PORTRAIT FANZINE

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CARTA ABERTA Sempre foi um sonho antigo assumir todas as rédeas do meu trabalho. A era digital abriu essa possibilidade. Então, há algum tempo acalento a possibilidade de fazer um produto completo. Não apenas contos, não apenas ensaios fotográficos. Juntar tudo isso na velha e bacana linguagem dos fanzines, fenômeno de comunicação underground dos anos 80. Você pegava a foto, escrevia, juntava tudo numa matriz e ia para o mimeógrafo reproduzir o máximo de cópias. Se tivesse algum dinheiro, usava as fotocopiadoras das papelarias de bairro. Eu era moleque e lembro bem de como o ato de fazer um fanzine era mágico pra mim. De verdade, na minha ingenuidade, não entendia como era possível se criar algo tão bacana sem a estrutura de uma editora e seus inacessíveis computadores. Bom, é evidente que as coisas mudaram pacas no sentido da produção jornalística na última década. Ser underground passou a ser a referência porque a grande mídia não é capaz, não quer, não se importa, com as histórias que nascem nas esquinas desse mundão. Há cinco anos, passei a encarar a realidade de que estava sozinho e que era o senhor do meu tempo. Faria o que quisesse. Abracei os esportes olímpicos, transformei meu blog – que já existia desde 2004 – num porta voz daquilo que ninguém vê porque simplesmente não tem acesso. Não tenho um milhão de leitores. Talvez nunca venha a ter. Mas aqueles três, cinco, dez mil parceiros que acompanham e acompanharam essa minha investida ficarão felizes com a novidade que esse fanzine chamado PORTRAIT poderá representar. Novidade entre aspas. Não estou inventando nada com esse fanzine. Estou sim dando um passo à frente no respeito que as grandes e pequenas histórias merecem...

SUMÁRIO

esporte pg. 4

aventura pg. 8

portfólio pg. 12

Diria o velho de Win Wenders..... “embarquemos”

PROJETO

Alexandre da Costa


MAGIA da bola oval Amado em mais de 120 países, o rugby encontra seu espaço no Brasil e conquista torcedores texto e fotos: ALE DA COSTA

Não dá para negar. Se há uma favorita para a Copa do Mundo é a Nova Zelândia. Atual campeã mundial, líder do ranking, equipe fortíssima, os All Blacks são a seleção a ser batida. Como? Copa? Nova Zelândia favorita? Líder do Ranking? Pirou? Não, não. O mundial em questão é o de rugby masculino e está sendo realizado na Inglaterra – outra favorita também. A competição terminará em 31 de outubro. Esporte popular em mais de 120 países, seu principal torneio é o terceiro evento esportivo do mundo. Sua audiência alcança 4 bilhões de pessoas. Dessa festa, o Brasil ainda não faz parte. “Em 2019, o World Rugby deverá manter a Copa do Mundo em 20 seleções, o 4

que significa que o Brasil terá, pelo menos, que se posicionar na frente do Uruguai, que cresceu muito nos últimos anos. Os investimentos no XV nacional vem ocorrendo, mas para colher os frutos, pensando de forma realista, é necessário fazer evoluir uma geração de atletas desde a categoria juvenil. Com isso, o mais realista é pensar em 2023, sobretudo se o Mundial for expandido para 24 equipes”, aponta Victor Ramalho, jornalista de rugby, historiador, fundador e editor do Portal do Rugby. O desafio dos Tupis – como são chamados os atletas da seleção brasileira – ainda está na esfera sul-americana. Está distante da Argentina, a grande potência. Paraguai, Chile reportagem produzida em outubro de 2015


e Uruguai são os rivais do momento. É inegável, no entanto, o crescimento do esporte em solo brasileiro. Ainda amador, apenas os atletas da seleção são profissionais, há mais de 300 clubes por todo país. O Campeonato Nacional – o Super 8 – é disputado desde 1972, além de ter uma segunda divisão. E não faltam torneios regionais por toda a temporada. A organização fora de campo mostra resultados. Por exemplo, o time masculino de rugby pulou de 45 ° para 27° no ranking mundial em apenas três anos. Atualmente, se encontra em 39º, mas é um avanço. Na outra modalidade de rugby, o seven (apenas sete jogadores em campo), os resultados já são mais expressivos com o time feminino. A seleção das meninas ficou em 10° no mundial de 2009 e tem feito boas apresentações no Circuito Mundial. Na edição brasileira do evento em 2015, jogada na Arena Barueri (grande São Paulo), o time chegou nas quartas-de-final. É importante apontar ainda que, depois de 92 anos, o rugby voltará às Olimpíadas – na sua versão seven. Até pouco tempo, o torcedor brasileiro, de um modo geral, ainda torcia o nariz para o desconhecido esporte de con-

