Portrait Fanzine nº 04

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CARTA ABERTA Minha ideia sobre uma revista, sobre o que ter nela, sobre o que falar, muitas vezes rema contra a maré. Por exemplo: a capa dessa edição com o Polo Aquático. Alguns colegas disseram: como assim, tá doido? Isso não vende, não chama a atenção? Por favor. Quando existirem boas histórias para serem contadas, elas serão apresentadas da melhor forma possível nas páginas do PORTRAIT Fanzine. André Avallone, Polo Aquático, Sesi, tudo junto, são ótimas histórias. Além da foto da capa estar muito bonita (risos)... A prerrogativa de ser marginal (uai, estou à margem do mainstream), me permite ousar, ver “além da caixinha” e entrevistar um moleque de 15 anos que tem potencial para os Jogos Olímpicos de 2020. É um tiro no escuro, mas raios, o garoto ganha tudo no skate, dá show nas pistas dos Estados Unidos, como não trazê-lo para a revista? E o mesmo vale para os quadrinhos que fecham essa edição. César Ferreira é um menino de 12 anos, meu aluno, e muitas vezes faz me lembrar de mim mesmo eras atrás. A história é fofa, bem feitinha, eu pintei e toda edição vai ter HQ desse garoto. Me deram chances quando eu era moleque, poucas, é verdade. Mas aproveitei cada uma delas. Por que não fazer o mesmo?? Essa edição ainda celebra uma parceria com o Diego Silver , responsável pelo site Área Restritiva. Há alguns meses, colaboro com ele enviando textos sobre a minha visão a respeito do basquete. Nesse número do Portrait Fanzine, reproduzo minha última crônica que publiquei por lá. Você saberá mais sobre o Diego e seu trabalho nesse mundão nos próximos números. Por isso, eu faço essa revista. Ser algo que traz o que a grande imprensa não faz mais, abrir espaço para aqueles que não são ouvidos. Esse é o meu compromisso. Dá uma trabalho desgraçado, mas é divertido pakas.

SUMÁRIO

polo aquático pg. 4

Friedenreich pg. 12

skate pg. 16

Embarquemos...

PROJETO

Alexandre da Costa


Sucesso nas piscinas André Avallone, técnico do Polo Aquático do SESI-SP: legado olímpico e propostas para o desenvolvimento do esporte brasileiro

texto e fotos: ALE DA COSTA

“Eu tinha convicção que ia ser difícil mudar alguma coisa!” Sem meias palavras, André Avallone dispara ao comentar sobre o papel transformar que poderia ter tido a Olimpíada no Brasil. O técnico e responsável pelo projeto do Polo Aquático no Sesi SP, não pode, no entanto, ser taxado de pessimista. “O lado positivo dos Jogos do Rio é que eles serviram para moralizar o esporte brasileiro”. 4

Formado em educação física em 2003, o jundiaiense de 36 anos teve passagens por clubes do Brasil e da Espanha, para onde se mudou em 2005. Lá, encarou uma realidade diferente das piscinas brasileiras: profissionalismo em um dos países que domina o polo aquático mundial. Foram quatros anos no Barceloneta, mas o grande momento como técnico aconteceu na equipe do Sant Andreu. Na tem-


porada anterior à sua chegada, a equipe espanhola ficara em oitavo lugar. Com Avallone, as meninas do Sant Andreu foram vice-campeãs, melhor resultado da história do clube. De volta ao Brasil, integrou a comissão técnica da seleção brasileira até ingressar no projeto do polo aquático no Sesi e assumir a equipe profissional. “São mais de 1,5 mil crianças entre seis e 17 anos”, conta com o orgulho. André Avallone me recebeu numa manhã de sábado, ao lado dos filhos, para falar de polo aquático, política, esportes, sem medo de cara feia. Portrait Fanzine: Saudades da Espanha? André Avallone: A gente sente muita falta de lá. Minha esposa, principalmente. Quando mudamos para a cidade de São Paulo, tentamos adaptar nossa vida como era em Barcelona. PF: Os Jogos Olímpicos do Rio 2016 mudaram a cara do esporte brasileiro? Foram uma boa para os nossos atletas? A: Eu tinha convicção que ia ser difícil mudar alguma coisa, mas como qualquer pessoa que trabalha no meio do esporte tenho que olhar para o lado positivo. Ela serviu para moralizar o esporte brasileiro. Deixamos agora que a Justiça e o Ministério Público façam o seu papel no esporte. Se for comprovado que pessoas cometeram crime, acho justo que paguem pelo que fizeram. Esse é um lado posi-

