CARTA ABERTA Ao reler as entrevistas desse número da Portrait Fanzine, me senti ao mesmo tempo feliz e triste. Feliz porque consigo manter o nível das histórias apresentadas nessa revista a cada edição. Entrevistados, personagens, relatos fantásticos que questionam o status quo e que trazem, antes de tudo, reflexões sobre quais os caminhos que a sociedade brasileira percorrerá. A tristeza se dá, no entanto, pela impossibilidade de se ver, a médio prazo, um país que abrace diferenças e que seja capaz de aceitar todo mundo na divisão do “bolo”. Especificamente sobre o fim da National Geographic Brasil, que abre essa edição, me dói ver o quanto jornalismo brasileiro tem sido maltratado e como cada vez mais pessoas pouco se importam com isso. A história em quadrinhos que fecha a Portrait Fanzine 13 foi inspirada numa reportagem da NGB de anos atrás sobre o fim de uma cidade. Aquela matéria foi tão tocante que produzi o conto em pouco mais de dez minutos. Foi o meu primeiro trabalho de uma curta parceria com a genial artista Licida Vidal. Emblemáticas, NGB e HQ, estarem juntas nesse número. Ricardo Bulgarelli é um cara que fala muita coisa que muita gente não quer ouvir. Sua entrevista é de uma sinceridade ímpar. É bom demais como entrevistador poder conversar com gente que não se esconde atrás do senso comum. Tenho estado apaixonado demais nos últimos meses. A torcida do Corinthians é uma dessas paixões e tem sido uma experiência e tanto em todas as coberturas que faço do basquete do clube no Ginásio Wlamir Marques. Esse ensaio especial mostra a Fiel enlouquecida com a primeira final do time numa competição da bola laranja em mais de trinta anos. Em preto e branco, como deve ser. E falando em torcida, uma última página com meu maior amor: o Flamengo. O que Jorge Jesus e seus boleiros fizeram nesse semestre entrou para a história e trouxe de volta torcedores que como eu estavam cansados de sofrerem. Portrait Fanzine mantém a resistência e que chegue logo 2020. Embarquemos...
SUMÁRIO
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PROJETO Alexandre da Costa
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...O FIM A versão brasileira da National Geographic, ícone do jornalismo mundial, deixa de ser publicada nos país depois de quase 20 anos
texto: ALE DA COSTA
Sou um homem que sustenta tradições e rituais. Bobos, sim, em sua maioria. Por muitos anos, quando criança, toda quarta-feira ia para a banca de jornal ver a revista Placar da semana e seu tabelão com todos os resultados de todos os campeonatos. Eu não tinha dinheiro pra comprá-la e o jornaleiro aceitava minha visita sem reclamações. Depois, comecei a guardar dinheiro do lanche e minha coleção teve início. Sei que o Batista, dono da banca, ficou feliz com isso. Conheci a National Geographic nos anos 90, quando já iniciava minha carreira como repórter na Atenção. A centenária publicação me encantou desde a capa com suas bordas amarelas, “uma porta aberta para o mundo”, que honestamente não lembro qual era. Eu não lia em inglês, no entanto, a cada página suas imagens me encantavam. Sim, foi amor à primeira vista. O tempo passou, como sempre passa, e no início de 2000, a editora Abril – até então a maior do Brasil – traz para o país uma edição da National Geographic inteirinha em português. Não tive dúvida alguma. Assinei. Mesmo com viagem marcada para uma temporada de dois anos como correspondente no Japão. O combinado com a minha mãe era o seguinte: a cada duas revistas recebidas, ela fazia um envelope e mandava pra Tóquio. E lá eu leria e sonharia cada vez mais, quem sabe, em poder participar de alguma forma dessa publicação. Em 2010, depois de uma viagem que fiz para Ouro Preto, Minas Gerais, realizei o sonho de publicar na National Geographic Brasil. Foi uma notinha de uma página sobre a degradação do casario da cidade mineira. Pou5
