Portrait Fanzine nº 16

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CARTA ABERTA Não está fácil para ninguém. De certa forma, essa revista que você começa a ler agora, está pronta há dois meses, um pouco mais, um pouco menos. Minha cabeça não está funcionando direito e esse mundo maluco tem sido a causa de meus bloqueios e inseguranças. Por que esperar tanto para fechar essa edição? Em 29 de junho passado, uma grande colega da escola em que trabalho morreu por causa da Covid-19. Ela não tinha 60 anos, cheia de vida e alegria, principalmente, com a chegada dos três netinhos. Quando entrevistei a enfermeira Aline Miranda, em abril, o coronavírus engatinhava no Brasil. Mas as mortes já eram reais e prenunciavam a tragédia de agora. Enquanto escrevo, mais de 64 mil pessoas morreram no país por causa desse vírus. Há um culpado? Sim. Aquela história de “gripezinha” de março infectou toda uma população que desdenhou da pandemia. Tragédia. Genocídio. Acho que eu esperava que as coisas melhorassem, que tudo aquilo que Aline disse com contundência se arrumaria. Mas não se vence uma doença ignorando-a. E as coisas só pioraram. A Portrait Fanzine 16 traz também o desabafo de um amante do basquete. Seu Carlos Osso, 80 anos de idade, fala da tristeza ao ver seu Pinheiros desmontado antes da conclusão de um campeonato que, infelizmente, não teve final. Pior do que a demissão de seus nove atletas profissionais, é toda incerteza quanto ao futuro de um dos principais clube formadores de atletas dos esportes olímpicos do Brasil. Essa edição não poderia passar sem falar da aposentadoria de um dos maiores jogadores de vôlei da história. Serginho merecia uma última temporada de gala. O coronavírus não permitiu e o maior líbero da história aposentou suas joelheiras aos 44 anos. Uma perda incomensurável. E para concluir, mais uma coluna do jovem jornalista Vinícius Caldeira que já dá suas “canetadas” em veículos universitários apresentando um talento raro. É isso. Por que demorei pra fechar essa revista? Porque a tristeza me consome e levantar da cama é um desafio diário... Mas como disse aquela moça de cabelos enrolados ...“tudo vai ficar bem!” Embarquemos...

SUMÁRIO

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PROJETO Alexandre da Costa


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RESISTÊNCIA A enfermeira Aline Miranda na linha de frente contra o coronavírus texto e foto: ALE DA COSTA

O covid-19 matou (matará) milhares de pessoas. A morte perde o nome, a identidade, a história da pessoa. Empatia tem sido uma das palavras dessa época de crise nunca vista antes por essa geração. Se importar com o outro ainda tem relevância, mas há governos como o do Brasil, por exemplo, que decidiram colocar delírios econômicos à frente da saúde das pessoas. O preço que estamos pagando é gigantesco. Não esquecer aquele que se foi é um dos primeiros passos para quando tudo passar. Ouvir aqueles que estão na linha de frente dessa guerra agora também é fundamental. Aline Miranda é enfermeira há 13 anos. Vive na cidade de São Paulo e é craque no ato de trazer uma vida ao mundo. Enquanto estamos em casa (deveríamos), ela é uma das milhares de profissionais que se arriscam diariamente em hospitais. Seu depoimento é importante, dá voz a um grupo que precisa ser ouvido. Importante dizer que essa entrevista foi feita em abril passado. Triste constatar que tudo piorou desde então e a crise está longe de acabar. Qual país sairá disso tudo?

ALINE MIRANDA: Eu sou a Aline, trabalho como enfermeira obstetra, estou na enfermagem há 13 anos, já fui auxiliar, técnica e a maior parte da minha experiência sempre foi em hospitais do SUS, hospitais públicos. Já passei por vários setores, não só a obstetrícia. É o que eu gosto, é onde eu me vejo... só sei ser enfermeira. PORTRAIT FANZINE: Por que essa profissão?