tivo. Outro lado positivo, acho que não é só o fato de ter acontecido a Olimpíada no Rio. A cada quatro anos, os Jogos despertam o interesse da criança em fazer esporte, surgem novos projetos que vão continuar existindo. No Brasil, foi mais forte, a gente conseguiu captar mais sonhos, mais crianças para o esporte. PF: Fui atleta, não fui adiante porque não tinha onde e como fazer. A escola era uma alternativa que também não foi adiante. Não tinha como conciliar trabalho e esporte. Por que não se consegue enraizar na cultura brasileira o esporte como uma política? Educação física é sempre dispensável. Não se tem a consciência do esporte como modificador, como agente que modifica. Você tem esperança num cenário de mudança? A: Eu não gosto de ser pessimista. Eu também não vejo um futuro por esse caminho. Um grande exemplo do esporte na escola é o Estados Unidos. Uma potência. Um dos fatores que possibilita isso é o esporte na escola. Eles conseguem ter boas notas, uma sociedade boa, uma política bacana, tá melhor do que a nossa. Eu sinceramente não vejo um futuro muito bom por esse caminho (esporte na escola) aqui no Brasil. Os Jogos Estudantis são uma coisa pouco enraizada. O presidente do SESI-SP, Paulo Skaf, introduziu o esporte no Sesi. Estamos vivendo um processo para conseguir

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A Liga Nacional de Polo Aquático (PAB) encerrou sua segunda temporada com sucesso e grandes jogos

introduzir o esporte na escola e mudar a cultura das nossas crianças. Só pessoas que tem o poder sobre o sistema podem implementar algo tão grande assim. Porque se a gente for depender da sociedade, da cultura esportiva que não tem, vai ser muito difícil. Eu, você, podemos fazer nosso papel. Pegar duas mil crianças, mas vai ser só isso. Eu não tenho muito acesso. Se a gente não esperar que os grandes nomes do Brasil façam alguma coisa e vejam isso com bons olhos, não vamos conseguir nunca. PF: Polo aquático sempre teve uma imagem elitizada. O acesso ao esporte não era fácil. Não era pra todos. O Sesi há oito anos mudou isso... A: O SESI-SP abriu as portas não só para o Polo Aquático. Temos luta olímpica, rugby, vôlei, natação, esportes paraolímpicos, atletismo, triathlon, handebol, entre outros. O SESI-SP não investe no futebol, que já está na cultura do brasileiro. A criança joga bola sem ninguém pedir. Então, o SESI-SP investe em outras modalidades, esportes que tem pou6

co acesso. Investir neles é positivo. A ABDA também faz um projeto maravilhoso que não é só no Polo Aquático. O SESI-SP começou com o Polo Aquático. Dependemos muito de pessoas que tem o poder. O polo aquático mudou a vida de muitas pessoas que hoje são importantes no meio do Polo Aquático nacional. O projeto no Sesi é muito bom e deveria existir em mais instituições. Já trouxe pessoas do mundo inteiro para conhecer e dizem que isso aqui não existe em lugar nenhum do mundo. São 1,5 mil crianças, de seis até 17 anos, com uma estrutura sensacional. Temos o projeto Atleta do Futuro, mais de 400 crianças que estão no treinamento esportivo, nossa liga tem 18 equipes. A partir dos 16, nós captamos o atleta para o rendimento. É um exemplo de como poderia ser o esporte no país e isso já é feito há oito anos. Temos defeitos, problemas, mas hoje pelo que existe de esporte no país, acho que é um grande exemplo a ser seguido. PF: Ao formarem a Liga Nacional de Polo Aquático (PAB), os clubes romperam com a CBDA. Equipes do basquete brasileiro fizeram o mesmo com o NBB, um sucesso na medida do possível. Essa postura é uma alternativa para o esporte de rendimento? Os clubes assumirem o desenvolvimento do esporte é uma alternativa? A: Não sei se é uma alternativa para outra modalidade, mas era a única que nós do Polo Aquático tivemos. Acredito que tenha sido o que o basquete encontrou pra eles. Acredito que as Confederações, assim como a política brasileira, instituições do Brasil, muitas, não digo corrompidas, mas estão acomodadas. Tenho certeza que não deve ser fácil administrar uma Confederação, mas hoje elas recebem verbas públicas para auxiliarem no desenvolvimento da modalidade, do esporte de formação, rendimento e não são cobrados como poderiam ser cobrados com mais rigor pelos que liberam a verba pública ou privada. Não culpo 100% a confederação de verdade!


É triste o que vou falar, mas tem muito a ver com a cultura do brasileiro também, que hoje aceita não ter hospital grátis, aceita não ter escola grátis, sendo que pagamos impostos para estes fins, imposto todo mês, todo ano, e infelizmente não recebemos nada em troca. O Polo Aquático achou uma alternativa, criou a liga e disse “agora vamos fazer como a gente quiser, certo ou não, estamos todos tentando”. Meus pais sempre falaram isso: “André, não espera que os outros façam por você, vai lá e faz” PF: A Liga tem dado certo?