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co, eu sei, mas você não imagina a emoção de ver seu nome numa publicação desse tamanho e importância. De quase 200 páginas em seu início, a NGB reduziu seu tamanho pra pouco mais de 100. Os anúncios também diminuíram bastante. Quando chegou ao seu numero 200, a revista mudou de editora. Saiu da Abril e foi para a ContentStuff. Então, quando 2019 alcançava sua metade, um recado na edição de agosto - a última que saiu em bancas - me entristeceu de uma forma que eu não poderia imaginar. Aquela revista que amava tanto e leio há duas décadas, não sairia mais. Data final? Novembro (o número 236 e apenas para assinantes). Talvez, você ache idiota sofrer pelo fim de uma revista, mas é preciso entender o contexto de tudo isso. Publicar algo nesse país nunca foi fácil e simples. Uma rápida olhada em qualquer banca, tirando as publicações semanais, não restou nenhuma revista efetivamente que tenha a reportagem em seu sangue. A National Geographic Brasil era a última... e acabou. Ronaldo Ribeiro trabalhou por 27 anos na Editora Abril. Começou na revista Playboy, passou pela Quatro Rodas e Semana em Ação. “Sou um jornalista moldado pelos conceitos e a linguagem da editora, e me orgulho de ter sido parte de uma companhia tão profissional e influente, apesar de ter enormes discordâncias com os rumos editoriais e as formas de gestão adotadas depois da morte de Roberto Civita, em 2013.”, contou. Ajudou a conceber a Caminhos da Terra, pioneira na documentação de temas ambientais e de viagens de aventura no país. Depois de oito anos, partiu para a NGB quando estreou no número três. Ele aceitou meu convite para responder algumas perguntas sobre o fim da National Geographic Brasil. Confira sua entrevista a seguir: Portrait Fanzine: É difícil aceitar que uma revista como a National Geographic possa acabar num país como o nosso. Acho que não estou enganado ao dizer que ninguém na mídia brasileira impressa faz o que NGB faz. Por que o fim então? Como é possível conceber que num país que abraçou o fake news uma publicação que reflita sobre a sociedade acabe? Ronaldo Ribeiro: Acho que a pergunta já embute respostas. É tentador entender que a revista possa acabar justamente por estar num país como o nosso (o país dos últimos anos, para ser mais preciso). Um país em grave grise econômica, em transformação veloz do consumo de notícias e, atualmente, ameaçado por ideias obscurantistas que elegeram o jornalismo, a ciência e a conservação ambiental como inimigos. Quem consome fake news – um público que me parece crescente, é uma pena – não está interessado em publicações que “reflitam 7
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sobre a sociedade” e suas questões, como você aponta. Pois as notícias falsas servem justamente para que não precisemos mais nos informar e refletir: elas vão de encontro às crenças de cada um, em direção àquilo que eu QUERO acreditar, ainda que não tenha base real. O resultado desse processo, no longo prazo, ainda é incerto – parece assustador. Mas, apesar desse cenário sombrio, é preciso deixar claro que a descontinuidade do título tem razões meramente comerciais. PF: Você, como editor, que está nesse barco desde início, como se sentiu ao saber do fim da revista física? RR: Recebi a notícia com muita tristeza, naturalmente. Mas, de certo modo, eu estava já preparado para isso. Os números não eram bons. A tiragem vinha caindo e a publicidade foi embora das mídias impressas para nunca mais voltar. O “modelo Abril” de produção/circulação de revistas está esgotado. Quase não há mais bancas para oferecer os produtos ao consumidor. E a internet, sobretudo as redes sociais, diluíram a receita