Portrait Fanzine nº 08

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CARTA ABERTA

SUMÁRIO

Quando decidi que eu dividiria a minha vida em duas, provavelmente, não tinha noção do que estava fazendo. Há seis anos, passo a passo como já contei aqui no editorial da edição zero, assumi de vez a câmera fotográfica voltada quase sempre para o esporte olímpico. Algumas questões - como minha insegurança que diz sempre que minhas fotos são um lixo entre outras coisas - não me fizeram abandonar as aulas de História que dou desde 2004. Uai, dormir pra quê? O fato é que essa correria dos demônios alimenta minha vida e se você tiver um mínimo de sensibilidade percebera o quanto da minha alma está nessa revista. O fechamento de uma edição da Portrait Fanzine me enche de uma felicidade que não tem como explicar. Eu sorrio sozinho fazendo uma capa, editando um texto, construindo uma página. Saber que, a cada número, esse fanzine angaria mais leitores e conta histórias que não sairiam em nenhum lugar só me enche de orgulho. O trabalho está sendo bem feito. Pode melhorar? Óbvio! Minha ideia é que a cada número que lanço, as melhorias estejam lá, mesmo que sutis. Esse número traz mulheres maravilhosas vivendo em universos quase sempre masculinos. Sim, eu carrego bandeiras que podem incomodar muita gente. Mas aqui é um espaço para que vozes sejam ouvidas (lidas no caso). As batalhas de Sarith Anischa, Isabelle Medeiros (que aparece numa selfie nessa página com uniforme de treino do time novo na Espanha) apontam um Brasil que não quer mudar. Um Brasil pequeno de mente pequena. Isso é triste! Você vai ver também que resolvi a partir dessa edição resgatar a minha vida de jornalista/fotógrafo free-lancer de outros tempos. Coisas que fiz para vender para as mais diferentes revistas. Foi um período muito bacana e de muita produtividade, mas que passou. Vale, no entanto, resgatá-lo! Outra coisa pra se dizer é sobre o ensaio do espetáculo de dança Kantuta. Que grupo, que pessoas! Que história! E o que falar da HQ do César Ferreira (que já te disse é um moleque de treze anos de idade)? Pedi pra ele algo sobre “arrumar patrocínio”. Ele foi sensacional!!! Eu me apaixono por cada número desse meu projeto maluco...

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Embarquemos.

PROJETO Alexandre da Costa

Isabelle Medeiros e a vida nova no handebol da Espanha


Achei engraçado. No meio da entrevista, Sarith Anischa dispara: “eu corria do basquete...” Surreal pensar nisso porque Sarith tem o esporte da bola laranja nas veias desde sempre. Pai, mãe, tios, os três irmãos, seu universo familiar todo vive o basquete. Falando de irmãos, aliás, Sarith se enche de orgulho quando menciona Arthur Pecos (ex- Paulistano e Flamengo e agora Mogi), Luana Ariescha, jogadora do São Bernardo e 3 x 3, e o caçula Cristhyã Silva, atleta da base do Pinheiros. Sarith, depois de um trauma na quadra, até tentou, mas não conseguiu fugir do destino. Quando jovem, sendo baixinha, não teve apoio de técnicos para continuar. Pegou os primeiro momentos do 3 x 3 no Brasil até que, em setembro de 2016, assumiu as rédeas de um projeto de escolinha de basquete em Pirituba, bairro da zona noroeste de São Paulo onde viveu toda a sua vida. “... e ele corria atrás de mim” e Sarith virou técnica de basquete e agora comanda mais de 60 garotos e quatro meninas. Ser uma mulher num universo predominantemente masculino é um dos motes dessa entrevista. Não só. Vale a pena conhecê-la nessa entrevista exclusiva para a Portrait Fanzine. Portrait Fanzine: A história da sua família está intimamente relacionada ao basquete. Como se dá esse encontro? Sarith Anischa: Somos quatro irmãos e todos jogam basquete. Eu comecei, nunca fui federada nem nada, jogava na escola, no bairro. Aí, levava meu irmão (o Arthur Pecos, hoje jogador do Mogi) muitas vezes pra quadra comigo. Ele tinha seis, sete anos e ficava pra lá e pra cá querendo jogar. Hoje, está com 24 anos e é profissional com passagens pela Seleção Brasileira e o NBB. Luana tá com 20 e joga no São Bernardo, Unip e 3x3. Já o Cristhyã, o mais novo com 17, está no Pinheiros. Desde que nos conhecemos por gente é só basquete na nossa casa. Meu pai jogou vinte anos no Palmeiras. Foi seleção de base. Minha mãe jogou em Campo Limpo, no Pirituba. Se conheceram jogando. O futebol é tão marcante 4