Nada é perfeito, temos muito o que evoluir e isso é positivo. Se a gente já tivesse tudo perfeito, seria problema estarmos na situação que estamos. Nós temos muito o que evoluir e isso me deixa feliz. PF: Rompimento com a CBDA, a oposição assumiu o poder... Já existe um diálogo com a CBDA. Estamos juntos. O Polo Aquático é um só. Toda a parte de arbitragem da Liga vem sendo paga pela CBDA. Estamos em harmonia. A gestão nova tá no começo, mas tá fazendo tudo de forma transparente, envolvendo todos. A experiência

dos mais velhos com a vontade de trabalhar dos mais novos. Eles tem colaborado muito e feito um bom papel apesar de todas as dificuldades. PF: Eu conheci o Coaracy Nunes em 2001. O Brasil deu um vexame no Mundial de Fukuoka de 2001. Perguntei para ele: E aí como foi? Nenhuma resposta. Nada. Em 2017, ele foi preso. Ele assumiu em 1988. Por que tanto tempo para que algo mudasse nos esportes aquáticos do Brasil? A: Você só tem uma vida pra viver. Você tem uma paixão que é o polo aquático e perde a

ilusão. Tem duas escolhas: ou você segue sua vida e aceita aquilo ou você gasta sua vida inteira lutando contra aquilo que está errado ou você acha que está errado. Você usa a sua vida inteira por aquilo que acredita. Essa segunda é a opção das pessoas como eu e você, eu também tive essa escolha. Eu tive a opção de não aceitar mais eles e aprender a conviver da melhor forma possível. Eu me sinto um pouco responsável por tudo isso que aconteceu. Lutei contra o que eles pensavam.. Precisamos de pessoas que tenham poder para mudar de uma forma positiva.. Eu, você, sozinhos, não podemos fazer. Eu sempre 7


reclamava com o meu chefe.. Aí meu chefe um dia me chamou e fiz uma lista com tudo que não estávamos de acordo. Ele disse: “agora vamos lutar pelo que acreditamos, se prepara porque virão momentos ruins”. Nós, no dia a dia, sozinhos, não vamos conseguir mudar o mundo. Precisamos nos unir pelo que acreditamos.

de futebol do Rio e clubes que sempre lutaram pela sobrevivência nas diversas regiões do Brasil. São os amantes do Polo Aquático. Os gestores que estavam no Poder não valorizaram os clubes. Eles jogavam com os clubes. E acabaram que não tomaram as decisões corretas. Nesses trinta anos trouxeram um técnico estrangeiro, você paga tal quantia, PF: E o Nuzman? Roubalheira dos Jo- ele vem e qual o projeto, qual o legado que gos Olímpicos. Problemas de corrup- deixou? Ah tá ganhou da Sérvia, grande feição em um monte de confederações. Isso to, mas quem sobrou daquele super time? está enraizado no esporte brasileiro. A prisão do Nuzman é simbólica no pro- PF: E a seleção brasileira agora? cesso de mudança do esporte brasileiro? A: Não tem nada. Eles foram pro Mundial agoA: Com certeza, uma pessoa que fica presa ra em Budapeste e tinha apenas três atletas uma semana, dois dias, e não tem a liberda- que estavam nos Jogos Olímpicos. A Espanha de de fazer o que bem entender vai pensar no é um exemplo. Disputaram os Jogos de 1988 que fez. Se cometeram um crime tem que ser com o mesmo time de 1992. Time jovem em cobrado pelo que fez, justiça tem que ser fei- 1988. Houve um planejamento. Eram campeta. E tenho certeza que os próximos gestores ões mundiais junior em 1986. Em 92, conquisdo esporte vão pensar quatro vezes antes de taram a medalha de prata. Isso é investimenfazer qualquer coisa que coloque em dúvida to. Em 1996, os espanhóis foram campeões a sua pessoa. Todas essas prisões foram as- olímpicos. Em 2002, com esse mesmo time fosustadoras para muita gente. Nesse sentido ram campeões mundiais. Olha o legado! O que olho pelo lado positivo para a Olimpíada.. tem no Brasil? Eu divido o time em três faixas O Polo aquático no Brasil não é muita coisa etárias: muito jovens, jovens e experientes. no cenário internacional. O polo aquático no Vamos mesclando, vira ciclo, roda o ciclo. Por Brasil se deve aos clubes de São Paulo, do in- que não convocar os irmãos Gomes, Jonas do terior de São Paulo, ao Sesi, ABDA, aos clubes Fluminense? O Rudá como um dos experientes? Ele no Brasil Open, duas semanas antes do Mundial, foi um dos sete melhores do Brasil. Votado por todos os técnicos. Por que não estava na seleção? Ele é tão indisciplinado assim? Ele é o nosso melhor exemplo aqui no Sesi. PF: Projeto olímpico... isso é assustador porque perdemos a chance. Países como a Inglaterra que não tinham tradição no esporte, viraram potência depois dos Jogos que receberam. Japão vai pelo mesmo caminho. A coisa não deu certo... A: Eu trabalho com formação. Temos dois tipos de atletas. Aquele que tem talento naComandado por André Avallone, o SESI SP conquistou o título da Liga Nacional de 2017 de Polo Aquático Masculino 8