publicitária de modo a inviabilizar o custo alto de impressão e distribuição. PF: O conceito REVISTA se perderá com tantas transformações? Você consegue vislumbrar o futuro das REVISTAS no Brasil, de um modo geral? RR: Minha impressão é a de que, depois dessa tempestade, as revistas impressas encontrarão o seu lugar, de novo. Mas não mais como hoje. Elas existirão em nichos, em segmentos específicos de consumo, para públicos objetivamente interessados naquele tipo de informação. E haverá um novo padrão de financiamento e distribuição. Grandes marcas e companhias do quarto setor ajudarão a fomentar a produção jornalística, para que informação independente e de qualidade possa chegar ao seu público. PF: O jornalismo brasileiro morreu? O que a quase inexistência das reportagens nas redações brasileiras dizem sobre a sociedade brasileira? RR: Não, não morreu. Tenho 30 anos de carreira e o jornalismo nunca me pareceu tão necessário, para novamente validar a realidade factual e para restaurar a convivência social em um país conflagrado pelo ódio político. E com isso ajudar na própria recuperação econômica, que é um desejo comum a todos, sejam eles consumidores ou não de jornalismo no dia a dia. No entanto, é preciso que o jornalismo também faça um mea culpa sobre o seu papel nesse triste cenário. E isso ainda não ocorreu. Estou entre aqueles que entendem que a imprensa foi decisiva para essa ruptura, para essa divisão, para essa separação entre grupos com interesses aparentemente irreconciliáveis. 9
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PF: O que significa, para uma sociedade pretensamente democrática, não existir debate de temas contemporâneos no formato de grandes reportagens, tudo aquilo que compõe uma revista como a National Geographic? RR: Se valores como o bom jornalismo e o debate de ideias deixarem de existir ou forem condenados, significa que estaremos deixando de ser uma sociedade democrática. Esse é o perigo. Mas esse não é um drama exclusivo do Brasil. É algo que está sendo visto em muitas nações, de diferentes culturas políticas, mundo afora. Diante de um certo cansaço da democracia, impulsos autoritários despontam. Espero que o bom debate e a narrativa documental em grandes reportagens fotográficas encontre seu caminho nas plataformas digitais, pra que possam continuar cumprindo seu papel. PF: Como a matriz da National Geographic repercutiu o fim da edição brasileira? Como funciona isso na prática? É só uma questão de contratos? RR: A matriz lamenta o encerramento da edição em um país como o Brasil, com um mercado e um contingente de leitores tão grande. São quase 20 anos, uma das edições estrangeiras mais antigas do mundo – hoje são 35 delas, no total. Mas a decisão é do licenciante, que não vinha conseguindo viabilizar uma operação com bons resultados comerciais. Sou um otimista: acredito que a revista possa voltar a circular, em um momento menos problemático e difícil como o atual. Vai depender, obviamente, do interesse de um novo licenciante. PF: Você consegue apontar seu top três como editor da NGB? Qual seu grande orgulho, quais são as suas edições memoráveis? RR: Alguns projetos da revista foram muito emblemáticos para a minha formação. O Megatransect, por exemplo, logo no começo dos anos 2000, foi um marco – um pesquisador maluco atravessando a África a pé, durante 450 dias, para levantar dados de conservação de fauna. Na mesma época, me recordo da grande reportagem de Don Belt sobre Abraão, o homem cuja vida originou as três religiões monoteístas. Sempre releio, sempre me emociono. E, nos últimos anos, não dá para não se orgulhar de duas edições temáticas: Gênero (janeiro de 2017) e Raças (abril de 2018). Trabalhos corajosos, bem apurados, exemplos históricos do bom jornalismo em revista.
