na sociedade atual a partir do diálogo intergeracional; estabelecer novos procedimentos possibilitadores de um maior entendimento e comunicação entre jovens, adultos e idosos, superando estereótipos e representações erróneas; possibilitar aos idosos novas perspetivas e melhor compreensão da atualidade (visão dos jovens); refletir a formação didática dos professores perante a educação intergeracional e a execução dos PEI (Sánchez, 2007). Neste sentido de implementação os propósitos e os recursos municipais favorecem a realização dos PI e/ou PEI, tendo em conta a rede de associações (culturais, desportivas/recreativas e sociais), do voluntariado, dos profissionais ligados à intervenção social, das instituições e/ou valências para idosos e dos espaços comunitários. Ou seja, as necessidades e os planos das diversas associações e instituições sociais podem e devem incluir nos seus projetos o âmbito intergeracional, incutindo maior incentivo às pessoas (principalmente aos jovens) que têm disponibilidade de tempo, neste caso as pessoas idosas têm essa pré-disposição temporal, com a participação de profissionais de instituições do município, das instituições educativas e sociais, numa simbiose de participação cidadã para os problemas reais da comunidade e das necessidades para uma melhor qualidade de
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vida local. Estes benefícios potencializam a intergeracionalidade, promovendo o encontro e intercâmbio entre pessoas e grupos pertencentes a distintas gerações (Newman, Gutiérrez Sánchez, 2007: 49). Propostas de mesa redonda/painel ou de convívio intergeracional: *-Caminhadas, visitas patrimoniais, culturais ou arquitetónicas, desporto suave; *-Aprender gastronomia dos idosos: a cozinha dos sabores às delícias; *-Fazer trabalhos manuais e de expressão plástica conjunta; *-Tarefas de vida quotidiana e de bricolage (aprender dos mais velhos e vice-versa); *-Aprender dos audiovisuais com realização de vídeos e fotografias (técnica de imagem) e, ainda promover a técnica do Photovoice como processo de consciencialização dos problemas da comunidade e da contingência das soluções; *-Aprender novas tecnologias da informação (TIC) aprendendo a utilizar o telemóvel, a tablet, o computador e enviar mensagens, etc. (Infosenior) *-Semana da criança, Semana do Jovem e Semana do Idoso: participação conjunta com celebração de um motivo conjunto às gerações; *-Baile, dança e coreografia: a musicoterapia e a música como relaxe e mobilidade; *-Contar Contos entre adultos jovens e idosos destinados às crianças ou aos mais jovens; *-Risoterapia: ateliê do riso através de anedotas e fantochadas; *-Gerar ideias para promover a participação juvenil: celebração do avô favorito e do neto distinguido pelos valores/qualidades; *-A mulher e a moda e o seu papel na sociedade; *-Profissões antigas e o artesanato e, ainda os testemunhos profissionais; etc. Nesta realização de atividades de PI necessitam-se de espaços abertos identificados como convivência geracional, por exemplo: Pavilhões, universidades seniores, praças e jardins públicos, centros culturais/recreativos, auditórios de escolas, espaços de bairros, etc. Finalmente é importante na execução dos PI saber o seu impacto nas pessoas adultas maiores e, em especial, os das zonas rurais, e com as famílias dos 65
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participantes. Os estudos confirmam que os PI e PEI, em alguns países (Abrans; Eller & Brynt, 2006; Osborne & Bullock, 2000; Sánchez, 2007), melhoram o bem-estar físico, psicológico e social dessas pessoas adultas maiores. Em relação ao bem-estar psicológico o contacto intergeracional aumenta a autoestima e a capacidade de enfrentar situações de doença (mental, depressão) e isolamento, sendo a aproximação e realização de atividades com crianças e jovens úteis para se sentirem mais animadas, com mais energia e possibilidades de estabelecer relações com os outros. Além disso os profissionais que participam nesses programas (PI/PEI) confirmam o sentido de participação em determinado tipo de atividades intergeracionais. Relativamente ao bem-estar físico e social o incremento de relações sociais diminui as situações de solidão, de isolamento, a capacidade de enfrentarem as suas doenças e incrementa a sua vitalidade cotidiana, pelo convívio e laços de amizade criados (MacCallum et al., 2006). Por isso, o impacto desses PI/PEI criam a participação prática (intergeracional)), com repercussão no seu bem-estar e qualidade de vida. A implicação dos adultos maiores, assim como nas suas famílias com crianças/jovens enchem de alegria, satisfação e vitalidade, fazendo esquecer os momentos menos bons do seu processo de envelhecimento, estendendo esse estado anímico para as suas famílias e, consequentemente o aumento das relações no núcleo familiar.
Encerar com algumas ideias (IN) conclusivas As caraterísticas dos futuros idosos, seniores e/ou adultos maiores não será igual ao atual e, por isso, é difícil fazer-se uma projeção de indicadores (Rosa, 2012). O avanço das ciências da velhice e/ou da saúde permitem a esses coletivos viverem mais anos aumentando as probabilidades de possuírem mais meios económicos, sociais, culturais, educativos e médico-sanitários e assistenciais. Há já alguns estudos pioneiros sobre a análise às condições de vida dos futuros adultos maiores na Europa (FELICIE Future Elderly Living Conditions in Europe). O ideal é que esses futuros coletivos vivam cada vez mais no domicílio, com o seu cônjuge, em proximidade com os amigos, com um maior apoio em rede de cuidadores e voluntariado, melhores recursos económicos e condições habitacionais para promoverem níveis de qualidade de vida em comum. Atualmente os cuidados informais prestados aos adultos maiores são geralmente feitos pelo cônjuge (as mulheres prestam esse serviço e aguentam melhor a situação 66
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de solidão) e familiares, mas cada vez mais os filhos não têm capacidade, nem disponibilidade para os cuidar. A agravar estas situações acrescentamos ainda: o surgimento da emancipação da mulher e a sua inserção mercada de trabalho; divórcios constantes e alterações nos modelos atuais de família; a forma arquitetónica e as dimensões das habitações ou vivendas onde residem os idosos, com difícil acessibilidade para a sua mobilidade; as dificuldades de conciliação da vida profissional com a vida familiar; o desemprego dos familiares e as dificuldades económicas; o fraco pecúlio das pensões dadas aos idosos, etc. Verificamos que, os adultos maiores com elevada necessidade de cuidados e falta de apoio familiar, são as mais propensas a institucionalizar-se, com um maior gasto ao nível dos cuidados de longa duração, o que reflete diferentes níveis de apoio. Tudo isto constitui um desafio para o Estado (e famílias) ao tentar dar resposta a essa falta de disponibilidade dos cuidadores informais, obrigando a reequacionar os serviços e as respostas sociais. Além disso, o nível educacional dos futuros adultos maiores prevê-se que será cada vez maior, porque os níveis escolaridade têm sofrido uma evolução com um aumento de pessoas a completarem o ensino secundário e o ensino superior. O facto de existir um aumento do nível educacional, implica que haja uma perda do valor do diploma e uma contínua lacuna nos níveis de escolaridade entre as gerações mais novas e os adultos maiores. No entanto, essa desigualdade será um fator importante na integração dos adultos maiores na sociedade de amanhã, apesar de os futuros idosos virem a ter maiores níveis de escolaridade, e consequentemente melhores carreiras profissionais. É difícil prever como serão as suas condições económicas devido ao futuro incerto do fundo de pensões, bem como de outros fatores que não são previsíveis como o desempenho macroeconómico e as políticas governamentais. Os estudos na área dos PI/PEI, sendo escassos no nosso país, demonstram que a relação entre os indivíduos de diferente geração tem um impacto positivo para todos os implicados nesses programas (Almeida Pinto; Hatton-Yeo & Marreel, 2009). O aumento do bem-estar físico, psicológico e social das pessoas idosas, a mudança de perceções dos jovens sobre esses coletivos são consequências muito úteis na eliminação de representações erróneas. Daí que o impacto dos PI/PEI sobre os participantes (crianças, jovens/adolescentes, adultos e idosos) e sobre outros agentes indiretos nessa relação intergeracional (familiares, profissionais, instituições e
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comunidade), sendo determinante a análise avaliativa que fazem os profissionais executores desses programas Reconhecemos que há uma necessidade dos municípios e administração pública, das instituições sociais e instituições de ensino superior em promover o exercício da educação e formação das pessoas adultas maiores, elaborando programas dirigidos a diferentes níveis educativos e promovendo a participação das gerações em encontros e espaços para o entendimento intergeracional, numa troca de experiências, vivências e saberes de grande proveito para todas as gerações envolvidas. A educação ao longo da vida supõe uma caraterística fulcral e necessária para o desenvolvimento integral da pessoa independentemente da idade. Intervir no âmbito dos PI e/ou Pei implica a prática benefícios para todas as pessoas implicadas (profissionais, participantes, familiares, comunidades e instituições parceiras, sendo muito positivo ao projeto de vida de cada um. A realização desses programas com os seus projetos ajudam a melhorar o intercâmbio cultural, a cooperação, promove o empowerment, diminui a exclusão social, incentiva o empreendorismo e possibilita um maior bem-estar na sociedade. Nesses programas (PI, PEI) deve-se priorizar a consecução dos roles sociais igualitários, em mudança e múltiplos, antecipando a qualidade da interação, criando nos espaços comunitários o diálogo intergeracional (dinâmicas de grupo) de modo a alcançar a solidariedade entre gerações. A formação dos professores nesta área é essencial para a execução desses programas, constituindo um desafio para a sua profissão, implicando-se e desenvolvendo novas atuações/ações no horizonte educativo, conhecendo os ‘alunos’ através da implementação da educação intergeracional. Além disso, melhora-se a comunicação entre gerações fomentando na prática novas técnicas e estratégias (procedimentos) de aprendizagem e formação. A grande finalidade da educação intergeracional é que todos os intervenientes das diversas gerações se convertam em responsáveis da sua própria aprendizagem, que participem nas atividades, no intercâmbio de experiências e pontos de vista, conseguindo um desenvolvimento pessoal, grupal e familiar (Sánchez; Díaz, 2005). O trabalho com as gerações e, em especial, com os idosos supõe um elemento fulcral no avanço e desafio da sociedade atual e, por isso, com os PI e/ou PEI favorecemos a
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intervenção, o compromisso social, a mediação geracional e reconhecemos que todos têm um grande potencial social. Apesar dos aspetos positivos dos PI/PEI é necessário continuar apostar e indagar os benefícios destes programas, consolidando as boas práticas e contributos à sociedade.