Tony Azevedo, um dos maiores jogadores da história do Polo Aquático - para muitos, o melhor - defendeu o SESI SP por quatro temporadas

tural e aqueles que são trabalhados. Muitos atletas consagrados no Brasil são talentosos. Mas há tantos que poderiam ter sido trabalhados de melhor forma. No Polo, tem muitos atletas com talento que ao não se respeitar o processo de aprendizagem, saltam etapas. Vão muito jovens para a seleção adulta. A pressão e o impacto são muito grandes e “queimam” o atleta. Muitas vezes essa ideia de romper etapas acontece no Brasil. Não se trabalha o talento de forma correta. Saltamos etapas e o esporte brasileiro é isso. PF: Você trabalhou e foi técnico de Tony Azevedo, um dos maiores nomes (para muitos, o maior) da história do Polo Aquático. Como foi isso? A: Todo dia era um aprendizado com ele. Ele me ajudou muito a colocar em prática no jogo todo o treinamento que fazíamos no dia a dia. Tony foi importantíssimo na minha formação como técnico. A presença dele no vestiário, com o grupo...ele ajudava muito o trabalho como um time. Além de todos os títulos, ele foi importantíssimo, nunca reclamou e, pelo contrário, sempre estava feliz em dar as clínicas, palestras e viagens com as crianças. Ajudou muito os jovens jogado-

res que estiveram com ele, Pedro, Salgado, Carinha e, principalmente, Rudá Franco, o nosso capitão. O maior líder dentro da água que eu já vi, com certeza, ajudou o nosso capitão a como ser um melhor líder. Enfim, Tony é um craque dentro e fora da água. Um grande jogador, uma excelente pessoa! PF: O Sesi acabou de conquistar a Liga Nacional de Polo Aquático. Provavelmente, a competição mais difícil dos últimos anos, ... A: Foi a liga mais disputada que tivemos nos últimos anos. Os placares foram super justos. Todas as equipes tinham condições de estarem mais alto na tabela ou mais para baixo. Por isso, o título tem muito valor. Desde de 2013, jogamos todas as finais de Liga. Em todas tínhamos Tony Azevedo e esse ano vencemos sem ele, isso tem um grande significado para nossos jogadores. Aprendemos e existiu um legado, afinal 70% da nossa equipe é formada na nossa base. Esse título demonstra cada vez mais o profissionalismo e a seriedade que o SESI-SP vem trabalhando com o esporte. Os profissionais envolvidos no Polo Aquático do SESI-SP são altamente capazes e estão de parabéns!!! Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história. 9




es sa

A VIDA

D A N A D A

Uma crônica singela sobre os caminhos que tomamos texto e fotos: ALE DA COSTA

Existem umas coisas malucas na vida. Algumas histórias que se cruzam que, num mundo com um mínimo de lógica, jamais se encontrariam, mas como tenho dito há algum tempo... sei lá. Quem me conhece sabe das voltas que minha carreira/vida deu. Resumo rápido: quinze anos atrás, fui correspondente no Japão. Aí, me enchi, virei professor de História. Então, no início de janeiro de 2012, mesmo sem o equipamento ideal, sem contatos e com a maior cara de pau do mundo, me credenciei para fotografar pra valer meu primeiro jogo do NBB no Paulistano. Então tudo mudou.... O que pouca gente sabe é que não é a primeira vez que o Paulistano surge no meu caminho. E acho isso muito louco porque eu e esse clube não temos nada a ver se pensarmos em

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classes sociais, mentalidades e tantas coisas. Somos bem diferentes. Mas por que falar disso agora? O lançamento do mascote do Glorioso e o primeiro título do clube no basquete brasileiro foram os gatilhos desse relato de memórias. Era uma vez... Em 1997, eu era um jornalista free-lancer e fazia trabalhos para o aposentado Diário Popular da cidade de São Paulo. Numa dessas reportagens, encontrei a Silvana Fontanelli que era a chefe do Centro Histórico do Paulistano. Conheci o lugar, vi o acervo, o cuidado dela com as fotos antigas e pensei: “uai, por que não?” Do que eu estava falando? Eu já sabia de Arthur Friedenreich. Conhecia a lenda em torno de seu nome (o jogador brasileiro que fez mais gols que Pelé) e sabia também