BASQU NO SA

De uma família de basqueteiros, Sa ba Basketball, tradicional time da

texto e fotos: ALE


UETE ANGUE

arith Anischa é a técnica do Pirituzona norte da cidade de São Paulo

E DA COSTA

no Brasil e você encontra uma família inteira de basqueteiros (risos). Na verdade, a história toda tem início com os meus tios. A família do meu pai é muito grande. Dava pra formar um time mesmo. Sempre tinha pelos menos cinco pra jogar. Era o time da Família Silva. Todo mundo da minha família jogou aqui no Pirituba. Jogaram aqui nessa quadra. Aliás, meu tio Carlão é sinônimo de basquete em Pirituba. Ele deu treino aqui. Eu como jogadora estreei essa tabela que usamos hoje, anos atrás. Foram quase seis meses sem tabela. A gente arremessava na pilastra, era a nossa referência quando não tinha tabela. Acertava na pilastra fazia a cesta. Faz tanto tempo... O tempo passou... Então, eu estava desempregada, meu irmão menor e meu primo falaram do Pirituba. Havia horários vagos para utilizar a quadra. Ele disse: “por que você não tenta?” Já tinha o sentimento, eu já tinha jogado aqui e aí quando ele falou, eu respondi: “a gente pode tentar, né? Não vou perder nada, posso ganhar muita coisa”. Resumindo: em setembro de 2016 começamos. Eu não tinha nenhum projeto, não estabeleci metas, eu entrei, eu vim, me coloquei à disposição. Comecei a divulgar, vieram dois alunos no primeiro dia. O Lucas Delgado continua comigo. Eu tinha dois alunos, uma bola, uma quadra enorme e mais nada. Aí, foi desenvolvendo. Hoje eu consigo divulgar um pouco mais, estamos nas redes sociais. Foi propaganda boca a boca no começo. Quando os dois meninos chegaram para o primeiro treino e agora? Vieram pessoas! O que eu vou fazer? Vou ter que estruturar um plano. Fui perguntando o que sabiam fazer. Enquanto eu falava, fui sentindo. Eu já treinei aqui, já lavei a quadra, ajudei a pintar. Usei aqueles cones. Então, isso tudo foi chegando de volta de uma forma tão boa. Se vieram, eu vou continuar esse negócio. Na minha família, da parte do meu pai, ninguém seguiu o legado de ser treinador do meu tio. Eu pensei: “um dia posso estar lá com ele, que legal, não tinha essa pretensão”. E o sonho foi construído a partir da chegada daqueles dois primeiros alunos batendo bola. 5


Como eu vou ajudar vocês? E foi. A gente foi crescendo junto e isso é muito gratificante. Eu nasci naquele dia. Meu renascimento no basquete. Todo dia, consigo perceber todo o desenvolvimento desses alunos. Todos os dias é um novo dia de aprendizado. É muito legal! Quando eu tinha vinte e poucos anos, conheci uns meninos que jogavam. Um deles é o Vinicius, técnico do Jaraguá Greens. Eles tinham um time e o Vinicius acabou saindo, foi fazer um intercâmbio e ficaram sem alguém para cuidar deles no meio do campeonato. Fiquei um tempo com eles. No último jogo, teve uma briga e eu era a única mulher naquela quadra. Era pé pra todo lado e eu não podia fazer nada. Fiquei muito mal com aquilo tudo. Tive essa distância da quadra, eu não queria nem ver basquete na televisão. Fiquei longe por muito tempo, meus irmãos continuaram jogando. Pra minha família o basquete é tudo. Nós estamos em todos os lugares. O trauma foi vencido pelo meu amor em relação ao basquete e à minha família. Eu corro do basquete, corro, corro, ele vem atrás de mim a galope. A vida toda, o basquete fala: “to aqui e não adianta você correr”. É carma (risos). Já que não posso correr dele, vou abraçá-lo. E fazer com que ele faça parte da minha vida. Passaram anos mesmo longe da quadra, joguei um pouco de 3 x 3 quando tava começando e ficava só na retaguarda. Só em 2016 que voltei com tudo. E tá indo. PF: Como é ser mulher no esporte brasileiro? SA: É desafio todo dia! O espaço é bem restrito, mas se a gente vai no caminho certo, a gente consegue. Dá um pouco mais de trabalho sim. Quase todo final de semana, eu olho pro lado e só tem homem. Se eu gosto dessa posição? Não. Acho que tinha que ter uma equidade. Mesmo tempo que se desenvolve o esporte na escola, por que não desenvolve a menina ali na escola? Agora estou escrevendo e comecei a debater essas questões. Mas realmente é difícil. Teve um jogo, eu estava em pé falando com o meu time. O Phelipe, meu assistente, estava sentado do meu lado. Passou 6


um árbitro que ficou conversando com o Phelipe uns cinco minutos. Ele dava dicas para nosso time, onde poderia melhorar e por aí. Eu continuei do lado dele e olhando a cara do árbitro. Em nenhum momento, ele se dirigiu a mim. Eu estava falando com o time o tempo todo. Eu virei pra falar com ele e o árbitro não falou comigo. Quando eu passo por situações assim, eu penso: “realmente isso acontece mesmo? Será que isso é coisa da minha cabeça? Coisa de mulher? Será que é neura minha porque eu sou mais feminista?” Não é. Se você olhar nos pequenos detalhes... quando a minha irmã começou a jogar no LBF (Liga Nacional), consegui fazer um comparativo das distâncias em relação ao NBB. Nem vou falar de salário que invariavelmente tem um dígito a menos. As instalações, por exemplo. As meninas tinham kit para o jogo das estrelas? Não tiveram nem transporte. Se vira! Eu fico vendo que realmente existe essa diferença. Infelizmente. Conversando com técnicos, não tem técnicas. Eu só falo com homem. Eu criei um grupo de basquete com as meninas pra jogar em algum lugar. Tenho essa demanda. Mas as mulheres não querem se envolver. Mandei perguntas pro Molina, presidente da LBF. “...querendo desenvolver desde a educação física, na escola, isso é super legal, mais times e quando elas param? Quando se machucam? Quando mudam a rotina e não querem mais jogar? Tem espaço pra elas?” Ele não respondeu efetivamente isso. Não tem abertura. Mas é uma mulher, será que ela sabe tanto assim? Muitas vezes, o que ouço dos meus alunos “nossa, prô, você tem que ser mais firme”. Respondo: “mais firme como homem?” Eu vou continuar sendo mulher, eu nunca serei como um homem. Eu posso falar grosso com vocês como um homem, mas nunca serei um homem. Existe o mimimi, eu fico lá batendo na porta de cada uma. Eu tenho só quatro meninas treinando. A Alice fez um vídeo divulgando nosso time, mais de duas mil visualizações, mas as meninas não apareceram. Isso vai me dando uma gastura porque não 7


O time sub-17 do Pirituba Basketball em desafio da Liga São Paulo de Basquete. De pé (esquerda para direita): Iago, Phelipe, Sarith, Luana, Regan, Adilson, Lucas P., Lucas D., De joelhos: Luiz, André F., Gustavo, Estevam e André L.