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Comment
développer
une
action
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OS CONTEÚDOS CULTURAIS DO LAZER NO PROGRAMA NOVO MAIS EDUCAÇÃO DE SETE LAGOAS/MG Leonardo Toledo Silvai Luciana Lima Brandãoii Gabriel Vitor de Melo Souzaiii
Introdução No presente trabalho procuramos mapear as escolas estaduais no Município de Sete Lagoas/MG que possuem o Programa Novo Mais Educação (PNME) e investigar os conteúdos culturais do lazer no mesmo, pois à medida que se avançavam às discussões sobre as políticas/direitos das crianças surge um movimento de se garantir as crianças uma forma de ampliação dos seus conhecimentos contribuindo para uma formação complementar a da escola. Cria-se então o desejo ao desenvolvimento esportivo e ampliação das práticas e conteúdos do lazer, proporcionando o fortalecimento da relação escola e comunidade, visão essa encontrada no PNME. O PNME surge com uma proposta diferenciada em relação ao programa anterior. A carga horária privilegia o aprendizado de Português e Matemática. A adesão ao Programa e a organização dos tempos escolares são pautadas de duas formas: 1) Adesão de 05 horas complementares – 02 atividades de acompanhamento pedagógico, divididos em Língua Portuguesa e Matemática, sendo duas horas e meia de duração para cada área; 2) 15 horas complementares – 02 atividades de acompanhamento pedagógico, porém 04 horas cada, com inclusão 03 atividades de escolha da escola a serem realizadas nas 07 horas restantes. Portanto, torna-se importante perceber, que as escolas ao aderirem o PNME, a partir da primeira opção não terão o desenvolvimento de atividades e oficinas de lazer no contraturno escolar. Com isso, as oficinas somente serão realizadas por intermédio da adesão a proposta dois. Apesar de grande parte dos conteúdos i
Professor do curso de Educação Física do Unifemm/Sete Lagoas; Doutorando em Educação PucMinas; Mestre em Lazer UFMG; Coordenador da pesquisa: Vivências de Esporte e Lazer no PNME. ii Graduanda do curso de Educação Física Unifemm/Sete Lagoas; Voluntária do Programa de iniciação científica-PIC/Unifemm: Vivências de Esporte e Lazer no Programa Novo Mais Educação. iii Graduando do curso de Educação Física Unifemm/Sete Lagoas; Bolsista do Programa de iniciação científica-PIC/Unifemm: Vivências de Esporte e Lazer no Programa Novo Mais Educação. 72
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ofertados pelo PNME serem direcionados às disciplinas até então citadas, há em seu projeto pedagógico o desenvolvimento de atividades em amplos campos culturais, como artes, esportes e lazer, com objetivo de conduzir os integrantes à expansão educacional (BRASIL, 2017). Diferente de quaisquer concepções utilitaristas e compensatórias, neste trabalho o lazer compreende a vivência de inúmeras práticas culturais, como o jogo, a brincadeira, a festa, o passeio, a viagem, o esporte, as formas de arte (pintura, escultura, literatura, dança, teatro, música, cinema), dentre várias outras possibilidades. Inclui ainda o ócio, uma vez que esta e outras manifestações culturais podem constituir, em nosso meio social, notáveis experiências de lazer (GOMES, 2004). Neste sentido precisamos de políticas educativas conscientizadoras e lúdicas para e pelo lazer, atuando em todos os tempos e espaços educativos possíveis das comunidades (escolas, comunidades, praças, clubes, etc.), educando para a autonomia (PINTO, 2018, p. 29). Para isto, torna-se ainda mais necessário um processo educativo de incentivo à imaginação criadora e ao espírito crítico que procure não criar necessidades, mas satisfazer necessidades individuais e sociais (MARCELLINO, 1987). Para estabelecer um diálogo entre a educação para e pelo lazer, utilizamos as ideias de Marcellino (1987, p.58): trata-se de um posicionamento baseado em duas constatações: a primeira, que o lazer é um veículo privilegiado de educação; e a segunda, que para a prática positiva das atividades de lazer é necessário o aprendizado, o estímulo, a iniciação, que possibilitem a passagem de níveis menos elaborados, simples, para níveis mais elaborados, complexos, com o enriquecimento, assim, de um duplo processo educativo – o lazer como veículo e como objeto de educação.
Os estudos do lazer no Brasil sofreram grandes influências das pesquisas do sociólogo francês Joffre Dumazedier, o mesmo acontecendo com a classificação utilizada pelo autor quando se refere aos conteúdos/interesses culturais do lazer. Para diversos estudiosos brasileiros (MELO, 2004, 2007; MELO e ALVES JUNIOR, 2012; ISAYAMA, 2007; UVINHA, 2007; MARCELLINO, 2007; SCHWARTZ, 2003; PIRES e ANTUNES, 2007; SCHWARTZ e MOREIRA, 2007), que investigaram a obra de Dumazedier, esses interesses estariam classificados entre cinco a sete grandes grupos, 73
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dependendo de cada pesquisador: 1) Interesses Artísticos; 2) Interesses Físicos; 3) Interesses Manuais; 4) Interesses Intelectuais; 5) Interesses Sociais; 6) Interesses Turísticos; e 7) Interesses Virtuais. De acordo com Maia e Coutinho (2009) é importante deixar claro que a classificação implica em apresentar aspectos que possam indicar um caminho para diferenciar as vivências de lazer, pois uma mesma vivência pode encaixar em dois ou mais interesse, mas essa é uma forma didática para facilitar a organização do trabalho. Concordando também com Melo (2004): Obviamente, devemos ter em conta os limites dessa classificação, já que o processo de escolha dos indivíduos nem sempre é absolutamente explícito, tampouco modulado por um interesse único. Quando alguém resolve ir ao cinema, não o faz pensando: “agora vou mobilizar meu interesse artístico”. Tampouco o faz desconsiderando que esse ato está ligado também ao intelectual, ao social. A ação humana é complexa demais para caber em limites rígidos de categorias, o que não significa que a classificação seja ineficaz: somente devemos utilizá-la tendo claros os seus limites, a considerando como uma guia para nossas intervenções. (p.52)
Ao buscar compreender as práticas culturais de lazer, entendemos a importância de darmos voz às experiências e aos atores envolvidos em cada comunidade, ao modo de deixar fluir, experimentar e realizar suas manifestações culturais existentes, sem querer impor nosso estilo de vida. Dessa forma, Noronha (2011, p. 84) afirma: reconhecer a multiplicidade de manifestações culturais existentes no planeta é, mais uma vez, superar o etnocentrismo, ou seja, o entendimento presente em todas as culturas segundo a qual o seu modo de viver e de ver o mundo é melhor do que o do outro. A antropologia há muito trouxe contribuições para reconhecimento de que não existe uma cultura melhor do que a outra, e sim culturas, no plural. Desse modo, não se pode julgar uma cultura, mas compreendê-la; é esta a tarefa das pesquisas etnográficas. Conhecer outras culturas é reconhecer e respeitar as diferenças, contribuir para a construção de um mundo que consiga estabelecer o diálogo entre os povos de modo mais tolerante e em busca da paz sem que os grupos percam sua identidade pessoal e coletiva.
Dessa perspectiva, desdobra-se um entendimento de lazer como vivência e possibilidade concreta de exercer a cultura e a experiência de cidadania como um 74
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direito conquistado e que deve ser apropriado sem distinção de classe econômica, religião, gênero, raça e outros. Ademais, os valores atribuídos ao lazer nos dias de hoje possuem uma relação dialética com a cultura, relações essas estabelecidas com o trabalho, a família, a religião, a educação, a política, entre outras, e que são construídas histórica e socialmente (SILVA, 2012). Método O presente estudo se trata de uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2017 em Escolas Estaduais situadas na cidade de Sete Lagoas/MG. A coleta de dados foi realizada por meio de oficina de desenhos, abordando alunos do período integral e regular das referidas escolas, com intuito de identificar como as vivências de esporte e lazer estão inseridas no PNME e se o Programa amplia as mesmas. Para isso, a pesquisa foi dividida em duas fases. A primeira consistia no mapeamento e seleção das Escolas, seguida da segunda etapa, composta pela aplicação das oficinas de desenhos aos alunos configurada a partir dos estudos de Silva et al. (2013), Pires (2007) e Gobbi (2005). Todas as etapas serão detalhadas a seguir.
1ª FASE - Mapeamento e seleção das Escolas Estaduais O primeiro contato foi realizado via telefone com a Superintendência Regional de Ensino de Sete Lagoas. A partir disso, foi efetuado o levantamento das Escolas Estaduais que fazem parte do PNME. Posteriormente, efetivou-se contato via telefone com as escolas presentes na listagem para coletar informações acerca da participação no programa. Para as escolas que atenderam a ligação e confirmaram fazer parte deste, agendou-se uma visita para a apresentação e possível aplicação da pesquisa. A amostra final foi composta por cinco Escolas Estaduais. 2ª FASE - Oficina de desenhos A última etapa foi composta pela realização das oficinas de desenhos com dois grupos: alunos vinculados ao PNME e alunos do período regular das cinco escolas selecionadas. A seleção desses dois grupos foi baseada em uma das diretrizes presentes no caderno de orientações pedagógicas, que aborda, dentre outros objetivos, a “ampliação de tempos e espaços escolares, além de oportunidades 75
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educacionais” (BRASIL, 2017, p. 03). Com isso, torna-se possível investigar se os alunos que compõem o tempo integral pelo PNME possuem maior acesso às atividades que acrescentem nas artes, cultura, esporte e lazer, ampliando os conteúdos culturais. Assim, para cada escola a oficina foi aplicada duas vezes, com duração média de vinte minutos por desenho, sendo dois para cada aluno. Propomos descobrir quais as vivências de esporte e lazer são aprendidas no programa a partir da construção de desenhos com o tema: “De quê você brinca na escola. O quê você brinca fora da escola”. Por meio dos desenhos é possível revelar expressões das crianças, inseridas em um contexto sócio-histórico-cultural, sendo, de acordo com Gobbi (2005, p.76): (...) documentos que permitem aos pesquisadores saber mais acerca desses sujeitos e não somente isso, possibilitam-nos conhecer mais suas percepções da realidade por eles vivida, não sendo percebidos como textos escritos, mas sim como textos visuais que podem ser olhados, sentidos, lidos.
O desenho é reforçado como parte importante de todo esse processo, tratando-se de uma forma de linguagem. Assim, por esse método, é possível refletir sobre maneiras de expressão, de imaginação, de emoções e como forma, também, das crianças se manifestarem suas visões de mundo e experiências (NATIVIDADE; COUTINHO; ZANELLA, 2008).