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Conta tudo, Bulgarelli! O jornalista Ricardo Bulgarelli, sem fugir da polêmica, analisa o basquete brasileiro e aponta caminhos para seu desenvolvimento texto e fotos: ALE DA COSTA
fez o NBB para o basquete brasileiro. Antes da Liga Nacional, para se ter um ideia do quanto ia mal das pernas, nem teve final do último Campeonato Brasileiro. Sim, mais de uma década de crescimento assustador do NBB, mas qual o caminho que tem que ser percorrido para se ter um basquete de clubes, novamente, forte no país? Ricardo Bulgarelli: Acho que tem muita coisa pra fazer. Como você bem destacou, a gente vê essa evolução ano a ano. Se não tivesse criado o NBB, o basquete corria o risco de acabar no país. A situação estava bem delicada. Mesmo com a presença do NBB, tinha a Confederação Brasileira metida em escândalos de desvios de verba, uso indevido de verbas. Havia muitas dificuldades. Acho que é o início de um trabalho. A gente tá falando de uma competição que existe há pouco mais de uma década, que se for comparado com outras ligas do planeta que se dão bem e tem sucesso, principalmente nos Estados Unidos - as ligas de esportes profissionais, NFL, NBA... - estamos falando de ligas que tem 50, 60 anos de histórias . A gente Portrait Fanzine: É inegável o bem que tá no caminho certo, mas tem muita coisa pra Foi um encontro inusitado. Começavam as finais da Liga de Desenvolvimento de Basquete, cheguei para fotografar os jogos no Paulistano – cidade de São Paulo – e, de longe, vislumbro aquela figura que só conhecia de ver na TV. Ele vinha na minha direção, falando “você é quem faz aquelas fotos bacanas do NBB?”, soltou um sorrisão e me cumprimentou com alvoroço. Foi divertido. Ricardo Bulgarelli é assim mesmo. Verdadeiro, sem papas na língua. Conversar com ele sobre basquete é aprender e seus comentários são contundentes. Com 48 anos, Bulga – como é chamado pelos amigos e fãs – é jornalista esportivo desde 1995. Passou pela Band, ESPN Brasil, SBT, Record, Sports Plus e, novamente, ESPN. Cobriu o Mundial de Basquete de Indianápolis em 2002, o US Open de tênis de 2001, Jogos Olímpicos de Londres em 2012, os Jogos Olímpicos de Inverno em Vancouver 2010 e a Copa do Mundo da França de 1998. Para tudo, então, para ler o que pensa Bulgarelli sobre o esporte brasileiro.
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percorrer, entre outras coisas, um tratamento melhor com a base. A Liga de Desenvolvimento é um caminho. Nesse próximo ano, a exigência do NBB de ter os seus times participando também da LDB será fundamental. Mas tem que espalhar pelo país. Não adianta num ano você ter o Caxias quinto colocado e depois, no ano seguinte, o projeto acabar. O basquete cearense sofreu para continuar e em 2019 foi a mesma coisa. Às vezes, eu entendo... uma vez, conversei com o Léo Costa que disse: ‘a gente deu uma pausa no projeto do Macaé Basquete pra poder voltar bem, sem ser rebaixado, cair. E se não conseguir mais voltar e a cidade deixar de se interessar?’. Faz sentido, porém, não é só isso, muitas vezes, nem é o resultado. Caxias foi o quinto colocado e o
“Eu não consigo dizer se vai ser o ano do Yago, do Ruivo, entre outros. Torço muito pra evolução desses garotos. A gente vê o Didi indo pra Austrália, podendo ter um protagonismo. Tem muita gente boa na LDB”
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interesse de continuar não surgiu por fatores extras como, por exemplo, a mudança de partido político na prefeitura da cidade. Eu torço muito para que o basquete se desenvolva nos quatro cantos do país, mas sei a dificuldade disso. O Brasil é muito grande, um país continente, é diferente da Argentina que tem um território menor e aí você consegue divulgar melhor. O Uruguai, mesmo pequeno, consegue se desenvolver tanto até no futebol. Aqui é essa a nossa dificuldade. Outro exemplo, o Paraná voltando com o Pato, tem ainda duas equipes da capital jogando a Liga, mas não estão no NBB. O ideal seria cada estado ter o seu representante, tentar massificar cada vez mais. Tem que ter o trabalho de base, ela é fundamental para poder sonhar alto lá na frente.