AM: Porque eu me identifico com essa questão que incita a gente, da curiosidade de saber por que tomar o medicamento, pra que ele serve... aquela doença causa tal coisa e como eu vou fazer pra tratá-la? Para cuidar mesmo. Porque enfermagem é isso... é o cuidado, não é só prescrição médica... não é só aquilo curativo, envolve prevenção e mais do que nunca hoje, a gente tá vendo, da prevenção da doença e do tratamento... atuo há cinco anos na obstetrícia... é o que eu gosto, essa mágica de você poder dar a luz, gerando outra vida, acho isso o máximo... por isso escolhi a enfermagem obstétrica que é o ato de parir, ato de amamentar.. acho isso fenomenal. PF: Qual foi o seu sentimento quando percebeu que estaria na linha de frente do combate ao vírus? Medo? Senso de urgência? Cumprimento de um dever? AM: Posso falar por mim e pela maioria dos meus colegas, em primeiro lugar, medo e, depois, o sentimento de impotência. Eu ressalto que passamos por outras epidemias como a do H1N1 que era algo novo, como eu falei, há 13 anos estou na área, mas agora foi diferente, a transmissibilidade, a forma como o vírus do corona se transmite, a rapidez dele nos surpreende. De 2009 para 2020, infelizmente, pouca coisa no Brasil foi investida em relação à pesquisa, a recursos mesmo... leitos, hoje, a preocupação é a superlotação em leitos de UTIs. Eu posso te dizer com convicção que sem pandemia já é algo difícil... que o cenário nos hospitais públicos é manter os pacientes, às vezes, em respiradores em UTIs improvisadas. Eu 5


já segurei paciente em centro cirúrgico porque a UTI estava cheia.No centro cirúrgico, eu tenho um respirador pra ele no pós-operatório e mantive o paciente ali estável com anestesista, com uma equipe de técnicos. O preparo para uma crise como essa nunca aconteceu e por que nos assustou? Ninguém imaginou que ia vir dessa forma, que ia existir uma pandemia dessa forma, de um vírus que pouco se sabe, e na verdade, estamos sendo as cobaias, a população, tanto nós na linha frente – os profissionais da saúde – quanto a população em geral. Sem dúvida, os sentimentos são medo, abalo psicológico mesmo, uma certa sensação de impotência.. Você trabalha com o caos, com uma certa pressão, porque são as vidas das pessoas. Se você trabalha no financeiro, faz uma conta errada, você pode ser demitido, mas não se perdem vidas. Qualquer erro na área da saúde, médico ou enfermagem, vai perder uma vida, um ente querido de alguém. Na questão da pandemia, não é um erro, mas é um despreparo na questão de ter que escolher quem vai pro respirador ou não, quem tem mais chances de sair do respirador. A questão não é só entrar, é você elencar quem tem mais chances de sair depois... Isso é muito triste, cara. É muito difícil pro médico, pro enfermeiro e, também, tem a questão de você se expor. A periferia, onde eu trabalho nesse hospital - estou há três anos, as pessoas não tem conscientização e aí me questiono “estou lá me expondo, expondo a minha família, as pessoas que amo” e a população não tá nem aí, achando que não é um grande perigo, por causa de discursos indevidos que prejudicaram, e as pessoas são leigas e criam aquela dúvida se realmente a doença é tudo isso de verdade, se precisa da quarentena ou não. As pessoas ficam ansiosas em casa e quererem sair e acham que estão fazendo a coisa certa. A gente vive um momento muito delicado. Tive noites sem dormir, fico ansiosa... Os dias estão passando, mas não sabemos o 6

