“Práticas de Animação”
ano 12 | número 13 | outubro 2020
Índice CONSELHO DE REDAÇÃO | 2
EDITORIAL | 4
ENTRE A PROXIMIDADE E O AFASTAMENTO: O PAPEL DA ANIMAÇÃO DE IDOSOS EM CONTEXTO PANDÉMICO | 5
A ANIMAÇÃO TURÍSTICA COMO FATOR DE DIVERSIFICAÇÃO DA OFERTA DE DESTINOS SAZONAIS – O CASO DE FÁTIMA, PORTUGAL | 23
NOTAS DA AGENDA DE UMA ANIMADORA | 41
A ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL EM CUIDADOS CONTINUADOS INTEGRADOS: UMA “FUGA” LÚDICA E TERAPÊUTICA AO INTERNAMENTO | 52
JOVENS E A CONSTRUÇÃO DE PROJETOS DE VIDA - O PAPEL EMANCIPADOR DA ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL | 72
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Ficha Técnica Diretor: Albino Luís Nunes Viveiros E-mail: albinoviveiros@netmadeira.com E-mail da revista: revistapraticasdeanimacao@gmail.com Design/Paginação: Elisa Franco Catanho Coordenação de conteúdos: Cláudia Paixão
Textos (os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos seus autores): Jenny Gil Sousa, Daniela Pereira Marques, António Sérgio Araújo de Almeida, Lina Cláudia de Oliveira Santos, Ana Cláudia da Conceição Severino, Carina Filipa Nogueira Clemente Homem e Pedro Martins.
Periodicidade: Anual Número atual: Ano 12 - N.º 13| outubro 2020 ISSN: 1646-8015 Revista com referee
Projeto de intercâmbio editorial «Animação Digital» (para aceder às revistas Quaderns d’ Animació i Educació Social e Animación, territórios y prácticas socioculturales clique no logo «AD»):
Apoio:
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Conselho de Redação Prof. Doutor Victor J. Ventosa Universidade Pontifícia de Salamanca | Rede Iberoamericana de Animação Sociocultural
Prof. Doutor Marcelino Sousa Lopes Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Prof. Doutor Victor Melo Universidade Federal do Rio de Janeiro | Grupo de Pesquisa "ANIMA"
Prof. Doutor Avelino Bento Instituto Politécnico de Portalegre/ Escola Superior de Educação
Prof. Doutor Mário Viché Universidad Nacional de Educación a Distancia | Revista Quaderns d' Animació i Educació Social
Prof. Doutor Jean Claude Gillet Universidade de Bordeaux
Prof. Doutor Xavier Úcar Martinez Universidade Autónoma de Barcelona
Prof. Doutora Ana Piedade Instituto Politécnico de Beja/ Escola Superior de Educação | Rede CRIA
Dr. Manuel Martins Revista Anim'Arte 2
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Dr. José Vieira Instituto Português de Juventude
Dr. Albino Viveiros AIASC – Associação Insular de Animação Sociocultural
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Editorial Albino Viveiros
O número atual da Revista Práticas de Animação é publicado num contexto social global diferente. Este novo contexto traz consigo um leque de desafios sociais, culturais, políticos e económicos, os quais, sem exceção, também deverão ser esmiuçados no sentido de uma leitura crítica da realidade comunitária, um cenário que convocará os diferentes atores sociais, entre eles, os animadores socioculturais para o desenvolvimento de uma ação coletiva transformadora e integradora das periferias. A
Práticas
de
Animação
tem-se
mantido
fiel
ao
princípio
da
interdisciplinaridade. Na nossa perspetiva é fundamental compreender a realidade social a partir de olhares e percursos diferentes, mas têm na animação sociocultural como pedagogia da participação e metodologia de intervenção social um alicerce comum. O número agora publicado tem a particularidade de reunir um conjunto de trabalhos de investigação e de reflexão de práticas profissionais desenvolvidas no território nacional. Os conteúdos do número 13 da Práticas de Animação é 100% português.
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Entre a proximidade e o afastamento: o papel da animação de idosos em contexto pandémico
Jenny Gil Sousa CICS.NOVA.IPLeiria-iACT, CI&DEI, Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, Politécnico de Leiria
Resumo Vivemos tempos de exceção. Nunca o mundo partilhou de igual forma, a mesma dor. O ano de 2020 trouxe consigo uma pandemia – COVID 19 – que colocou grandes desafios a todos: governantes, empresários, dirigentes, profissionais das mais variadas áreas e cidadãos no geral. É notícia a nível mundial. Pelas televisões, rádios e jornais percebe-se que o vírus pode infetar qualquer pessoa, mas que é mais impiedoso com os mais velhos. As pessoas idosas são, sem dúvida, as pessoas de maior risco. Este facto acaba por acrescentar pressão às instituições de apoio às pessoas idosas, designadamente, às estruturas residenciais, que não têm olhado a meios para combater a entrada do vírus. Contudo, neste processo, como é que fica a práxis quotidiana dos residentes e qual é o papel da animação de idosos neste âmbito específico? Para dar resposta a estas questões, foi realizado um estudo exploratório no âmbito dos Estudos Culturais que apresenta, num primeiro momento, um enquadramento teórico dos conceitos de envelhecimento, institucionalização e animação de idosos e, num segundo momento, os resultados obtidos a partir da análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas realizadas a 20 pessoas idosas institucionalizadas em estruturas residenciais, na zona centro de Portugal. Os resultados apurados permitem perceber que, segundo a perceção das pessoas idosas institucionalizadas, em contexto pandémico as atividades de animação se revelam ainda mais cruciais no processo de reorganização e ressignificação da sua vivência quotidiana.
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Palavras-Chave: Envelhecimento – Pessoa idosa institucionalizada – Animação de idosos - Contexto pandémico
1. Introdução Em poucas semanas mudou o mundo. De repente, encontrámo-nos perante um quadro (relacional, social, económico, cultural) completamente diferente do que nos era conhecido. As nações reorganizaram-se na tentativa de proteção dos seus cidadãos e, desde logo, emergiu a questão: “para quem é que este vírus representa maior risco?”. A resposta é clara: para os que estão em idade mais avançada; para aqueles que detêm uma saúde mais frágil e que, por vezes, se encontram em situação de vulnerabilidade social. Uns estão nas suas casas, outros (muitos) estão nas instituições de apoio à população idosa, designadamente, em Estruturas Residenciais. Por isso, não é de estranhar que estas instituições tenham um papel crucial neste contexto. Estas instituições sociais viram-se obrigadas a reorganizar o seu modo de funcionamento e as suas práticas quotidianas. O relacionamento entre as pessoas, e a forma como este se expressa, passou a ser condicionado e o dia-a-dia pensado e vivido em função da luta contra a COVID-19. Não obstante, neste quadro de alteração profunda, onde tudo se faz para que o inimigo não entre, como ficam as pessoas idosas? Qual é o lugar da animação de idosos num contexto de crise e de sobrevivência? Este trabalho situa-se no âmbito dos estudos culturais. Neste exercício de conhecimento do papel da animação de idosos num quadro tão específico como o que se vive hoje, será privilegiado o conceito de articulação, uma vez que os estudos culturais não se centram num único objeto de estudo, espartilhado em fronteiras rigorosamente definidas, mas antes assumem uma variedade de formas, com uma constituição diversa e heterogénea (Strattom e Ang, 1996). Todavia, a grande marca dos estudos culturais reside no comprometimento político, na opção por um envolvimento com a polis, em construir saber que é devolvido em forma de intervenção na esfera política e social, convertendo-se em instrumentos que auxiliam os grupos no conhecimento de si próprios, conhecimento que transcende o universo académico (Hall, 2003).
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Assim, e face ao exposto, propõe-se neste estudo conhecer a construção de sentidos que é feita pelas pessoas idosas institucionalizadas, no contexto específico das Estruturas Residenciais, designadamente no que se refere ao papel que a animação de idosos está a desempenhar no seu bem-estar, nesta situação de exceção e de luta quotidiana.
2. Velhice e mudanças adaptativas
Falar de velhice hoje implica situá-la à luz de um novo paradigma. Durante muito anos, a velhice foi vista “como uma etapa de decadência, penúria económica, frustração, etc.” (Osorio, 2007, p.14), uma vez que ser idoso aponta para uma etapa final da vida. Contudo, em pleno século XXI, para além dos desafios, também são tidas em conta as oportunidades e as potencialidades associadas ao envelhecimento demográfico. Mas, para que tal aconteça, é importante que a velhice seja vista sem estereótipos e sem posturas idadistas (Luísa, 2017). Nesta linha de argumentação, é importante esclarecer que as pessoas idosas não constituem uma categoria homogénea. Pelo contrário, à medida que se envelhece, maiores são as diferenças entre os indivíduos, uma vez que não existe um caminho único e universal de envelhecimento, podendo as pessoas viver diferentes percursos (Sousa, 2018). Estes percursos são marcados por diferentes fatores, tais como, as questões culturais, as condições económicas, a saúde física, as redes sociais de pertença e de apoio, a satisfação das necessidades psicológicas, entre outros. Assim, se por um lado é evidente que a velhice é uma etapa na vida do indivíduo em que existem perdas - perda de algumas capacidades físicas, eventualmente, declínio da memória e de outras atividades intelectuais como a concentração – também é verdade que estas perdas não são iguais em todos em indivíduos, nem ocorrem de igual forma, uma vez que o envelhecimento é um processo diferencial (Sequeira, 2018). Para além disso, os diversos tipos de limitações não devem ser impedimento do desenvolvimento de uma vida plena e, tal como alerta Juan Macias (2005, p. 204), um erro frequente “é identificar o envelhecimento com doença ou incapacidade. Nada 7
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mais errado, já que a pessoa idosa (não doente) é capaz de realizar as mesmas funções que os jovens embora de forma mais lenta”. Atualmente, já se verifica um aumento da informação sobre o papel da velhice e emergem preocupações em torno da qualidade de vida e de desenvolvimento da pessoa idosa (Capucha, 2014). As inúmeras dimensões que influenciam o bem-estar dos mais velhos (designadamente, os fatores ambientais, culturais e sociais) são cada vez mais valorizadas, demonstrando que existem diferentes formas de envelhecer e que a trajetória vital, o autoconceito, as experiências culturais e os apoios sociais são primordiais (Luísa, 2017).
Seguindo na mesma linha de argumentação, definir o ser humano idoso é muito mais complexo do que se pensou outrora. Cada pessoa idosa é um ser único pois “é o produto das suas disposições naturais e das circunstâncias de vida onde se manifestam a sua forma de ser e de agir” (Tamer e Petriz, 2007, p.198). A literatura científica (Afonso, 2012; Martins, 2013; Sequeira, 2018) alerta-nos para o facto da existência de uma adaptação individual ao processo de envelhecimento, sendo que a própria personalidade também se modifica na idade adulta tardia. Ao contrário do que durante muitos anos se acreditou, a personalidade não fica totalmente formalizada nas duas primeiras décadas de vida e durante a velhice existe adaptação e desenvolvimento da personalidade, que envolve “uma série de ajustamentos individuais face à ocorrência de mudanças no self, decorrentes de alterações corporais, cognitivas e emocionais, na rede de relações interpessoais, alterações familiares, profissionais, na rede de relações e no próprio contexto de residência (levando por vezes à institucionalização)” (Fonseca, 2012, p. 96). Assim, e face ao exposto, são inúmeros os fatores que influenciam a realização pessoal e social, articulando-se diretamente com a quantidade e a qualidade das atividades autónomas em que cada um possa estar envolvido.
Muito embora a institucionalização a título permanente seja um processo difícil e doloroso, que obriga a um profundo processo de adaptação (Sousa, 2018), a verdade é que as estruturas residenciais são procuradas por muitas pessoas idosas e suas famílias, sobretudo porque “constituem alternativas de cuidados para aquelas pessoas 8
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idosas mais frágeis e muito dependentes para executar suas tarefas básicas da vida diária e que, por várias razões médico-sociais, não podem ser mantidas nas suas residências” (Brito & Ramos, 2002, p. 397).
Em Portugal, as políticas sociais dirigidas à população idosa são tuteladas pelo Estado, centralizadas pela Segurança Social, que trabalha em parceria com Instituições Particulares de Solidariedade Social. Neste quadro, a Estrutura Residencial é a resposta social com uma representação mais significativa (Martín & Brandão, 2012), e que acaba por ser o último espaço residencial para um grande número de pessoas idosas.
2.1.
Viver institucionalizado - Novos desafios
As alterações no quadro da política social, bem como o aumento da procura, repercutiram-se no alargamento da rede de instituições de alojamento para pessoas idosas. Tal como se pode verificar na página web da Segurança Social, existem várias respostas em matéria de proteção de pessoas idosas. Existem as estruturas residenciais, o sistema de acolhimento familiar de idosos, o acolhimento temporário de emergência para idosos, os centros de noite, os serviços de apoio domiciliário e os centros de dia. De entre as apresentadas, as Estruturas Residenciais são a modalidade mais antiga de ajuda aos sujeitos idosos fora da família, designadamente para aqueles que se encontram em maior vulnerabilidade (social, económica, de saúde). Este facto decorre das mudanças no tecido e no contexto social atual, onde predominam modelos familiares que não estão organizados para ter um papel para os mais velhos, sendo a responsabilidade transferida para organismos e instituições que dispõem atualmente de muito mais especialistas, equipamentos e recursos (Galinha, 2009). Ainda que nuns casos mais do que noutros, a verdade é que estes espaços residenciais foram durante muitos anos simples albergues de pessoas idosas, onde era providenciado pouco mais que
a alimentação e a higiene. Havia uma
institucionalização da anomia, um silenciar da individualidade de cada sujeito, em prol do bem-estar do todo organizacional (Bourdieu, 1989). O poder institucional e os micropoderes que se legitimavam na lógica institucional, determinavam os 9
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comportamentos de uns em função daquilo que era esperado por outros (Bourdieu, 1989). No entanto, este quadro foi-se alterando. Isto não significa que não existam, hoje, instituições com más práticas; não obstante, e tal como já foi refletido no ponto anterior, existe na atualidade uma consciência social e política que preconiza novas formas de atuação (Espirito-Santo & Daniel, 2019; Luísa, 2017).
Com efeito, e tal como se explica ainda na página web da Segurança Social, as Estruturas Residenciais para pessoas idosas têm como principais objetivos: “proporcionar serviços permanentes e adequados à problemática biopsicossocial das pessoas idosas; contribuir para a estimulação de um processo de envelhecimento ativo; criar condições que permitam preservar e incentivar a relação intrafamiliar e potenciar a integração social”.
Não há dúvida que um aspeto muito importante nos estudos das condições sociais das pessoas idosas se prende com o espaço residencial. O processo de separação que se verifica quando a pessoa idosa é institucionalizada, bem como a adaptação a um novo ambiente, não é isento de sofrimento, por isso, cabe às instituições providenciar formas de preservação da identidade e do autoconceito dos indivíduos, assim como, a perceção de controlo acerca da sua própria vida e em relação ao meio institucional. Um outro aspeto importante prende-se com o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e de bem-estar, diretamente relacionado com o fomento de comportamentos de resiliência e com as trocas sociais – relações afetivas gratificantes e a criação de relacionamentos satisfatórios que conduzam ao aumento do bem-estar emocional (Afonso, 2012; Fonseca, 2012). Neste sentido, e segundo Martins (2013), as instituições residenciais de apoio às pessoas idosas devem trabalhar na diminuição do desajuste entre os objetivos institucionais e as necessidades da população residente, numa ótica de concertação de individualidade e coletividade.