Não só com os times do NBB. Não adianta você ter só Rio e São Paulo, só São Paulo, na verdade. O Rio no estadual tem apenas três equipes. São Paulo forte e o restante do país não? Tem que ter uma coisa pensada, o NBB veio pra salvar o basquete, é um caminho que vai bem, mas tem muita coisa pra se fazer ainda. PF: Não se pode achar que tudo está resolvido... RB: Não, não, não. Se você voltar dez anos atrás e falar ‘Bulga, em 2019, nós vamos ter 100% dos jogos transmitidos da Liga’, ninguém ia nem pensar isso. Ninguém ia imaginar que o basquete voltaria pra TV aberta, três TVS a cabo diferentes fazendo os jogos. Plataformas de facebook, twitter, streaming.
Você nunca ia imaginar isso dez anos atrás. A gente tem evoluído em muitos aspectos. PF: Uma coisa que é bacana nesse NBB é que, apesar do estado de São Paulo ter Franca, Bauru, Mogi, Rio Claro, Limeira - em outras edições - São José como forças, pela primeira vez, você terá quatro times da cidade de São Paulo no campeonato. Um quarto do total dos participantes. São quatro forças. Uma delas já foi campeã, outra é extremamente tradicional e sempre aparece forte e dois times vem do futebol com muita torcida. É um momento para a cidade de São Paulo tomar pra si um protagonismo que nunca teve antes no basquete nacional? É possível imaginar os quatro times entre os oito...
“Hoje, o Brasil também tá carente na armação. O Raulzinho , que seria nosso expoente, nem foi para o Mundial e fez falta”
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RB: É importante sim, é um resgate. Eu tenho quase 50 anos. Eu lembro muito bem da época em que Monte Líbano e Sírio eram muito fortes. Peguei o Corinthians forte aqui no começo dos anos 80, com aquele time do Gerson, Gilson, Adilson, Rocky Smith, eu vivi isso. Essa cidade respirava basquete, enchia o Ginásio do Ibirapuera. Uma ideia bacana seria Paulistano e Pinheiros, equipes centenárias, fazerem rodadas duplas no Ibirapuera para cativar o torcedor e acordar esse gigante adormecido. Nos anos 80, os quadrangulares finais do Paulista eram no Ibirapuera. O Sírio, Monte Líbano, Francana, Corinthians, São José, todo mundo jogava lá. Era legal o Final Four do Paulista. O Jogo das Estrelas do NBB está voltando para o Ginásio do Ibirapuera, mas seria bacana ter pelo menos duas rodadas duplas ali, vou sugerir pra Liga, pra tentar fomentar mesmo, resgatar o Ibirapuera. Sobre o quarteto da cidade de São Paulo no
NBB é bem provável que você tenha os quatro nas quartas-de-final tendo reais chances de brigar pelo título. Eu apostaria hoje em pelo menos três. Dois, eu acho que estarão. Mas a gente sabe da competição que é, do equilíbrio que essa liga tem. Você tem essas forças do interior que sempre aparecem. Franca, Bauru, Mogi, times de tradição. O NBB é um campeonato que você não consegue apontar apenas um, dois, três favoritos. Você abre com oito favoritos, pelo menos. Anos atrás, do quinto ao oitavo eliminaram os quatro melhores colocados da fase de classificação. É muito legal ver esse equilíbrio. Mais bacana do que a cidade de São Paulo ver esse resgate é o brasileiro voltar a se apaixonar pelo basquete. A gente sabe que o basquete foi o segundo esporte do Brasil. Era um esporte que trazia medalhas, foi bicampeão mundial, três medalhas olímpicas e a gente sabe o quanto o brasileiro gosta do Brasil conquistan-