tato e muito agarra-agarra. Definitivamente, isso vem mudando e muito. Segundo pesquisa do Ibope/Repucom, publicada em agosto passado, cerca de 24 milhões de brasileiros (12% da população do país) têm algum nível de interesse nesse esporte. A expansão é evidente. Exemplos? A ESPN brasileira tem uma equipe in loco apresentando os jogos do mundial. Mais: o Pacaembu, templo do futebol paulista, será palco de três jogos da seleção brasileira. Os tupis encararão a Alemanha em 5 de dezembro e os Estados Unidos e Argentina, pelo novo torneio Americas Rugby Cup – uma espécie de Copa América, no início de 2016. “O que impulsionou o rugby no Brasil foi uma combinação de fatores: primeiramente, a TV e as novas mídias. Desde 2003, o rugby vem sendo transmitido na TV a Cabo, especialmente pela ESPN, que está já em sua quarta Copa do Mundo ao vivo.Além disso, o crescimento que a economia brasileira experimentou nos anos 2000 permitiu que mais brasileiros tivessem acesso à internet e televisão, bem como a viagens e a intercâmbio estudantil, além de muitos terem vivido no exterior, o que também trouxe ao Brasil

No rugby seven brasileiro, os resultados já são mais expressivos com o time feminino. A seleção ficou em 10° no mundial de 2009 e tem feito boas apresentações no Circuito Mundial

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não o novo esporte, Ellis foi homenageado ao virar o nome da taça da Copa do Mundo. A história da chegada do rugby no Brasl não difere muito da do futebol. Introduzido por ingleses, por meio de intercâmbio de alunos. Simples assim. Charles Miller, que teria introduzido o futebol no país em 1894, também teria sido responsável pelo surgimento do rugby no SPAC em 1895. Miller voltou seus olhos ao futebol e a equipe de rugby acabou descontinuada. Apenas em 1925, com a volta do SPAC, outros times apareceram e a prática do esporte se tornou regular. Conquistando o Brasil Numa tarde fria de sábado, pouco mais pessoas com conhecimento do esporte. Da de 10°, Pasteur e Curitiba se enfrentaram pela mesma forma, muitos estrangeiros desembar- décima rodada do Super 8, o Campeonato caram aqui. Tal conjunção de fatores, aliada à profissionalização que o rugby viveu no munNo lateral, força, técnica e estratégia dão as cartas. do a partir de 1995, mudou a mentalidade do É a famosa hora do elevador, quando um jogador é esporte e o transformou de um esporte exclu- impulsionado pelos colegas para pegar a bola no alto sivista para se tornar um esporte global, atrativo a muito mais gente”, aponta Ramalho. Origem A lenda diz que em um determinado momento de uma partida de futebol, realizada na cidade inglesa de Rugby, Willian Webb Ellis pegou a bola com as mãos e saiu correndo. Pronto, nascia um novo esporte. Bom, há controvérsias. O que se concorda entre os estudiosos do tema é que “o rugby não é fruto de uma só jogada”. Antigos jogos de bola chamados de futebol (o futebol moderno só vai aparecer em 1848) se espalharam pelas escolas inglesas no início do século XIX. Não havia uma padronização nas regras, mas no caso do estilo que se praticava na escola de Ellis não era permitido carregar a bola com a mão. O fato é que o desenvolvimento dos jogos de futebol levou à criação do Rugby. O historiador Tony Collins afirmou que das poucas coisas que sabemos a respeito de William Webb Ellis é que “ele não inventou o rugby”. De qualquer forma, inventando ou 6


Brasileiro de Rugby. A equipe paranaense é a atual campeã do torneio. Já o tradicional time de São Paulo vive uma fase complicada, flertando com o rebaixamento. Portanto, a vitória era mais do que necessária. A Arena Paulista, campo localizado no Parque do Trabalhador – zona leste da cidade de São Paulo, recebeu cerca de 50 pessoas na torcida. Não havia ingresso sendo cobrado, o frio e vento eram intensos, mas a plateia – maioria de familiares e amigos dos jogadores – estava empolgada. Três garotos, na casa dos 16 anos, se aproximaram do campo. Traziam bolas de futebol debaixo do braço e olhares curiosos. “O que é isso, tio? Futebol americano?” O torcedor simpático do Pasteur, riu do engano e correu pra corrigir. “Não!!! É Rugby, o esporte mais bacana do