Face ao exposto, verifica-se que a missão deste tipo de instituições é bastante ampla, indo para além da simples satisfação das necessidades básicas. Alinhado com aquilo que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde (World Heallth Organization, 10
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2015) e pela própria Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 20172025 (ENEAS, 2017), estas instituições têm hoje como pano de fundo para a sua ação o paradigma do envelhecimento ativo, numa ótica de proteção dos que são mais vulneráveis e de promoção da sua inclusão e contribuição em todos os aspetos da vida da comunidade (ENEAS, 2017). Estes são os desafios que norteiam as práticas da intervenção social desenvolvidas nas estruturas residenciais e estes desafios têm de ser acolhidos/abraçados por todos: dirigentes, técnicos, profissionais e idosos, mesmo num contexto tão específico como o que vivemos hoje. Com efeito, mesmo em contexto pandémico, para além da assistência e proteção, cabe a estas instituições fomentar o desenvolvimento das potencialidades e o bem-estar dos seus residentes. E nesta equação, a animação de idosos emerge como uma metodologia privilegiada de intervenção.
3. A Animação de Idosos nas estruturas residenciais Nas estruturas residenciais, a animação de idosos pode constituir-se enquanto metodologia de promoção de bem-estar e qualidade de vida (Sousa, 2018; Barros, 2020). E porque a animação de idosos se desenvolve no âmbito específico da animação sociocultural, far-se-á uma breve abordagem teórica ao conceito.
Ora, falar de animação sociocultural é, antes de mais, assumir a sua polissemia, que se consubstancia na dificuldade de definição, porque tem na sua base uma complexidade e multiplicidade de facetas (Barros, 2020; Ventosa, 2013).
Neste sentido, e na
impossibilidade de se apresentar uma definição clara e concisa, ancorada numa pesquisa exaustiva, apenas será realizado um mapeamento reflexivo acerca das definições coincidentes de animação sociocultural. Assim, e antes de mais, a animação sociocultural demarca-se enquanto processo dirigido à organização de pessoas para levar a cabo projetos e iniciativas, partindo da cultura e do desenvolvimento social dos indivíduos (Sousa, 2018; Barros, 2020). Desta forma, a animação sociocultural consubstancia-se num conjunto de ações que oferecem ao indivíduo a possibilidade de este se converter em agente do seu próprio desenvolvimento e de ter um papel ativo no desenvolvimento da sua comunidade. 11
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Este tipo de processo tem em conta as necessidades reais e os interesses das pessoas e apoia-se numa pedagogia ativa e dinamizadora (Caride, 2007). Nesta matéria, também Gloria Perez Serrano e Sarrat Capdevila (2012) defendem que a animação sociocultural é constituída por um conjunto de práticas sociais que, baseadas numa pedagogia participativa, têm como objetivo atuar em diferentes âmbitos da qualidade de vida, com o fim último de promover a participação dos indivíduos no seu próprio desenvolvimento sociocultural, criando espaços para a comunicação interpessoal (Serrano & Capdevila, 2012). Os projetos que se fundem na metodologia da animação sociocultural estão orientados para a promoção da colaboração enquanto forma privilegiada de dar resposta às necessidades contextualizadas, na transformação de situações problemáticas através dos diferentes agentes institucionais (Barros, 2020). Neste quadro, salienta-se a animação de idosos. A animação de idosos é uma metodologia que trabalha com a intenção de manter os idosos inseridos na sociedade e de nesta participarem ativamente. Serve para manter as suas capacidades, fazendo renascer os seus gostos e desejos (Jacob, 2013; Sousa, 2018). No cruzamento dos pressupostos anteriores, emerge a caraterística norteadora de todas as ações da animação de idosos: aumentar a qualidade de vida das pessoas, independentemente da idade, que se expressa num projeto de vida (Ander-Egg, 2009, p. 248). E é neste campo que a animação de idosos revela a sua importância, ao ajudar a criar e desenvolver objetivos de vida, ao ser uma intervenção ativa, participativa e vitalista, assente no usufruto e aproveitamento criativo da vida pessoal através do grupo, onde a pessoa idosa é percecionada como agente e protagonista do seu próprio projeto vital (Barros, 2020; Sousa, 2018, Ventosa, 2013). A animação de idosos, mais ainda em contexto institucional, é uma maneira de atuar em todos os campos do desenvolvimento da qualidade de vida dos mais velhos, funcionando como um estímulo permanente da vida mental, física e afetiva (Jacob, 2013; Luísa, 2017). Ora, tratando-se de pessoas idosas institucionalizadas, a animação emerge enquanto metodologia privilegiada de desenvolvimento de competências pessoais e sociais do indivíduo e, principalmente, do indivíduo como elemento de um 12
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grupo. A animação passa, pois, a ser um suporte de comunicação dentro do qual o aspeto relacional é privilegiado enquanto elemento determinante da qualidade de vida da instituição. Em linha com o exposto, a animação de idosos atua como facilitadora do acesso a uma vida mais ativa e criativa, melhora as relações de comunicação com os outros, atuando em todos os campos do desenvolvimento da qualidade de vida dos mais velhos, apresentando-se como um estímulo permanente da vida mental, física e afetiva da pessoa idosa. Neste desiderato, solicita a intervenção ativa dos residentes, tornandoos mais ativos, interventivos, criando um sentimento de utilidade ao mesmo tempo que fomenta a socialização (Jacob, 2013).
4. Contexto de investigação e participantes O estudo que aqui se apresenta é de natureza qualitativa, de carácter exploratório (Fortin, 1999) e tem como principal objetivo compreender como é que, em contexto pandémico, as pessoas idosas institucionalizadas em estruturas residenciais percecionam as atividades de animação sociocultural. No que se refere aos instrumentos de recolha de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada às pessoas idosas institucionalizadas, sustentada por um guião com questões abertas (Fortin, 1999). Cumprindo todas as medidas de prevenção da infeção por COVID-19, as entrevistas foram realizadas, individualmente, nas estruturas residenciais e tiveram uma duração média de 30 minutos. Todas as entrevistas foram gravadas, sendo, posteriormente, tratadas através da técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2004). No que se refere aos procedimentos éticos, todos os participantes deram autorização para proceder à pesquisa, antes da realização da entrevista, através do Consentimento Informado, Esclarecido e Livre. Participaram deste estudo 20 pessoas idosas institucionalizadas a título definitivo em cinco estruturas residenciais do distrito de Leiria. Como critérios de seleção dos sujeitos elegeram-se a capacidade de entendimento e comunicação verbal e estar a
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residir na instituição antes da chegada da COVID-19. Na Tabela 1, apresentada abaixo, é feita a caraterização dos participantes.
Tabela 1 – Caracterização dos participantes Participantes
Sexo
Idade
Nível de escolaridade
Anos
de
institucionalização
antes da pandemia
N=20
N=100%
Feminino
15
75
Masculino
5
25
75-79
5
25
80-84
10
50
85-90
5
25
Sem escolaridade
8
40
4ª classe
9
45
Secundário
3
15
3-5
5
25
6-8
11
55
9-11
4
20
Fonte: Elaborada pela autora
Conforme se pode verificar na tabela acima, 15 dos participantes são do sexo feminino e cinco do sexo masculino. Relativamente às idades, cinco têm entre 75 e 79 anos, 10 apresentam entre 80 e 84 anos e cinco detêm entre 85 e 90 anos. No que se refere ao nível de escolaridade, oito sujeitos nunca frequentaram a escola, nove detêm a quarta classe e três possuem o nível secundário. Quanto ao número de anos de institucionalização antes da pandemia, cinco participantes estavam a residir na instituição entre três e cinco anos, 11 sujeitos vivem na estrutura há entre seis e oito anos e quatro participantes há entre nove e onze anos.
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5. A animação de idosos em contexto pandémico: apresentação de dados e resultados Partindo do cruzamento da literatura científica, apresentada nos primeiros pontos deste trabalho, com os dados advindos da análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas, apresentar-se-ão os resultados que terão por base as temáticas que emergiram, transversalmente, nos discursos dos participantes do estudo. A tabela 2 exibe a grelha de análise temática.
Tabela 2 – Grelha de análise temática
Tema
Categoria
Subcategoria
Com a família Relação
Com o Outro na instituição
Reorganização e Consigo próprio
ressignificação do quotidiano
Prevenção do vírus Aprendizagens
Utilização das tecnologias
Aquisição de conhecimentos a variados níveis
Fonte: Elaborada pela autora
Conforme se pode verificar na tabela acima, nos discursos dos entrevistados salientouse a temática Reorganização e ressignificação do quotidiano. Com efeito, os sujeitos admitiram que a pandemia trouxe consigo uma mudança bastante significativa na práxis quotidiana da instituição e que as atividades desenvolvidas no âmbito da animação sociocultural facilitaram no seu reposicionamento perante esse novo contexto, permitindo reorganizar-se e ajudando na ressignificação da nova realidade envolvente. De uma forma transversal, os participantes admitiram que o trabalho 15
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realizado pelo técnico de animação teve um papel preponderante em duas grandes áreas: no fomento da relação e na aquisição e desenvolvimento de aprendizagens. No que se refere à Relação, primeira categoria identificada por ordem de frequência, os entrevistados referiram que as atividades desenvolvidas pelos animadores foram cruciais enquanto suporte de comunicação e de aproximação afetiva, nomeadamente com os seus familiares. Segundo os sujeitos, este contacto foi primordial para o seu bem-estar e para a manutenção de relações significativas gratificantes durante um período em que se privilegiava o isolamento social: “foi muito duro! E continua a ser! Parece que estou presa sem ter feito mal a ninguém! Se não fosse a animadora… ela é que nos permite estar em contacto com a nossa família! Ela inventa cada coisa! [risos]” (Entrevistado 10). Nesta relação com a família, os entrevistados acabaram por abordar também a importância que teve, e que continua a ter, o trabalho de animação na manutenção da ligação ao exterior da instituição, criando espaços para a comunicação interpessoal (Serrano & Capdevila, 2012), num momento tão difícil como foi o de não poderem estar com os seus entes queridos. Ainda dentro da categoria Relação, os participantes admitiram que as atividades de animação foram fundamentais na (re)construção das relações com as outras pessoas da instituição: residentes e profissionais. Numa altura em que se preconizava o afastamento e o isolamento social, as atividades de animação foram muito importantes para, nalguns casos evitar e noutros romper, com o sentimento de solidão: “logo no início, notei que as pessoas pareciam ter medo de estar ao pé umas das outras, de falar umas para as outras... não só com outros idosos, mas também com as funcionárias. E vi que as pessoas estavam mais sozinhas, tristes… e com muito medo. Nisso, as atividades de animação foram muito importantes porque fizeram com que não nos isolássemos, mantivéssemos o contacto e com a sensação de segurança” (Ent. 2). Com efeito, e segundo os dados analisados, a promoção das atividades de animação, nomeadamente as de caráter lúdico, expressivo e interativo, foi fundamental para que a comunicação se continuasse a realizar e a ligação aos outros não desvanecesse. A animação emergiu, assim, enquanto metodologia essencial na criação de relacionamentos satisfatórios que possibilitou ao aumento do bem-estar emocional (Afonso, 2012; Fonseca, 2012).
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Para além do relacionamento com os outros, de uma forma transversal todos os sujeitos reconheceram que neste contexto tão exigente a nível emocional, as atividades de animação também lhes permitiram ter outra relação consigo próprios, principalmente no que se refere a conhecerem melhor as suas capacidades de resiliência e autocontrolo: “olhe, as atividades também me ajudaram a mim, na maneira como eu estava a ver esta situação toda e estava a lidar com ela, sabe?” (Ent. 16). A animação sociocultural foi assim identificada enquanto espaço privilegiado de desenvolvimento de estratégias de resiliência e bem-estar (Jacob, 2013; Sousa, 2018). A segunda categoria a emergir dos dados diz respeito às Aprendizagens. Nesta matéria, os entrevistados admitiram que as atividades desenvolvidas no âmbito da animação sociocultural permitam adquirir muitos conhecimentos no que se refere ao controle e prevenção do vírus. As atividades realizadas pelos animadores permitiram conhecer e compreender as medidas de prevenção incorporadas nas rotinas das estruturas residenciais: “as atividades que a animadora fez foram muito importantes porque estávamos muito baralhados e com medo… eu já não sabia no que podia mexer, como é que podia mexer, se podia estar ao pé de alguém. Depois também já não percebia se eram elas [as funcionárias] que me podiam pegar a mim ou eu a elas…” (Ent. 9). Segundo os entrevistados, com a realização deste tipo de atividades adquiriram conhecimentos que tiveram como consequência um sentimento de maior serenidade e de compreensão do ajuste necessário, numa ótica de concertação de individualidade e coletividade (Martins, 2013). Ainda dentro da categoria Aprendizagens, os sujeitos referiram a Utilização das tecnologias como tendo sido uma das aprendizagens com maior impacto nas suas vidas. Este impacto é percebido de forma direta, quando reconhecem que a aquisição destas competências digitais permitiram a manutenção das relações com quem estava no exterior da instituição: “passei a fazer telefonemas onde conseguia ver a minha família! E isso sossegava-me mais… não era a mesma coisa, mas ajudava muito. Por isso, passado uns tempos eu já conseguia sozinha mexer no telefone e fazer as chamadas!![risos]” (Ent. 11). Para além desta mais-valia imediata, os entrevistados também reconheceram que estas aprendizagens lhes elevaram a autoestima e o nível de autonomia, com repercussões em diferentes âmbitos do seu bem-estar diário (Barros, 2020; Sousa, 2018; Ventosa, 2013). 17
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No que se refere à subcategoria Aquisição de outros conhecimentos, os dados revelam que os programas de animação sociocultural mantiveram a realização de atividades de animação com o objetivo de se trabalharem outras competências e capacidades. Este aspeto também foi valorizado pelos entrevistados: “continuámos a fazer os nossos projetos e a participar em outros novos, sim. E ainda bem! Senão, ficávamos doidinhos!” (Ent. 8), que reconheceram a importância de se manterem as atividades que, baseadas numa pedagogia participativa (Caride, 2012), favoreceram o estímulo da vida mental, física e afetiva (Jacob, 2013; Luísa, 2017), enquanto metodologia privilegiada de combate à descontinuidade das experiências (Sousa, 2018).
Conclusões Com o trabalho que aqui se apresenta, tentou-se perceber, tendo por base as perceções dos residentes nas instituições, qual a importância da animação de idosos em contexto pandémico. Neste sentido, os resultados permitiram entender que os programas e atividades de animação sociocultural são fundamentais como suporte para a manutenção das relações afetivas (nomeadamente, com quem está fora da instituição), mas também para o fortalecimento das relações sociais e interpessoais com quem está dentro da estrutura residencial, fortalecendo as redes sociais de apoio. Para além disso, a animação sociocultural foi percecionada como sendo muito importante no exercício de reorganização emocional e na produção de respostas mais criativas na ressignificação do novo quotidiano. Com efeito, a animação sociocultural em instituições desta natureza possibilita o uso de um conjunto mais diversificado de atividades, utilizando-as para a criação de estratégias positivas e de potencialização da resiliência dos sujeitos residentes que, num contexto de exceção como o que vivemos hoje, são fundamentais para o seu bem-estar e qualidade de vida.
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A Animação Turística como fator de diversificação da oferta de Destinos Sazonais – o caso de Fátima, Portugal
Daniela Pereira Marques Licenciada em Turismo - ESTM- Politécnico de Leiria António Sérgio Araújo de Almeida Doutor em Ciências do Turismo – CiTUR – ESTM – Politécnico de Leiria
RESUMO O presente trabalho pretende equacionar contributos que a Animação Turística pode assumir na diminuição da sazonalidade dos setores turístico e hoteleiro na região da Fátima, Portugal. Recorrendo à implementação de questionários presenciais e on-line, concluiu-se que há recetividade de turistas e visitantes perante atividades de animação turística, equacionando-se a criação de novas empresas e oportunidades de negócio, no âmbito do património cultural, histórico e religioso.
Palavras-chave: Fátima, Sazonalidade, Animação Turística, Diversificação da Oferta Turística.
Tourism Recreation as a factor of diversification of Seasonal Destinations - the case of Fatima, Portugal
ABSTRACT This paper intends to consider contributions that the Tourist Recreation can assume in reducing the seasonality of the tourism and hotel sector in the region of Fatima, Portugal. Using the implementation of face-to-face and online questionnaires, it was concluded that tourists and visitors want these activities, equating the creation of new companies and business opportunities, within the scope of cultural, historical and religious heritage .