vai ter base e se não tiver base não teremos um time adulto. Tem homem desenvolvendo o tempo . Percebemos a defasagem no adulto. Eu já havia perguntado pro Molina, uma outra vez, que de nove times femininos, estatisticamente, um ter uma técnica é normal? Ah, mas as mulheres não querem se desenvolver. Ok, mas tem abertura pra elas se desenvolverem? Porque a gente fica correndo atrás do rabo. Eu não tenho abertura e aí eu não vou. A gente vai ficar parada? Eu estou dando a cara pra bater mesmo. Eu posso falar? Vou falar! Talvez em algum momento, alguém pense nisso . Você vai pegar 30 meninas na escola, todas virarão jogadoras? Se a população mundial tem mais mulher onde elas foram parar no basquete brasileiro? E aí me falaram uma coisa interessante “você tem que lembrar que quando a menina começa a namorar, a ver outras situações, ela vai sair do esporte”. Esse processo do 8

homem interferir na ação da mulher tem que parar. Eu ouvi outra coisa nesses dias que me deixou indignada. “Será que estamos em 2018 mesmo?” Uma menina perguntava se alguém poderia falar com o namorado dela porque ele não a deixava treinar. Eu não consigo ouvir uma coisa dessas. Você tá em 2018 e tem que pedir autorização pro namorado? Permissão pra jogar? Ela disse que o namorado acha que vai ter muito homem e que a mesma poderia se envolver com outra pessoa. A justificativa acaba sendo pior ainda. Eu não conheço essa pessoa, mas foi uma história que me chegou e as outras histórias do tipo ou piores que nem ficamos sabendo? Qual é o motivo pra mulher ficar no basquete hoje? Eu não vejo nenhum! Eu vejo ainda uma demanda no 3x3. Elas chegam aos 19 anos, não tem time pra jogar. Pra onde vou? Não é todo time que quer pegar as meninas mais novas. Se não pegam as meni-


nas como terão experiência de quadra? Essa é uma justificativa pra não contratarem as mais novas. 0 3x3 consegue fazer com que elas viajem, continuem jogando. Conheçam outras situações, ganhem um pouco de dinheiro.

Meu pai brigava ainda dizendo que ele ia se desenvolver no Palmeiras. O Yago era baixinho. Mas quem vai comprar isso? Ninguém quer! Só um louco vai levar adiante a ideia de dar uma chance a um garoto mais baixo como o Yago. De vez em quando, tem que ser louco mesmo. A calmaria não faz bom marinheiPF: A seleção feminina adulta como refe- ro. Eu fico chateada com o feminino nisso. rência, o basquete feminino chegou no fundo do poço? PF: Depois de quase dois anos, como SA: Não haverá outra Hortência, Paula, Jane- você analisa seu projeto com o Pirituba? th porque não tem como construir isso! Ah, SA:Hoje são 63 garotos. Tenho o sub 13, 15 e 17. todo mundo fala do vôlei que teve um traba- Todos participando da NCB e Liga São Paulo. lho de vinte anos. No masculino, meu irmão Os garotos pequenos estão jogando com os jogou toda base. Quando chega no adulto, mais velhos e isso faz um bem danado . Quanvem com outra bagagem. Tem outra experi- do eu jogava, quase sempre estava no meio dos ência. Aí, chega o feminino. Estavam falando meninos, foi uma experiência ótima. Eu tomada Lays, tem 19 anos, conheço ela desde sem- va mais trombada, tinha que ter mais controle pre. Não tem a experiência de uma mulher de bola e corpo, aprendi muito. Era muito bom. de 34, ela vai aguentar? Ela vai correr pelo Quando estou com as meninas aqui digo pra menos. Põe a menina pra jogar. Mas não co- elas: “não tenha medo de disputar bola com os locam! Não quebram barreiras. O masculino meninos. Joguem como eles! Sem medo. E eles chega porque quebram. Colocam o moleque não tem dó. Vai lá tromba com ele, faz o cortanovo mesmo. Lançam o Yago pra jogar, pra -luz”. Ainda existe a cultura de que a menina decidir. Se perder, paciência! Mas precisa é a meiguice. “Não posso, vai machucar”, clavir um técnico de fora pra dizer que ele não ro, basquete é jogo de contato, vai machucar. é mais promessa pros outros ouvirem! Pois é. Venho do processo do professor Dante, do

Lucas Delgado foi um dos primeiros atletas de Sarith. Ele estava no primeiro treino e continua no time 9


mini basquete, de deixar os meninos se desenvolverem, eu não fico pegando no pé deles, eu deixo, vai lá, joga. Eles se desenvolvem no seu tempo, você não aprende tudo do basquete no primeiro mês, passo a passo como na escola. Você tem que estudar. Doze garotos entraram no último mês, acho que foi a divulgação, processo lúdico é importante, a gente brinca, a gente fala sério! PF: E junto disso vem toda a dificuldade de se promover a prática do esporte no Brasil. Até para comprar uniforme é complicado... SA: A campanha do uniforme! Tudo é dureza!! A coisa do vestir o uniforme bonito, que cabe em você? Foi uma batalha. O retorno foi muito grande. De verdade, não sei o que acontece. Todas as coisas que a gente fez pra conseguir levar o time pra frente, teve retorno. Temos dois jogos de uniforme, três bolas daquelas que custam R$ 275. Conseguimos doação. Tudo é doação. Ganhamos. Fomos realmente abraçados e isso é fantástico. E não tem aquela história de que a gente chama a atenção porque a gente ganha tudo. Na verdade, estamos no começo e perdemos tudo. Não ganhamos jogos. A gente aprende a cada jogo. Pra eles não é fácil perder toda hora. Muitas vezes, a gente perde pra gente. Pro nosso psicológico. É nosso porque eu to ali, a gente perdeu junto. A gente tem que trabalhar. O sub 17 já rende mais, no momento de pior frustração, vai lá desconta isso de forma positiva. “Seja resiliente”, digo. Além do processo físico, tático, eu prezo muito o psicológico. Eu faço