mundo”. De forma didática e concisa, o velho torcedor ensinava os primeiros passos para os meninos. “Olha lá, tio, isso que é try?” O conjunto de regras do Rugby pode parecer confuso para os marinheiros de primeira viagem. Só num primeiro momento. O jogo acontece num campo de 100 metros de comprimento. São duas equipes de 15 atletas (não esqueça que há uma versão reduzida chamada de seven). A bola oval só pode ser jogada para trás. É permitido lançar a pelota pra frente apenas com chutes. O gol do rugby é chamado de try e vale cinco pontos. Você ainda fará uma conversão bônus, depois do try, que te dará mais dois pontos. Durante o jogo, é possível fazer pontos com um drop goal. Isso acontece quando o atleta de frente para a trave deixa a bola quicar e chuta. Essa jogada vale três pontos. É possível ainda marcar mais três pontos depois da conversão de uma penalidade. Quatros jogadas se destacam. No tacle, um jogador derruba o atleta que tem a posse da bola no chão. Pode usar os ombros e braços. Já no lateral, força, técnica e estratégia dão as cartas. É a famosa hora do elevador, quando um jogador é impulsionado pelos colegas para pegar a bola no alto. O scrum define a potência de uma equipe. Formados em linhas, os times se ajustam da forma que criem um túnel para a bola passar. Aí é fazer força pra lá, força pra cá. Na Arena, os meninos do futebol prometem voltar. Num jogo tenso que deu muito trabalho para o árbitro, Pasteur derrota o campeão brasileiro por 21 a 18 e se afasta da zona do rebaixamento.

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A conquista do MONTE FUJI Grupo de brasileiros escala a mais alta montanha do Japão e mostra como isso não deve ser feito texto e fotos: ALE DA COSTA

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“Alê, você tem alguma coisa para fazer amanhã?”. Eu respondo: “Não, por quê?”. A resposta: “Quer escalar o Monte Fuji?”. Eu: “Ah, sim, claro, estou nessa”. Em alguns minutos, estávamos prontos e decididos a encarar o desafio que seria muito fácil afinal o tal do montinho não tem quatro mil metros. Moleza. Será? Se os muçulmanos têm Meca, os japoneses fazem do Monte Fuji um templo a ser adorado. E isso é tão claro para eles que a regra milenar não deixa dúvidas : o gigante asiático deve ser escalado ao menos uma vez na vida por qualquer pessoa. Ponto mais alto do arquipélago com precisos 3.776 metros, o Fuji é aberto para os aventureiros escaladores de primeira viagem (ou não) entre os meses de julho e setembro. No papel, uma subida fácil, digna até do menosprezo descrito acima. O maior pico do planeta, por exemplo, o Everest, que fica na Cordilheira do Himalaia, tem 8.846 metros. Analisando desta forma, conquistar o cume do Monte Fuji é tranquilo mesmo. Numa noite de sábado de julho, cinco destemidos alpinistas estreantes desembarcavam em Kawaguchiko (uma das cidades da região que dá acesso ao estágio cinco da escalada) por volta das 22 horas. Subiríamos à noite para podermos ver, como dizem, o nascer de sol mais lindo e famoso do Japão. Nosso grupo era formado só por brasileiros (quatro homens e uma mulher) e abusou do salto alto. A previsão que nos fora passada era de que conseguiríamos alcançar o cume em oito horas, se o tempo ajudasse. Achamos


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exagerado. “Que nada, em quatro horas estaremos lá em cima!”. Hãn, hãn. Cometíamos talvez o mais imperdoável pecado descrito na bíblia dos alpinistas. “Não desprezarás qualquer montanha por menor que ela seja”. Eu, por exemplo, escalei o Fuji como se estivesse indo a um bar com os amigos. Usava um par de tênis comum, uma calça jeans comum, uma camiseta e duas blusas de lã, também, comuns. E olhávamos os japoneses se preparando para a escalada e fazíamos piadas. Afinal, os caras levam tudo a sério. Até uma simples montanha (estou sendo irônico). O japonês menos precavido tinha em sua mochila, frutas, biscoitos e chocolates que garantiriam energia na subida. Usava agasalhos coloridíssimos à prova de água, lanternas com pilha (a escalada começa de noite), um cajado, um chapéu, óculos apropriado para montanha que evita que as pedrinhas trazidas pelo vento machuquem seus olhos, luvas, botas e por aí vai. “São muito exagerados”, e os cinco patetas brasileiros caem na risada. Tolinhos. Faço a minha lanterna funcionar no