“A entrada do quarto estrangeiro não vem pra atrapalhar, ela vem pra melhorar o nível do jogo. Criticar os quatro estrangeiros é uma bobagem. Uma coisa é preencher com qualquer estrangeiro, outra é você trazer um cara que vai ajudar” 16
do. Além do NBB, tem NBA todo dia na TV, do Estado de São Paulo, você consegue ver aberta, fechada. É o ressurgimento do bas- mais disso. Você consegue passar por mais quete em todos os níveis, isso é importante. locais com quadras, mesmo que de futebol. No entanto, isso é uma cultura que parece PF: Quantas quadras de basquete, você que nunca vamos deixar que é a ideia de ser viu do caminho da sua casa até aqui (gi- o país do futebol e os outros esportes não násio do São Paulo, no Morumbi, local da receberem o tratamento que mereciam ter. entrevista realizada em 19 de outubro)? Eu não vi nenhuma. Isso é um problema quan- PF: Conversei com Regis Marrelli, quando do se pensa em massificação do esporte? assumiu o Paulistano, e ele falava da ânsia RB: Lógico que é um problema. Eu saí da que o morador de Salvador, da torcida, um ESPN e vim pra cá no Morumbi. Eu confes- ginásio num bairro mais humilde, ânsia da so que vi uma. Era uma quadrinha, não era molecada querer conhecer o jogo, saber dele oficial, mas era um 3x3, perto da ESPN. Mas e não ter acesso ao basquete. Quando o Brasil não é só o basquete que precisa de projetos vai acordar e perceber que cultura, educação de massificação. Acho que tudo, né? É um e esporte são fundamentais como alicerces problema do país. Reflete no basquete como em uma sociedade que se preza para todos? reflete no handebol, no vôlei, na ginástica. É muito difícil perceber um negócio desses? Faltam quadras poliesportivas, faltam espa- RB: Perceber não é difícil não, o problema é ços para tatames, espaços para treinamentos. executar isso. Eu não acredito. Seus filhos, Eu estava indo muito pra Botucatu, interior os meus, seus netos, os meus, não verão isso
“A seleção brasileira me surpreendeu positivamente no Mundial. Eu não esperava. Acreditava que passaria de fase e sabia que seria muito difícil. O Brasil fez um jogo surpreendente contra a Grécia. Pra ficar marcado. Eu gostaria que comemorássemos mais essas vitórias. A diferença entre os primeiros é tão pequena. Perder de vinte pontos para a República Tcheca é que eu não aceito. Perder faz parte, mas não desse jeito” 17
e pode ser que nem os bisnetos e os netos de nossos filhos vejam isso. Acho bem difícil, cara. A cultura do levar a vantagem a qualquer custo e só pensar em si próprio está muito enraizada em cada brasileiro. É um ou outro que vai pensar no coletivo, infelizmente. PF: Fazer quadra de basquete não dá voto... RB: Exato. E vai ter aquele que vai falar que tá fazendo porque o filho dele joga basquete e todas essas coisas...nunca dirão que é em prol do coletivo. O cara hoje desconfia de tudo. Hoje, se eu fizer uma menção ao basquete dirão que é porque o Bulga quer que o filho dele vá jogar, que ele tá falando bem de tal time porque o filho dele tá jogando lá. Sempre acharão uma desculpa, nunca vão querer ver o coletivo. O negócio aqui tá enraizado do brasileiro pensar somente em si mesmo. Uma pena, lamentável. Vem meteoro, começa do zero e vamos sair de novo. É triste dar uma declaração dessas pra você. Hoje, eu não tenho esperança nenhuma de alguma mudança. Eu falo isso pras pessoas que tenho contato que se tiver oportunidade de ir embora, vá.