Os conteúdos culturais no PMNE a partir dos desenhos Como forma de analisar os desenhos, optamos em trabalhar com as categorias de conteúdos culturais do lazer (artísticos, físicos, manuais, intelectuais, sociais, turísticos e virtuais) para aprofundar nas discussões. Com isso, as interpretações serão realizadas, primeiramente, divididas por cada escola, assim as iremos numerar de um a cinco descrevendo o quê foi encontrado em cada contexto. Em seguida, os conteúdos culturais do lazer serão descritos como um todo, sendo uma maneira de compreender suas representações de forma ampliada. Os conteúdos físicos foram amplamente difundidos em todas as escolas, com isso, optamos por realizar um recorte nas demais categorias quando a abordagem for
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feita separada por escolas, visando aprofundar as análises acerca da ampliação das vivências de lazer. Ao realizar uma porcentagem proporcional ao número total de desenhos separados pelas devidas categoriais (Regular e PNME), os alunos do período regular demonstraram uma superioridade da diversidade dos desenhos e, ao excluir as categorias em que não houve a presença de interesses do lazer em ambas esferas e com exceção dos interesses físicos, totalizando as escolas, 12 categorias foram superiores nos alunos do período regular, quando analisadas em porcentagem; e em 9 categorias, os alunos do PNME foram superiores, quando comparados.
Tabela 1 - Escola 1 Aluno
Número desenhos
Artísticos
Físicos
PMNE
32
-
23
-
4
Regular
42
-
28
3
6
Intelectuais
Virtuais
Sem categoria
1
-
2
2
1
-
4
-
Manuais Sociais Turísticos
Fonte: Elaborado pelos autores.
Dos interesses do lazer abordados pelos sujeitos da Escola 1, em três categorias os alunos da escola regular se sobressaíram em relação aos participantes do PNME. Os interesses manuais, sociais e virtuais foram identificados em 7%, 14% e 10% dos desenhos, respectivamente. A única categoria em que os indivíduos do PNME obtiveram números superiores foi o lazer turístico, encontrado em 3% dos desenhos, quando comparados aos 2% constatados nos alunos do tempo regular. Tabela 2 - Escola 2 Aluno
Número desenhos
Artísticos
Físicos
PMNE
35
-
27
-
-
Regular
43
1
35
-
2
Intelectuais
Virtuais
Sem categoria
-
1
3
4
1
-
-
4
Manuais Sociais Turísticos
Fonte: Elaborado pelos autores. 77
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Ao analisar os desenhos da Escola 2, foi possível identificar, mesmo em pequenas quantidades, 3 categorias do lazer presente nos indivíduos que fazem parte da escola regular que não foram desenvolvidos pelos alunos do Programa. Sendo eles o lazer artístico, social e turístico, analisados em 2%, 5% e 2% dos desenhos, nesta ordem. Os interesses intelectuais e virtuais foram expressos apenas pelos sujeitos do PNME.
Tabela 3 - Escola 3 Aluno
Número desenhos
Artísticos
Físicos
PMNE
24
-
13
-
1
Regular
20
-
10
3
4
Intelectuais
Virtuais
Sem categoria
-
-
6
4
-
-
2
1
Manuais Sociais Turísticos
Fonte: Elaborado pelos autores.
Novamente, na Escola 3, as vivências de lazer foram mais diversas em quantidade por meio dos alunos da escola regular. Em relação ao lazer manual, foi possível identificar 15% dos desenhos que abordam esse conteúdo, enquanto nenhum dos alunos do PNME. Em seguida, apesar do lazer social ser identificado nos alunos do Programa, a quantidade presente é inferior quando comparado aos 20% desenvolvidos pelos alunos do período regular. A única categoria em que a maior vivência foi pautada por meio dos alunos do PNME foi o lazer virtual, encontrada em 25%, sendo maior que os desenhos identificados pelos alunos do período regular. Tabela 4 - Escola 4 Aluno
Número desenhos
Artísticos
Físicos
PMNE
44
-
25
1
2
Regular
38
-
15
4
7
Intelectuais
Virtuais
Sem categoria
-
-
6
10
-
-
-
12
Manuais Sociais Turísticos
Fonte: Elaborado pelos autores.
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Em seguida, quantitativamente, na Escola 4, por meio dos alunos do período regular, foi possível analisar 11% do lazer manual e 18% do lazer social, enquanto os alunos do PMNE foram identificados 2% e 5%, respectivamente. Em contrapartida, o lazer virtual foi desenvolvido apenas pelos alunos inseridos no Programa, totalizando 14%, enquanto entre os alunos do tempo regular não foi possível identificar esse conteúdo. Tabela 5 - Escola 5 Aluno
Número desenhos
Artísticos
Físicos
PMNE
36
-
15
2
1
Regular
50
1
37
-
4
Intelectuais
Virtuais
Sem categoria
1
1
8
8
-
-
5
3
Manuais Sociais Turísticos
Fonte: Elaborado pelos autores.
Por fim, a Escola 5 foi a única em que as vivências de lazer foram mais diversas, sendo possível identificar todos os conteúdos do lazer abordados por Marcellino (2007). Ademais, foi a única em que a quantidade dos interesses abordados foi maior em relação aos alunos do PNME, quando comparados com os alunos do período regular; sendo eles o lazer manual, turístico, intelectual e virtual, com 6%, 3%, 3% e 22% dos desenhos, respectivamente. Desses interesses, apenas o virtual foi encontrado nos alunos do período regular, com 10%. Duas categorias foram mais apontadas pelos alunos do período regular, sendo elas: o lazer artístico, com 2% e o lazer social, com 8%, sendo o primeiro não encontrado nos alunos do programa e o segundo identificado em 3% dos desenhos. Dos desenhos realizados, os incluídos no PNME totalizaram 171 e dos alunos do período regular foram 193. Por meio das análises, tornou-se possível perceber o quanto o conteúdo físico é amplamente expressado pelos sujeitos, pois a média dos desenhos incluídos nessa categoria, quando todos são somados, representam 62,6%. Como colocado por Schwartz (2003), é notório o crescimento das ferramentas virtuais, assim, foi possível analisar o reflexo disso pelos desenhos. Tal categoria ocupou o segundo lugar e, do total, 9,89% dos desenhos foram destinados ao conteúdo virtual. 79
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De certa forma, os resultados expressados anteriormente eram esperados, como já refletidos Isayama (2007), retratando sobre os conteúdos físicos, e Schwartz (2003), em relação aos virtuais. Considerando isso, serão abordados a seguir os até então citados, mas também os demais conteúdos do lazer, sendo uma maneira de analisar o processo como um todo e buscar elementos singulares.
Físicos Para Melo e Alves Junior (2012), dentre as manifestações culturais mais difundidas e visibilizadas pelos meios de comunicação, encontram-se as atividades físicas (incluindo, também, os esportes), ligadas à diversos estilos de vida e buscam bem-estar por meio da movimentação do corpo. É possível entender, portanto, o elevado número de desenhos contemplados por essa categoria. Isayama (2007) acrescenta que essas atividades incluem “tanto à vivência, quanto à assistência de jogos, participação em atividades físicas, bem como em competições esportivas” (p. 32). Apesar do futebol ter sido o desenho mais contabilizado se tratando dos conteúdos físicos, torna-se importante salientar o quanto outras atividades, também em grandes números, foram identificadas. Em alguns casos, tais práticas foram até mesmo superiores, como constatado na Escola 2 dentre os alunos do período regular, em que o Basquetebol foi desenhado mais que o dobro do Futebol. Ainda assim, constatou-se o Voleibol, “queimada”, “pega-pega”, dentre outros e, curiosamente, desenhos escritos “Educação Física”, sempre atrelados aos esportes. Figura 1 – Campo de Futebol (Escola 3)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores. 80
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Artísticos Segundo Melo (2004), não se trata somente de pensar em uma educação pela arte, mas fundamentalmente em uma educação para a arte. De acordo com o mesmo autor, a partir do momento em que é possível, por meio da arte, exercer a liberdade, juntamente com a possibilidade crítica, ela cumpre a sua função social, com isso, os sujeitos são capazes de se manifestarem por meio dela. Apenas dois desenhos se enquadraram na categoria do lazer artístico e ambos foram realizados por sujeitos pertencentes ao período regular, com a temática da música. Sendo assim, outros âmbitos artísticos não foram abordados, como a pintura, cinema, concertos, etc.
Figura 2 – Música e violão (Escola 5)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores.
Manual Silva (2007) relata que os conteúdos do lazer manual podem ser colocados como contrapartida das ferramentas tecnológicas dos dias atuais, explicando o espaço existente entre o fazer determinado objetivo, que perpassa a experiência dos indivíduos por essas confecções, ressaltando que “colocar a ‘mão na massa’ parece ser bem diferente de colocar a ‘mão na máquina’” (p. 140). Apesar de poucos se enquadrarem, apenas na Escola 2 não foi possível identificar desenhos pertencentes a esse conteúdo. Entre as outras escolas restantes, a maioria foi realizado por alunos pertencentes ao período regular. Não foram expressas 81
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construções de brinquedos/artefatos ou artesanato, por exemplo, apenas brincadeiras com bonecas, carrinhos e bolas de gude (atividade representada na imagem em seguida). Figura 3 – Bolinha de gude (Escola 5)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores.
Sociais Os conteúdos sociais também foram bastante difundidos e, como analisado por Melo e Alves Junior (2012), esse conteúdo não necessariamente é desfrutado de maneira exclusiva, com isso, há viabilidade de ser agregado nos demais conteúdos, como forma de promover a sociabilidade por meio de encontros, passeios, etc. O conteúdo em questão pode ser visto em interseção com os demais, sendo assim, para que houvesse possiblidade de enquadrar cada desenho em apenas uma categoria, foram considerados os que contabilizavam elementos do lazer social e que não houvesse elementos explícitos de outros conteúdos do lazer. Figura 4 – Lazer social (Escola 4)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores. 82
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Turísticos De acordo com Marcellino (1996, p.18), “a quebra de rotina temporal e espacial, pela busca de novas paisagens, de novas pessoas e costumes é a aspiração mais presente nos interesses turísticos. Os passeios e as viagens constituem os exemplos.” Em duas escolas não foram identificados elementos do lazer turístico (Escola 3 e Escola 4) e dentre as outras analisadas, não dispuseram pontos em concordância, pois na Escola 1 foi constatado desenhos entre os dois grupos, na Escola 2 apenas no período regular e na escola 5 somente no PNME.
Figura 5 – Parque (Escola 2)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores.
Intelectuais Como colocado por Marcellino (2007, p. 14), “o que se busca contato com o real, as informações objetivas e explicações racionais. A ênfase é dada ao conhecimento vivido, experimentado. A participação em cursos ou a leitura são exemplos”. O conteúdo intelectual foi minimamente explorado nos desenhos, tanto pelos sujeitos que fazem parte do período regular quanto dos que participam do PNME. Contudo, as indicações nesses tópicos foram elaboradas por crianças pertencente ao
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PNME. Não foi identificada nenhuma outra comum expressão intelectual, como a leitura ou jogos de xadrez/damas, por exemplo.
Figura 6 – Quebra-cabeça (Escola 5)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores.