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tapa e começo a subir. São 22h15 e a temperatura não passa dos 10 graus. O nosso inferno particular surge de cara. Em questão de minutos, o céu antes maravilhosamente estrelado se fecha e anuncia tempestade. O termõmetro aponta quase zero e percebo que as minhas duas blusas de lã não serviriam para aquele frio. Estava apenas no quinto dos dez estágios de parada do Monte Fuji e já havia engolido pedrinhas de barro, jogadas na minha cara pelo vento, suficientes para não querer jantar por um bom tempo. Lembra aquela história dos óculos especiais para montanhismo? Não os tinha. E a lanterna? Eu havia desistido da minha e subia de carona nas luzes dos japoneses que pensam em tudo. Depois da passagem pelo estágio sete, nosso grupo acabou se dispersando. Cada um subia no seu ritmo. A chuva dava uma trégua mas os ventos ainda castigavam. Que frio !!! Uma, duas, três, quatro horas e eu estava apenas no meio do caminho. Meus pés já não cabiam nos tênis e a companheira chuva estava de volta. “Que raios estou fazendo aqui?” Posso


apostar com qualquer um que essa é a pergunta mais repetida pelos 300 mil aventureiros que sobem o Fuji todos os anos durante o verão. Ainda não havia levado nenhum tombo. O terreno estava escorregadio para quem não usava os sapatos adequados para aquela subida. A única mulher do grupo, por exemplo, caiu e bateu a cabeça numa pedra. Como sangrava muito, teve de desistir de chegar ao topo. Faltavam apenas 400 metros para ela. O resto do grupo só ficou sabendo do acidente algumas horas depois quando ela ligou (sim, os celulares funcionam no Fuji) para dizer que já estava no ônibus de volta à Tóquio. Sol redentor As paradas já levavam mais tempo. Meus dez quilos de equipamento fotográfico pesavam uma tonelada. Eu só pensava em chegar no cume e, por incrível que pareça, começava a me divertir. Parei de amaldiçoar aqueles que inventaram essa aventura. Relaxei para ganhar o principal prêmio dado a quem se arrisca no Fuji. E lá vinha ele. A chuva parou, são quatro da manhã. O dia clareava e um clima de igreja, ou coisa parecida, se instalava no lugar. A fila indiana para (sim, é tanta gente no Monte Fuji que você só consegue subir desse jeito). Todos se sentam e esperam o astro do show silenciosamente. O sol, timidamente, nascia tingindo o cenário de laranja. A exaustão não impede os aplausos entusiasmados. A viagem estava paga, definitivamente. Mas não havia acabado. Energias renovadas para o pior que apareceria pela frente. O cinza já tomava conta do ambiente, de novo, e a chuva marcava presença com mais força. Detalhe: apenas dez minutos depois do mais belo nascer de sol que eu já presenciara. Não seria desta vez que minha calça jeans ficaria seca por pelo menos 30 minutos. Paciência! Eu tinha pela frente apenas 300 metros mas o que via era desolador. Dava vontade de sentar e chorar. A falta de ar, por causa da altitude, atormentava um pouco e a trilha sumira. O últi-

mo estágio da aventura era uma escalada de verdade para testar o seu último grau de sanidade. Lembrei de uma frase famosa no Japão. “Só os tolos sobem duas vezes o Monte Fuji”. Protesto feito, começo a engatinhar entre as pernas rumo ao topo. Me sinto ridículo de quatro mas já estava tão cansado que resolvo subir assim mesmo. Pedra por pedra, para o alto e avante! O coração dispara, as pernas tremem (e não são as cãibras). Tento me levantar (ahh, por isso tanta gente usava o tal do cajado!). Bom, eu tentei. Levei um tombo, caí de bunda e resolvi ir de quatro mesmo. Era mais seguro. Finalmente, ufa, alcanço o topo do Monte Fuji depois de oito horas e alguns minutos. Impossível segurar as lágrimas. Um japonês me disse, lá em cima, que o gigante de pedra é uma metáfora da vida: “você sobe, desce, escorrega, xinga, chora, sorri, vibra, leva pedrada, vê o dia nascer, espera, quer chegar”. Hora de descer o Fuji-san. Mas isso é uma outra história. Agora, eu, não mais um marinheiro (ou alpinista) de primeira viagem, já tenho outros desafios. Quem sabe o Himalaia?

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até o próximo número ....


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