que ele tinha sido o principal nome do Paulistano no futebol antes da era profissional, nos primeiros trinta anos do século XX. Mais? Fried (como era chamado) estava esquecido, era como se não tivesse existido tamanho craque, o que não era novidade nenhuma no que se refere à memória do esporte nacional. Por que não resgatar Arthur Friedenreich, Fried, El Tigre??? Durante 14 meses, pesquisei o que foi possível de sua vida. Ele jogara entre 1909 e 1935, não havia ninguém vivo da época – nem ele, e tirando o Paulistano, os acervos Brasil a fora no final dos anos 90 eram bem pobres em relação aos primórdios do futebol brasileiro. Além disso, eu era um moleque de 24 anos, talvez ingênuo demais pra idade... Mas tudo bem. A ideia inicial era resgatar a lista de gols de Fried e comparar com Pelé. Foi o que eu fiz. Jogo por jogo, verdadeiro trabalho de garimpo. Apelidado de El Tigre pelos uruguaios, o craque brasileiro com nome alemão não fez mais gols do que Pelé. Foi a conclusão da minha pesquisa. E daí? Conforme o trabalho avançava, eu percebia a história de um talento único que pulou muros imensos – metaforicamente falando - e brilhou mais do que todos em sua época. Em dezembro de 1998, lancei o livro O Tigre do futebol – uma viagem nos tempos de Arthur Friedenreich (pela DBA books). Poxa, era a realização de um sonho que na verdade eu nunca tivera. Lançar um livro foi algo que cresceu ao longo da produção do projeto. Deu certo. Mais do que isso, no entanto, e o que realmente importava, é que Fried voltou aos holofotes. Dei entrevistas falando dele em vários veículos. As pessoas procuraram esse mito de novo. Ele brilhou num documentário até na Alemanha em 2005. E sem hipocrisia e falsa modéstia, meu pequeno livro ajudou muito nesse resgate. Profissionalmente, O Tigre do Futebol me levou para outros universos, esses sim sonhados. Primeiro, graças à pesquisa insana de gols do craque, consegui trabalhar como “frila” para a revista Placar. Lá conheci Celso Unzel-

te e aí tudo andou diferente na minha carreira. Fui parar no Japão, lancei um segundo livro, tive um filho, perdi um filho e a vida caminhou para algum lugar porque assim as coisas são. Nisso, a fotografia sempre esteve comigo, sempre ao lado. Mas os textos pagavam as minhas contas e fotografar, por mais que amasse isso, não. A carreira de “frila” encheu o saco, virei o professor de história, mas algo faltava. Não sei por que raios uma câmera digital caiu nas minhas mãos – já estamos falando de 2011 - e comecei a ver a possibilidade desse novo mundo. Eu sempre fora um fotógrafo analógico, usava filmes, um romântico ultrapassado - diriam os modernos. É claro que usar filmes atrasava sim minha vida. Mas a câmera digital apresentava outra perspectiva. ... Fotografar sempre me levou para outra esfera de existência. Me acalma, me transforma. Um exemplo disso foi minha semana no Timor Leste governado pela ONU, semanas depois de uma guerra civil, no entanto, isso é uma outra história. ... Agora é tanta gente no mundo cagando pra você que quando se encontra alguém que apenas diz SIM isso precisa ser valorizado. Início de janeiro de 2012, estava de férias na escola, prestes a fazer 37 e minha vida mais estranha do que sempre. Fotografar esporte no Brasil, muitas vezes pra mim, sempre pareceu fazer esporte no Brasil: uma atividade hercúlea. Equipamento caríssimo pra começo de conversa. E nem câmera digital eu tinha, usava uma semiprofissional emprestada. Porém, algo dizia: “escreve logo esse e-mail, pombas” e escrevi. Estava dirigido para a assessoria de imprensa do time do basquete do Paulistano. Eu moro na cidade de São Paulo, tinha que pensar na logística da coisa. O Paulistano ficava a algumas estações de 13


casa e uma descida da Rua Augusta – pouco mais de 40 minutos de viagem. Era a opção. E-mail enviado, segundos depois, para meu espanto, a resposta. Espanto porque o próprio Paulistano anos antes dificultara o acesso dizendo que eu tinha que ter carteirinha do sindicato disso e daquilo para poder cobrir jogos no clube. Desta vez, o assessor Denis Botana disse sim. Apenas. Ele mal sabia o que estava fazendo por mim. Tudo virou de ponta de cabeça porque não abandonei as