Virtuais O crescimento da utilização de ferramentas tecnológicas como celulares, tablets e computadores são evidentes no processo educacional. Diante a ampliação do uso desses dispositivos, os jogos virtuais podem se tornar parte vigente nesse percurso. Segundo Schwartz (2003), o ambiente virtual se constrói como integração e adequação ao surgimento de novas práticas culturais, sendo possível uma inserção nessa perspectiva, resultado de um momento histórico-social vigente, ampliando, assim, o cenário da educação para o lazer. Schwartz e Moreira (2007, p. 166) colocam que “os esforços de alguns profissionais são ainda incipientes, na tentativa de aguçar a atenção sobre essa temática”. Isso ainda pode ser considerado presente na rotina dos profissionais, muito pelo fato de que, por meio de tais práticas, torna-se necessário repensar e entender a necessidade da reinvenção do cotidiano escolar. O segundo conteúdo mais encontrado durante as análises foi o virtual, sendo 9,89% do total, evidenciando, assim, o que já vêm sendo abordado pelas autoras acima citadas durante os últimos anos. Apesar do alto número dos desenhos, em duas
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escolas (Escola 2 e Escola 4) não foram identificados, pelos alunos do período regular, a categoria em questão.
Figura 7 – Videogame (Escola 1)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores.
Sem categoria Durante as análises, alguns desenhos não foram passíveis de compreensão, não havendo possibilidade de serem direcionados a alguma categoria específica.
Figura 8 – Sem categoria (Escola 2)
Fonte: Arquivo de desenhos coletados pelos autores.
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Comentários finais O estudo revela que temos um longo caminho a percorrer para promover a educação para/pelo lazer digna de proporcionar novos conteúdos culturais do lazer aos alunos do PNME. Mas que o primeiro passo já foi vencido: a implantação de um programa que garante o tempo/espaço dessas vivências. Nesse sentido, Pinto (2018, p.28) afirma as necessidades de atuação de uma política de esporte/lazer, as políticas de lazer precisam considerar a construção social do espaço tempo de lazer pela promoção da cultura lúdica, circulação de bens e serviços adequados em cada território. Políticas articuladas à organização espontânea da comunidade, ao fomento dos lugares de sociabilidade, ao atendimento das necessidades dos sujeitos (atento a quem são, sua situação de vulnerabilidade e risco social; possibilidades e limites de acesso, uso/pertencimento e apropriação/empoderamento dos espaços públicos e oportunidades culturais de lazer).
É importante pontuar que entendemos que as crianças atendidas no programa são entendidas como sujeitos ativos (agentes de criação e transmissão) na produção de culturas, ou seja, sujeitos sociais (cidadãos). Mais que um estágio da vida, ser criança é ter uma forma particular de se relacionar com o universo social e humano (SILVA, 2012). Assim, o programa entende a criança como cidadã, logo com direito ao lazer. Nesse sentido, Isayama e Gomes (2008) nos ajudam a refletir sobre esse contexto da criança cidadã: A criança enquanto cidadã pode e deve usufruir o lazer, pois este é uma dimensão da cultura e parte inerente da nossa vida em sociedade. A criança brinca e joga, mas ela também tem (ou, pelo menos, deveria ter) acesso a todas as prerrogativas inerentes ao lazer (como, por exemplo, os períodos institucionalizados para a vivência deste fenômeno, como o final de semana, as férias e os feriados) e também à riqueza cultural que o integra, a partir da vivência de múltiplas manifestações culturais: jogos, festas, dramatizações, esportes, músicas, literatura, passeios e viagens de férias etc. (p. 159).
Sendo assim, entendemos de maneira geral que os alunos do período regular possuem vivências de lazer mais amplas quando comparados com os alunos do PNME. Na maioria das escolas, a quantidade de desenhos incluídos nos interesses
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físicos foi superior pelos sujeitos do PNME e, como consequência disso, uma menor frequência na diversidade dos conteúdos restantes. Com isso, uma das hipóteses a ser pensada é que os alunos que não estão inseridos no contraturno escolar podem estar vivenciando outras experiências fora da escola. Também podemos pensar quem são os educadores do PNME, suas formações, qualificações continuadas, processos/tempo de planejamento, matérias e espaços das oficinas. Cabe, portanto, pensar em novos estudos para aprofundar acerca dessa política pública, como possibilidade de concretizar e analisar outros fatores envolvidos.
Referências
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UVINHA, Ricardo Ricci. Turismo e Lazer: interesses turísticos. In: MARCELLINO, N. C. (Org.). Lazer e cultura. Campinas: Alínea, 2007. p. 47-64.
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Contributos para a dinamização do Turismo Científico: o caso da Gruta da nascente do Almonda, Portugal Alexandra Catarina Gajeiro Motai Mestranda em Turismo e Ambiente - ESTM- Politécnico de Leiria Joana Jogo Nazárioii Mestranda em Turismo e Ambiente - ESTM- Politécnico de Leiria Rafaela Sousa Carvalhoiii Mestranda em Turismo e Ambiente - ESTM- Politécnico de Leiria António Sérgio Araújo de Almeidaiv Doutor em Ciências do Turismo – CiTUR – ESTM – Politécnico de Leiria
Resumo Este artigo tem como objetivo associar a dinamização de atividades em espaços naturais a práticas relacionadas com o turismo científico. Como metodologia do presente trabalho recorreu-se ao estudo de caso da Nascente do Almonda e a sua Gruta, em Torres Novas. Foram também feitas visitas de campo e entrevistados diversos profissionais na área do mergulho em grutas, espeleólogos, geólogos e arqueólogos. Com base nestas entrevistas foi feita uma proposta de atividades neste espaço natural e constatando o abandono do centro de interpretação local, equacionou-se também a sua proposta de revitalização, possibilitando assim um local de apoio às atividades realizadas na gruta, nas suas partes terrestre e subaquática.
Palavras-chave: Atividades, Almonda, Turismo Científico.
i
E-mail: 4180418@my.ipleiria.pt E-mail: 4180419@my.ipleiria.pt iii E-mail: 4180420@my.ipleiria.pt iv E-mail:antonio.s.almeida@ipleiria.pt ii
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Contributions to the promotion of Scientific Tourism: the case of the Almonda river spring and its cave, Portugal Abstract This paper aims to show how the promotion of certain activities inside natural spaces can promote Scientific Tourism. In this paper, Almonda river spring and its Cave, in Torres Novas, was used as a case study As methodology, it were also made field visits and interviews with professionals of diving in caves, cavers, geologists and archaeologists. On the basis of these interviews it was made a proposal in order to increase activities in the cave spring of Almonda. Noting the abandonment of the interpretation centre of the cave, it joined this project the revitalisation of this Centre, thus acquiring a place of support for activities carried out in the cave, on the land and also on the underwater. Keywords: Activities, Almonda, Scientific Tourism.
Introdução Segundo Morse (1997), o Turismo Científico surgiu no final do século XIX quando os cientistas, a par das suas investigações, se tinham de deslocar, em expedições de campo, por todo o mundo, em busca de conhecimento. O turismo científico é compreensivelmente associado ao turismo cultural e a sua motivação prende-se com a realização de estudos e investigação científica e pode ocorrer de livre e espontânea vontade, de forma individual, ou de forma organizada, em pequenos ou grandes grupos. A gruta da Nascente do Almonda, concelho de Torres Novas, Portugal, desenvolve-se ao longo de mais de 15km, constituindo um verdadeiro santuário da espeleologia já que, no seu conjunto, representa a mais extensa rede cársica atualmente conhecida em Portugal. Esta gruta possui diversas entradas. Uma delas é pela Nascente do Rio Almonda. Trata-se de uma entrada subaquática em que apenas pessoas com o curso de full cave diver, têm possibilidade de nela entrar, uma vez que se trata de um ambiente altamente inóspito e pouco seguro para amadores.
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Outra das entradas situa-se no Vale da Serra, na área do Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros. Trata-se de uma entrada terrestre e de mais fácil acesso. No entanto, apesar de ser menos perigosa do que a entrada subaquática e de requerer menos técnica, é também uma entrada um pouco peculiar, sendo que não é possível a entrada de qualquer pessoa, sem a devida formação. Quando se fala de turismo científico as opiniões divergem. Alguns autores consideram-no parte integrante do ecoturismo, turismo responsável, turismo voluntário ou turismo de aventura e natureza. West (2008), Laarman & Perdue (1989) e Hall & Saarinen (2010) consideram o turismo científico como um nicho dentro de formas alternativas do turismo. Na perspetiva de Laarman & Perdue (1989) o turismo científico fornece uma base científica para a gestão de áreas naturais e os turistas científicos são mais sensíveis culturalmente do que os outros turistas. Outros ainda, como Morse (1997) relacionam o turismo científico com viagens de aprendizagem e outros como Smith (2005) com o turismo de experiências. Desta forma o turista é um ator da sua experiência e não apenas um consumidor. Este consome a experiência com uma apropriação de lugares visitados e solicita serviços específicos para atender às suas expectativas. O turismo científico é, desta forma, uma parte da “viagem de aprendizagem” e a expressão de uma mudança no modo tradicional de viajar. Tal pode favorecer a inovação e a criatividade no desenvolvimento do turismo (Tovmasyan, 2017). Existem três formas de Turismo Científico, cada uma com a sua especificidade. São elas o Turismo de Aventura com dimensão científica, Turismo Cultural com conteúdo científico e Turismo de Investigação científica (Campos, 2018). De acordo com o mesmo autor, o primeiro tipo, permite combinar dimensões científicas com práticas de exploração, aventureiras ou desportivas. O segundo tipo, corresponde a um turismo de fruição cultural patrimonial, como seja a meditação, a animação ou a interpretação científica. A dimensão científica é uma parte integrante da oferta, o que a distingue de produtos turísticos convencionais. Para Campos o terceiro tipo, retrata os investigadores diretamente interessados que viajam pelo seu trabalho e um conjunto de experiências, parcerias internacionais e intercâmbios ou para reuniões, convenções, seminários ou conferências.