Keywords: Fátima, Seasonality, Tourism Recreation, seasonality, Diversification of the Tourism Offer.
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Introdução A animação turística é encarada perante um “(…) conjunto de atividades lúdicorecreativas,
pagas
ou
gratuitas,
devidamente
planeadas,
comunicadas
e
implementadas junto dos turistas, por um lado, e o desenvolvimento económico-social das entidades, comunidades locais ou destinos promotores, por outro.” (Almeida & Araújo, 2017) A Animação Turística possui diversas vantagens para um destino turístico como a criação de emprego, a diferenciação do destino e a atração de novos clientes, atenuando a sazonalidade. A sazonalidade afeta, de uma maneira algo previsível, o setor da hotelaria, previsibilidade essa que permite a antecipação de estratégias para tentar contrariar este fenómeno e estimular a estabilização da procura ao longo do ano. Fátima, mercê das suas especificidades assume interesses particulares de investigação, sendo convicção dos investigadores que a animação pode contribuir para criar emprego e proporcionar uma dinâmica local própria ao longo do ano. Na área do turismo as tendências vão-se alterando com o tempo e cabe aos destinos turísticos seguirem essas tendências e aproveitarem as “modas” para proveito próprio. Saber se a animação contribui de uma forma positiva para a diminuição da sazonalidade do setor hoteleiro na região de Fátima, foi a questão de partida do presente trabalho. Na primeira parte do artigo irá ser apresentada a revisão de literatura e seguidamente serão explorados os materiais utilizados para a elaboração do presente trabalho, sendo feita uma descrição metodológica para a realização do mesmo. Após essa abordagem serão discutidos os resultados e apresentadas as conclusões.
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Revisão da Literatura
Segundo Simpson (cit. In Almeida & Araújo, 2017) a animação pode ser definida como um “(…) sentido a uma vida cheia de compromissos sociais e profissionais, para um maior conhecimento das culturas locais, fugindo à rotina das obrigações”. A animação turística implica três processos conjuntos tais como “um processo de revelação (ao criar condições para que todo o grupo e todo o indivíduo se revele a si mesmo); Um processo de relacionamento (de grupos entre si ou destes com determinadas obras, criadores ou centros de decisão, seja através do diálogo e da concertação, seja através do conflito) e um processo de criatividade (pelo questionamento dos indivíduos e dos grupos relativamente ao seu envolvimento, à sua capacidade de expressão, de iniciativa e de responsabilidade) (Therry, 1970). A animação é encarada como um complemento do produto turístico, em que pretende a projeção efetiva de uma oferta competitiva, diferenciadora e de afirmação de um destino turístico. Apresenta quatro finalidades: a finalidade educativa - as atividades de animação devem ter um carácter educativo e, de acordo com o autor Krippendorf (cit. In Almeida & Araújo, 2017) “(…) devem contribuir para suprimir barreiras e desenvolver o prazer da descoberta e o desejo de contactos, permitindo assim, que o individuo saia do seu isolamento (…) devem portanto, encorajar o esforço pessoal, a criatividade individual e o espirito de iniciativa; Uma finalidade cultural - a atividade de animação deve despertar interesse para factos desconhecidos e factos históricos, consoante o público-alvo; Uma finalidade social - a animação turística é vista como uma ligação entre a população e o turista, ajudando a interação entre ambos e proporcionando receitas; e a finalidade económica - as atividades de animação geram receitas sem grandes investimentos. No entanto, com a promoção adequada estas atividades dinamizam o destino e por sua vez aumentam as receitas do mercado local. Um estudo realizado pelo ICEP- Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal (1997) e citado por Moutinho (2008) considera como principais componentes da animação turística em Portugal, as visitor attractions (culturais, naturais e de lazer), os eventos (festas, feiras e romarias), a animação em alojamento turístico (jantares
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temáticos, atividades desportivas e culturais, atividades para crianças) e outras formas complementares (casino, eventos desportivos, fado, festivais e touradas). A animação pode ser utilizada como um meio para o combate à sazonalidade turística que é definida como um fenómeno que faz variar o número de turistas numa região, ameaçando consequentemente o desenvolvimento regional de uma região. A sazonalidade turística é uma das mais significativas condicionantes da atividade turística, representando uma das maiores ameaças à sustentabilidade do sector. Esta temática tem sido discutida ao longo do tempo e na BTL – Feira Internacional de Turismo, sendo que a então Secretária de Estado Ana Mendes Godinho afirmou que “(…) Só com mais turismo ao longo do ano, é possível haver empregos qualificados e sustentados, e evitar, por exemplo que haja despedimentos em massa em Outubro, após a época balnear. “O assunto da sazonalidade foi também, no mesmo evento, abordado pelo presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo, ao falar da sazonalidade como um adversário da empregabilidade de um destino turístico. Um destino turístico pode ser considerado como “um conjunto de produtos e serviços disponíveis num local e que se combinam por forma a proporcionar uma experiência ao visitante”. (Murphy, Pritchard & Smith; 2000) Para uma plena compreensão da problemática da sazonalidade, é necessário analisar as características e causas da sazonalidade no destino (oferta turística), mas também na origem do visitante (procura turística). A maioria dos autores especializados na área distingue duas fontes de sazonalidade: a fonte natural e a fonte institucional, relacionadas com a origem e destino turístico. A primeira fonte é composta por aspetos físicos tais como o clima, as variações de temperatura, as horas de sol ou a chuva e neve, enquanto que a fonte institucional está mais relacionada com comportamentos de origem cultural ou social do destino, motivados por preferências individuais, normas sociais e religião, tais como eventos, épocas especiais, feriados entre outros. (Jang, 2004; Lee et al., 2008; Marcussen, 2011). A sazonalidade natural deriva essencialmente da localização geográfica do destino e da sua distância ao Equador. Normalmente quanto maior for a latitude de um destino, mais acentuados são os impactos da sazonalidade natural, especialmente no hemisfério Norte, como é o caso de Portugal. Nos dias de hoje, a temática das alterações climáticas são uma realidade e alguns estudos sobre o aquecimento global em certos destinos turísticos, 26
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prevêm grandes modificações e consequências para a indústria do turismo – Cannas (2012). Ao nível da sazonalidade institucional, distinguem-se a importância dos feriados locais e dos períodos de férias dos habitantes locais. Os feriados próximos de fins-de-semana incentivam muitas pessoas a viajar e isso tem impactos diretos para o turismo de um destino. Além disso, as férias escolares das crianças e o encerramento de alguns setores de atividade ou a sua paragem temporária, impõem os picos sazonais do turismo. (Idem, ibidem). Com base nesses fatores de sazonalidade, os destinos turísticos desenvolvem diferentes potenciais de atração de turistas em determinadas alturas do ano, para diferentes e determinados públicos. Não obstante, os processos de decisões dos turistas são muito mais complexos e existem outros fatores decisivos tais como a pressão social (modas e tendências), épocas específicas para determinadas atividades (ex: surf ou ski) e ainda a inércia, a indecisão ou mesmo a falta de vontade de procurar alternativas, conduzida pela força do hábito e da tradição. (Jang, 2004) No setor hoteleiro a sazonalidade faz-se sentir com bastante intensidade, principalmente na região de Fátima, com o encerramento de diversas unidades hoteleiras
e
consequentemente
a
diminuição
drástica
e
desmedida
da
empregabilidade no setor hoteleiro, mas com repercussões em todo o setor turístico. A sua época alta situa-se entre Maio e Outubro, uma vez que as oito aparições de Nossa Senhora de Fátima aos três pastorinhos estão associadas a uma vez por mês do dia 13 de Maio até ao dia 13 de Outubro.
Métodos e materiais 1.1 Cidade de Fátima Fátima é uma cidade portuguesa pertencente ao concelho de Ourém e ao distrito de Santarém, localizada na sub-região do Médio Tejo. Possui cerca de 11 596 habitantes e conta com cerca de 71,29 km de área total do seu território. A cidade de Fátima é mundialmente conhecida pela aparição de Nossa Senhora de Fátima a 3 crianças (3 pastorinhos de Fátima: Jacinta, Lúcia e Francisco) a 13 de Maio
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de 1917. Nos dias de hoje é um dos destinos religiosos mais procurados em todo o mundo, recebendo em média cerca de 6 milhões de visitantes por ano. A atração turística mais importante de Fátima é o santuário, composto pela Capelinha das Aparições, a Basílica da Nossa Senhora do Rosário e a Basílica da Santíssima Trindade. Possui ainda outras atrações turísticas, a maioria de cariz religioso, tais como a Via Sacra, as Grutas da Moeda, o museu interativo, o museu de cêra, as pegadas dos dinossauros, as casas dos pastorinhos, o Mosteiro de Pio XII, a casa museu de Aljustrel entre outros. Ao nível dos acessos, a cidade possui uma estação rodoviária (centro), uma praça de táxis, é atravessada pela autoestrada A1 e é igualmente servida pela via rápida IC9. Não possui uma estação ferroviária, sendo que a mais próxima se encontra a cerca de 18 km, na freguesia de Caxarias (concelho de Ourém). É servida ainda por um aeródromo com heliporto localizado a cerca de 10 km do santuário.
1.2 Setor hoteleiro de Fátima O setor hoteleiro em Fátima é vasto e é constituído por diversos tipos de alojamento, como os típicos hotéis (hotéis de uma, duas, três e quatro estrelas, sendo que não existe nenhum com a classificação de cinco estrelas atualmente), alojamento local (alojamento que tem vindo a aumentar exponencialmente), alojamento rural (arredores de Fátima), hotéis de charme (tendência atual no mercado turístico), hotelapartamento,
“hosteis”
(grande
procura
pelo
alojamento
a
baixo
preço,
principalmente pelas gerações mais novas) e B&B. Atualmente a região não possui nenhum parque de campismo, o que é um desafio há anos, uma vez que o setor hoteleiro tem-se oposto à sua criação. A maioria dos gestores dos hotéis em Fátima possuem ligações familiares uns com os outros, sendo que, por exemplo, na Fátima Hotels Group (maior grupo hoteleiro de Fátima com cerca de 14 hotéis que funcionam em rede) todos os donos dos hotéis são da mesma família. Os grandes hotéis na época baixa ainda conseguem subsistir, mas as unidades mais pequenas são obrigadas a encerrar nos finais de Outubro/Novembro devido à falta de turistas e à grande sazonalidade do setor. Esta realidade leva a que, todos os anos, centenas de pessoas fiquem sem emprego e tenham de subsistir de subsídios de
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desemprego até à época alta, altura em que são de novo recontratados pelas empresas. Os preços do alojamento variam muito da época alta para a baixa, sendo que os preços mais elevados são sempre praticados nas datas das aparições, em que a maioria do alojamento em Fátima esgota com 1 ou até 2 anos de antecedência.
1.3 Animação Turística em Fátima A animação turística da região de Fátima incide, maioritariamente, em temáticas religiosas e a oferta é muito pouco variada. Existem algumas empresas de animação turística, mas a grande maioria, são especializadas em nichos de mercados religiosos. A oferta existente na época alta é deveras contrastante com a oferta turística na época baixa, que é praticamente inexistente. A animação turística no setor hoteleiro é também praticamente inexistente, sendo que a grande aposta, nos últimos tempos, tem sido a exploração dos eventos para grupos turísticos e empresariais e alguma animação turística relacionada com os mesmos. Algumas empresas de animação têm feito um esforço gradual para se imporem no mercado e têm tentado combater e contrariar a tendência da sazonalidade, apostando em eventos de cariz cultural (romarias, procissões ou feiras locais de gastronomia), temático e na animação sociocultural (aposta do concelho em exposições de artistas, colóquios, representações teatrais, concertos musicais entre outros). A exploração de mais atividades de animação em épocas de pouca procura, por parte do município, tem proporcionado um aumento gradual de turistas na região, mas com pouca dimensão, tratando de aumentos pouco significativos.
1.4 Metodologia O método escolhido para o desenvolvimento deste trabalho foi a realização de questionários. Os questionários permitem atingir, de uma forma facilitada, uma amostra significativa de inquiridos, uma resposta rápida e visam compreender a opinião da população e de alguns dos seus visitantes, no sentido de conseguir responder à questão de partida. Foram criados dois questionários iguais, um em português e outro em inglês, e foram distribuídos de duas maneiras diferentes. Alguns questionários foram 29
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respondidos online (42 inquiridos) através de um website próprio e partilhado por amigos e conhecidos nas redes sociais. O resto dos questionários foi distribuído numa rua paralela ao Santuário de Fátima a turistas estrangeiros no dia 25 de Janeiro (30 inquiridos) e portanto fora do período de grande afluência de turistas/visitantes. Atingiu-se uma amostra de 72 inquiridos (válidos) e ficamos a conhecer a opinião de quem conhece e de quem não conhece Fátima. As diferenças observadas entre os turistas inquiridos na rua e os turistas inquiridos online são consideráveis e foram alvo de uma análise prudente e detalhada. Cada questionário possuía 11 perguntas. Nesta vertente ocorreram algumas dificuldades, nomeadamente alguns turistas inquiridos não quiseram responder ao questionário, outros não foram considerados válidos (2 questionários) e alguns dos turistas inquiridos não percebiam ou falavam português/inglês, sendo que cerca de 7 questionários tiveram de ser traduzidos no local aos inquiridos na língua francesa e espanhola.
2. Resultados Relativamente à primeira pergunta do questionário, “Nacionalidade”, pode afirmar-se que aproximadamente 58% - 42 indivíduos – dos inquiridos residem em Portugal e aproximadamente 42 % - 30 indivíduos – dos inquiridos residem no estrangeiro. Dos 42% dos inquiridos, aproximadamente 3% são de nacionalidade brasileira, 1% são de nacionalidade chinesa, 3% são de nacionalidade polaca, 4% são de nacionalidade francesa, 11% são de nacionalidade americana, 3% são de nacionalidade australiana, 7% são de nacionalidade coreana (sul), 4% são de nacionalidade holandesa e 6% são de nacionalidade espanhola. Assim é possível observar que a maior parte dos inquiridos são de nacionalidade portuguesa.
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Nacionalidade 4%
6%
7%
3%
11% 58% 4% 3% 1%
3%
Portuguesa
Brasileira
Chinesa
Polaca
Francesa
Americana
Australiana
Coreana
Holandesa
Espanhola
A segunda questão incidia sobre o sexo do inquirido sendo que aproximadamente 61% - 44 indivíduos - dos inquiridos pertencem ao sexo feminino e aproximadamente 39% 28 indivíduos – pertencem ao sexo masculino. Observa-se assim que a grande maioria dos inquiridos eram mulheres.
Sexo
39%
61%
Feminino
Masculino
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A terceira pergunta incidia sobre a idade do inquirido sendo que este tinha 5 opções de escolha: Menos de 18 anos, entre 18 e 25 anos, entre 26 e 45 anos, entre 46 e 60 anos e mais de 61 anos. Observou-se que cerca de 7% têm idade inferior a 18 anos, 25% têm idades entre os 18 e os 25 anos, de 43% têm idades entre os 26 e os 45 anos, 14% têm idades entre os 46 e os 60 anos, que 11% têm mais de 61 anos. Pode verificar-se que a geração entre os 26 anos e a dos 45 anos destacou-se.
Idade 11%
7%
14%
25%
43%
Menos de 18 anos
Entre 18 a 25 anos
Entre 46 a 60 anos
Mais de 61 anos
Entre 26 a 45 anos
A quarta pergunta incidia nas habilitações literárias dos inquiridos sendo que poderiam escolher entre as 6 respostas: Ensino básico, Ensino Secundário, Licenciatura, Mestrado, Doutoramento e tinham ainda uma opção, para caso não tivesse a opção correta. De toda a amostra 30 pessoas escolherem a última opção e escreveram mais 3 opções: CET, PhD with MBA e Without School (sem escolaridade). Podemos assim verificar que praticamente metade dos inquiridos possui o ensino secundário como habilitação literária com aproximadamente 47%, seguida pelo grau de licenciatura (29%), o grau de mestrado (14%), o grau de doutoramento e o grau de ensino básico empataram com cerca de 3%, seguidos pelas três opções sugeridas pelos inquiridos: TESP (1%), PhD with MBA (1%) e Sem escolaridade (1%). Esta questão foi ainda analisada segundo as habilitações dos turistas nacionais e as habilitações dos turistas
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estrangeiros. Nos turistas portugueses (42) 33não existe nenhum com doutoramento, existem 2 inquiridos com o ensino básico e ainda uma pessoa sem escolaridade. Ao nível dos estrangeiros, o mínimo de habilitações é o ensino secundário (com apenas 5 inquiridos) e os restantes possuem quase todos a licenciatura, o mestrado e doutoramento (com 2 inquiridos. Se compararmos os dois públicos conseguimos observar que o público estrangeiro, apesar de ter uma amostra menor, possui melhores habilitações que os inquiridos portugueses.