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psicologia. Digo pra eles: “sim, a gente perdeu o jogo porque não teve cabeça. Isso é muito natural. Vocês são novos. Isso é pra vida de vocês. Vocês tem que aprender a se controlar”. O 17 só ganhou uma e por WO. Perdeu de muito, perdeu de pouquinho, mas por quê? De dois, três pontos você sabe que podia ganhar. Mas todo mundo compra a nossa ideia. A gente foi abraçado mesmo. Não é só o bairro. Existem pessoas que nem conheço, um árbitro do Rio comprou um camiseta do time porque sabia que assim poderia ajudar. Uma amiga de Campinas comprou uma camiseta e ela nem joga mais. Você fala com tanto amor, que as pessoas tem vontade de adotar o time. A única coisa que não temos é um patrocínio grande porque aí sim precisamos de resultados na quadra. Somos um time de bairro. É difícil mesmo. A gente tá sobrevivendo mesmo assim. Uma vez, fizemos uma ação. Jogamos contra um time de Mogi, o professor não sabia do projeto, nada! Tomamos uma cacetada deles 87 a 16. Na semana seguinte, postei do livro do professor do Dante. Esse professor mandou uma mensagem: “se eu conseguir uma camiseta do Shamell - craque do Mogi e do NBB - vai ajudar no seu projeto?” Fizemos rifa aR$ 10 e tudo isso foi pra pagar a arbitragem . Vendemos tudo!!!! Aquele técnico nunca tinha visto nosso projeto e quis me ajudar. Chegamos a vender 36 quilos de latinha. Os R$ 128 que ganhamos pagou um jogo do 17. Se o bairro abraçasse, ajudaria muito. Eu tenho um baita desgaste. Encho a garagem de casa, o carro da minha mãe. Eu vou pro ferro-velho vender esse monte de latinha. Pra ajudar


o time. Por que os outros não pensam assim? Dá trabalho, pesa literalmente, já pagamos pelo menos oito nove jogos só na latinha. Que vai para o lixo depois de usada pelas pessoas. Se a comunidade abraçasse seria mais fácil, mas ok. Fizemos uma ação do tênis que o meu irmão conseguiu do Marcelinho Huertas. Como vamos conseguir a próxima grana pros próximos? Não sei! Não temos van então vamos na base da carona pros jogos. Para Diadema, para Mogi, fomos em dois carros, oito jogadores, técnico, auxiliar, motoristas. Setenta quilômetros. Não é nada fácil não, mas quando eles fazem uma cesta, quando ouvem uma recomendação e acertam, não tem preço. Eu nunca pensei em desistir. Nem nas piores situações. Da gente não ter grana, não ter carro pra ir jogar. No sub 13, a gente jogava com seis. Mesmo contra o regulamento, mas deixaram jogar. Eles foram aguerridos, quase ganhavam, se tivessem mais uns três meninos teríamos ganhado. Quando olho pra eles, não posso pensar em desistir de jeito nenhum. Nem se eu quisesse. Já teve um que conseguiu passar na peneira do Paulistano. Jogava aqui. Nunca tinha pego na bola e agora está no sub 13 do Paulistano. É isso que faz valer a pena! Para muitos, o basquete pode ser uma via... Não restrinjam. O basquete é muito mais do que isso. Sempre trago gente pra falar com eles. Trouxe nutricionista, youtubers, você fotógrafo. “Existe um mundo fora das quadras que você pode trabalhar. Não deixem que o sonho se perca”. Eu era pequena, mas gostava de infiltrar e meu treinador dizia que eu era pequena, “sai daí”. Ele foi me restringindo, restrin-

gindo, e eu parei de jogar. Será que estaria aqui hoje se tivesse continuado como jogadora? Com um projeto, escrevendo, escolinha, talvez não estivesse se não tivesse sido podada. Fecharam uma porta, mas abriram tantas outras. “Não restrinjam a vida de vocês” é o que sempre digo . Eles entendem! PF: Todos que passaram pela Portrait Fanzine falaram sobre o legado dos Jogos Olímpicos do Rio 2016... o que o esporte brasileiro ganhou com a Olimpíada? SA: Inglaterra, Japão ganharam com os jogos. E o Brasil perdeu a chance. Os Estado Unidos respiram isso! Eu não tenho nenhuma lei de incentivo. Minha grana vem dos outros. Processo tão burocrático. A gente massifica a elite, quem pode, principalmente no basquete. Há ou sempre houve um processo evidente de elitização do esporte brasileiro. Historicamente, futebol e basquete não são distantes no Brasil. Mas aqui a coisa se inverteu. Se você quer que seja diferente tem que fazer diferente. Eu tenho o sonho de tirar fotos das quadras. Sua quadra funciona? Está direitinha? Não há um respeito sobre o outro esporte! Ah, é o basquete mesmo, eles usam meia quadra. Eu dou aula numa escola. Eles pegam a bola de futebol mesmo que seja meia quadra O basquete também é legal. Você joga onde quando sair da escola no handebol? Não tem time. Onde tem? Tenho projetos de começar com bem pequeninhos. Eles chegam bem analfabetos motores, pular corda é uma tristeza. Não tem meio de caminho. Desde pequeno quem sabe ... e ter o sub 19. Sonhar não paga nada!