desfecho. O vírus teve um comportamento melhor em relação aquilo que esperávamos. Mas não chegamos ao pico ainda. Deu certo parte da quarentena? Até o momento sim, mas daqui pra adiante não sabemos (Nota da redação: essa entrevista foi feita no início de abril de 2020). É essa incerteza que nos deixa ansiosos, aquela sensação de que será que estou fazendo o certo? Estou fazendo certo, mas estão caminhando junto comigo? PF: Não havia dúvidas sobre a chegada do coronavírus no Brasil. Talvez não se soubesse quando, mas que o vírus desembarcaria no Brasil, desembarcaria. Por que os governos federal, estadual e municipal não se prepararam com antecedência? Houve um menosprezo dos governos? AM: Sim. No meu ponto de vista, sem sombra de dúvidas, houve menosprezo sim. Pra mim, não deveria ter tido carnaval. A gente sabe, não é a opinião minha como enfermeira que ia mudar algo, fizeram o carnaval mesmo. Infelizmente, no Brasil, que há uma cultura de desvio de dinheiro, onde quem tem mais, sempre vai ter mais, e quem tem menos sempre vai ter menos...eles estavam vendo que uma festa que movimentava turistas, milhões de pessoas, não deveria ocorrer mas eles estavam pensando no dinheiro, em movimentar esse dinheiro, no capital. Hoje está se gastando muito mais, um respirador que é valor x está custando o dobro, o triplo. As nossas máscaras tinham uma qualidade, hoje estou tendo que trabalhar com máscara de TNT confeccionada de forma artesanal. A máscara N95 que deveria ser para todos os profissionais da saúde dentro do hospital, foram remanejadas para setores mais críticos, setores feitos na contingência para quem está sendo tratado com sintomas gripais. Sempre teve uma falha na distribuição de verbas dentro dos hospitais e serviços de saúde e falo isso porque desde 2014, na época da Copa do Mundo do Brasil, eu trabalha-


va num hospital do lado da Arena do Corinthians em Itaquera. O tanto de dinheiro que foi pra lá...e ainda falavam que nós seríamos a referência caso acontecesse alguma coisa como atentados, algum evento de catástrofe no estádio...Como? Nós tínhamos dez leitos de UTI e mesmo assim com que qualidade? Tínhamos profissionais com capacidade suficientes para atender esses pacientes graves caso ocorressem? É algo que vem acontecendo há tempos... e foi juntando... é como se fosse uma série de erros, mas na verdade foram problemas que foram subvalorizados ‘Aah, não precisa, está bom desse jeito’ e agora a gente chegou na situação que está.

do atual governo. Como você se sentiu? AM: Foi um absurdo o que fizeram... as pessoas ficaram cegas por causa da política, cegas por um discurso que não é preparado. É péssimo pra gente, você escolhe uma profissão que eu sempre gostei, não me vejo fazendo outra coisa, mas sempre achei que não era valorizada como deveria ser. Tanto enfermeiros quanto médicos, você não tem aquela oportunidade de pesquisa que se vê em outros países, patrocínios, o que tinha, foi cortado, restaram algumas bolsas e nada mais. Você olha isso tudo e se sente muito mal. Junta tudo e culmina em questões de ansiedade... Você fala pra si ‘o que eu estou fazendo?’ Eu represento parte da linha de frente e sou recebida dessa forma pela população? Tudo bem, nem Jesus agradou todo mundo... Mas num ato público, a pessoa não tem vergonha de agir dessa forma com agressão. É um retrocesso, que democracia é essa? Que liberdade é essa que a gente tem na qual você é agredido por causa da sua profissão? No metrô, há dois meses, uma pessoa que estava de branco foi agredida... O que é isso? Podia ter sido eu... como você chega em casa? Como fica você por dentro? Estou me expondo, dedicando meu tempo, minha vida pra estar com as pessoas, estou fazendo meu trabalho, não sou vagabundo, eu estou trabalhando e sou menosprezada dessa forma... é bem difícil, sabe? Eu penso que ao invés da pandemia unir as pessoas (longo suspiro) ... a gente não quer palmas, lógico que quando bateram, eu agradeci, parte da população está reconhecendo nosso trabalho, mas a gente quer valorização de fato, reconhecimento, EPI digno que não seja feito de improviso ou os insumos racionados. Quem pisa no hospital é prioridade! Tem que ter equipamento para todo mundo.