Habilitações Literárias
Ensino Básico
Ensino Secundário
Licenciatura
Mestrado
Doutoramento
Sem escolaridade
PHD with MBA
TESP
A quinta pergunta colocada foi “É residente em Fátima” sendo que cerca de 74% (53 indivíduos) dos inquiridos responderam que Não e cerca de 26% (19 indivíduos) responderam que Sim. O resultado é esperado e não surpreende, uma vez que 30 indivíduos são estrangeiros, logo o máximo de percentagem que o Sim poderia atingir seria 58%.
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É residente na região de Fátima?
26%
74%
Sim
Não
A sexta pergunta foi “Considera que o setor hoteleiro de Fátima é condicionado pela sazonalidade?”. Esta pergunta foi bastante divergente entre os inquiridos nacionais e os inquiridos estrangeiros. No geral cerca de metade respondeu que Sim, e a resposta do Não (29%) e a do Talvez (21%) ficaram equilibradas. No público nacional (42 inquiridos, em que 19 são da região de Fátima) apenas 3 pessoas responderam que Não. Pelo contrário, nos inquiridos estrangeiros (30), mais de metade (18 inquiridos) responderam que Não e apenas 7 responderam que Sim. Estes resultados foram inesperados, sendo que é normal que o público estrangeiro não saiba os efeitos da sazonalidade em Fátima e pensem que é um atrativo todo o ano. Por outro lado, os inquiridos portugueses, conhecem melhor a realidade e o Sim foi respondido por cerca de 70% do total de inquiridos nacionais, o que será algo de interessante para futuras investigações.
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Considera que o setor hoteleiro em Fátima é condicionado pela sazonalidade? 21%
50%
29%
Sim
Não
Talvez
A sétima pergunta foi “ Já participou em alguma atividade de animação turística em Fátima?”. Esta pergunta também teve grandes divergências entre os inquiridos portugueses e nacionais sendo que a resposta Não ganhou com 58% e o Sim com apenas 42%. Nos inquiridos estrangeiros (30 inquiridos), 20 afirmaram que sim, sendo que apenas 10 disseram que Não à pergunta. Nos inquiridos portugueses o Não prevaleceu em grande parte, com cerca de 33 pessoas a afirmarem que Não e apenas 11 a dizerem que Sim. Esta pergunta suscitou respostas interessantes, por um lado, porque aparentemente, os portugueses estariam mais interessados no setor da animação turística, o que não confirmado, ao contrário do que sucedeu com os estrangeiros que aderem à ideia.
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Já participou em alguma atividade de animação turística em Fátima?
42% 58%
Sim
Não
A oitava pergunta foi “Considera que a animação turística poderia contribuir para o combate da sazonalidade no setor turístico em Fátima?”. Novamente as respostas dos dois tipos de públicos divergiram sendo que o Sim prevaleceu de novo com 44% (no âmbito das perguntas essenciais do trabalho) o Não aumentou para 33%, cerca de 4 pontos percentuais a mais que na pergunta 7 e a resposta Talvez manteve-se com 23%.
Considera que a animação turística poderia contribuir para a dominuição da sazonalidade no setor turístico em Fátima? 23% 44%
33%
Sim
Não
Talvez
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A nona pergunta foi “Considera que a animação turística poderia contribuir para o combate da sazonalidade no setor hoteleiro?”. Esta pergunta é parecida com a pergunta anterior, mas é focada no setor hoteleiro e ocorreram algumas mudanças nas respostas dos inquiridos. A resposta Não manteve-se com 33%, o Sim diminuiu ligeiramente em 9 pontos percentuais com 35% e a resposta talvez aumentou para 32%. Isto leva a crer que a maioria das pessoas acha que poderá contribuir, mas talvez por não saber bem o que é a animação turística ou as suas características, ainda se mostra um pouco cética em dar uma certezas.
Considera que a animação turística poderia contribuir para o combate da sazonalidade no setor hoteleiro?
32%
35%
33% Sim
Não
Talvez
A penúltima pergunta foi “Participaria em alguma atividade de animação turística na época baixa (Outubro a Maio) em Fátima?” a resposta foi unânime pela maioria, uma vez que cera de 85 % dos inquiridos (portugueses ou estrangeiros) responderam positivamente a esta pergunta, o que leva a crer que caso fossem promovidas e desenvolvidas atividades de animação turística em Fátima na época baixa poderia ter aceitação por parte do público nacional, mas também internacional.
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Participaria numa atividade de animação turística na época baixa (Outubro a Maio) em Fátima? 15%
85%
Sim
Não
A última pergunta do questionário foi “Tem alguma sugestão de atividades de animação turística na região de Fátima?”. Esta pergunta era de escolha aberta e foram enviadas bastantes sugestões, o que tornaria a elaboração de um gráfico quase impossível. Algumas das sugestões dadas pelos inquiridos foram: eventos, festivais gastronómicos, peddy-papers, eventos de BTT e Moto-Cross, festivais de música alternativa (vários inquiridos sugeriram esta opção), festivais de reggie, romarias, jogos de bebidas entre muitos outros. Uma das atividades de sobressaiu nesta pergunta foi a de um alemão que sugeriu a criação de uma exposição de uma cidade miniatura de Fátima, com todas as suas atrações, tal como a exposição alemã muito conhecida Miniatur Wunderland. Em suma, apesar de alguns dos resultados já terem sido expostos anteriormente, no geral, considera-se que os turistas estão bem informados sobre a realidade da região de Fátima, principalmente no setor hoteleiro, e que consideram que a animação turística poderia trazer vantagens para o Turismo na região.
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3. Discussões e Conclusões
O turismo é um sector global e transversal e ao mesmo tempo muito volátil e frágil,
conforme
temos
vindo
a
confirmar
em
tempos
de
pandemia.
Independentemente do setor económico ou de negócio, a sazonalidade é continuadamente apontada como uma das principais ameaças à atividade do sector turístico, provocando drásticas mudanças na economia local e nacional. No caso de estudo de Fátima, causa uma forte e repentina redução da atividade, causando o desemprego e o encerramento de diversas infraestruturas de apoio ao turista tais como hotéis, restaurantes, cafés entre outros, nas alturas de menor procura turística. O desafio de Fátima nos próximos anos situa-se precisamente nesse ponto, equacionando-se a oportunidade de criar e desenvolver estratégias para desenvolver atividades ao longo do ano, beneficiando o setor do turismo mas também as comunidades locais que sofrem diretamente os impactos da sazonalidade. Será o caso da animação que “(…) congregando inúmeros fatores Intensificadores da Experiência (Turística) pode assumir-se, em determinadas circunstâncias, como uma ferramenta de intervenção pessoal e social, materializando espaços de convergência de vantagens mútuas. Turistas e comunidades locais são os beneficiados deste processo que suscita uma investigação em torno dos factores Intensificadores da experiência turística” (Almeida). Segundo os questionários elaborados e os projetos estudados inseridos na mesma área, mas com temas aplicados a outras regiões, pode concluir-se que a aceitação dos turistas e comunidades locais perante atividades de animação turística na região seria elevada, o que equacionaria o combate à sazonalidade, à geração de mais emprego, à criação de novas empresas e oportunidades de negócio, ao aumento da ocupação hoteleira e um importante contributo para a economia local mas também nacional. Considera-se pertinente a necessidade de desenvolvimento de futuros estudos em profundidade para melhor interpretação do tema e sugere-se a criação de um grande evento de animação turística na região.
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Bibliografia Abreu, M (2003) O Santuário de Fátima: Imagem e Posicionamento. Dissertação de Mestrado em Ciências Empresariais, Escola de Gestão do ISCTE. Almeida, ASA, (2014) A Animação Turística e o processo de intensificação da Experiência no Destino – o papel dos Fatores Intensificadores da Experiência Turística in Animação Sociocultural, Turismo Património, Cultura e Desenvolvimento Local. Intervenção - Associação para a promoção e divulgação Cultural. ISBN 978-989-975715-8. Almeida, P. (2004). A gestão da animação turística como sustentação do aumento das taxas de ocupação. Revista Turismo & Desenvolvimento, 1, 23-30. Almeida, P. (2003). A contribuição da animação turística para o aumento das taxas de ocupação de uma região. Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro. Almeida, P. (2010). La Imagen de un Destino Turístico como Antecedente de la Decisión de Visita: análisis comparativo entre los destinos. Tese de Doutoramento, Universidad de Extremadura, Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales, Espanha Almeida, P. & Araújo, S (2017). Introdução à Gestão da Animação Turística (2ª Edição Atualizada). Lisboa: Lidel Edições Técnicas. ISBN:978-989-752264-2 Cannas, R. (2012) . An overview of tourism seasonality: Key concepts and policies. Alma Tourism, 5: 40-58 Jang, SooCheong. (2004). Mitigating tourism seasonality – A quantitative approach. Annals of Tourism Research, vol. 31, n.º 4: 819-836. Lee, C., Bergin-Seers, S., Galloway, G., O’Mahony, B., e McMurray, A. (2008). Seasonality in tourism industry: Impacts and strategies. Australia: CRC – Sustainable Tourism Pty Ltd. Murphy, P., Pritchard, M., & Smith, B. (2000). The destination product and its impact on traveller perceptions. Tourism Management, 21, 43-52. Therry, H. (1970) L’animation: problémes de structurations” In recherche sociale, nº 32.
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Notas da agenda de uma animadora
Lina Cláudia de Oliveira Santos
Dar voz aos animadores torna-se imperativo e para isso, é fundamental que estes sejam os atores principais desse grito. O que vão ler não é mais, que uma opinião ou roteiro de uma escuta ativa de uma animadora, que procura alimentar a inquietude que vive nos animadores.
ANIMAÇÃO Muitos desconhecem o trabalho dos animadores, então transformam-se em cineastas, fantasiam e fazem grandes filmes, por isso, importa explorar um pouco a ação/intervenção destes profissionais. A UNESCO (1977) define animação por “um conjunto de práticas sociais que visam estimular a iniciativa e a participação das populações no processo do seu próprio desenvolvimento, e na dinâmica global da vida sociopolítica em que estão integradas.” (Lopes, 2006, p.95)i. Estamos perante uma profissão que assume o compromisso de desenvolver uma participação ativa na transformação da comunidade/sociedade, envolvendo todos os atores locais, desenvolvendo estratégias e metodologias para estimular o processo de interação. Neste sentido, estes profissionais são possuidores de uma formação adequada, capaz de elaborar, executar e avaliar um plano de intervenção, numa comunidade, instituição ou organismo, utilizando recursos culturais, sociais, educativos e lúdicos (APDASC)ii
i
Lopes, M. S. (2006). Animação sociocultural em Portugal. Chaves: Editora Intervenção Associação para a Promoção e Divulgação Cultural ii
Conforme nº4 do artigo 3º da Proposta http://www.apdasc.com/info/ver_pagina.php?id=20
de
Estatuto
do
Animador
Sociocultural-
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Perante a pertinência de escrever acerca da dignificante profissão de animador, ainda que, não seja reconhecida como tal, proponho-me escrever sobre ação de uma animadora, a partir das suas notas de campo perdidas na agenda e que refletem a inquietude de uma animadora, que se envolve em prol de uma comunidade/sociedade.
COMUNIDADE PRÁTICA Segundo Wenger (1998)iii, a Comunidade de Prática é um grupo de pessoas que partilham uma preocupação, paixão, interesse acerca de um assunto/tema, ou problemática, específica, aprofundando o conhecimento e a competência acerca da mesma, através de uma interação contínua. São espaços de aprendizagem, com uma visão centrada na perspetiva social e na conexão com o mundo. Nas comunidades de prática, os novos membros (aprendentes) aprendem com os membros mais velhos, permitido uma interação nas tarefas relacionadas com a prática da comunidade.
Letras Prá Vida & Teclas Prá Vida (…) prá vidaiv Iniciamos esta caminhada com dois projetos que desenvolvo a partir do coração: o Letras Prá Vida e o Teclas Prá Vida, projetos que promovem a literacia dos adultos, a inclusão social e o empoderamento de quem não teve a oportunidade de aprender na escola. A alfabetização de adultos, em diferentes contextos, acontece por meio de oficinas onde todos são convidados a participar. O projeto vai ao encontro da comunidade, para trabalhar com a comunidade as questões da literacia. Estamos, portanto, diante de projetos de intervenção comunitária. Relativamente às pessoas envolvidas, entendo que são um exemplo ímpar de empenho e dedicação. Formam uma equipa multifacetada e interdisciplinar, que integram iii
Wenger, E. (1999). Communities of practice: Learning, meaning, and identity. Cambridge university press. http://www.linqed.net/media/15868/COPCommunities_of_practiceDefinedEWenger.pdf iv
Letras Prá Vida - https://www.esec.pt/investigar-transferir/transferencia-de-conhecimento/letras-pravida | https://www.facebook.com/letraspravida/ 42
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estudantes e diplomados de Animação Socioeducativa, reconhecidos pela sua capacidade de interagir com a comunidade, mas também voluntários e docentes, das diversas áreas do saber, com diferentes graus académicos. Juntos caracterizam um cenário intergeracional pautado pela adaptabilidade, onde todos são convidados a juntarem-se à equipa, carinhosamente apelidada por Equipa Maravilha, que abraça o lema “alfabetizar com o coração”.v Após a contextualização, carece a abordar ainda que de modo breve, a comunidade prática, onde se inserem os projetos descritos, que envolve parceiros e voluntários. As oficinas (espaços de reencontro) acontecem, em horário laboral e pós-laboral, durante a semana e ao fim de semana. Participantes e Equipa Maravilha criam um espaço intergeracional, numa simbiose de interação, formando, assim, uma comunidade de aprendizagem, numa ânsia de aprender e conviver.
“Ancorada teoricamente na Pedagogia da Autonomia e no Método de Paulo Freire, na Andragogia e Aprendizagem Autodirigida, esta abordagem prima pela valorização dos afetos na promoção da literacia, naquilo que denominámos alfabetização com o coração”. vi
Ainda a propósito do projeto, importa fazer alusão às reuniões de equipa e à formação da equipa. Nas reuniões planificamos a edição, organizamos o cronograma das oficinas, identificamos a disponibilidade dos voluntários e restante equipa que são distribuídos pelos diferentes contextos, sendo fundamental, avaliarmos o trabalho desenvolvido, para que assim se possa melhorar e valorizar na próxima edição.
v
Revista Sempre Aprender - https://www.semanaalv.net/content/letras-pra-vida-mencao-honrosa-dopremio-semana-alv-2017 vi
Soeiro, D., Silva, I., Silva, J., Silva, M., Parreiral, S. C., & Carvalho, V. (2017). Letras prá Vida: alfabetização de adultos com o coração! Revista de estudios e investigación en psicología y educación, (14), 68-71. https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Parreiral/publication/321891968_Letras_pra_Vida_alfabet izacao_de_adultos_com_o_coracao/links/5a4d871aaca2729b7c8b43be/Letras-pra-Vida-alfabetizacaode-adultos-com-o-coracao.pdf consultado em 10 de novembro de 2020. 43
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PNLA (Plano Nacional de Literacia de Adultos) vii Os animadores devem acolher uma natureza interventiva, abraçar e adaptar-se aos desafios, por isso, quando surgiu oportunidade de participar na apresentação nacional do PNLA, na Casa dos Direitos Sociais em Lisboa, não hesitei. Este projeto poderá vir a ser uma oportunidade de empregabilidade para os animadores.