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A CAPITÃ Isabelle Medeiros, um dos talentos do handebol brasileiro, reforça time espanhol texto e fotos: ALE DA COSTA

A história parece absurda e/ou inventada. Não, caro leitor, é real. Imagine você, numa bela tarde de domingo, disputando uma final de Campeonato Brasileiro. Só isso já seria muito bacana, certo? Bom, coloque mais molho nesse macarrão. Nesse jogo, seu time não é o favorito, é mais jovem, o que significa dizer que para quase todo mundo de seu elenco é a primeira vez numa final desse tamanho. Seu rival, então favorito, não dispara no placar. Sua equipe mantém a partida controlada, difícil, sensacional. E claro que com um roteiro assim, a peleja seria decidida na última cesta, no último chute, no último arremesso. Mais? Seu time ganha nessa bola no último segundo. Festa!!!!! Você é campeão nacional!!! O que espera acontecer então? No Brasil, essa resposta é simples. Você comemora um pouquinho, pega o ônibus, volta pra casa, tenta dormir cedo. Oxi!!! Isso porque no dia seguinte, você campeão brasileiro, tem que ir trabalhar e pegar cedo no batente, num lugar que provavelmente quase todo mundo nem imagina que você é um campeão! Por mais absurda que seja essa história, ela aconteceu de fato. Isabelle Medeiros passou por tudo isso quando levantou a taça da Liga Nacional de Handebol pelo Esporte Clube Pinheiros no final de 2016. E o mais complicado é que sabemos que história como a da Isabelle não é exceção. No dia seguinte ao grande momento de sua carreira, a ponteira e capitã do tradicional time da cidade de São Paulo foi trabalhar no escritório. Por essas e outras, ela disse adeus ao Brasil e

foi tentar a sorte no handebol espanhol. Aos 24 anos, Isabelle vê a oportunidade como definidora dos caminhos que percorrerão sua vida num futuro próximo. Ela insistirá em ser atleta profissional brasileira até quando? Essa é a dúvida! Se você não viu Isabelle Medeiros jogar, perdeu... e isso é uma pena. Acompanhe sua entrevista exclusiva feita alguns dias antes do embarque para a Europa. Lá ela defenderá o Rincón Fertilidad de Málaga. Portrait Fanzine: Você foi campeã brasileira no domingo e na segunda foi trabalhar. Não é doido isso? Isabelle Medeiros: (risos) Eu tive que trabalhar na segunda (risos). Surreal. Foi difícil. Muita gente nem sabia que eu jogava, me viram no Sportv, (nota da redação: emissora que transmitiu as finais da Liga naquela temporada) perguntaram se era eu. Eu cheguei no trabalho, “nossa, você joga handebol, te vi na TV, era você mesmo?. Nossa, você foi campeã. Era você na TV?” Surpresa de todo mundo. Todo mundo me perguntou no trabalho. O handebol despertou curiosidade, eu expliquei que estava passando as finais, que foi um título inédito do Pinheiros em cima do São Bernardo.. o que era o esporte. O pessoal ficou sem acreditar, sabe: “existe esse esporte?” É um outro mundo pras pessoas! PF: Diego Carrasco, técnico do seu novo time na Espanha, gosta muito de jogadoras estrangeiras no elenco. No depoi13


mento dele, você já vinha sendo analisada há algum tempo. Como você se sentiu com essa postura de um técnico de fora? IM: Tenho duas amigas que jogaram lá, a Gabriela e a Alice, na temporada passada. O Diego já tinha falado comigo, que tinha interesse na minha contratação. Eu falei que não tinha interesse na época (isso durante 2016) porque havia acabado de terminar a faculdade e estava fechada com o Pinheiros para a temporada 2017. Nesse ano, ele veio de novo, falou com meu agente, foi tudo muito rápido. Meu agente estava vendo outros times na Europa.

intenção era ficar, voltei pra faculdade e fiquei no Pinheiros. Agora, no entanto, é uma oportunidade perfeita, terminei a faculdade, já conquistei tudo no Pinheiros. Gosto muito daqui mas preciso de novos desafios.

O Diego falou comigo, aí no outro dia mandou a proposta, fiquei de pensar, mas eles diziam que queriam que eu fosse mesmo, que tinham interesse. Me passou tranquilidade. Eu sei que vou para um lugar que jogarei, onde eles querem que eu realmente esteja.Fiquei bem feliz.

mou pra treinar. Comecei a jogar campeonatos do mirim ao cadete. Ganhamos muitos títulos. No cadete, em 2009, vim para o Pinheiros. Fiquei com a Carla, passei na seletiva, joguei o brasileiro, paulista. Pelo Pinheiros joguei no cadete, juvenil, junior e adulto. Uma vida aqui.

PF: Você cogitava essa experiência internacional então? IM: Eu queria sim apesar de uma experiência que não foi das melhores em 2014 com a Gabi. Fomos para a Polônia, ficamos menos de um mês. Fomos para assinar contrato, não deu certo. Não quiseram e voltamos. A

PF: Já caiu a ficha em relação a essa mudança para a Europa? Já bate uma saudade? IM: Vou no final do mês (NR: ela embarcou no final de julho. Essa entrevista foi feita semanas antes). Bate uma saudade, mas acho que a ficha não caiu ainda. Já chorei muito no último jogo, na despedida do trabalho, já