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Segundo Kosiewicz (2014) o turismo científico, pode ainda, ser visto de dois pontos de vista distintos. Por um lado, pode desenvolver pesquisas diretamente relacionadas com viagens. Este tipo de viagens é uma forma de turismo profissional, porque os participantes são exploradores profissionais. Por outro lado, a viagem pode instrumentalmente facilitar a apresentação de resultados de estudos. Pode não estar substancialmente relacionada com a exploração em si. Em ambos os casos, a viagem contribui para a atividade científica. No primeiro caso, a viagem é um elemento inerente à essência do estudo, enquanto que no segundo caso, a viagem é externa à essência do estudo (Kosiewicz, 2014). De acordo com o Centro Internacional de Ciências Pedagógicas (CIEP), o turismo científico tem três fases: exploração, investigação e interpretação. Na fase de exploração, são realizadas expedições científicas e os mais aventureiros expandem os seus conhecimentos sobre a região. A fase de investigação é usada para aprender mais sobre as pessoas e o ambiente. Durante a fase de interpretação, os conhecimentos adquiridos nas fases anteriores são utilizados para informar o turista (Slocum et al., 2015). Quer em Portugal quer no estrangeiro, o turismo científico é ainda uma linha do turismo pouco explorada. Apesar disso, no paradigma assente na valorização conhecimento, existem atualmente condições bastante favoráveis à discussão deste tema. Em primeiro lugar, de destacar a natureza dos recursos em causa e o seu significado económico, social e político. Em segundo lugar, existe, nos dias de hoje, um conjunto alargado e coerente de condições que favorecem de forma objetiva o turismo científico: programa Cultura e Ciência, desenvolvido pela Secretaria de Estado do Ensino Superior, em articulação com outros organismos da administração pública e o reconhecimento da importância do turismo para a dinamização económica das regiões (Estratégia Turismo 2027) e do turismo científico, especificamente, nesse âmbito (Recomendação da Assembleia da República –RAR n.º 197/2017) (Nunes & Sousa, 2017). Desta forma e segundo estes últimos autores, o turismo científico promove dinâmicas que, mais do que geradoras de conhecimento, preservação e valorização dos recursos perfeitos ou de mediação cultural (de alcance internacional), induzem a apropriação do seu valor económico de forma partilhada pelos atores sociais locais,
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devido à mobilização de agentes e à integração territorial do processo produtivo que lhe está subjacente, condições, por sua vez, favoráveis à aplicação do modelo conceptual até aqui desenvolvido. O desenvolvimento do turismo científico baseia-se na renovação de motivações turísticas (Campos, 2018). Do ponto de vista territorial, este tipo de turismo, nas suas diversas formas, proporciona um vislumbre de oportunidades de desenvolvimento de destinos com pouco turismo ou com baixa responsabilidade social e ambiental. Pode, de facto, adaptar-se a infraestruturas turísticas emergentes e espalhar-se por espaços com ecossistemas frágeis ou equilíbrios socioculturais a preservar (Nunes & Sousa, 2017). O caso de estudo do presente trabalho insere-se entre a primeira e a segunda forma de turismo científico, ou seja, Turismo de Aventura com dimensão científica e Turismo de Investigação científica. O presente artigo tem assim como objetivo principal, mostrar de que forma o Turismo Científico pode potenciar a Gruta da Nascente do Almonda.
REFERENCIAL A Gruta da Nascente do Almonda, Portugal A Gruta da Nascente do Almonda, Gruta do Almonda ou ainda Olho do Moinho da Fonte, está localizada no rebordo sudoeste do anticlinal da Serra de Aire, onde se dá o contacto entre o Maciço Calcário Estremenho e os terrenos menos permeáveis da bacia do Tejo (Figura 1). É o maior sistema cársico em Portugal, com cerca de 13km de extensão e constitui um verdadeiro santuário da espeleologia nacional (XploraSub et al., 2010).
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Figura 1 - Localização da Gruta da Nascente do Almonda Fonte: Google Maps
A Gruta do Almonda é conhecida como estação arqueológica desde há cerca de 70 anos, altura em que foi posta a descoberto a entrada sobre a nascente que foi durante alguns anos o único acesso conhecido ao seu interior. Esta entrada corresponde a uma surgência fóssil do Rio Almonda, situada a cerca de cinco metros acima da nascente (Rocha et al., 1993). Ainda na nascente, submersa, encontra-se outra entrada para a gruta. De acordo com os entrevistados, só é possível entrar por este acesso, com equipamento de mergulho adequado bem como certificação de mergulho profissional em grutas (full cave diver). Quem penetra nesta gruta subaquática, defronta-se com um labirinto constituído por múltiplas variantes e vários níveis de galerias, um meio hostil onde é certo que um mergulhador, sem a adequada formação, se perderá irremediavelmente. Existe ainda, a cerca de 1km (em linha reta) da nascente, na localidade do Vale da Serra, uma outra entrada, desta vez terrestre. Esta entrada não é natural, mas sim feita pelo Homem, em 1989. A esta zona de rede subterrânea do Almonda optou-se por se chamar Entrada do Vale da Serra na sequência dos achados arqueológicos que aí viriam a ser feitos (Rocha et al., 1993). Junto a esta entrada, no seio do Parque Natural da Serra de Aires e Candeeiros, existe um Centro de Interpretação da gruta. Segundo os entrevistados, este centro foi 95
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outrora utilizado como estrutura de apoio à gruta, que promovia programas orientados para o turismo ecológico e cultural. Este centro é composto por um espaço museológico interpretativo, auditório e alojamento. No entanto, este encontra-se nos dias de hoje abandonado, sendo que é do interesse de todos a revitalização deste espaço. Como tal é proposto no presente trabalho a revitalização do mesmo, dando assim uma nova cara tanto ao centro como à Gruta e à localidade, tanto a nível turístico como económico.
Espeleomergulho (Scientific cave diving) O espeleomergulho (em inglês scientific cave diving) é uma das formas de mergulho mais técnicas e potencialmente perigosas feitas nos dias de hoje (lLiffe & Bowen, 2001). Pode envolver múltiplos utensílios, como reguladores, Rebreathers e garrafas de mergulho, em combinação com propulsores, de modo a poderem penetrar milhares de metros em sistemas de grutas submersas, onde a subida direta à superfície, no caso de emergências, é impossível. De acordo com lLiffe & Bowen (2001), para realizar estudos científicos em tais condições de dificuldade, os indivíduos devem ser altamente competentes e experientes no mergulho em grutas. Apesar desses problemas, numerosas investigações científicas nos campos de biologia, ecologia, microbiologia, geologia, hidrologia e arqueologia foram realizadas por cientistas de mergulho em grutas. Segundo os mesmos autores este tipo de mergulho possui diversos objetivos; um deles é o “Cave Maping”, ou seja, a topometria da gruta. Esta atividade baseia-se na exploração da gruta e dos seus diversos canais, passando um fio-guia à medida que se avança na gruta. Esse fio vem do exterior. Assim, em explorações posteriores, sabese que onde existe fio, já foi explorado e, em caso de se perderem, basta seguir a linha até ao exterior da gruta. Outro objetivo é o “cave biology”, ou seja, a exploração tem como objetivo principal a observação de espécies, tanto a nível da fauna como da flora, existentes no local. “Cave Geology and Hydrology” é outro dos objetivos deste tipo de mergulho científico. Aqui é estudada a geologia da gruta, ou seja, o tipo de solo, os minerais existentes, as estalactites e as estalagmites conhecidas das grutas, entre outros componentes (lLiffe & Bowen, 2001). 96
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O último objetivo, para lLiffe & Bowen (2001) é o “Cave Archaeology”. Este objetivo prende-se na observação de “pegadas” do passado existentes no local, como por exemplo, pinturas, pegadas, utensílios. Em contraste com o mergulho em águas abertas, o mergulho em grutas apresenta uma série de perigos específicos. Em primeiro lugar, existe um teto de rochas por cima do mergulhador, de modo que, em caso de emergência, não é possível uma subida direta até à superfície. Na maioria dos casos, é necessário sair da gruta da mesma forma como se entrou (lLiffe & Bowen, 2001). Assim, o mergulhador a 30 metros de profundidade, 300 metros dentro de uma gruta, necessita consideravelmente de mais reservas de ar e um planeamento de emergência do que um mergulhador de águas abertas na mesma profundidade. Além disso há que ter em atenção também a profundidade, os requisitos de descompressão, visibilidade limitada e pressões psicológica (lLiffe & Bowen, 2001).
PROCEDIMENTO METODOLÓGICOS Uma vez que as atividades propostas, têm como alvo principal profissionais na área do mergulho, espeleologia, geologia e a arqueologia, decidiu-se procurar opiniões e conselhos junto de profissionais e, consequentemente, equacionar-se uma experiência consolidada e suportada na opinião e interesse dos referidos profissionais. Como tal, foram feitas diversas entrevistas semiestruturadas, na qual os entrevistados respondiam a diversas questões previamente preparadas, mas, no decurso das entrevistas iam surgindo outras questões e outros temas relacionados com o assunto, enriquecendo desta forma a entrevista e a informação obtida para o presente trabalho. As perguntas das entrevistas, variavam conforme o entrevistado, ou seja, um tipo de perguntas para mergulhadores e um tipo de perguntas para os restantes. Foi feita esta diferenciação, pelo simples facto de que são entradas diferentes, com métodos diferentes e graus de dificuldade também diferentes que requerem abordagens distintas. Nas
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como se existe realmente possibilidade de por em prática a oferta turística que se propõe. Relativamente às entrevistas realizadas aos restantes profissionais, as perguntas incidiram especialmente na revitalização do Centro de Interpretação e na viabilidade da utilização deste para fins turísticos, bem como da entrada da gruta adjacente a este centro. Deste modo, foram entrevistados 3 mergulhadores em grutas, 3 espeleólogos, 1 arqueólogo e 1 geólogo. Feitas as entrevistas, foram analisadas as respostas e percebeu-se qual a opinião geral, se positiva, se negativa. Depois, aprofundado um pouco mais o estudo das entrevistas, percebeu-se qual a opinião concreta de cada um dos entrevistados e, com base nessas opiniões, formou-se a proposta que se segue no presente trabalho. Durante o trabalho de campo surgiram algumas dificuldades, uma vez que foi relativamente difícil encontrar profissionais nas áreas pretendidas que estivessem disponíveis para dar entrevistas. Alguns, simplesmente não dispunham de tempo suficiente, outros, não queriam falar do assunto, talvez por ser uma prática um tanto ou quanto perigosa. Além disso, alguns profissionais não estão muito de acordo com a junção do turismo com a investigação e preferem que as grutas permaneçam sem visitas, preservando assim o seu interior.
RESULTADOS Relativamente à parte do mergulho na gruta, a amostra é composta por 3 indivíduos, todos eles do sexo masculino. A totalidade dos indivíduos mostrou uma resposta positiva em relação ao avanço do estudo, sendo que um deles, apesar de respostas positivas se mostrou um pouco reticente. Todos os indivíduos já haviam mergulhado nesta gruta, pelo que contribuíram bastante com opiniões e conselhos para a realização desta atividade, uma vez que todos eles estão cientes dos perigos inerentes a esta prática e das condições que existem atualmente no local e quais as melhorias que deviam ser feitas. Foi consensual, por parte dos entrevistados, a necessidade de um local de apoio aos mergulhadores bem como de estruturas no local para facilitar o mergulho e toda a sua logística. Todos eles referiram também a perigosidade do local e da prática,
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sendo por isso extremamente necessária a formação adequada bem como todas as cautelas e avisos que devem anteceder a realização do mergulho. Os restantes conselhos foram diferentes entre entrevistados, sendo que a maioria deles incidia essencialmente na segurança e precaução. Relativamente às entrevistas realizadas a profissionais das áreas de espeleologia, geologia e arqueologia, foram entrevistados 5 indivíduos. As perguntas incidiam essencialmente na parte terrestre da gruta, no Vale da Serra e no Centro de Interpretação da Gruta. Dos 5 indivíduos apenas 2 mostraram uma opinião negativa, uma vez que, como defensores acérrimos das grutas e da sua preservação, temem a sua destruição, causada, mesmo que sem intenção, pelos visitantes. Os restantes entrevistados mostraram bastante interesse na exploração do centro e da gruta. Todos eles (dos que responderam positivamente) responderam afirmativamente à questão “Se tivesse oportunidade de fazer uma visita à gruta e de pernoitar numa casa perto desta, aceitava?”. Além disso, todos se mostraram entusiasmados com a revitalização do centro de interpretação, sem escamotear a parte da investigação inerente a esta gruta e a este centro. O panorama geral, tanto da parte do mergulho como da parte do centro de interpretação e da entrada da gruta pelo Vale da Serra, é positivo, pelo que se achou pertinente avançar com uma proposta de turismo científico, baseada essencialmente nas opiniões destes profissionais. Será abordada em seguida a oferta que se propõe.