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.viii
Audição Pública - Fundação Cuidar do Futuroix A convite da Helena Reis abracei mais um projeto. Como pode um animador não aceitar um bom desafio? Agraciada pelas harmoniosas tertúlias na Casa Renascer, onde tudo começou a ter sentido, onde a luz começou a iluminar caminho e a minha participação acabou por se pautar na escuta das comunidades residentes. Focada nas zonas periféricas do concelho, onde a identidade do local se desvanece, entre as promessas em ano de eleições e o esquecimento do direito a infraestruturas básicas, onde a vida se faz num concelho e se pertence a outro, onde são de todo o lado e não se sentem de lado algum. Eu e a Helena também abordámos a gestão do tempo e estratégias de ação definidas além das ruralidades. Duas temáticas soberbas, a primeira, é um reflexo dos dias de hoje. A ausência de tempo que nos obriga a selecionar prioridades, valorizar o diálogo,
vii
Plano Nacional Literacia Adultos https://www.anqep.gov.pt/np4/314.html#2 https://epale.ec.europa.eu/pt/content/plano-nacional-de-literacia-de-adultos - Consultados em 30/11/2020
|
viii
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf Consultada em 08 /11/2020 ix
https://fundacaocuidarofuturo.pt/projeto-ouvir-o-presente-cuidar-o-futuro-homenagear-maria-delourdes-pintasilgo/ | http://www.graal.org.pt/pt/noticia/ouvir-o-presente-cuidar-o-futuro- - Consultadas em 01/12/2020 44
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especialmente nas dificuldades. A segunda, levou-nos às várias aldeias e às amenas conversas com as suas gentes. Depois da recolha dos dados, há que elaborar textos para serem lidos no dia da audição. A conversa passava pela recolha da opinião das suas perspetivas relativas à qualidade de vida que sentiam ter e do que reconheciam precisar para usufruírem desta. Escutámos atentamente os aldeões e as suas histórias, questionando também sobre a rede de água e da recolha do lixo, se tinham a visita do padeiro e do peixeiro durante a semana e ainda se havia acesso a transportes públicos. Muito havia a partilhar deste projeto! Foi uma oportunidade única de ouvir do coração das pessoas, os seus desabafos que, depois de transcritos, tornaram-se em valiosas narrativas apresentadas pelos intervenientes na cerimónia da Audição Pública.
Projeto LigAçõesx Um agradável convite surge para participar no projeto "LigAções que reúne um grupo de pessoas e de organizações da sociedade civil da Grande Lisboa e da Região Centro para uma reflexão-ação sobre as assimetrias existentes no território nacional. Uma oportunidade imperdível de aprender novos conceitos, novas realidades e conhecer pessoas lindas e preocupadas com o bem-estar da comunidade. Reunimos, com vista em desenvolvermos um trabalho colaborativo, a fim de construir um país mais equilibrado, participativo e democrático. Obviamente que uma animadora, enquanto mediadora interventiva na comunidade, não podia deixar de participar, mais não fosse pela aprendizagem resultante.
A Família e a Escola Quando somos adultos responsáveis e tomamos a decisão de ter ao nosso encargo uma família, devemos ter consciência que, antes de mais, deveríamos saber ser exemplo. Se juntarmos a isso o facto de termos alma e coração de animador, somos obrigados a estar x
Projeto LigAções http://www.graal.org.pt/pt/noticia/i-encontro-do-projeto-ligacoes https://sites.google.com/view/projetoligacoes - Consultadas em 30/11/2020
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presentes e atentos, também na comunidade escolar, participando nas reuniões de pais, sabendo escutar e discernir. Lembro-me de ouvir a Professora Lucília Salgado, na sua ligação aos RVCC xi a comentar que muitos pais não participavam nas reuniões porque, ou não entendiam o que ouviam, ou porque tinham dificuldade no preenchimento dos impressos ou simplesmente porque não se sentiam bem pelas possíveis advertências públicas que poderiam estar sujeitos. Cabe-nos a nós, portanto, ser pontes. A tecnologia coabita connosco, tendo passado a ser uma sombra nos nossos dias. Precisamos de assumir que somos capazes de fazer a diferença também no seio escolar e defender uma cultura de interdisciplinaridade onde a tecnologia e o ambiente, deveriam ser disciplinas obrigatórias para pais e filhos, com um carácter transversal de modo a dinamizar aquilo que se pretende também com a flexibilidade curricular xii. Fazer entender que os apoios não são centros de explicações, mas uma mais-valia por isso não devem faltar e não devem usar os apoios como uma muleta permanente. Os animadores devem contribuir e encontrar soluções para bem da comunidade escolar fazendo sugestões como, por exemplo, os alunos mais velhos ajudarem os mais novos, criar desde início do percurso escolar, o conceito de interajuda na comunidade escolar. Na minha opinião, a sociedade ainda não concebeu a possibilidade de integrar os animadores nas escolas, com uma função para além de monitores de atividades. Quando a mim me parece óbvia a nossa capacidade de fazer a diferença nas “aulas” de Cidadania e Desenvolvimento.xiii
xi
xii
Salgado, Lucília (coord.) (2010), A Educação de Adultos uma dupla oportunidade na família, Lisboa, ANQ.
Decreto-Lei n.º 55/2018 de 6 https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Curriculo/AFC/dl_55_2018_afc.pdf xiii artigo 15º do Decreto-Lei 55/2018
de
julho
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Aqui e ali – onde precisamos de estar! Neste ponto e na continuidade de tudo já escrito anteriormente é fundamental qualquer profissional investir na sua formação. Muitos têm a prática (competência) e não sentem necessidade de complementar com o conhecimento (novas aprendizagens), mas é fundamental perceber a simbiose que existe entre os dois conceitos e a sua empregabilidade no dia a dia com as pessoas e as comunidades. Assim, numa das primeiras reuniões da Equipa Maravilha do ano, abordámos a temática das literacias e como é fundamental explorá-las nas oficinas, nomeadamente a literacia para a saúde, sem nunca descurar o foco. Importa ir ao encontro dos interesses e gostos dos participantes, valorizando todo o saber adquirido no caminho ao longo da vida, não fossem estes saberes adquiridos, que fazem deles mestres da vida. A formação da Equipa Maravilha é um marco do projeto, porque é um espaço de partilha e conhecimento, uma porta aberta a todos, que estiverem interessados. Os temas são diversificados e integradores, abordando os princípios teóricos da alfabetização de adultos, da prática ao digital, sempre por base no legado de Paulo Freire.
Summit Apadascxiv Este evento deveria fazer parte da agenda anual de atividades do animador. APDASC é o aliado dos animadores, existe para defender e enaltecer a profissão do animador, disponibiliza formações, apoia e defende os interesses dos animadores, pelo que têm todo o sentido o animador se associar. Neste encontro a conversa passou pela eterna controvérsia em torno da competência e da prática do animador, bem como das denominações dos cursos, dado que cada vez abrem menos, verificando-se uma tendência a anexar tudo à Educação Social. Os animadores presentes no encontro continuam a identificar a ausência da componente prática nos cursos e a situação da empregabilidade dos animadores. Alguns
xiv
http://www.apdasc.com/info/ver_pagina.php?tab=lista_noticias&id=44 - Consultado em 01/12/2020 47
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adiantam ainda que, no seu entender, os cursos não são pensados na necessidade e no que precisam de colmatar como fim último. Urge, assim, a construção da identidade de uma profissão e abrir caminho para que acabe a precariedade. Após um levantamento de necessidades e potencialidades, possíveis intervenções se desenham e a próxima palavra de ordem é planificação participada. É fundamental ouvir os participantes e atores sociais, conhecer quais os seus interesses, gostos e necessidades, através das suas ideias e sugestões para planificar as atividades/ações.
(…) estar cientes da necessidade de ouvirmos para construirmos mais conhecimento pela pertinência que é saber escutar na Educação de Adultos. Devemos ter presente a necessidade de nos reinventar e reinventar aquilo que já foi feito, o mundo vive em constante mudança e precisamos adaptarmos a esta constante evolução, precisamos de ser otimistasxv.
O que guardas no teu coraçãoxvi Que tema bonito para uma formação! Alertam-nos para a importância na nossa vida de três verbos: centrar, consertar e concentrar, bem como para a toxicidade do planeta e a necessidade de desintoxicação, a qual poderá ser feita com um antídoto: a fé e a cultura, os quais lavam a alma. Educamos para a valorização do ter, temos demasiadas coisas, reclamamos por tudo, queremos viajar rapidamente, mas não gostamos do barulho dos aviões… não precisamos do céu, porque a publicidade já o promete, precisamos de ter consciência do nosso limite. Todas as coisas boas forçadas, tornam-se contra si próprias. Urge cuidar do coração e da humanidade. Quanto bastará para termos o necessário, ou melhor, quanto e quando bastará para que se entenda o que basta para ter o necessário!
xv
Gonçalo Xufre - https://www.forma-te.com/component/content/article/226-noticias/em-foco/556-ofuturo-da-educacao-e-formacao-profissional-desafios-e-propostas xvi
https://pontosj.pt/especial/fe-e-cultura-um-dia-para-encontrar-o-essencial/ 48
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Uma qualquer visita guiada, exige um olhar, um ver atento, um saber escutar para com quem já olhou duas vezes. É importante escutar o silêncio e entendê-lo! Temos um excesso de tudo, condição que nos conduz à opressão porque, nos dias que correm, não fazer nada é a uma forma de criatividade... precisamos de mais caixas do nada. Em tudo na vida devemos ser nós mesmo, seja qual for o cargo que se ocupe, cientes de uma verdade onde se cimentam as relações de confiança, sem promessas impossíveis. Procuremos ser gestores de uma honestidade que faça de nós justos e não justiceiros. Com o fim último de alcançar a felicidade coletiva que será a satisfação da felicidade individual, juntos trabalhemos para o Bem-Comum.
AgenortC xvii … Animação, também foi até Viana do Castelo. Escutámos a necessidade de haver uma maior aposta no envelhecimento, sobre a proteção de um Estado social e que a sociedade não foi educada para o lazer. Salienta-se a importância da literacia e a imprescindibilidade do poder local cuidar das suas comunidades. As estatísticas ajudam a conhecer a comunidade e os níveis de envelhecimento bem como as suas causas. É um facto que o envelhecimento veio para ficar, mas quanto mais níveis de escolaridade, mais qualidade de vida têm as pessoas mais velhas, quanto mais rendimento, mais qualidade de vida, e os outros? Como proporcionar-lhes qualidade de vida? Como afirmar a posição dos cuidadores? Como já mencionámos anteriormente, é fundamental valorizar as necessidades das pessoas, no entanto a qualidade de vida ainda varia muito relativamente à territorialidade. Importa que sejam desenvolvidos programas de intervenção, com as pessoas mais velhas com foco nos mais desfavorecidos.
xvii
https://agenortc.eventqualia.net/pt/2019/inicio/organizacao/entidade/ 49
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Ageingxviii Abordagem à alteração da lei que poderá envolver mudanças relativas aos maiores acompanhados e à sua capacidade jurídica. Abordou-se o conceito de andrologia (especialidade que aborda a vida sexual do homem) e idadismo (associação de atitudes negativas, relativamente à idade), a tendência que existe em infantilizar os mais velhos, quando deveríamos enaltecer que o facto de que envelhecer é uma das maiores conquistas da humanidade. Ouvimos
dos
cuidadores
informais
e
da
probabilidade
de
encontrarmos
maioritariamente mulheres, porque também essa é a condição da mulher – Cuidar, contudo, também precisa de ser cuidada, tal como todos os cuidadores. Entendo que o cuidar contém uma conexão à fé, como símbolo de esperança, uma vez que, ninguém dá o que não tem logo, é importante fomentar a terapia da esperança e de cuidar de quem cuida. Não se pode continuar a falar nas qualificações dos recursos humanos e na formação contínua em trabalho, sem que exista uma interdisciplinaridade com humanismo. Estamos a ficar naturalmente desumanos e insensíveis ao desconforto do outro.
AFSxix E da agenda este é o último apontamento relevante, a AFS é uma associação sem fins lucrativos, cujo principal objetivo é contribuir para a Paz e Compreensão entre os povos através de intercâmbios de jovens e famílias, para uma aprendizagem Intercultural e Educação Global. É, sem dúvida, esta aprendizagem intercultural que nos cativa, desafiando-nos em ir à descoberta do desconhecido. Num ápice, acolhemos outra nacionalidade e alguém totalmente desconhecido. Permitamo-nos a abrir a porta do coração e acolher, ainda que as diferenças culturais subsistam, aprendemos sempre!
xviii
xix
https://2020.ageingcongress.com/
https://www.intercultura-afs.pt/quem-somos/#afs-nav-quem-somos 50
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Conclusão A agenda neste ano, como muitas outras, foi intensa e assoberbada de momentos de aprendizagem, imperativos de intervenção onde a inquietude toma conta de nós, envolvendo-nos em ações e projetos com a convicção de que somos agentes de mudança. Avancemos sem medo, somos animadores por isso, envolvamo-nos, comprometamo-nos a participar ativamente na mudança. O animador deve desenvolver um trabalho colaborativo, onde a interajuda e a entrega pessoal são fundamentais para atingir objetivos a que nos propomos, assentes na responsabilidade e sem nunca excluir uma empatia assertiva de modo agir com o coração e com afeto. Acredito que em tudo o que façamos devemos colocar afeto, isso irá fazer de nós mais solidários. Não deixem de pesquisar qualquer um dos projetos apresentados e marquem a diferença. Envolvam-se! Quero agradecer aos oradores ou qualquer outro interveniente, que de diversas formas, formaram o contexto destes encontros, porque juntos construímos espaços de aprendizagem. Acolhi frases, palavras, pensamentos que ouvi de vós e que aqui os adicionei às minhas palavras e pensamentos, resultando neste texto. Bem-Haja
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A Animação Sociocultural em Cuidados Continuados Integrados: uma “fuga” lúdica e terapêutica ao internamento Ana Cláudia da Conceição Severino i Carina Filipa Nogueira Clemente Homemii
Palavras-chave: Animação Sociocultural, Unidade Integrados, Manutenção e Reabilitação, Intervenção
de
Cuidados
Continuados
Resumo A Animação Sociocultural (ASC) em contexto de Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) visa desenvolver e dinamizar atividades diversas aos utentes, com o objetivo de proporcionar momentos de lazer, de satisfação, de socialização e de partilha de experiências, contribuindo para a potencialização, manutenção e/ou recuperação de capacidades e competências, assim como quebrar as suas rotinas de cuidados e reabilitação. Os utentes, na sua maioria, dispõem de muito tempo livre após ou entre os seus programas de reabilitação e demais cuidados, podendo ser ocupados com atividades individuais e/ou grupais que lhes proporcionem prazer e estímulos de variadíssima ordem, dando resposta e/ou minimizando diversas problemáticas, desde a apatia, a solidão, o isolamento, o sentimento de inutilidade, entre outros. Deste modo, a ASC constitui-se como um estímulo para a qualidade de vida e bem-estar do utente durante o internamento em unidades de cuidados continuados, na medida que se assume como uma ferramenta promotora de autonomia, participação, interação social, ajudando o utente a motivar-se para a sua reabilitação e/ou aceitação da própria condição e do seu próprio envelhecimento de forma positiva e reconhecendo as suas capacidades e limitações que acarreta a nível físico, social, emocional e psíquico. O presente artigo pretende, partindo das experiências pessoais e profissionais das autoras, dar a conhecer um contexto de intervenção da Animação Sociocultural
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muito específico e particular que tem vindo a ser reconhecido, valorizado e integrado na área da saúde.