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PF: Como foi o começo de sua carreira? IM: Eu tenho um irmão mais velho dois anos (O Vitor que também jogou no Pinheiros). Começamos no São Paulo, eu tinha nove anos. A gente fazia vários esportes e o Vitor entrou pro handebol. Eu não tinha idade ainda, mas assistia aos treinos e depois a técnica me cha-


chorei muito. Estou feliz com a minha decisão, sei que vai ser muito difícil, uma nova língua, um novo país. Novas pessoas, novo time, novo técnico, mas tenho confiança de que tudo vai dar certo. A Alice vai estar lá para me ajudar. O técnico gosta bastante de mim. PF: No Pinheiros, você sempre foi um exemplo de liderança, era a capitã... IM: Nesse ano, o Alex - treinador do Pinheiros - decidiu investir em novas capitãs porque sabia de minha saída. A Dani e a May assumiram. Eu fui a capitã desde que cheguei

aqui em 2009. Não tenho o que dizer. É uma família. Sei que na Espanha vai me dar saudade de falar português. Vai ser bom, não me arrependo de nada do que fiz aqui no clube. Tenho uma história muito bonita no Pinheiros e quero fazer uma nova história bonita lá. PF: E a sua relação com a seleção brasileira? Você foi campeã mundial universitária... ser mais baixinha te atrapalha nesse processo de servir a seleção? IM: Eu fui convocada para as seleções juvenil, junior e adulta universitária. Foram experiências bem diferentes e divertidas. Eu tenho in-

tenção de ir pra seleção adulta. Não fui chamada ainda. Agora que eu vou pra Espanha, isso talvez chame a atenção da comissão técnica porque essa experiência na Europa sempre foi incentivada. Os campeonatos de lá são mais disputados, mais vistos. Na Espanha são dois jogos por semana, mais competitivo. No Brasil, são seis times no Paulista, a Liga Nacional nem sabe se vai ter. Na Espanha são doze times, tem a Copa da Rainha, o Nacional, o Challenge... Vou ter mais ritmo de jogo. A visibilidade será maior. Não sei se ser baixinha é uma coisa ruim, sou ponteira, não atrapalha tanto.

PF: As meninas da seleção brasileira foram campeãs mundiais de handebol em 2013... o que mudou de fato para vocês esse título? IM: Não há mágica no processo!! Eu comemorei o título e bola pra frente, e todo mundo evoluiu. O time de agora é mais experiente e vai ter que fazer uma renovação. O Brasil vai ter que fazer essa renovação, buscar novas meninas. Eu acredito que o título deu uma moral pro handebol, mas é o Brasil (suspira)... Na minha vida como atleta não mudou muito, talvez um pouco de visibilidade. Onde eu trabalhava ninguém sabia que eu 15


jogava (NR: Isabelle dividia a vida no handebol com um trabalho em uma empresa de Marketing de Produtos). “Nossa, mas você joga handebol? O que é handebol?” Eu era atleta profissional que tinha que trabalhar. PF: Chegar às sete da noite correndo do trabalho, atrasada pra hora do jogo, isso pesou na sua decisão de ir pra Europa? IM: Foi uma rotina louca. Trabalhei por 18 meses, treinava à noite. Tinha jogo no final

de semana, durante a semana. Não tem como você viver do handebol no Brasil. Não sei se alguém consegue, enfim, é muito difícil. Para isso você tem que fazer outras coisas. Tinha que arranjar dinheiro de algum jeito. Talvez essa realidade tenha feito bem pra minha cabeça para o que era o handebol. Porque o handebol era tudo pra mim, eu acordava jogava handebol, dormia handebol. Mas percebi que tinha que trabalhar , ganhar dinheiro..

PF: Não te entristece isso? IM: Eu odiava acordar cedo. Ir pro trabalho, trabalhar, depois treinar, isso cansava. Eu quero saber se consigo viver do esporte ao morar na Espanha. Quero ir pra lá. Eu realmente vou conseguir viver disso? É isso que eu quero? Se eu falhar? Nunca vivi apenas do handebol, vai que é chato isso. Eu não sei. Será uma vida chata de atleta? Eu não sei. Nunca vivi apenas do handebol aqui no Brasil. Eu nunca só joguei no Brasil. Essa experiên-

cia na Europa vai definir se eu quero ser uma atleta do handebol. O que realmente quero? Eu me formei em publicidade e propaganda no Mackenzie. Eu trabalhava na área com marketing de produto. Estava na minha área ao menos. Gostava de trabalhar com isso, achei bacana. Só parei porque foi uma decisão pra minha vida. Você quer conhecer novos desafios? Essa é a idade!! Se der errado, eu posso voltar. PF: Outro mundo é você conquistar o título

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nacional e ir trabalhar no dia seguinte... IM: É um pouco triste pra gente isso. Eu sou antiga do Pinheiros. O time ganhava tudo e tava lotado o ginásio. Todo mundo torcendo. Hoje, nada. Quem vem são os amigos, familiares. Ninguém vem torcer porque tem clássico entre Pinheiros e São Bernado como antes. O título mundial, a olimpíada, não mudaram quase nada. Ninguém conhece o handebol. É um mundo muito grande pra gente que tá no meio. Mas pra quem tá de fora é pequeno de-

nenhum momento, meus pais foram contra, mesmo quando a gente estava de saco cheio do handebol, eles falavam que tinha que treinar. “É legal, tem jogo no fim de semana, vocês vão viajar...”. Sempre motivaram a gente. PF: Qual é o melhor momento dentro da quadra? IM: Eu gosto muito de jogar. De estar na quadra, de correr, o gol é bacana mas pra mim não importa muito. Claro, fico feliz em fazê-lo.

mais. A gente tenta mostrar um pouco do han- Mas quero estar na quadra, estar presente, debol, a gente divulga, fala dos jogos. Mas é bem ajudando. Não sei explicar... olhar pro lado e pouco o retorno, gente que vem ver, que curte. ver as meninas vibrando, ver o técnico com a gente. É muito legal quando você faz um gol PF: E seus pais que tem dois atletas profis- e olha pra trás e todo mundo comemorando sionais no Brasil agora pelo mundo? com você num jogo muito disputado. O dia IM: Eles estão muito felizes com a realização em que eu achar isso estranho, ninguém estidesse sonho. Desde pequenos estavam com ver comigo, vai ser difícil pra mim. Enquanto a gente, levavam pra treinos, pra jogos lon- eu olhar pra trás e tiver todo mundo comige pra caramba, sempre estiveram presentes. go, todo mundo comemorando, estarei feliz. Toda nossa trajetória é de muito esforço. Em 17