TURISMO CIENTÍFICO NA GRUTA DA NASCENTE DO ALMONDA A experiência que se propõe está dividida em duas componentes: visita das grutas a seco e visita das grutas subaquáticas. O centro de interpretação é fundamental para o apoio a ambas as componentes. Para a prática de mergulho na gruta, pensou-se, no âmbito do turismo científico, numa oferta apenas para profissionais, uma vez que, como já foi referido, é um local e uma prática perigosos que requerem cautela e formação na área. Assim, o visitante poderá disfrutar, primeiramente da vista que a nascente do Almonda ostenta e, depois, mergulhar na água da nascente (Figura 2) onde, logo aí,
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pode iniciar a sua descoberta disfrutando das espécies aquáticas que aí existem tanto a nível de fauna como de flora. Avançando na nascente, eis que surge a entrada da gruta. Uma entrada apertada e perigosa onde apenas cabe um mergulhador de cada vez. O mergulhador, começará por ser tomado pelo medo, mas depressa se apercebe da dimensão da gruta e do seu valor, iniciando assim uma experiência que superará os preconceitos iniciais.
Figura 2 - Nascente do Rio Almonda
Nesta oferta, o visitante poderá pôr em prática os seus conhecimentos e estudar toda a gruta, perceber todos os seus detalhes e simplesmente disfrutar da oportunidade de visitar um dos maiores sistemas cársicos existentes no país. O visitante poderá aproveitar esta oferta para realizar também as suas investigações e pesquisas, contribuindo desta forma, não só para o seu enriquecimento e desenvolvimento pessoal, mas também para a comunidade científica. Como medidas de segurança, é necessário ter em conta variados aspetos, tanto a nível de práticas a ter antes, durante e depois da visita à gruta, como em relação ao equipamento usado. Relativamente a práticas, é aconselhável uma “mini formação” a todos os visitantes antes da sua visita. Nesta reunião, descrever-se-ão aspetos
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fundamentais da gruta, normas de segurança e cuidados a ter com a preservação do espaço. O equipamento será facultado aos visitantes, no entanto, se assim o quiserem, podem usar o seu próprio equipamento. Para esta visita são necessários os seguintes elementos:
Escafandro (circuito aberto ou fechado) Fato seco Roupa térmica Luvas e capuz Barbatanas e máscara Capacete Iluminações principal e secundária Carretos de exploração e segurança Manómetro e relógio Garrafas de mergulho Regulador Bússola
Todo o material necessário estará por princípio no centro de interpretação da gruta. Este servirá de receção aos visitantes e será aqui também que se farão as ações de formação realizadas antes da visita. Em relação ao Centro de Interpretação da Gruta do Almonda o que se propõe é a revitalização do espaço. Quando ainda em funcionamento, este Centro era uma estrutura de apoio que promovia programas orientados para o turismo ecológico e cultural. A ideia geral é pegar neste conceito e dar uma nova vida a esta estrutura abandonada. Em reunião com a Câmara Municipal de Torres Novas, foi-nos facultada a planta do Centro de Interpretação da Gruta do Almonda (Figura 3), facilitando deste modo a projeção dos espaços e das ideias que se propõem no presente trabalho.
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Figura 3 - Planta do Centro de Interpretação da Gruta do Almonda Fonte: Câmara Municipal de Torres Novas
O Centro possui, neste momento um espaço museológico interpretativo, um auditório e alojamento. O que se propõe para a revitalização do espaço é, para além destas divisões, existir ainda um local para guardar o equipamento de mergulho e de expedição à Gruta e, no terraço do Centro construir um miradouro para observação de aves e da paisagem ímpar que caracteriza a Serra de Aire e Candeeiros. O alojamento será estendido não só para os visitantes da gruta, como também a investigadores e outras pessoas que queiram simplesmente passar algum tempo rodeados da natureza e participar em algumas das atividades complementares. Além disso, apelando às novas tecnologias e aliando ao facto de que visitas à parte seca da gruta, provavelmente destruirão alguns aspetos característicos da mesma, propõe-se a construção de uma sala com óculos de realidade virtual. Aqui, os visitantes que não visitassem a gruta, teriam oportunidade de o fazer virtualmente. Assim, pessoas com problemas claustrofóbicos ou menos habilitadas para fazer a visita real poderão na mesma disfrutar desta experiência no conforto de um sofá.
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Apenas teriam acesso à entrada da Gruta a seco, um número diminuto de visitantes, sendo que todos eles terão de ter formação na área e estar bem consciencializados dos perigos e dos cuidados a ter para não destruir nenhum elemento constituinte do espaço natural. Nesta parte da experiência que se propõe, o visitante começa a sua aventura por descer, por uma escada de madeira, uma distância de cerca de 10 metros. Logo aqui, aconselha-se que apenas os mais corajosos o façam, uma vez que se trata de uma distância razoável e as condições não são as mais seguras. Depois, já dentro da gruta, o visitante é deparado com diversas situações que poderão causar receios e medos devido à falta de espaço. Existem lugares da gruta em que a passagem é difícil, aumentando desta forma os níveis de adrenalina de quem visita este lugar. Apesar de ser um ambiente complexo, proporciona um estado emocional marcado pela grandiosidade do local, pelo facto de existirem elementos únicos como é o caso de certas espécies de animais, como o escaravelhos cavernícola (Trechus lunai) e o caso das jazidas arqueológicas que vão desde o Paleolítico Inferior até à época romana. São estes elementos e tantos outros que criarão uma experiência diferenciada. De modo a integrar outro tipo de visitantes, pessoas que, apesar de não terem conhecimentos na área gostam de aventura e de conhecer, propõem-se, para além da visita à gruta através dos óculos de realidade virtual, outras atividades relacionadas com a temática. Uma delas centra-se no espaço de exposições/museu existente no Centro. Aqui poderão equacionar-se diversas exposições relacionadas com a espeleologia, arqueologia e geologia bem como realização de palestras sobre o tema, sempre com um subtema diferente e um orador diferente. Existirão também, numa sala específica, workshops diversos, de forma a que todos aprendam um pouco sobre o tema e que criem consciência da importância do mesmo e do estudo destes locais bem como da sua preservação. Para os mais pequenos, por exemplo, poderá proporcionar-se um local onde poderão pôr em prática a sua veia arqueológica e escavar diversos artefactos, enterrados estrategicamente numa “caixa de areia” gigante. Todos os artefactos encontrados trazem com eles uma breve descrição sobre os mesmos com o intuito de que o jovem que o encontrar fique a perceber o que é e aprenda um pouco mais sobre
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as temáticas. Os visitantes podem ainda realizar caminhadas pela Serra de Aire e Candeeiros e disfrutar de momentos junto da Natureza.
CONCLUSÃO O Turismo Científico é um tipo de turismo ainda pouco explorado em Portugal e a Gruta da Nascente do Almonda, sendo genericamente desconhecida, tem potencial e oportunidades para implementar atividades diversas suscetíveis de entroncar nas necessidades deste tipo de turista. Com as presentes propostas, pretende-se levantar o véu em relação a este lugar, tornando-o mais apetecível para investigar, colocando-o numa rota de conhecimento capaz de o catapultar para novas oportunidades. Como principais dificuldades, no decurso do trabalho, destaca-se a falta de recetividade por parte de algumas entidades para abordar a presente temática. Sendo uma prática um pouco perigosa, principalmente a parte referente ao mergulho, as pessoas mostravam-se pouco à vontade em ser entrevistadas e em falar no assunto, refletindo-se isso numa amostra diminuta para a estudo em questão. Como pistas de investigação futuras importa aprofundar o estudo de modelos que possam ser replicados neste espaço natural, envolvendo comunidade local, a comunidade científica e turistas em torno de um projeto que contribua para o conhecimento e para a sustentabilidade deste território.
BIBLIOGRAFIA Campos, A. S. (2018). O Turismo Científico na região Alentejo: Estudo exploratório acerca do perfil e motivações do visitante dos Centros Ciência Viva. Departamento de Sociologia, Évora, Portugal; Hall, M. & Saarinen, J. (2010). Polar tourism: Definitions and dimensions. Scandinavian Journal of Hospitality and Tourism, 10(4), 448-467;
lLiffe, M. T. & Bowen, C. (2001). Scientific Cave Diving. MTS Journal. 35(2);
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Kosiewicz, J. (2014). Scientific Tourism, Aspects, Religious and Ethics Values. Sport and Ethics: Philosophical Studies. 62; Laarman, J. & Perdue, R. (1989). Science tourism in Costa Rica. Annals of Tourism Research, 16(2), 205-215; Morse, M. A. (1997). All the world’s a field: a history of the scientific study tour. Progress in Tourism and Hospitality. 3. 257-269; Nunes, S., Sousa, V. (2017). Recursos Perfeitos, Turismo e Singularidades Territoriais: a hipótese do turismo científico na Golegã. CIAENGT-centro de investigação aplicada em Economia e Gestão do Território; Smith, W. L. (2005). Experiential tourism around the world and at home: definitions and standards. International Journal of Services and Standards, 2(1), 1-14; Revilla, M. R. G. & Moure, O. M. (2017). Turismo Científico y ciudades del futuro. Internacional Journal of Scientific Management and Tourism. 3 (1), 123-130; Rocha, F. C., Zilhão, J., Maurício, J., Souto, P., Antunes, J. J., Lopes, J. C., Bicho, J. R., Coelho, A. F., Tavares, E., Ribeiro, R., Bento, E., Simão, B., Nuno, C. S. (1993). 1ª edição, Câmara Municipal de Torres Novas, Torres Novas; Slocum S., Kline C., Holden A. (2015). Scientific Tourism: Researchers as Travellers, p. 119; Tovmasyan, G., Tovmasyan, R. 2017. Scientific Tourism Developmente Bases in Armenia. SocioEconomic Challenges 2(1); West, P. (2008). Tourism as science and science as tourism. Current Anthropology, 49(4), 597-626; XploraSub, Neua & SAGA. (2010). Exploração das galerias submersas da gruta do Almonda, Torres Novas, Portugal.