Meu blog virou uma espécie de site tipo banco de imagens, trabalhei em trocentas finais e eventos e nunca menosprezei aquele jogo da série D. Cunhei o lema “todo jogo é uma final” para deixar bem claro o que quero, o que penso. Não apareço apenas na hora do filé mignon. Então, chegamos ao título paulista do Paulistano nesse ano. Muita água correu debaixo da ponte. Nesses cinco anos cobrindo temporadas e temporadas desse time aprendi a gostar dos caras, do jogo deles, da filosofia em

aulas e abracei a vida dupla. Novamente, sem nem imaginar que eu existo, o Paulistano é esse catalizador da mudança. Nessa primeira temporada de NBB que fotografei foram sete jogos apenas. Na seguinte, cobri todos os jogos do Paulistano na liga. Aí, decidi acompanhar o time também no Paulista. Depois, o Pinheiros foi inserido na minha agenda. Chegaram de vez o vôlei, o rugby, o polo aquático, o handebol, a ginástica, tudo o que era esporte olímpico e que me permitisse fotografar, eu fotografava.

quadra. É um sentimento estranho pra mim e de difícil explicação. Fotografei as grandes finais deles no NBB. A primeira no Rio de Janeiro em 2014. Teve uma final de Paulista também. Em 2017, tudo de fato caminhava para mais uma final. Gustavo de Conti radicalizou ao abraçar de vez a juventude do time e foi pra cima dos rivais com uma espécie de frescor e ou fúria pouco vistos nas quadras desse mundão. A final entre Franca e Paulistano opôs os melhores da fase de classificação. Primei-

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ro jogo no interior de São Paulo, deu Paulistano. Segundo jogo, também em Franca, venceu o time da casa. A decisão veio para a capital. Na terceira partida, Franca virou a série. E chegamos no jogo quatro, 31 de outubro de 2017, quadra da Paulistano lotada. A partida tinha tudo para ser a mais tensa do ano até então, era o jogo do título pro Franca e toda sua tradição. Mas – e no esporte sempre o mas está presente, ainda bem- o Paulistano não tomou conhe-

simplesmente parei de fotografar para assistir... E sentir. No final, dunk do Guilhermão, que joga sorrindo, cestas seguidas de três de outra promessa, o Vitão. Quando o cronômetro zerou no último quarto, eu sabia... nenhum time tiraria o título do Paulistano. Jogo cinco em Franca, dois de novembro. Longe pra dedéu e eu tinha outros trabalhos nesse feriado agendados bem antes. Decidi ficar em São Paulo. Como? Você abdicou da grande final? Pois é! Dentro de mim,

cimento do drama. Atropelou? Sim, jogo quatro com mais de 30 pontos de vantagem e decisão adiada para a última peleja. Fui para esse jogo quatro trabalhar com a certeza de que viria algo novo. De verdade, o fechamento da série parecia muito provável, mas o que time de vermelho e branco tinha de potencial não poderia ser menosprezado. A intensidade que eles impuseram foi tão grande nessa noite e tão linda de se ver que houve momentos na quadra que eu

o jogo quatro tinha sido a minha final, sei lá por quê, mas eu não precisava estar no jogo cinco, entendeu? Sim, nem eu. Toda essa estranha avalanche de emoções caiu na minha cabeça minutos antes da apresentação do mascote do Paulistano em seu primeiro jogo do NBB 10, dois dias depois do título inédito do alvirrubro. O mascote é um tigre chamado Fried e surgiu com a taça do Paulistão na mão e não tive como não pensar nas tremendas voltas que essa doida vida dá. 15


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Promessa dourada Pedro Quintas é um dos novos talentos do skate brasileiro e sonha com a Olimpíada de Tóquio O skate será uma das novidades da Olimpíada de Tóquio em 2020. Surf, beisebol/softball, karatê e escalada também farão parte do programa olímpico que ao todo apresentará 33 modalidades. Praticado por quase dez milhões de pessoas no Brasil, segundo pesquisa do DataFolha feita em 2015, a escolha do skate surpreendeu muita gente. Para o Comitê Olímpico Intenrnacional, a inclusão desse esporte era mais do que necessária, entre outras coisas, para recuperar a audiência dos jovens em relação aos Jogos. O relatório da entidade após a reunião que definiu a entrada de novos eventos deixa isso bem claro: “... os skatistas têm grande presença na mídia digital e influenciam milhões de seguidores na mídia social” Para o Brasil, a novidade pode ser garantia de mais medalhas. Ao lado dos Estados Unidos, o país tem apresentado atletas de talento e conquistado inúmeros campeonatos mundo a fora. Pouco ainda se sabe sobre a forma da escolha dos skatistas brasileiros para a Olimpíada.O que já está definido é que serão 80 skatistas do mundo todo (masculino e feminino) que disputarão provas de Skate Park e Skate Street. A grande vitória do ano passado, no entanto, esteve na confirmação da Confederação Brasileira de Skate pelo COB como a responsável pelo processo. Isso é importante ser dito porque logo que o skate foi acolhido pelos Jogos havia se definido que a Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação

cuidaria da escolha dos atletas. Com a burocracia resolvida, pode-se afirmar que o ranking mundial será determinante para sabermos quem representará o Brasil. Pedro Quintas tem 15 anos e pratica skate desde os três. É um dos candidatos aos Jogos de 2020. Chamou atenção do mundo quando se tornou o mais jovem skatista brasileiro a descer a Mega Rampa em Woodward West em 2012. Ele é um dos principais nomes entre os atletas amadores da modalidade ao lado de Micael dos Passos e Luiz Fernando, entre outros, e sonha com uma medalha no Japão. Por quê não? Pedro faturou etapas de circuitos paulista, brasileiros, eventos no Brasil e nos Estados Unidos. Confira o bate-papo do garoto com o Portrait Fanzine: Portrait Fanzine: Como “caiu a ficha” que o skate seria um esporte olímpico? O que você pensou? Pedro Quintas: Fiquei feliz porque muitas marcas de fora que não ligavam para o skate se interessarão agora pelo nosso esporte. Outra coisa que pode melhorar é que os governos (municipal, estadual, qualquer um) poderão produzir mais pistas de qualidade. Poderemos ter mais investimentos nos atletas também. Vivemos uma das melhores fases do skate no Brasil e a entrada nos Jogos poderá melhorar mais ainda esse cenário. Já inauguraram três boas pistas em São Paulo logo depois do anúncio. Sou otimista, acho que haverá uma evolução no skate, vai ajudar bastante. 17




PF: Skate é um dos esportes mais praticados no Brasil... PQ: O skate já é bastante popular no mundo e ficará mais bem visto com os Jogos Olímpicos. Sempre houve preconceito em relação ao skatista, tem gente que diz que é coisa de “maloqueiro”, “vagabundo”, no passado chegou a ser proibido no Brasil. A inclusão na Olimpíada mudará a visão da galera sobre o esporte e incentivar. PF: Como é sua relação com seu pai? PQ: Meu pai sempre foi do surf. Eu ganhei um skate com três anos da minha tia. Se não fosse o skate, eu estaria surfando com certeza. Morávamos em Ubatuba – litoral norte de São Paulo. Meu pai começou a me levar cada vez mais para o skate e viu que eu tinha jeito para o negócio. Ele começou a investir em mim, me levar para campeonatos. Meu pai via minha evolução. PF: Como você encara sua carreira mesmo sendo tão jovem? Qual o caminho? PQ: Sou amador ainda. Penso em me profissionalizar em dois anos, talvez. Eu quero o skate pra minha vida. Eu comecei muito cedo, mas não me “encheu o saco”, sabe? O bom do skate é que tem várias modalidades, mesmo começando bem jovem é um negócio que eu amo muito e quero continuar fazendo. Se fico uma semana sem andar fico mal, ansioso pra andar de novo. Eu sei que perde um pouco da graça quando se vai crescendo. Mesmo se eu ando todo dia, nas mesmas pistas, eu vou dar um “rolê no street” e não tenho nenhum compromisso, aí as manobras saem. Para ser profissional, eu preciso dominar todos os estilos.

Micael dos Passos em evento do Cave Pool (São Paulo)

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PF: A nova geração do skate brasileiro (garotos na casa dos 15/16 aos) é muito boa. Como vocês se dão na pista? Há muita rivalidade? PQ: Há uma “brodagem” muito grande entre a gente. Nós crescemos juntos, vamos juntos para campeonatos desde pequenos. Vemos o progresso um do outro. Não tem muito espaço para rixas entre a gente. Quando o cara acerta a linha dele, faz a gente querer melhorar também. PF: E a Mega Rampa? Você tinha dez anos e chamou a atenção de todo mundo com sua ousadia. A mãe não ficou doida com isso não (risos)? PQ: (risos) Hanhan, mas acho que ela ficou mais brava comigo por causa da tatuagem que fiz quando tinha 9 anos. Era minha segunda viagem para a Califórnia. Eu queria a Mega Rampa. Mas na hora, você vai subindo a estrutura, subindo, dá um frio na barriga, mas eu só pensava em descer a rampa. E quando você salta e chega ao chão, a sensação é indescritível, é uma sensação de liberdade que não sei explicar. Desci a pista do Bob Burnquist também. É de fato muito perigoso, qualquer coisa que faça errado você pode se quebrar. Eu fui duas vezes. Nunca caí errado. Rolam acidentes, eu nunca caí, mas aí você vê caras quebrando as canelas e pensa “será que eu quero isso mesmo?” (risos) É uma coisa que quero fazer de novo. PF: Como é sua rotina num campeonato? PQ: Quando estou na pista, fico focado o tempo todo. Eu não consigo ficar brincando com os amigos antes da linha.