1. Cuidados Continuados Integrados em Portugal
O elevado aumento do envelhecimento da população no nosso país tem exigido novas respostas a necessidades sociais e de saúde. Os Cuidados Continuados Integrados e a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), criada pelo Decreto-Lei nº.101/06, de 6 de junho, com parceria entre o Ministério da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social revolucionaram os cuidados prestados ao doente. Deste modo, os Cuidados Continuados Integrados consistem
nos cuidados de convalescença, recuperação e reintegração de doentes crónicos e pessoas em situação de emergência. Estas intervenções integradas de saúde e apoio social visam a recuperação global, promovendo a autonomia e melhorando a funcionalidade da pessoa dependente, através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social (Serviço Nacional de Saúde, 2020).
Segundo o Serviço Nacional de Saúde (2020), a prestação de cuidados de saúde e de apoio social é assegurada pela RNCCI através de unidades de internamento (unidades de convalescença, unidades de média duração e reabilitação (UMDR), unidades de longa duração e manutenção (ULDM) e unidades de cuidados paliativos (UCP)), unidades de ambulatório (unidade de dia e de promoção de autonomia), equipas hospitalares (equipas de gestão de altas, equipas intrahospitalares de suporte em cuidados paliativos) e equipas domiciliárias (equipas de cuidados continuados, equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos). As finalidades da RNCCI consistem na prestação de cuidados continuados integrados a pessoas em situação de dependência; no investimento no desenvolvimento de cuidados de longa duração, promovendo a distribuição equitativa das respostas a nível territorial; a qualificação e humanização da prestação dos cuidados; a potencialização de recursos locais e apoio na criação de serviços comunitários de proximidade; o ajuste ou criação de respostas adequadas à diversidade que carateriza o envelhecimento individual e as alterações de funcionalidade. 53
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Diariamente, são diversos os profissionais (Médicos, Enfermeiros, Assistentes Operacionais, Fisioterapeutas, Terapeutas, Assistentes Sociais, Psicólogos e outros profissionais) que trabalham para atingir os objetivos propostos, com uma intervenção fundamentada pelo princípio dos três “R”: reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social (Canhita, 2017, p. 32). O cumprimento desta intervenção, em que o doente deve ser sempre o centro dos serviços prestados, deve proceder-se com a avaliação multidisciplinar do utente (inicial, contínua e final com as revisões do plano de cuidados) baseada numa planificação de objetivos partilhados em função de determinados períodos de tempo, constantes no Plano Individual de Intervenção (PII). Quadro 1 – Orientações de estrutura de recursos humanos para as diversas Unidades
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Fonte: Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados 1
A partir da análise dos quadros anteriores, verifica-se que a prestação de cuidados nestas Unidades deverá, assim, assegurar os cuidados médicos e de enfermagem permanentes, a reabilitação e manutenção de capacidades através de cuidados da fisioterapia e de outras áreas de intervenção (terapia ocupacional e terapia da fala, por exemplo), o apoio psicológico e social, a higiéne, conforto e alimentação e atividades de convívio e lazer. É neste último âmbito que é fundamental a intervenção do Animador Sociocultural: em contexto de Cuidados Continuados Integrados, a ASC tem um papel relevante de facilitação da integração do utente na Unidade, através da promoção de atividades significativas e envolventes no meio e no grupo.
2. A Animação Sociocultural em contexto de Cuidados Continuados Integrados
Animação significa “ato ou efeito de animar, dar vida, infundir ânimo, valor e energia. Tem origem na palavra latina anima, que significa princípio vital, sopro, alma” (Sirgado, Alves & Lopes, 2011, p. 8). Ezequiel Ander-Egg, na sua obra O Léxico do Animador (1999), cita a definição de André Raillet, seguindo a mesma linha de pensamento: 1
Disponível em: Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados, 2011, p. 25
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Animar é fazer participar a população no aumento da sua vitalidade; devolver-lhe a alma, um espírito de equipa, um impulso, despertar o espírito de pioneiro num clima de liberdade... É fazer que cada um tome o seu destino nas suas mãos (Sirgado, Alves & Lopes, 2011, p. 9).
Vários autores afirmam a existência de diversas definições para Animação Sociocultural (ASC), assim como as suas respetivas finalidades, desde «transformação da sociedade», «formação integral da pessoa», entre outras. No entanto, ao tentar reunir as componentes mais importantes deste conceito, surge a seguinte definição:
o conjunto de ações realizadas por indivíduos, grupos ou instituições numa comunidade (ou num setor da mesma) e dentro do âmbito de um território concreto, com o objetivo principal de promover nos seus membros uma atitude de participação ativa no processo do seu próprio desenvolvimento quer social quer cultural (Trilla, 1997, p. 26).
As atividades de Animação Sociocultural, individuais e/ou coletivas, devem ter em conta o perfil de preferências do utente, mas também os objetivos de reabilitação/manutenção que levou o utente a ingressar neste contexto de cuidados continuados integrados, assim como devem contribuir para que o utente se sinta útil e motivado, influenciando diretamente a sua qualidade de vida e o bem-estar social. Deste modo, durante o internamento, por se tratar de uma fase diferente por existir uma condição de saúde, de relações, de tempo, de contexto social e residencial diferentes, é crucial que o tempo disponível permita que os utentes se sintam úteis, motivados,
capazes
de
comunicar
o
que
realmente
gostariam
de
experimentar/vivenciar ou reviver o que lhes era prazeroso. “O lazer e o bem-estar estão interligados com a qualidade de vida do indivíduo, pois auxilia a resolução de problemas e no equilíbrio necessário para alcançar o bem-estar” (Duarte, 2013, p. 15, citado por Canhita, 2017, p. 31). A ocupação de tempos livres de forma prazerosa não substitui qualquer necessidade de reabilitação ou terapia, no entanto, é fundamental para contribuir para a melhoria de qualidade de vida, evitando a inércia e o retrocesso (Ibidem). A Animação Sociocultural numa Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) pode ser considerada diferente, não pelo que faz, mas como o faz, pelo propósito pelo qual se faz. Antes da planificação da atividade é necessário realizar o diagnóstico. De acordo com a Portaria n.º 50/2017, após admissão na UCCI, deve ser 56
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realizada nas primeiras 48 horas uma avaliação multidisciplinar e definir-se o primeiro PII. Contudo, nós Animadores Socioculturais, verificámos que no diagnóstico realizado por inquérito seja por meio de entrevista (quer diretiva como semidiretiva) ou por meio de questionário, não é possível captar a essência dos gostos do utente, algo que é comum apenas alguns dias ou semanas depois da sua admissão. É frequente nos primeiros dias o utente afirmar não querer participar em atividades de ASC, no décimo dia encontrar-se junto do grupo a assistir e no vigésimo dia manifesta vontade e interesse em ser convocado para as atividades ou dinâmicas seguintes. Pelas diversas condicionantes e caraterísticas da RNCCI, quando implementamos um projeto corremos o risco de não conseguir chegar ao fim eficazmente; contudo, o importante é o desenrolar do processo, o valor e significado de cada sessão e intervenção. O grupo não será fixo nem estável por uma infinidade de dias, pois o internamento numa UCCI tem uma duração média de 90 dias e, após esse período, o utente tem alta da UCCI e de imediato é outro admitido. Deste modo, o planeamento de projetos, dinâmicas e atividades não poderão ter uma longa duração, correndo o risco de ter o projeto pronto depois da alta do utente. Assim, ao trabalhar numa UCCI, todos os dias contam e cada momento fará a diferença na reabilitação/manutenção do utente. Cada atividade será única. Na implementação de uma atividade de ASC o grupo é heterogéneo, mas todos têm oportunidade de se sentir iguais e com espaço nesse momento. O Animador Sociocultural é, por sua vez, quem acredita, quem dá vida aos desejos, quem transforma pequenas vontades em grandes momentos. É um facilitador que cumpre ou faz cumprir a
convivência social, promovendo o relacionamento entre os utentes, e destes com os seus familiares e amigos, bem como com os profissionais, no respeito pela sua vontade e interesses (Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Saúde, 2017, p. 613).
3. Sugestões de Intervenção da Animação Sociocultural em contexto de UCCI A Animação Sociocultural em contexto de UCCI tem como finalidades a promoção do bem-estar e do lazer, o convívio, a integração nas rotinas e dinâmicas da Unidade, assim como o reforço da estimulação motora e cognitiva, através da planificação de atividades de diversos âmbitos (lúdico, motor, cognitivo, social, 57
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cultural, artístico, educativo, entre outros), tendo em consideração os interesses, gostos, motivações, potencialidades e necessidades dos utentes (individualmente e em grupo). Em relação à intervenção do Animador Sociocultural, esta deverá exigir flexibilidade e integridade, levando em consideração e respeito com os outros profissionais, utentes e respetivos familiares. As atividades deverão ser articuladas com as rotinas dos utentes às terapias existentes, assim como deverão ser realizadas em consonância com a restante equipa multidisciplinar, tratando-se de um trabalho de entreajuda (Alves, 2017, p. 26). As atividades também devem ser cuidadosamente pensadas e estruturadas de acordo com os gostos e a história de vida de cada utente. Com a nossa prática verificámos que devem, ainda, ser realizadas regularmente sempre na mesma hora e no mesmo dia da semana. Num dos locais onde trabalhámos, por exemplo, realizava-se a atividade de culinária à quinta-feira. Na semana que foi dinamizada à quarta-feira, fomos questionadas pelos utentes, se naquele dia era quinta-feira, o que nos revelou a importância de manter sempre a mesma sequência de atividades. Um outro propósito da RNCCI é o envolvimento do cuidador no internamento, conforme referido na alínea g), do artigo 4.º, capítulo III, da Portaria 50/2017, em que é incentivada a “participação (…) dos familiares ou dos cuidadores informais (…) desde que este apoio contribua para o seu bem-estar e equilíbrio psicoafectivo” (Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Saúde, 2017, p. 613). A título de exemplo, preconizou-se a realização das Festas de Aniversário, caso o utente manifeste interesse e motivação para este tipo de celebrações. No dia do aniversário a sala é decorada com layout condizente, tendo em conta os gostos e sugestões do utente, em local de destaque prepara-se uma mesa para utente e respetiva família, mesa em que se coloca o bolo de aniversário e outros elementos significativos. O Animador Sociocultural deve, então, criar interação e vida, apresentar propostas e sugestões, seduzir, imaginar e despertar, suscitar e influenciar, sem exercer ou criar qualquer sentimento de obrigatoriedade. Na Animação Sociocultural não existem técnicas nem fórmulas específicas; porém, podem-se utilizar técnicas de outros campos de intervenção, a eficácia de cada 58
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técnica será mais ou menos adequada, tendo em conta a situação, o contexto e o público-alvo. Como tal, é fundamental o Animador Sociocultural efetuar um diagnóstico ao utente (sob a forma de entrevista informal, orientada com um guião e/ou um questionário) para recolher todos os dados e informações relevantes para o desempenho da sua intervenção, nomeadamente, uma breve história de vida do utente (profissão, naturalidade, local de residência, escolaridade, etc), hábitos de ocupação (que atividades realizava antes do internamento e/ou nos seus tempos livres), áreas de interesse pessoal, gostos e preferências (livros, filmes, música, personalidades preferidas e de referência, entre outros). Também é necessário conhecer muito bem os recursos disponíveis na Instituição (físicos, espaciais, humanos, económicos), de modo a que uma determinada atividade, dinâmica ou projeto venha a ser implementado ou a requerer alteração/adaptação. Seguidamente, serão apresentadas algumas sugestões de atividades e dinâmicas que, dependendo das caraterísticas, das potencialidades, das motivações e dos interesses do grupo, poderão ser aplicadas em contexto de UCCI, em contexto de grupo (ver Quadro 1) e em contexto de isolamento ou intervenção individualizada (ver Quadro 2):
Quadro 1 – Exemplos de atividades e dinâmicas de Animação Sociocultural em contexto de grupo
Tipologia de Atividades
Exemplos de Atividades 1. Dinâmicas de exercícios motores, com ou sem recursos materiais (bolas, balões, bastões, rolos de cartão, arcos, entre outros) 2. Prática de Bowling e Boccia 3. Jogos tradicionais portugueses (Jogo das Latas, Jogo da
Física / Motora
Malha, Jogo do Burro) 4. Modalidades desportivas adaptadas (voleibol, lançamentos de basquetebol, remates/penáltis de futebol, mini-golfe) 5. Dinâmicas e jogos com recurso ao páraquedas ou um lençol de grandes dimensões 59
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1. Pintura em papel ou em telas, com recurso a diferentes materiais (lápis de cor, lápis de cera, tintas acrílicas, óleo, aguarela, pastel, entre outros), de forma livre ou sugerindo temas a desenvolver 2. Modelagem de plasticina, massa de modelar, barro 3. Colagem com recurso a papel de lustro, crepom, seda 4. Recortes de revistas e/ou planfletos 5. Utilização de materiais recicláveis (cartão, rolos de papel Artística / Através da Expressão Plástica
higiénico e de cozinha, tampas de garrafas de plástico, cápsulas de café, entre outros) 6. Decoração de espaços comuns da Instituição 7. Elaboração
de
lembranças
para
determinadas
datas
comemorativas significativas 8. Trabalhos de costura, malha e crochet 9. Elaboração de trabalhos para serem expostos em pequenas feiras, organizadas dentro da Instituição ou com parceiros externos (Junta de Freguesia ou Câmara Municipal, por exemplo) 1. Escuta ativa de músicas e géneros musicais do interesse do grupo, recorrendo à plataforma Youtube 2. Criação de um grupo coral e respetivas capas com as letras das canções 3. Acompanhamento de músicas com recurso a instrumentos musicais convencionais (preferencialmente, instrumentos Musical
simples e que requerem menos tempo de aprendizagem, como os tambores, guizos, maracas, pandeiretas, ferrinhos, etc) e não-convencionais (utilização de alguidares, cadeiras, caixas de cartão ou de plástico e de colheres de pau, pincéis ou outros utensílios de madeira para servirem de tambores e baquetas, respetivamente)
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1. Jogos de mesa (dominó, cartas, mikado, xadrez, damas, bingo) Lúdica
2. Jogos de tabuleiro (Scrabble, Pictionary, Party & Co., Jogo da Glória) 1. Atividades de culinária, com a confeção
de receitas
tradicionais e/ou provenientes de outras culturas de interesse para serem servidas em refeições dos utentes (durante o lanche, sobremesa do almoço ou jantar) e/ou em celebrações especiais (eventos e festas temáticas, celebração de aniversários dos utentes) 2. Visionamento de filmes, documentários, peças de teatro ou Cultural
concertos ao vivo, com recurso a DVD-Rom ou a plataformas na Internet (Youtube, Netflix, HBO) 3. Realização de roteiros turísticos virtuais, recorrendo a imagens e vídeos de monumentos, localidades, pontos turísticos de Portugal e no Mundo 4. Exposição de trabalhos realizados pelos utentes 5. Organização de espetáculos e animações, convidando grupos corais, musicais e artísticos externos 1. Jogos e exercícios cognitivos com recurso a fichas ou powerpoints apresentados com um projetor ou visionados na televisão com recurso a Pen ou cabo HMDI 2. Jogo dos Nomes, Países e Animais, Jogos de Perguntas / Quiz,
Cognitiva / Formativa
jogos e dinâmicas que envolvam provérbios e expressões populares 3. Sessões de esclarecimento sobre temáticas ligadas à saúde e cidadania (envolvendo a equipa técnica e multidisciplinar ou entidades externas para o efeito) 4. Grupo de poesia com criação e/ou declamação de poemas
Social / Comunitária
1. Criação de tertúlias: grupos para conversação, discussão e debate de assuntos diversos (sugeridos e motivados pelo grupo, discussão de notícias da atualidade, relacionado com
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efemérides, acontecimentos históricos, invenções e datas comemorativas, entre outros) 2. Comemoração de datas festivas de referência e/ou com significado (Natal, Páscoa, Magusto, Carnaval, Dia da Espiga, Dia do Idoso, Dia da Família ou outras) 3. Organização de festas e eventos temáticos (concursos de talentos e de variedades, tarde dançante, tarde de Fados), com decoração alusiva à temática 4. Planificação de atividades com outras entidades e/ou públicos-alvo (Escolas, Centro de Atividades de Tempos Livres, Associações Locais, Centros de Dia, Lares, Universidades Sénior, entre outros) 5. Comemoração dos aniversários dos utentes (no próprio dia ou no final do mês, dependendo do número de utentes que a Instituição abrange) Fonte: Própria
Após reunido o grupo, a dinâmica/atividade previamente preparada deve ser apresentada, dar a conhecer os objetivos a alcançar, assim como o propósito ou benefício em participar na mesma; seguidamente, questiona-se sobre a intenção e motivação de participação dos utentes (quer de uma forma ativa e interativa, como de forma passiva, assistindo e acompanhando a dinâmica/atividade sem intervir ativamente na mesma). Preparada a sessão e todo o grupo, inicia-se a mesma. É de salientar que todas estas atividades promovem a estimulação e a manutenção de diversas competências e capacidades não sendo estas exclusivas de um determinado âmbito de intervenção. A prática de um jogo de Bowling (ver Fig. 1), por exemplo, não se restringe apenas à manutenção das capacidades motoras; promove, igualmente, o convívio entre os utentes, assim como estimula cognitivamente os participantes, ao contabilizarem o número de pinos derrubados e somar, posteriormente, aos pontos conseguidos de jogadas anteriores. A confeção de um bolo não permite somente a manutenção das capacidades motoras e de motricidade fina; permite igualmente partilhar histórias e experiências sobre a 62
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confeção daquele bolo (questionar quem habitualmente cozinhava em sua casa, como faria aquela receita na sua casa, as técnicas e utensílios utilizados são iguais ou seriam diferentes dos que estão a utilizar, solicitar alguns segredos ou ingredientes adicionais que poderiam acrescentar, entre outras perguntas), potenciar a cooperação e o trabalho em grupo, estimular cognitiva e sensorialmente os participantes, quer através dos odores e cheiros dos ingredientes como também no manuseamento dos mesmos (calcular e pesar as quantidades necessárias para fazer a receita, que habitualmente se cozinha com as medidas dobradas; se for um bolo de laranja, ao cortar o fruto e espremer para aproveitar o seu sumo são estimulados alguns sentidos do corpo, como o tacto e o olfacto), entre outros (ver Fig. 2). Por outro lado, também é possível utilizar mais do que uma das atividades anteriores para desenvolver projetos que envolvam um «fio condutor», quando se pretende abordar determinadas temáticas. Por exemplo, se se pretende abordar o Desporto ou os Jogos Olímpicos, ao longo de uma semana, podem-se organizar diversas atividades de tipologias diferentes que vão ao encontro da temática, desde aulas de exercícios, aplicação de um bingo com as bandeiras dos países participantes ou com os símbolos dos clubes, quiz / jogos de perguntas sobre desporto, um lanche temático com a reprodução de músicas de desporto, com elaboração de medalhas para todos os participantes (ver Fig. 3). Cabe depois, a cada Animador Sociocultural, de acordo com as suas potencialidades, os seus conhecimentos e a sua criatividade, planificar, implementar e adaptar as atividades e dinâmicas, tendo em conta as caraterísticas, capacidades, interesses e motivações que o seu público-alvo revela (ver Fig. 4). Seguidamente, apresentaremos um exemplo de sucesso da intervenção da ASC, uma atividade dinamizada de acordo com as informações obtidas no diagnóstico realizado previamente:
Após a concretização de uma atividade diagnóstico realizada sob o tema do São Valentim, num grupo de utentes essencialmente acima dos 75 anos, verificou-se que nenhum deles tinha comemorado esta data anteriormente. Tendo como ponto de partida esta informação, utilizou-se a metodologia interrogativa e participativa de forma a obter ideias para serem possivelmente concretizadas. No final da sessão, obtiveram-se as seguintes informações: o São Valentim deveria ser festejado; deveriam ir a um restaurante; gostariam de almoçar com a cara-metade; a ementa da refeição devia ser: creme de
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abóbora e ervilhas, ninhos de passarinho e arroz doce; a música ambiente era importante; e, devia haver café servido à mesa (a conhecida bica). Passados os trâmites legais, como pedidos de autorização para convidar a cara-metade; alteração da ementa e devida aprovação por parte da área da Nutrição… Chegou, então, o tão esperado dia! Transformou-se o refeitório num restaurante: havia ementas, música ambiente, chefe de sala e decoração a rigor; foi servido o almoço e o café à mesa, conforme sugerido e, desta forma, concretizado o objetivo do grupo. Ainda foi possível proporcionar o momento que a maioria não imaginava voltar a ter, pois dentro das suas dependências e a falta de acompanhamento familiar, não contavam voltar a passar pela experiência de ir a um restaurante. O feedback foi positivo e a atividade teve um impacto revigorante nos utentes.