BOLÍVIA E

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EM CENA fotos: ALE DA COSTA

KANTUTA apresentado pela Rumos Cia Experimental de Dança conta a história da imigração boliviana para a cidade de São Paulo. Carlos Veloso, diretor da companhia, fala sobre o processo de criação do espetáculo e a vida de um bailarino no Brasil

“Minha relação com a dança é muito especial. Não só a dança, mas outras artes desde pequeno me instigaram ter vontade de conhecer e vivenciar esse ser ARTISTA. Uma relação prazerosa, que hoje é minha profissão. Eu sobrevivo disso, vivo da dança... me entreguei. Minha relação com ela é social, política, profissional. Por meio da dança conseguimos dizer muita coisa... Dançar é único, é especial... não sei, eu sinto que transcendo, consigo ultrapassar alguns lugares, algumas barreiras. Consigo ser eu 100% em cena”

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A “A ideia de Kantuta surgiu entre 2016/17 e nasceu, na verdade, de outro trabalho, o SAUDADE, que falava de migração nordestina. O Edson Burgos, diretor e intérprete da Companhia também, é boliviano e propôs para o coletivo esse espetáculo sobre a imigração boliviana para a cidade de São Paulo. O Edson também migrou pra São Paulo e tínhamos essa necessidade de fazer uma relação entre as diferentes migrações: aquela de dentro do país com aquela que vem de outro país. Toda pesquisa foi desenvolvida durante 2017 e 2018. Nos aprofundamos na cultura boliviana. Fomos atrás de respostas a perguntas do tipo como o boliviano é recebido pelo estado? pelo país? Assim nasce o espetáculo Kantuta. Outras ideias e perguntas foram se juntando ao processo de produção: o boliviano e o trabalho na cidade de São Paulo. A força da mulher boliviana durante esse processo, essa mulher que trabalha, que é esposa, que é mãe , que é trabalhadora... Os diferentes ritmos. A culinária. Kantuta nasce de muitas curiosidades sobre o processo migratório, a cultura boliviana, tudo por meio da dança. E Kantuta é uma flor.... Kantuta, uma Bolívia em São Paulo, uma flor que representa o boliviano e nasce na cidade de São Paulo.”

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A “Viver de cultura no Brasil é uma luta a cada dia. A cultura não é valorizada assim como acontece com a saúde, a educação, mas falando só de arte são poucas as instituições públicas que fornecem subsídio e respaldo profissional para o bailarino. A gente busca uma profissionalização e arregaça as mangas e corre atrás... Dança é disciplina também, fazer e dar aula. Repassar conhecimento, expandir as possibilidades. Desenvolver projetos sociais com dança, sensibilizar pessoas com a dança e viver de cultura no brasil é viver acreditando na arte... é muito difícil falar sobre isso, mas a gente persiste...”

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PARA O ALTO E AVANTE A seleção brasileira de rugby conquista o campeonato sul-americano pela primeira vez e consolida crescimento de olho na Copa do Mundo de 2023

O estádio do Pacaembu, lendário templo do futebol brasileiro, recebeu o rugby pela primeira vez para um amistoso entre Alemanha e Brasil no final de 2015. Os alemães venceram por 31 a 7, mas o que marcou mesmo foi o recorde de público batido na história do rugby no Brasil. Mais de dez mil pessoas assistiram ao amistoso

A primeira vitória do Brasil no Americas Rugby Championship foi emocionante. Na Arena Barueri, o time brasileiro derrotou os Estados Unidos por 24 a 23 no último lance da partida em pênalti convertido por Moisés. Na época, início de 2016, o Brasil era o 42º colocado do ranking mundial enquanto o rival norte-americano figurava em 16º

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Pela primeira vez na história, a seleção brasileira masculina conquistou o Campeonato Sul-americano de Rugby XV. Até então, a melhor colocação no torneio – dominado historicamente pela Argentina que tem 34 títulos – foi o segundo lugar conquistado em 1964. A campanha pelo inédito troféu também teve vitória conta a Argentina. No jogo decisivo, realizado no SPAC em São Paulo, em maio passado o Brasil venceu a Colômbia por 67 a 05

Em mais uma edição do Americas Rugby Championship, o Brasil alcançou um feito inédito ao derrotar o Canadá no Estádio do Pacaembu, em noite chuvosa. A seleção brasileira terminou o torneio de 2017 em quarto lugar (são seis equipes) com duas vitórias em cinco jogos.

A temporada 2017 marcou para a seleção brasileira sua melhor posição no ranking mundial. No final do ano, a equipe verde e amarela era 25ª seleção do mundo.

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Entre o rio e a floresta Ao se adaptar aos humores da selva, o homem da Amazônia prova que é possível viver em harmonia com a natureza texto e fotos: ALE DA COSTA

É tempo de cheia nos rios da Amazônia. Entre maio e julho, principalmente, a rotina do caboclo se adapta ao meio. Não há manual. O menino já sabe, desde as fraldas, que a chegada das chuvas vai complicar sua vida. “Vamos nos contentar com o que aparecer na malhadeira (rede)” e ponto final. Luis Carlos, Izídio, Eufrásio e Lauro seguem o conselho. Elana, Adelana, Adria, Lindalva, Valdeles, Dalzieti também. Há ainda os cinco netos de Miguel dos Santos Costa e Maria Correia seguindo pelo mesmo caminho. Todos nascidos em casa e com a ajuda da parteira. A família, sem exageros, é a síntese do caboclo. Eles vivem numa palafita, na beira do rio Sanabani Grande, no município de Urucurituba (a 200 quilômetros de Manaus). A casa de chão de terra batida é simples e elevada por vigas de madeira para evitar problemas com as enchentes. “Aqui, a mata e o rio controlam os nossos destinos”, garante dona Maria. Nos mais variados idiomas indígenas, caboclo significa aquele que vem de fora. No passado, invariavelmente o termo era associado aos branquelos europeus que surgiam para catequizar e escravizar os nativos. Hoje, a palavra ganhou um sentido um pouquinho diferente. Afinal, é difícil não encontrar um caboclo com o sangue de índios e europeus correndo na veia. É assim com a família Costa. “Não sei quem é nativo, quem 26