“O Flamengo foi campeão com o Franco Balbi, que é um cara que sequer joga na seleção argentina. O Balbi não joga na seleção por causa da concorrência. Eles foram vice-campeões do mundo sem ninguém na NBA. Excesso da qualidade que eles tem e que a gente não tem.” 18
PF: Você falaria pra um moleque investir numa carreira como atleta de basquete no Brasil? RB: Eu acho que o cara tem que investir no sonho. Quem sou eu pra cortar o sonho do garoto? Se você colocou na sua cabeça que quer ser jogador de basquete saiba que a missão é duríssima, os obstáculos são cada vez maiores, a missão não vai ser fácil, mas isso acontece em qualquer profissão que você escolher. Esgote todas as possibilidades até que você fale que tentou e não deu, mas ama o basquete, vai trabalhar de outra maneira, vai ser fotógrafo, preparador físico, tentar estar próximo ao esporte. Num mundo liberal, abnegação soa um tanto ingênua, mas falta isso um pouco ao esporte, estar envolvido porque se ama o esporte... A chance de se fazer bem porque se ama é muito maior, meu pai ensinou isso. Meu pai era um cara que foi quase padre, ele falava ‘procure ser o melhor no que você propôs e faça por amor’. A chance de êxito é muito maior. Às vezes, não dá. São problemas que acontecem, no entanto, você saiu para fazer o melhor. Você tem que estar feliz.
PF:Você tem um quinteto de jovens talentos brasileiros pra ficar de olho nesse NBB? RB: Eu acho que a gente tá vivendo um momento... que não é uma crítica, mas é preciso diagnosticar... Sidney, Atenas, Pequim sem basquete brasileiro na Olimpíada. Depois, Londres, com possibilidade real de medalha, e o Rio de Janeiro. Podemos ficar de fora de Tóquio, o que até seria um resultado normal. Temos uma grande dificuldade com renovação. Falta carinho com a nossa base. A entrada do quarto estrangeiro não vem pra atrapalhar, ela vem pra melhorar o nível do jogo e vou te dar um exemplo disso. Eu não consigo dizer se vai ser o ano do Yago, do Ruivo, entre outros. Torço muito pra evolução desses garotos. A gente vê o Didi indo pra Austrália, podendo ter um protagonismo. Tem muita gente boa na LDB, esse Jonas Buffat do Pinheiros me agradou muito, o Mãozinha também que tinha sido MVP por Maringá ano passado. Ele tem uma história, filho do Mãozão, história familiar de basquete, isso é muito legal de ver ... O que eu chamo a atenção nessa edição do NBB, e já se via isso no ano passado, é a qualidade dos armadores argentinos em posição de criação de jogadas. O Flamengo foi campeão com o Franco Balbi, que é um cara que sequer joga na seleção argentina. O Bauru foi atrás do Lucas Faggiano, que é um jogador fantástico, é um monstro. Tem o Parodi que é uruguaio, mas é da escola argentina. O São José trazendo quatro argentinos. Isso transpassa para o basquete europeu. O Campazzo foi MVP das finais da Liga Espanhola. Laprovitola, que já jogou aqui, foi MVP na Espanha. A gente vê uma leitura de jogo desses caras. A carência do brasileiro antes era na posição três, tanto que o Marquinhos e o Alex seguem na seleção por falta de um cara nessa posição. Hoje, o Brasil também tá carente na armação. O Raulzinho , que seria nosso expoente, nem foi para o Mundial e fez falta, um cara mais alto. O Franca tem o Elinho em grande nível por dois anos seguidos e jogou muito bem na fase de classificação do último NBB e, mesmo assim,
foram atrás do Parodi. Necessidade de ter um armador com um estilo diferente. Esse é o detalhe que vejo nessa edição do NBB que é a invasão de argentinos na posição um que, hoje, é uma carência no Brasil. Não acho que emperra o desenvolvimento do garoto brasileiro nessa posição, acho que é um aprendizado, a gente tem que tirar uma lição disso. Criticar os quatro estrangeiros é uma bobagem. Uma coisa é preencher com qualquer estrangeiro, outra é você trazer um cara que vai ajudar. O Balbi não joga na seleção por causa da concorrência. Eles foram vice-campeões do mundo sem ninguém da NBA. Excesso da