Fig. 2 – Confeção de um bolo Fonte: Própria Fig. 1 – Prática do jogo de Bowling Fonte: Própria
Fig. 3 – Atividade lúdico-motora associada ao tema dos Jogos Olímpicos Fonte: Própria
Fig. 4 – Atividade musical com recurso a instrumentos musicais convencionais Fonte: Própria
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Quadro 2 – Exemplos de atividades e dinâmicas de Animação Sociocultural em contexto de isolamento e/ou intervenção individualizada
Tipologia de Atividades
Exemplos de Atividades 1. Dinâmicas de exercícios motores, com ou sem recursos materiais (bolas, balões, bastões, rolos de cartão, arcos, argolas, entre outros)
Física / Motora
2. Jogo de Dardos com bolas de velcro 3. Jogos tradicionais portugueses (Jogo das Latas, Jogo da Malha, Jogo do Burro) 1. Pintura em papel ou em telas, com recurso a diferentes materiais (lápis de cor, lápis de cera, tintas acrílicas, óleo, aguarela, pastel, entre outros), de forma livre ou sugerindo temas a desenvolver 2. Modelagem de plasticina, massa de modelar, barro 3. Colagem com recurso a papel de lustro, crepom, seda 4. Recortes de revistas e/ou planfletos
Artística / Através da Expressão Plástica
5. Utilização de materiais recicláveis (cartão, rolos de papel higiénico e de cozinha, tampas de garrafas de plástico, cápsulas de café, entre outros) 6. Decoração de espaços comuns da Instituição 7. Elaboração
de
lembranças
para
determinadas
datas
comemorativas significativas 8. Trabalhos de costura, malha e crochet 9. Elaboração de trabalhos para serem expostos em pequenas feiras, organizadas dentro da Instituição ou com parceiros externos (Junta de Freguesia ou Câmara Municipal, por exemplo) 1. Escuta ativa de músicas e géneros musicais do interesse do utente, recorrendo à plataforma Youtube Musical
2. Canto e acompanhamento de músicas com recurso a instrumentos
musicais
convencionais
(preferencialmente,
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instrumentos simples e que requerem menos tempo de aprendizagem, como os tambores, guizos, maracas, pandeiretas, ferrinhos, etc) e não-convencionais ( utilização de alguidares, cadeiras, caixas de cartão ou de plástico e de colheres de pau, pincéis ou outros utensílios de madeira para servirem de tambores e baquetas, respetivamente) 1. Jogos de mesa (dominó, cartas, mikado, xadrez, damas, bingo; tangram, puzzles) Lúdica
2. Jogos de tabuleiro (Scrabble, Pictionary, Party & Co., Jogo da Glória) 1. Visionamento de filmes, documentários, peças de teatro ou concertos ao vivo, com recurso a DVD-Rom ou a plataformas na Internet (Youtube, Netflix, HBO)
Cultural
2. Realização de roteiros turísticos virtuais, recorrendo a imagens e vídeos de monumentos, localidades, pontos turísticos de Portugal e no Mundo 1. Jogos e exercícios cognitivos com recurso a fichas
Cognitiva / Formativa
2. Jogo dos Nomes, Países e Animais, Jogos de Perguntas / Quiz, jogos e dinâmicas que envolvam provérbios e expressões populares 1. Dinâmicas de conversação, discussão e debate de assuntos diversos (sugeridos e motivados pelo grupo, discussão de notícias
Social / Comunitária
da atualidade, relacionado com efemérides, acontecimentos históricos, invenções e datas comemorativas, entre outros) 2. Realização de videochamadas com pessoas de referência e com significado para o utente Fonte: Própria
Em contexto de UCCI é comum haver utentes que, dado à sua condição de saúde ou por questões médicas preventivas e/ou impostas, permanecem em isolamento, ficando no seu quarto. Existem, igualmente, casos em que o utente se encontra em situação clínica que não lhe permite deslocar-se ou ser deslocado para os 66
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espaços comuns ou salas de estar e de convívio da Instituição. Nestas situações, o Animador Sociocultural é que deverá deslocar-se e realizar as atividades no leito, com os devidos procedimentos de proteção, segurança e higienização, caso o utente se encontre num quadro de isolamento (ver Fig. 4).
Fig. 4 – Atividade de pintura a aguarela, realizada no leito, solicitada pela utente Fonte: Própria
Muitas das atividades referenciadas no Quadro 2 também podem ser aplicadas em utentes mais solitários e/ou que não apreciem estar em grande grupo. Reforçamos, mais uma vez, a importância e a necessidade de um bom diagnóstico, de forma a conhecer os hábitos, interesses, aptidões, motivações e gostos do utente para se delinear, planificar e implementar um plano de intervenção o mais ajustado e personalizado possível. Embora a atividade individualizada tenha sido preparada para determinado utente e totalmente de acordo com os seus gostos, pode suceder-se que o Animador Sociocultural a vá dinamizar num momento em que o utente não se encontre disposto a ocupar-se dessa forma; é importante, então, questionar a sua disposição e apresentar a atividade. Consoante a decisão e motivação deste, a atividade é dinamizada ou define-se um novo horário para a sua concretização. A flexibilidade, a organização e a gestão de tempo e de trabalho são, deste modo, capacidades e competências necessárias e imprescendíveis na intervenção do Animador Sociocultural. O utente deverá, igualmente, ter ao seu dispor recursos e materiais que possam ser utilizados de forma autónoma, livre e espontânea, de forma a ocupar o seu 67
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tempo individualmente, com os seus familiares ou mesmo com os assistentes operacionais. A rotina de um utente numa UCCI é preenchida e dinâmica, não sendo possível, por vezes, conciliar esta rotina para participar em todas as atividades organizadas pelo Animador Sociocultural. A organização de uma biblioteca (com livros doados por funcionários, familiares, visitantes e/ou estabelecer parceria com uma Escola ou biblioteca local para empréstimo de alguns destes livros), a disponibilização de revistas, jornais, puzzles, jogos de mesa e de tabuleiro nos espaços e salas comuns da Instituição, a criação de pastas ou dossiers com materiais diversos, prontos a utilizar, desde desenhos e mandalas para pintar, sopas de letras, palavras cruzadas, jogos de diferenças, jogos de labirintos, pequenos contos e lendas para ler, entre outros, são alguns exemplos de meios de ocupação que o utente, caso assim o pretenda, possa desenvolver atividades sem necessidade de vigilância ou acompanhamento permanente do Animador Sociocultural.
Reflexões finais A Animação Sociocultural deve estar incluída no conjunto de serviços prestados a esta população, devendo estar em pé de igualdade com a alimentação, a higiene, os cuidados de saúde, terapias, reabilitação, vestuário e conforto. Se a Animação Sociocultural for encarada ao nível dos outros serviços pode contribuir – e muito – para o cuidado do utente e para a melhoria da sua qualidade de vida: utentes menos depressivos, menos solitários, menos dependentes de medicação e uma velhice mais bem vivida e ativa. Se um utente sente prazer em participar e realizar atividades, pertence a um grupo, estabelece contatos sociais, continua com vontade de aprender coisas novas, é uma pessoa mais feliz e saudável. As pessoas mais ativas e participativas, independentemente das suas limitações físicas, têm autoestima mais elevada e confiam mais nas suas capacidades e potencialidades. Deste modo, a Animação Sociocultural estimula as relações interpessoais, o convívio e o bem-estar dos utentes que, tendo em conta o internamento em UCCI, pode facilitar a sua reabilitação e integração, motivando-o a continuar os seus tratamentos.
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i
Licenciada em Animação Sociocultural pela Escola Superior de Educação de Lisboa e
Mestre em Educação Artística pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Desde 2013 até à atualidade, exerceu funções enquanto Animadora Sociocultural com a população idosa em contexto de Centro de Dia, Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) e Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI).
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Licenciada em Animação Cultural e Educação Comunitária pela Escola Superior de
Educação de Santarém. Iniciou carreira em 2004 numa ERPI como Animadora Sociocultural onde em 2008 assumiu funções de Diretora Técnica. Em 2010 integrou a 70
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Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) como Animadora Sociocultural e atualmente é Coordenadora de Animação Sociocultural em duas UCCI. Paralelamente exerceu funções como formadora nas áreas de: envelhecimento ativo; ética e deontologia profissional; ASC em ERPI e em UCCI; e RNCCI.
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Jovens e a Construção de Projetos de Vida - O papel emancipador da Animação Sociocultural Pedro Martins
Resumo Neste artigo pretende-se refletir sobre a capacidade da animação sociocultural no trabalho com jovens, mais propriamente no campo da transformação identitária e na construção de projetos de vida. Realiza-se uma abordagem social ao conceito juventude e seus elementos, identificando parte dos desafios inerentes ao período da adolescência que ocorrem em grande maioria no contexto escolar. Considera-se que esta fase de vida dos jovens é composta por vários desafios ao nível da tomada de decisão em transições específicas na sua adolescência. O que leva os jovens numa procura incessante da sua própria definição. Adicionalmente, reveem-se as capacidades da animação sociocultural em trabalhar tanto no contexto escolar como comunitário, recorrendo a metodologias de educação não-formal como num meio participativo e empoderador. Assume-se a animação sociocultural como uma estratégia de trabalho com jovens, através do seu cariz participativo e educador, podendo ter um impacto transformador e emancipador na arquitetura dos projetos de vida, fazendo dos jovens os próprios agentes de mudança.
Palavras-chave: Animação Sociocultural, Juventude, Transformação identitária, Projetos de vida.
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Abstract In this article, we intend to reflect on the capacity of sociocultural animation in working with young people, more specifically in the field of identity transformation and in the construction of life projects. A social approach is made to the concept of youth and its elements, young people, identifying part of the challenges inherent to the period of adolescence that occur in the vast majority in the school context. It is considered that this stage of life of young people is composed of several challenges, in terms of making choices in specific transitions in their adolescence, which leads young people, in an incessant search for their own definition. In addition, we review the capacities of socio-cultural animation to work in both the school and community context, using non-formal education methodologies as a participatory and empowering means. Sociocultural animation is assumed as a strategy of working with young people, through its participative and educating nature, which can have a transformative and emancipatory impact on the architecture of life projects, making young people them selves agents of change.
Key concepts: Sociocultural animation, Youth, Identity transformation, Life projects.
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Introdução Este artigo apresenta-se como uma reflexão acerca do papel da animação sociocultural no campo da juventude, mais especificamente, no trabalho de capacitação e construção dos projetos de vida dos jovens. Através de um aprofundamento teórico na área da juventude e na transformação identitária, procura-se neste artigo cruzar esse trabalho com os princípios e formas de atuar da animação sociocultural, refletindo assim sobre os seus contributos. As motivações para a redação deste artigo resultam do interesse epistemológico sobre o conceito de juventude, cruzando com a área de formação de base em animação sociocultural (vertente socioeducativa). A juventude enquanto temática de estudo científico apresenta-se em constante mudança e as diversas abordagens conceptuais e epistemológicas que existem, fazem com que o grupo social representativo, os jovens, passe a ser um elemento bastante complexo em análise. No entanto, sabe-se que têm sido várias as técnicas, metodologias e mesmo filosofias que são usadas, cruzadas e complementadas para trabalhar com jovens em várias dimensões. No processo de socialização de um jovem, este passa por uma transformação ao nível identitário e social a vários níveis, passando pela educação escolar e não escolar (Vieira, 1998). Neste caso, coloca-se em análise a possibilidade da animação sociocultural, como uma ferramenta transformadora e transversal, poder ser um instrumento de empoderamento, de consciencialização das opções sociais e culturais que a trajetória de vida oferece e de capacitação para a construção de projetos de vida pessoais. Ao longo das suas trajetórias sociais, os jovens experienciam vários contextos, fazem trocas culturais, vivem choques de cultura e momentos de incerteza, e, por essas razões, os seus projetos de vida ficam por vezes reféns de dilemas, nem sempre fáceis de resolver. É a este exercício de análise que o texto se dedica. No sentido de contribuir para um debate sobre algumas bases teóricas, no estudo sobre os jovens e, no processo de transformação identitária. Bem como na reflexão sobre o papel de animação sociocultural como uma via emancipadora.