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LA TRANSFORMACIÓN NARRATIVA. METODOLOGÍA DE UNA EDUCACIÓN SOCIOCULTURAL LIBERADORA Dr. Mario Viché González Profesor asociado de la Universidad de Valencia Editor de la revista: quadernsanimacio.net
RESUMEN La transformación narrativa se nos presenta como una de las estrategias metodológicas determinantes en la acción de los agentes educativos socioculturales. Animadores y otros agentes socioeducativos utilizan la transformación narrativa como una metodología clave para acompañar los cambios madurativos personales y para desarrollar narrativas de consenso que permitan la estructuración de redes comunitarias de cooperación y convivencialidad. Las narrativas individuales y colectivas son relatos radicales que personas y comunidades desarrollamos para autojustificar nuestra razón de ser y para fundamentar nuestras formas de interpretar la realidad y autolegitimar nuestras formas de pensar, actuar y relacionarnos. En este sentido nuestro trabajo va a analizar no solo el sentido y fundamento de las narrativas sino también la importancia de las dinámicas de la transformación narrativa.
PALABRAS CLAVE Metodología, narrativas, transformación narrativa
RESUMO A transformação narrativa é apresentada como uma das estratégias metodológicas determinantes na ação dos agentes educacionais socioculturais. Animadores e outros agentes socioeducativos usam a transformação narrativa como uma metodologia-chave para acompanhar mudanças maturacionais pessoais e 106
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desenvolver narrativas de consenso que permitam a estruturação de redes comunitárias de cooperação e convívio. As narrativas individuais e coletivas são histórias radicais que as pessoas e as comunidades desenvolvem para justificar nossa razão de ser e basear nossos modos de interpretar a realidade e legitimar nossos modos de pensar, agir e se relacionar. Nesse sentido, nosso trabalho analisará não apenas o significado e o fundamento das narrativas, mas também a importância da dinâmica da transformação narrativa.
PALAVRAS CHAVE Metodologia, narrativas, transformação narrativa
1. La Educación Sociocultural y la transformación narrativa. La Educación sociocultural es una práctica educativa interactiva que tiene como objetivo acompañar los procesos madurativos personales que se concretan en un adecuado desarrollo de la autoestima y la experimentación de un sentimiento de bienestar subjetivo así como promover y desarrollar redes interpersonales de comunicación, cooperación y complicidad que permitan la organización de estructuras comunitarias soldidarias y sostenibles. En este sentido, la práctica de la acción sociocultural se fundamenta en el encuentro interpersonal, la acción colaborativa, el análisis dialógico de contextos y vivencias compartidas que permitan una reflexión crítica de la realidad social así como en la estructuración de unas narrativas individuales y comunitarias que permitan no solo fundamentar las autoestimas individuales sinó también generar narrativas convergentes que posibiliten la génesis y el desarrollo de entornos comunitarios sostenibles basados en los principios de la convivencialidad y la cooperación. Es por ello que la dialogicidad, como herramienta de análisis colaborativo de contextos y dinámicas sociocomunitarias de la vida cotidiana y la transformación narrativa como dinámica de cambio y crecimiento personal y de creación de narrativas de consenso que permitan el desarrollo identitario y la puesta en práctica de proyectos colectivos de organización y cambio social, se convierten en herramientas
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metodológicas clave para fundamentar el trabajo de las personas que trabajan en el campo de la Educación Sociocultural. Si sobre la dialogicidad como estrtategía metodológica ya hablamos en nuestro documento “La Dialogicidad. Metodología de una Animación Sociocultural Liberadora”i, en este trabajo vamos a reflexionar sobre la transformación narrativa como segunda estrategía metodológica, tan importante y determinante como la dialogicidad, para asegurar el cambio individual y colectivo.
2. Las narrativas y la representación de la realidad Como apunta Ortín 2007 citando a Whitehead: “No hay manera de imaginar la vida a no ser por medio del pensamiento narrativo del relato”. Individuos y colectividades se posicionan en el mundo en función de una representación propia de la realidad social. Una representación que se configura a través de la historia personal y colectiva, las vivencias compartidas, la interacción con el contexto y las relaciones interpersonales. Esta es una representación mental fruto de un conjunto de imágenes, recuerdos, emociones, narrativas interiorizadas y de una interpretación singular del mundo que nos rodea. Esta representación se configura a travé de una narrativa individual y grupal que da sentido, identifica y condiciona las conductas individuales y las dinámicas de actuación de las colectividades humanas. Ortín (2007) señala cómo: “Toda narrativa está íntimamente relacionada con sistemas inconscientes de ordenamiento del mundo, con las rutas preconscientes que utilizamos para conocer y situarnos en la realidad”. En este sentido cobran valor tanto las experiencias vividas, los sentimientos experimentados, el universo de significados creados alrededor de vivencias y emociones, las lecturas críticas y estereotipadas del mundo que nos rodea, la i
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dialogicidad en tanto confrontación de experiencias, significados y representaciones y el psicoanálisis como métodos de decodificación de la realidad. Toda persona crea y desarrolla una narrativa vital propia que le permite justificar sus puntos de vista y sus actitudes radicales al tiempo que, dando sentido a su existencia, le permite superar la depresión y afrontar las relacines consigo mismo, con los otros y con el contexto vital. Estas narrativas se transforman y evolucionan a lo largo de la vida en función de las experiencias vividas y las diversas interacciones socioculturales. Esta transformación narrativa es la que va abriendo camino a los cambios individuales y a la maduración como persona. Una narrativa es un constructo personal que da significado a nuestra percepción de la realidad. Supone la interpretación de la experiencia vivida y tiene unas consecuencias metodológicas, prácticas y políticas sobre nuestro universo relacional. Hablar de narrativas es hablar de historias de vida, de conflictos dialógicos y de desenlaces o consecuencias. Es hablar de actores individuales, actores comunitarios y actores de carácter neutral. Es hablar de interpretaciones personales de la realidad vivenciada y de nuestros sentimientos y emociones. Es hablar, en definitiva, de los significados que dan sentido a nuestro “ser en el mundo” y condicionan nuestra manera de actuar y relacionarnos. A lo largo de nuestra vida las personas vamos creando un universo narrativo que otorga “significado” a nuestras formas de analizar la realidad, posicionarnos y actuar en los diferentes contextos en los que nos movemos. Este universo narrativo se construye a partir de pequeñas historias, interpretaciones de vivencias, significados atribuidos a gestos, hechos y conflictos cotidianos. Se trata de una interpretación narrativa cargada de un contenido experiencial, emocional propio de la visión que cada persona elabora de su realidad vital. Como afirma White (2002:19): “Los relatos proporcionan el marco que nos hace posible interpretar nuestra experiencia y estos actos de interpretación constituyen logros en los que nosotros somos parte activa”
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Del mismo modo While nos explica como estos mismos relatos, a la vez que dan sentido y significación a nuestro ser y actuar, moldean nuestras vidas en función de variables vivenciales y socioculturales. Así, señala: “Por medio de estas operaciones, gobernamos nuestros pensamientos, nuestras relaciones
con los demás, nuestra relación con nosotros mismos, incluso la relación
con nuestros cuerpos” (2002:21) Del mismo modo toda comunidad va creando sus propias narrativas identitarias que, igualmente, le permiten justificar su existencia, diferenciarse del resto de colectivos y crear sus propias estrategias de organización social.
3. El Universo narrativo. De los grandes relatos a las narrativas individuales El ser humano se organiza a través de narrativas que surgen de la palabra como elemento de comunicación y como factor de interactividad humana. Narrativas a las que se une la música como lenguaje rítmico de expresión de las emociones y los sentimientos y al que, con el tiempo, se ha unido la imagen analógica y más tarde la imagen digital y el multimedia. Es la necesidad de construir narrativas lo que da sentido a la vida humana, a la vida de relación y a la convivencia comunitaria. Unas narrativas que no solo dan sentido al devenir humano sino que estructuran formas de pensar, actuar, relacionarse y posicionarse ante el mundo. Formas de codificar y decodificar el universo que nos ha tocado vivir, de interpretar la realidad y poder así convertirnos en actores protagonistas de nuestro proceso vital. Como plantea Paulo Freire: “pasar de ser objetos a ser sujetos de nuestra historia”. Es la creación de narrativas individuales y colectivas lo que nos permite decodificar el mundo que nos rodea y crear historias que nos permitan no solo vivir en él sinó transformarlo, adaptarlo, mejorarlo y crear fórmulas de bienestar en nuestra relación con el contexto y con las personas que nos rodean. Es por ello que la posibilidad de volver a narrar la vida, es decir, encontrar nuevos significados, generar nuevas expectativas, interpretar nuestra trayectoría vital, encontrarnos con nosostros mismos, reinterpretar acontecimientos y sentimientos, es lo que nos permite cambiar radicalmente de vida, generar nuevos itinerarios, 110
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encontrar nuevas motivaciones, liberarse de situaciones de dependencia y relaciones tóxicas, empoderarse como persona, tomar decisiones y comenzar a ser autor de nuestra propia existencia. White (2002:32) señala como en la vida de toda persona existen relatos y subrelatos que van condiconando y dando sentido a su ser el el mundo. Así nos apunta “Además de los relatos dominantes de nuestras vidas, siempre existen sub-relatos” Es la combinación de estos relatos dominantes con los subrelatos, pequeñas historias, contrarelatos o interpretaciones contradictorias y alternatias las que van dando sentido y coherencia a nuestro ser, pensar y actuar. Igualmente, este autor, señala como los relatos: “tienen paisajes duales: paisajes de la acción y paisajes de la conciencia” … “El paisaje de la acción está consituido por experiencias de acontecimientos que están reunidos en
secuencias” mientras que “...el paisaje de la conciencia tiene que ver con
las interpretaciones que se hacen por medio de la reflexión sobre los eventos que están desenvolviéndose en los paisajes de la acción” (2002:36) Son, en último caso, estos paisajes o relatos de la conciencia los que dan sentido a nuestro ser en el mundo en tanto que dan significado a nuestro modo de ser y actuar, nos autojustifican ante nosotros mismos y ante nuestro mundo de relación y orientan nuestra manera de interpretar nuestro contexto vital y de relacionarnos en él. De esta manera serán dinámicas de toma de conciencia de nuestros propios relatos, análisis de significados, contraste con otros relatos y experiencias las que nos van a permitir encontrarnos a nosotros mismos, comprender nuestras formas de ser y actuar y transformar los relatos radicales que nos van a permitir crecer y madurar como personas.
4. La transformación narrativa. El cambio es la finalidad de todo proceso de crecimiento madurativo y convivencial que se concreta en nuevas actitudes, nuevas narrativas de representación de la realidad y nuevas formas de organización colectiva.