é europeu dos meus parentes, não. Mas somos o resultado dessa união”, explica seu Miguel. Em tempos de descobertas tecnológicas, globalização, dólar subindo e descendo, o forasteiro do séc. XXI se espanta com a visão de casebres à beira do rio. Só em Silves, a principal cidade da região, estima-se que cerca de 200 famílias vivam como seu Miguel e cia. Os filhos são muitos. A média de dez pode parecer exagerada, mas por essas bandas é normal. Piadinhas à parte, não há televisão, energia elétrica, saneamento básico, cinemas, shoppings, restaurantes, todas as distâncias são consumidas de barco (o hospital, por exemplo, está distante uma hora de viagem pelo rio). O que fazer, então??? A família vive com uma renda de um salário mínimo por mês. A pesca é o principal meio de subsistência. Seu Miguel encara o Sanabani todos os dias. Antes do sol nascer, ele já está na labuta. Volta pra casa às oito da manhã. À noite, o patriarca lança as redes mais uma vez. Em casa, dona Maria supervisiona a criação dos filhos e netos além das plantações de macaxeira (mandioca). A terra deles também dá cará, maniquera e tucumã. Excedentes, quase nada. Há alguns anos tentaram o feijão. Fracasso total. “Ainda ganhamos um dinheirinho com trabalhos para hotéis e com o artesanato que produzimos para os turisreportagem produzida em maio de 2003


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“A natureza amazônica é mais forte do que o homem. Ela regula a vida de todos que querem ficar por aqui. Não tem outro jeito. Os caboclos perceberam isso e agora sabem como fazer do gigante verde sua casa de verdade”

tas”, explica Miguel. Cada peça é vendida a R$ 5. Mesmo sem querer deixar os rebentos partirem, dona Maria e seu Miguel se orgulham Preocupação com o futuro de tê-los na escola. Às quatro da manhã, a tur minha (são sete filhos em idade escolar) já está Quando um barco aponta a proa para a de pé esperando o barco que os levará para o casa da família Costa, a molecada se agita. Dona colégio, em Itapani. A viagem dura duas horas. Maria empalidece um pouco. Ela confessa, depois Eles estudam até o meio-dia. Depois da lição de de um bom papo de meia-hora, seu medo dos tu- casa, hora de ajudar os pais. “Todos estudam ristas estrangeiros. “Não entendo o que eles falam. até a quarta série. A partir daí, só tem escola em Fico pensando que estão nos criticando, falando Silves e ficaria muito caro pra gente. Por isso mal da gente. Não gosto de receber gente na mi- eles param de estudar. Pelo menos, eles aprennha casa que fala o que não entendo”, desabafa. dem a ler. Já é alguma coisa”, conta dona Maria. Aliviada, desanda a conversar. Estava sabendo Seu Miguel escolheu a região para morar que o mundo tinha passado por mais uma guer- há 23 anos. Gostou do lugar logo de cara, batira. E que no sul do país a violência só cresce. O zado por ele de Fé em Deus, mas confessa que rádio, que funciona quando quer, sintoniza a fa- quando o período de seca cai sobre a Amazônia, mília com fragmentos da vida fora da Amazônia. pegar água no rio vira um tormento. “O córrego “Quero meus filhos do meu lado. Não gosto de sa- acaba ficando muito longe. Bom, pelo menos, a ber que algum deles pensa em viver numa cidade gente acaba pescando muitas espécies diferentes grande”, confessa com sinceridade quase infantil. de peixe”, consola-se o ribeirinho. O tambaqui é 28


o peixe mais desejado pelos caboclos e também o mais temperamental. “Tá difícil pegar. Mas, quando cai na rede, é festa com certeza”, empolga-se.

Estudo antropológico

A família Costa serve como uma espécie de matéria-prima para o trabalho do guia Ricardo Albuquerque. Manaura, ele trabalha na Floresta Amazônica há 30 anos. “Fui dos primeiros a mexer com ecoturismo nessa região. Seu Miguel, Dona Maria e toda família são o mais fiel retrato do que é povo caboclo. Falo isso sem medo de errar”, defende. Para o guia/pesquisador, o caboclo soube se adaptar à vida na selva como os índios, nativos do lugar. Ricardo presenciou o início de muitos projetos megalomaníacos na região. E sempre soube e/ou antecipou o resultado final. “A natureza amazônica é mais forte do que o homem. A floresta é uma espécie de berçário. Não adianta o forasteiro vir para cá e tentar experimentar porque nada vai florescer. A Amazônia regula a vida de todos que querem ficar por aqui. Não tem outro jeito. Os caboclos perceberam isso e agora sabem como fazer do gigante verde sua casa de verdade”, comenta.

mil pessoas e o grande fluxo de turistas é europeu. Antes da chegada dos conquistadores, Silves era habitada por índios da tribo guanavenas. Há dados que indicam a presença deles na área há pelos menos 1.700 anos. Em 1663, o rio Urubu, que dá acesso à ilha de Silves foi palco de uma sangrenta luta entre os guanavenas, ao lado de caboquenas e bararurus – contra os portugueses. Os nativos não aceitavam a catequização lusitana e se rebelaram contra o trabalho escravo imposto pelos invasores. O saldo da batalha: 700 índios mortos e tantos outros Guerra sangrenta escravizados segundo os dados mais modes O município de Silves está localizado tos. Pela região, no entanto, não é difícil ennuma região de lagos amazônicos, distante 200 contrar gente que garante que naquelas batakm de Manaus. A população não passa de nove lhas milhares, de ambos os lados, morreram.

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