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Jovens e a Construção de Projetos de Vida
O conceito juventude é nos dias de hoje estudado em diversas perspetivas e a vários níveis. São vários os autores que observam tanto como grupo social como também uma fase da vida. Assim, apresenta-se como uma tema complexo, sendo alvo de diferentes olhares científicos, o que leva a ser um tema em contínua mudança devido à transformação suscetível deste grupo social e, a influências e interações diversas. Tais como: históricas, culturais e geracionais. Daí ser importante referir este aspeto com o objetivo de afirmar que este é um desafio na identificação de metodologias socioeducativas no trabalho com jovens. Para além do conceito juventude que sociologicamente se tem afirmado como uma definição complexa, assumindo-se por um lado como uma fase da vida e, por outro, como uma categoria social (Pappámikail, 2010; Pais, J. M., 1990; Vieira, M. 2016; Ferreira, V., 2017). O conceito de juventude é composto por identidades e, nesta ótica, direciona-se a perspetiva deste artigo sobre os jovens em duas linhas: Por um lado, identificando a diversidade inerente às experiências de vida dos jovens que no fundo são parte da construção de identidades, tal como Vieira, R. (2019) indica: A construção de identidade consiste, neste sentido, em dar significado consistente e coerente à própria existência, integrando as suas experiências passadas e presentes, com o fim de dar um sentido ao futuro. Trata-se de uma incessante definição de si próprio (Vieira, 2019, p. 44). Por outro lado, é necessário refletir sobre o conceito de projeto que, se relaciona com a temática da juventude e é defendido por Boutinet (1990) considerando que este serve para definir as condições de escolha e de orientação que se colocam nas etapas-chave da existência. A própria construção identitária é parte da construção do projeto de vida do jovem, estando conectada à relação com o outro numa ótica coletiva e transversal, mergulhando em diferentes realidades, compondo assim, um projeto com diversas influências sociais e culturais. Apresenta- se como um processo dinâmico e não 52
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apenas estrutural. No fundo, um processo de “autoformação” (Vieira, 2009). Com o contributo de Vieira (2009), podemos refletir sobre o peso que a autoformação tem na construção da identidade. Não querendo minimizar a importância da heteroformação, ou seja, do papel dos outros na construção do nosso ser, cabe ao sujeito definir a sua identidade perante as suas escolhas relativamente ao que tem vivenciado em conjunto com estas duas fontes de formação. Na adolescência, os processos referenciados ocorrem em constante relação. Ao nível da heteroformação, Vieira, M. & Pappámikail (2017) debruçam-se sobre a identidade coletiva, onde as linguagens culturais de grupo que servem de pertença, ou seja, códigos e linguagens acentuados numa marca grupal e geracional catalogam desta forma as identidades juvenis. É uma perspetiva a sublinhar, pelo peso que a influência do grupo tem nesta fase de vida específica que é a adolescência. Na construção do sujeito ocorrem diversas transições (Gil Calvo, 2011) que contribuem para a construção da identidade do jovem através de transformações existentes e que são externas ao mesmo. A transição do ensino básico para o secundário, a transição de um grupo de amigos ou outra qualquer a nível social são, no fundo, transformações vividas pelo jovem que fazem com que a construção identitária seja um trabalho de descoberta contínua, tal como refere Vieira (2019) “uma incessante definição de si próprio”. Ao nível do contexto espacial que contribui para os processos já mencionados de construção identitária e de projeto de vida, a juventude como condição etária e cultural constrói-se sobre uma maior participação no contexto escolar, face ao tempo que está predestinado ao ensino, tendo como efeitos uma modernização na vivência familiar e social do jovem. No fundo, é no espaço escola que os jovens passam grande parte do seu tempo. Olhar a escola como um espaço de socialização é ter um olhar complexo sobre o jovem, a sua identidade, as suas escolhas e a própria construção do projeto de vida. São diversos os elementos que estão envolvidos na construção e transformação identitária do jovem, sendo também elementos constituintes do seio escolar. A construção de um projeto de vida, tema que serve de base para a reflexão do 53
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recurso à animação sociocultural como metodologia facilitadora a este processo, começa a ser estimulada no espaço/tempo escola. Através das escolhas escolares e vocacionais que, no fundo, são forçadas na transição do ensino básico para o ensino secundário, onde “os indivíduos são convidados a projetar-se no futuro e a fabricar a sua própria biografia” (Vieira, M. 2016, p.134). Como bem assinala a autora, jovens que vivem esta fase transitória, ao longo do processo de escolha, vivenciam simultaneamente um duplo processo de crescimento e amadurecimento, em que uma identidade ainda muito provisória sofre um diagnóstico hesitante. Segundo Breviglieri (2007, citado por Vieira, M. 2016, p. 135) “a adolescência tende a ser um período em que as experiências ancoradas no presente, baseadas na exploração e no desejo de arriscar, prevalecem face a planos envolvendo um futuro longínquo.”. É neste período específico, na adolescência, que o processo de escolhas é submisso a uma crise de identidade, ou seja, a um processo de mudança e transformação, aliado ao de reflexão e observação, levando a optar por uma ou outra direção. Entende-se que a passagem pela adolescência é acompanhada por transições ocorridas no contexto escolar, o que é naturalmente desafiante para os jovens. O convite inconsciente para começar a projetar o futuro provém das escolhas feitas no presente, o que abre portas à prática de uma autonomia individual. Esta autonomia “implica escolhas permanentes entre várias opções, aos mais diversos níveis de existência: estilos de vida, identidades, relações sociais…” (Vieira, M. 2016, p. 136). Neste exercício pessoal, os jovens desenvolvem competências que os colocam perante “um cenário de incerteza e de ansiedade, que decorre juntamente do facto de a contemporaneidade oferecer um mundo feito de escolhas” (Leccardi 2006, citado por Vieira, M. 2016, p. 136). As fases de transição que ocorrem ao longo da adolescência no contexto escolar, seja no final do ensino básico, seja no final do ensino obrigatório, são fases que se
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apresentam como um culminar de experiências, escolhas, certezas e incertezas. São um processo de amadurecimento, dentro do decurso da sua escolaridade. O que leva os jovens a desenvolver um autoconhecimento, surgindo ainda mais dúvidas. Reveja-se seguinte observação: No quadro particular da construção de trajetórias escolares e da construção de projetos de futuro verifica-se que o convite (institucional) à construção (precoce) de um projeto de vida confronta os jovens adolescentes com inúmeras incertezas biográficas, num momento em que eles próprios se encontram num processo (hesitante, dubitativo) de conhecimento de si (Vieira, M. 2016, p. 143). Este conhecimento de si, como refere Vieira, M. (2016), pode ser definido segundo Malik, L. (2003) como a auto perceção das experiências acumuladas pelo indivíduo ao longo do processo de construção de si próprio. Ao longo da experiência escolar que o jovem vivencia, todas as experiências se relacionam com o seu percurso, em conjunto com a vida social e familiar que este contém na sua génese. Desta forma, torna-se num processo de autodescobrimento onde a construção identitária é inerente ao longo da trajetória.
Animação Sociocultural no trabalho com jovens Debruçando este trabalho sobre a Animação Sociocultural (ASC) na ótica do trabalho com jovens, neste artigo pretende-se analisar as potencialidades da ASC enquanto ferramenta, metodologia e filosofia para uma capacitação juvenil, ao nível do processo da construção identitária e do projeto de vida. Assume-se a animação sociocultural como uma metodologia de intervenção social e de pedagogia participativa, tanto em contextos formais como não-formais. Para além disso, faz parte desta metodologia a promoção para a participação do próprio grupo, neste contexto, os jovens, fazendo deles os próprios autores dos seus projetos e da sua mudança. De modo transversal, Jaume Trilla (1998) descreve ASC como um conjunto de ações executadas por indivíduos, grupos ou instituições numa comunidade (ou num sector 55
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da mesma) e dentro do campo de ação de um território concreto, com o objetivo primordial de impulsionar nos seus membros uma postura de participação ativa no decurso do seu próprio desenvolvimento social e cultural. No trabalho com jovens, podendo este ser desenvolvido em paralelo com o projeto escolar, num contexto também ele formal como não-formal e informal. A animação sociocultural entra nesta relação com uma dimensão também educativa mas, numa modalidade participativa, à qual se remete para o uso de metodologias de educação não-formal. Assume-se desta forma a vertente socioeducativa como pedagogia de educação, neste caso, não-formal, em que o objetivo passa pelos jovens serem protagonistas do processo (Viveiros, 2014). A Animação Socioeducativa – é definida por Pérez (2006) como uma forma de animação que procura essencialmente a educação do e no tempo livre das crianças, jovens e também adultos, por via do jogo e das atividades aprazíveis em grupo. Esta animação educativa ou pedagógica trabalha no sentido de desenvolver a motivação para a formação contínua, recorrendo a métodos ativos e técnicas de participação nos procedimentos de ensino aprendizagem. Para além disso, apresenta-se como uma metodologia que atua de forma estruturada e pronta adaptar-se. “A animação é um estilo educativo entre os muitos existentes na tarefa educativa das sociedades contemporâneas: pressupõe uma intencionalidade (objectivos educativos), uma operacionalização dos objectivos através de um modo específico de intervir (estratégias educativas) e um processo sucessivo com acções graduais (itinerário educativo) ” (Jardim, 2002:29). No ponto seguinte, aprofundar-se-á a aplicabilidade adaptada desta metodologia para o trabalho na capacitação da construção identitária e do projeto de vida.
O papel da Animação Sociocultura na construção de projetos de vida O espaço de atuação da animação sociocultural pode ser assumido tanto no contexto formal como no não-formal. O cruzar de metodologias e o possível
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complemento à instituição escola, dá à animação sociocultural um papel mais preponderante na dimensão educativa e, consecutivamente, ao nível da capacitação juvenil. Partilha-se da mesma ótica que Viveiros (2014) identificando a animação sociocultural como uma dinâmica socioeducativa, onde o animador deve ser um facilitador de espaços de encontro e atividades que propiciem a liberdade dos jovens e a aprendizagem pela responsabilidade individual. Ao nível da construção identitária e do projeto de vida dos jovens, perspetiva-se que o papel da ASC passe pela preparação para uma socialização mais participativa e autónoma capaz de desenvolver nos jovens ativamente os seus projetos de vida, de forma consciente e com mais certezas do papel de cada um na sociedade. No fundo, tal como Viveiros (2014) identifica no seu artigo “A dimensão sociopolítica da animação sociocultural no memorando europeu para as políticas de juventude”, o autor identifica na ASC, através das ações apresentadas, um papel importante na potencialização e desenvolvimento de competências sociais e pessoais na juventude. O mesmo relembra que a “animação é complementar à educação não-formal” (Viveiros, 2014), o que gera aprendizagens nesse contexto educativo, através de dinâmicas de participação em atividades onde os jovens são os protagonistas. Nesta visão, as possibilidades de aplicação da ASC tornam-se ilimitadas. O cruzamento de temáticas como os direitos humanos, a participação cívica, o associativismo ou até o empreendedorismo, são áreas que têm capacidade de enriquecer o papel da ASC no trabalho com jovens, semeando competências para um melhor crescimento a nível social e comunitário. Poder-se-á acrescentar que mais do que possibilitar aprendizagens, existe espaço para a própria desocultação e reconhecimento de aprendizagens e competências, estimulando a reflexão sobre essas próprias aprendizagens, o que confere aos jovens uma maior autoconfiança. As metodologias de educação não-formal assumem um modelo pedagógico centrado nos participantes, através de uma abordagem participativa, reflexiva, experiencial e transformadora. Esta metodologia é, na sua essência, estimulante face ao exercício introspetivo que se desenvolve em cada jovem, sendo um meio facilitador do desenvolvimento pessoal. 57
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Segundo Menchén (2006), a educação não formal desenvolve-se fora dos contextos educativos (mas que nem sempre significa que se desenrola fora da escola enquanto espaço), o que denota a inexistência de um currículo, sendo que a elaboração das atividades são centradas no próprio educando, até porque, a sua participação neste processo é também fulcral. Desta forma, a animação sociocultural e educativa pode ser identificada como uma estratégia de trabalho com jovens na construção de projetos de vida. Tendo como objetivo emancipar jovens a participarem ativamente na construção dos seus projetos de vida, contribuin-do para uma melhor preparação face aos desafios da socialização e de crescimento social. Estes que são representados por um conjunto de pressões intrínsecas e extrínsecas que moldam a transformação identitária e a tomada de decisões com impacto futuro, representadas por três forças. Falamos da pressão social (e/ou familiar) para que o/a jovem cumpra com as expetativas em relação ao mercado de trabalho, da pressão para que se molde (e não que irrompa) às normas sociais pré-estabelecidas quanto ao papel de um futuro adulto e, por último, mas de extrema importância, das suas próprias expetativas e identidades (Mandelli, Soares & Lisboa, 2011). Sendo assim, acredita-se no papel da animação sociocultural no trabalho sobre o autoconhecimento e a transformação identitária, pois facilita a compreensão do sujeito e a sua integração no processo de escolha. É, também, essencial promover a capacidade de identificar e desenvolver competências, bem como de as reconhecer como transversais e passíveis de converter e aplicar em vários domínios e contextos. Esta é uma necessidade presente na sociedade no que toca aos jovens de hoje.
Reflexões finais O percurso desta análise exploratória debruçou-se sobre o papel da animação sociocultural no campo da juventude. Com isto, pretendeu-se refletir sobre possíveis cenários de aplicação para a animação sociocultural, abrindo janelas para novos cenários de reflexão, contribuindo para o enriquecimento do papel da ASC.
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Queremos salientar para o facto da animação sociocultural não ser apresentada aqui como uma prática resolutiva de qualquer problemática mas sim, transformadora e emancipadora, podendo fazer parte com outras metodologias para um trabalho mais completo e transversal. Seja no campo da educação, seja no campo social e comunitário, esta é uma breve apresentação onde a animação, através das suas técnicas de educação não-formal e todos os seus princípios e valores, pode ter espaço para o trabalho com jovens. Não se pretendeu fazer uma revisão teórica nem uma análise conceptual sobre a animação sociocultural mas sim, um questionamento de novos contextos e aplicabilidades onde a animação sociocultural tem espaço para tal. Apesar de ser um trabalho desenvolvido numa ótica exploratória, convém deixar assente “alguns” aspetos relevantes: Ao longo do período da adolescência, os jovens enfrentam diversos desafios que envolvem a transformação identitária através da influência de forças tanto intrínsecas como externas. Daí que o trabalho com jovens ser importante tendo em vista uma geração mais capacitada e moldada aos desafios da sociedade atual. Grande parte do desenrolar da transformação identitária é ocorrida em contexto escolar, devido ao tempo que os jovens dedicam ao ensino e à aprendizagem, pelo que a escola deve ser vista como um espaço complexo, como um “microcosmos da sociedade” (Vieira, A. 2013). Daí que a própria instituição deve estar recetiva à presença de profissionais da área da animação sociocultural, que através de metodologias de educação não-formal, são capazes de se adaptar ao contexto formal como não-formal, trabalhando em conjunto com outras áreas de ação e intervenção presentes na escola. É esta a capacidade de adaptação multidimensional que faz com que a ASC, mais uma vez, demonstre ser por um lado uma estratégia contribuindo para construção de planos de intervenção participativos, educativos e ativos e, por outro lado, ser também um conjunto de técnicas que leve os profissionais que trabalham com jovens, tanto em contexto escolar como comunitário, a serem capazes de criar uma relação construtiva e transformadora no trabalho com os seus grupos. 59
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