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El cambio, como experiencia humana, supone un proceso de transformación madurativa que se materializa a través de: - Cambios en la representación de la realidad. La representación de la realidad es un constructo evolutivo que se genera a partir de sensaciones, vivencias y relaciones y que se fija y consolida a través de emociones, sentimientos, imágenes mentales y narrativas personales de interpretación del mundo y de nuestra existencia y que sirven para justificar y fundamentar nuestra manera de pensar, sentir y actuar. - Cambios en las actitudes individuales, formas de hacer, relacionarnos y participar de la vida comunitaria. Unas actitudes que se fundamentan, ante todo, en nuestras formas de representación de la realidad y en las narrativas que la sustentan. - Cambio en las formas de relación y participación que configuran procesos como la comunicación interactiva, la alteridad, la tolerancia, el respeto, la participación, la inclusión social, la justicia distributiva o la sostenibilidad convivencial. En consecuencia con estas variables analizadas, el cambio madurativo se fundamenta en la evolución de las represetaciones mentales de la realidad, se consolida a través de la transformación narrativa y se concreta en el cambio de actitudes, formas de organización y estilos de vida. Un cambio que, desde la perspectiva del bienestar subjetivo, se concreta en un equilibrio afectivo emocional, una autoestima positiva y unas relaciones de convivencialidad satisfactorias y sostenibles. La representación de la realidad es un constructo personal de carácter madurativo y colectivo, de índole dialógico, fruto de la percepción sensorial del contexto, las emociones y los sentimientos como constructo madurativo, el aprendizaje significativo que se produce a partir de la racionalización de nuestras experiencias, la decodificación dialógica e interactiva que nos ayuda a ver el mundo de una forma crítica y no estereotipada y, fruto de una dialéctica entre nuestro yo consciente y nuestro yo inconsciente, la estructuración de las narrativas que dan sentido a nuestra identidad y nuestra forma de actuar y relacionarnos.
5. La transformación narrativas metodología de la educación sociocultural 112
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La manera como se transforman las historias está relacionada con nuestras vivencias personales pero también con nuestras relaciones con las demás personas, con el entorno vital y con el mediático. Es la reflexión crítica que establecemos con nosotros mismos y con nuestro entorno lo que nos va a permitir la posibilidad de situarnos ante nuestras historias de vida, darles significado, contrastarlas y, tras una reflexión crítica, poder transformarlas. En este sentido White (2002:30) afirma: “Pienso que tener la oportunidad de identificar los efectos reales que determinadas maneras de ser y pensar tienen en las vidas y las relaciones de las personas es muy
importannte. Para hacerlo, necesitamos la reflexión crítica; y
para la reflexión crítica
necesitamos la historía”
White apunta, no solo la importacia de la transformación narrativa para el cambio y el crecimiento personal, sino también las bases metodológicas para un acompañamiento mediado en este proceso personal de transformación y cambio poniendo el acento en la relación interactiva, una comunicación refleja que nos situe ante nuestra propia historia de vida y el análisis crítico que nos permita encontrar nuevas interpretaciones y significados a las narrativas radicales que orientan nuestras vidas. De esta manera participando de nuevas vivencias personales y colectivas, compartiendo narrativas mediáticas y comunitarias y, ante todo, encontrándonos con nuestras propias narrativas y reflexionando dialogicámente sobre ellas es como, desde la práctica de la educación sociocultural, podemos colaborar en las dinámicas de transformación narrativa. A través de actividades colectivas convivenciales, a través del análisis crítico y la descodificacion de estereotipos mediáticos, mediante el debate dialógico y con la puesta en marcha de proyectos comunitarios de transformación y cambio es como animadores y educadores socioculturales contribuyen a incidir en las dinámicas de transformación tanto de las narrativas individuales como de las narrativas colectivas que condicionan la maduración personal y el cambio social. Transformaciones narrativas de carácter individual que se pueden obsrevar claramente en historias como las que nos aporta J.L.T.S: “El Consejo Tutelar me habló de la Casa de Acogida. Acababa de llegar a la casa y me
hablaron de que yo iria a un abrigo. Tenía 14 años. Aquí yo convivo bién con las 113
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personas.
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En mi casa, no. Yo converso más. Tengo más amigos. Aquí estoy bién
porque llevo mis estudios en serio. Quiero ser un buén trabajador. Preciso estudiar bastante”ii En el presente relato se observa la transformación narrativa que el jóven realiza a partir de la vivencia de nuevas experiencias, la conversación y el diálogo con sus compañeros y la autoreflexión sobre esas mismas mutaciones. Igualmente desde la perspectiva de la acción sociocultural vamos a prestar atención a las narrativas que se generan en la comunidad local y que acompañan cada una de las iniciativas. Cobb (2016: 52) explica como “una narrativa se refiere a la manera en que los eventos están contextualizados y presentados como un todo coherente...” Del mismo esta autora establece la diferencia entre narrativas conciliadoras que conllevan identidad y que establece puentes de conexión y comunicación y narrativas opuestas, fundamentadas en la exclusión, y que generan conflicto, oposición y desánimo. Desde una perspectiva del trabajo comunitario podemos observar igualmente como en cada colectivo humano se generan narrativas identitarias que proporcionan significado a los diferetes proyectos de la comunidad. En consecuencia con estas apreciaciones los educadores socioculturales van a encontrar en cada uno de los proyectos comuitarios en los que trabajen una serie de narrativas conciliadoras o de consenso que van a facilitar el desarrollo de los diferentes proyectos. Junto a estas narrativas van a encontrar también narartivas opuestas o disidentes que van a dificultar su acción. De esta manera la acción sociocultural tiene va a tener como objetivo el de trabajar por la transformación de las posibles narrativas opuestas haciéndolas evolucionar hacía narrativas de consenso que permitan una identificación y un trabajo colaborativo entre los diferentes miembros de la comunidad. Una transformación que se desarrolla a partir del contraste dialéctico entre los diversos tipos de narrativas, el análisis crítico de las diversas narrativas presentes y el acercamiento narrativo entre las diferentes representaciones de la realidad y su interpretación simbólica. ii En Meninos de 4 Pinheiros; Histórias de nossas vidas II; Curitiba 114
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Un trabajo de contraste entre narrativas divergentes, análissi de elementos comunes y convergentes, acercamiento entre historias y significados y búsqueda de desenlaces comunes, es la tarea metodológica que la educación sociocultural desarrolla, desde la perspectiva de la transformación narrativa, en los diferentes contextos comunitarios.
6. Procesos y dinámicas de la transformación narrativa La transformación narrativa es un proceso personal que se desarrolla de una manera progresiva a través de las vivencias colectivas y las experiencias personales. Es un proceso dinámico fruto de las relaciones dialógicas que las personas establecemos con el contexto y con aquellos con los que convivimos. En un proceso diacrónico que se va desarrollando a través de nuestra historia personal. Es fruto del contraste de experiencias y vivencias interpersonales, de la interpretación personal, de la búsqueda de significados y de la esructuración de historias de vida con las que cada uno de nosotros nos identificamos de una manera radical. Es por ello que la acción de animadores y educadores socioculturales pasa necesariamente por acompañar los procesos dialógicos de análisis y búsqueda de significados, procesos que son personales y que, aunque con el tiempo estructuran narrativas colectivas, dependen en último término de visiones, interpretaciones y constructos de carácter personal. En este acompañamiento la acción de los educadores socioculturales pasa por el establecimiento de relaciones de diálogo con las que poner a las personas y a los colectivos frente a sus propias vivencias, interpretaciones y narrativas. Una comunicación refleja en la que la actitud empática y la escucha activa tomen el protagonismo, abandonando así actitudes dirigistas, paternalistas, orientadoras, interpretativas o valorativas. Y esto es así porque la transformación narrativa solo es posible cuando, tras la experimentación de nuevas vivencias, el contraste entre las mismas, el análisis crítico, la autorreflexión y la creación de significados, las personas nos encontramos con nosotros mismos, somos capaces de poner en crisis nuestras narrativas y, en interacción con nosostros mismos, las personas que nos rodean y el entorno, somos 115
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capaces de transformar nuestra propia interpretación del sentido de nuestra vida y de nuestras formas de ver la realidad, interpretarla y actuar en consecuencia. En este sentido no solo actitudes tales como la escucha silenciosa, el parafraseo, la repetición de datos de la historía que nos están contando, la escucha activa o la comunicación refleja tienen una gran importancia metodológica, sino también las respuestas y las preguntas que seamos capaces de lanzar el grupo con el que trabajamos. Preguntas referidas a vivencias, sentimientos, sensaciones, interpretaciones personales o actitudes ante las diferentes narrativas individuales y grupales son de vital importancia en la acción de educadores y animadores socioculturales que trabajan por el cambio y la transformación de actitudes individuales y estructuras comunitarias. Preguntas tales como: ¿Cómo lo vivistéis? ¿Qua habéis sentido? Y eso, ¿cómo lo interpretais? Y, ¿Qué haríais en esa situación?, son preguntas que nos van a ser de gran utilidad en el trabajo interactivo de acompañamiento en las dinámicas de la transformación narrativa.
7. Conclusiones Desde la perspectiva de una educación sociocultural que tiene como finalidad la estructuración de comunidades convivenciales y sostenibles, el cambio y la transformación de representaciones, actitudes y formas de organización es un proceso dinámico directamente ligado al desarrollo de cualquier proyecto de acción sociocultural. En este sentido tanto la dialogicidad como fórmula colaborativa para la decodificación de la realidad, el análisis crítico, la deconstrucción de estereotipos y la toma de decisión, como la transformación narrativa como dinámica que acompaña los procesos de maduración, crecimiento y cambio individual, así como las dinámicas de construcción de las narrativas identitarias que configuran la historia y las expectativas de futuro de las comunidades sociales se convierten en herramientas metodológicas determinantes para la acción de animadores y educadores socioculturales en un trabajo colaborativo de acompañamiento a los procesos de desarrollo y consolidación de las comuniades en las que se insertan de una forma interactiva.
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Referencias Cobb, Sara; (2016); Hablando de violencia. La política y las poéticas narrativas en la resolución de conflictos; Gedisa; Barcelona. Ortín,
Bernardo
(2007);
Relatos sobre
el origen de
la humanidad;
En
quadernsaniacio.net, nº 5; Enero 20017; ISNN 1698-4404 (http://quadernsanimacio.net/ANTERIORES/quaderns5.pdf) Viché González, Mario (2007); La Educación Sociocultural, los grandes relatos y la educación de la sensibilidad; En Revista “Práticas de Animação” Ano 1 – Número 0, Outubro de 2007 Viché González, Mario ; (2014); La Dialogicidad. Metodología de una Animación sociocultural liberadora; en http://quadernsanimacio.net ; nº 20, julio de 2014; ISSN: 1698-4404
En:
http://quadernsanimacio.net/ANTERIORES/veinte/index_htm_files/dialogicidad.pdf White, Michael (2002) ; Reescribir la vida. Entrevistas y ensayos; Gedisa, Barcelona.
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