Eles até brincam comigo dizendo que não parece eu porque fico na minha. Parece que tem uma coisa dentro de mim que manda eu me isolar, ficar na minha pra render bem no campeonato. Isso é um diferencial em mim, a galera em campeonato fica muito nervosa e acaba errando, eu pego isso e transformo em energia, ter mais explosão, faço coisa até que nem tinha tentado nos treinos. É um negócio doido, sem ter como explicar. Quando acaba o campeonato é um alívio. PF: E o ano de 2017 pra você? PQ: Fui o primeiro em etapas do Circuito Amador em Santos, Americana e São Paulo. Participei de dois mundiais, fui segundo em um e quarto nos Estados Unidos. Lá eu estava passando mal, fiz coisas que não treinei, foi bem acirrado. Tinha 85 caras na pista, dois dias só pra treinar. Ninguém fez uma volta 100%. Passei dois meses no EUA, um mês em San Diego, andei na maioria das pistas de lá. Corri campeonatos lá, ganhei um, fiquei em segundo em outro. Foi um ano bacana. PF: Você é um candidato aos Jogos Olímpicos de 2020? Isso é real? PQ: Não sabemos ainda como funcionará a seleção para os Jogos. Ninguém sabe ainda. Provavelmente, o ponto de partida será o ranking mundial. Se mandarem dez caras, eu estarei entre eles. Tem caras bons para caramba. Nunca sabemos. Espero estar lá sim. A concorrência será grande. O skate brasileiro vai estar bem representado. PF: A chegada na Olimpíada é um passo definitivo

para aceitação do skate como esporte pela sociedade? PQ: O estado não liga para o atleta brasileiro. Não dão apoio nenhum, bolsa atleta para skatista nem pensar. Estamos na luta. Ou você faz por você ou faz por você. Ninguém vai vir aqui te dar um empurrão. Mesmo tendo pistas ruins para treinar, a garra permanece. Tem muita gente que não tem condição financeira pra andar. O shape de qualidade é caro. Pra ter algum reconhecimento dos patrocinadores, do estado, temos que lutar bastante. Além disso, o skate é muito mal visto ainda. Melhorou bastante, mas quando eu era pequeno diziam pros meus pais: “como você deixa seu filho andar de skate?” Tem muito preconceito. Só não é o esporte mais praticado do mundo porque é caro, uma bola serve pra 30 pessoas. Muita gente não anda ou desiste por causa dos preços. Minha mãe é professora, meu pai entrega cesta básica. Meus amigos, às vezes , não andam porque não tem shape. Cara, é batalha todo dia!!!

Pedro Quintas faturou evento no Cave Pool em dezembro passado

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Ele está de Murilo Endres retornou às quadras brasileiras em dezembro, depois de oito meses de suspensão por causa de um exame antidoping positivo para o diurético furosemida. A contaminação do material, no entanto, foi confirmada pelo Laboratório da Agência Mundial Antidoping (WADA). Melhor jogador de vôlei do mundo em 2010, o ex-ponteiro encara fase nova na carreira atuando como líbero do Sesi SP pela Superliga entrevista: AMANDA DEMÉTRIO fotos: ALE DA COSTA

“Não preciso nem dizer que ficar de fora foi muito difícil, foram oito meses bem complicados, mas que graças a Deus ficaram para trás. Ter voltado aos treinos me ajudou bastante, ocupou minha cabeça e me deu o objetivo de voltar a jogar”

“A saudade de atacar tenho sempre, nos treinos a bola sobra e dá vontade de atacar, no aquecimento as coisas mudaram também. Mas eu estou bem consciente de que é uma nova posição e que eu tenho que esquecer um pouco isso e me dedicar 100% na defensiva”.

Murilo fez seu primeiro jogo como líbero pelo Sesi SP contra o Sesc RJ - segunda colocada da Superliga de Vôlei Masculino - em dezembro passado. Na nova função, liderou a equipe paulista na vitória empolgante por 3 sets a 1 22


volta “A mudança de posição não está sendo fácil. Antigamente muitos ponteiros foram improvisados de líbero assim que a função foi criada, mas hoje isso não é mais normal, os líberos já vêm formados da base nessa posição. Estou tendo um pouco de dificuldade é claro, isso requer bastante treinamento, bastante dedicação. Eu ainda não tive o tempo necessário para estar 100% na função, mas o que vale é a vontade de provar, retribuir e ajudar o time. Superação é a palavra certa. Mesmo não estando no preparo ideal, darei meu máximo para ajudar o grupo.”

“Eu sou muito grato por tudo na minha vida e hoje só tenho a comemorar também. Se não fosse o apoio de todos vocês que aqui estão, da minha família, amigos e companheiros de equipe eu não estaria aqui hoje. Todos foram fundamentais neste processo. Estou muito feliz” 23


até o próximo número ...


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