qualidade que eles têm e que a gente não tem. É pra gente aprender. Acho desculpa dizer que os estrangeiros vão atrapalhar o desenvolvimento dos garotos. Temos que aprender com os caras bons que vierem. A gente tem que parar de achar que o Brasil perde porque não joga bem, na verdade, os caras foram melhores e por isso perdemos. Se os argentinos são melhores na armação, vamos aprender com eles. O dominicano Solano, outro armador, vai ajudar muito o Yago e o Ruivo no Paulistano. PF: A seleção brasileira masculina te surpreendeu no mundial? RB: A seleção brasileira me surpreendeu positivamente no Mundial. Eu não esperava. Acreditava que passaria de fase e sabia que seria muito difícil. Esperava muito de Montenegro, mas lá desandou. O Brasil fez um jogo surpreendente contra a Grécia. Pra ficar marcado. Eu gostaria que comemorássemos mais essas vitórias. Os argentinos comemoram a prata com um time renovado. Vitória contra a Grécia num campeonato tão nivelado tem que ser muito comemorada. A diferença entre os primeiros é tão pequena. Perder de vinte pontos para a República Tcheca é que eu não aceito. Perder faz parte, mas não desse jeito. O Brasil sentiu muito essa derrota. Não estava esperando, parece que foi surpreendido. A globalização tá aí, não pode ser surpreendido. Tem que estar atento a qualquer detalhe. 19
Uma histรณria de amor Mais de 30 anos depois, o basquete do Corinthians disputa uma final de Campeonato Paulista e sua torcida dรก um show nas arquibancadas fotos: ALE DA COSTA 20
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Eu não tinha cinco anos de idade, mas aquele homem com a camisa rubro-negra e o número 10 nas costas havia me conquistado. De verdade, nem sei direito como virei Flamengo, entre outras razões, sou da cidade de São Paulo e de uma época na qual assistir jogos de times de fora de seu estado era quase impossível. Por que ser flamenguista? Assim fui e comemorei os títulos brasileiros de 1980, 1982, 1983, a Libertadores e o Mundial de 1981. Aliás, lembro perfeitamente quando, na manhã seguinte à vitória contra o Liverpool, que dizia ao meu pai que vestiria aquela camisa branca linda da final de Tóquio quando fosse jogador de futebol. Crianças, crianças que sonham. Não virei jogador porque era ruim pakas, mas o vício/amor Zico, Flamengo, Rio de Janeiro continuou... e o sofrimento só começou. Tirando rompantes, foram pouco mais de três décadas de vergonhas, vexames, raiva, rancor. Foi difícil ser Flamengo. Há dois anos, depois de uma derrota de 4 a 0 para o Corinthians, decidi escrever um livro sobre o Flamengo desse período de vacas magras que se chamaria “As viúvas de Zico”. O projeto começava com uma frase polêmica: “EU ODEIO O FLAMENGO!” Minha vida maluca adiou a ideia que tinha a benção de um dos meus padrinhos no jornalismo e pai dos Almanaques de clube, Celso Unzelte. E chegamos em 2019, mais precisamente, junho. Começa a era Jorge
Jesus, o novo técnico do Mengo que substituiria Abel Braga. E tudo mudou da água pro vinho. Tudo mesmo!!!!! Um dia escreverei uma ópera sobre esse momento, mas agora eu só preciso dizer que o final de semana de 23 e 24 de novembro de 2019 foi a coisa mais insana da minha vida de torcedor. Aqueles três minutos contra o River Plate foram apenas o ápice de horas nonsense que mexeram comigo e que de certa forma me reaproximaram de vez do meu time de coração. A virada em Lima, a festa no Rio, eu loucamente, sozinho em casa, gritando e chorando como uma criança, sem saber se expressar porque a emoção é tão grande que dói uma dor gostosa no peito ainda só de lembrar. No domingo, a derrota palmeirense e a confirmação do título brasileiro. Ufa... inesquecível, indescritível, iluminado. De alma lavada... Essa camisa do Flamengo é de 2013, ganhei de presente de um aluno da escola em que trabalho. Faz parte de uma pequena coleção que acalento há algum tempo. Era camisa de jogo do Ramon e tem o número 31 nas costas. Manto lindo, lindo, lindo.