PF: O quanto atrapalha/atrapalhou o discurso presidencial de que o covid-19 é apenas “uma gripezinha” ou as saídas do presidente (sem máscara) em meio à aglomerações para discursar... o quanto esse “desgoverno” é responsável pelas mortes dos brasileiros (mais de 70 mil até agora)? AM: O discurso do presidente tratando o vírus como uma gripezinha impactou demais, me parece que ele é despreparado. Por ser um governante tem uma fala egoísta, você está tendo um posicionamento seu como se fosse uma pessoa leiga, da população. Ele não pode fazer isso. É como se um professor entrasse na sala de aula e falasse algo totalmente contrário à educação que os pais dão em casa. A população se sentiu com uma dúvida... “será que estou exagerando nos cuidados?” e muitos afrouxaram a quarentena, outros misturaram os discursos e transformaram tudo em uma questão política... agora que a gente deveria se unir e investir em pesquisa, em ciência, em ouvir as pessoas sábias... nada disso, pelo contrário, só porque o cara tá lá governando, ele falou e as pessoas dizem amém... PF: O hospital no qual você trabalha está lidando de que forma no combate ao vírus? PF: Em 1º de maio passado, numa ma- Está dando conta? nifestação, enfermeiras brasileiras fo- AM: Hospital não dá conta. A gente teve a ram atacadas em Brasília por seguidores contingência, que é o remanejamento dos se-

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tores, então diminuiu porque parte da população tem medo de se expor então diminuiu o número de pessoas que iam ao hospital pra pegar atestado, por exemplo. No pronto socorro, emergências como enfartos, crises convulsivas, ficaram menores os espaços para receber esse tipo de paciente, o restante do PS ficou só para pacientes com sintomas gripais, dali já se vê o desfecho, faz a tomografia, evidencia a imagem pra ver se tem característica de vidro fosco que é o covid e alguns casos colhem material... Não falaram que ia ter teste rápido para todos? Até segunda ordem, não iam colher o teste de profissionais... PF: Você já teve contato com pacientes do coronavírus no estado avançado da doença? Qual foi a sua percepção a respeito da letalidade da doença? AM: Não fui testada... já tive contato com o vírus. Eu tenho uma equipe de 12 colaboradoras e já tive quatro afastamentos, somente duas testaram e deu positivo. Eu tive contato com o vírus... na assistência ao paciente, estive bem próxima delas, no mesmo balcão, mesmo computador, tocando nos mesmos pacientes, então, essas colaboradoras, por exemplo, quando falta um profissional do pronto socorro dos sintomas gripais, elas vão ajudar a cobrir essas faltas, elas entram em contato com o vírus e aí, amanhã, elas voltam a trabalhar comigo na assistência à gestante. Ela vai expor a gestante, eu que não fui pro PS, e assim se dá por falta de profissionais, que estão se afastando porque estão adoecendo.. Não tem funcionário suficiente, não tem contratação, a gente está sobrecarregada, tenho feito vários plantões seguidos, pelo menos dois dias seguidos, tem dia que não tem enfermeira pra coordenar a equipe, e aí a gente tem que ir e ficar de sobreaviso. Essa é a inconstância que a gente está vivendo.

tas, se encontram em churrascos e tudo sem máscara? É burrice? Ignorância? Maldade? AM: É menosprezo. É ser ignorante no sentido não de ser leigo, mas por maldade mesmo... porque não acontece com a pessoa que está próxima a ele ou mesmo se acontecer parece que ele não ligaria. São vários mundos dentro da cidade de São Paulo que é tão grande... Muita gente levou essa história de ser uma “gripezinha” pra vida. Para o seu João é uma gripezinha. Mas pra mãe do seu João, que é mais idosa, ela pode morrer. PF: Você já perdeu colegas de profissão por causa do coronavírus? Como isso afetou você? AM: A nossa colaboradora... que a gente perdeu... tinha 36 anos e era diabética, jovem, e não resistiu, ficou entubada por algum tempo e não resistiu... Eu consigo ter esse discernimento, boa parte da população consegue e outra não. Os discursos marcaram bastante... ‘ah fiquem tranquilos’. A gente teve uma resposta do vírus um pouco menos pior do que esperávamos diferente da Itália, dos Estados Unidos, mas não é por isso que a gente tem que afrouxar a quarentena. O egoísmo bate, ‘ah deixa, eu sobrevivo a coisa pior, mas você vai levar isso pra outras pessoas’. Eu não estou no PS, mas estou dentro do hospital, sou jovem também como ela que tinha filhos, planos, a gente fica na paranoia... ficamos muito abalados O hospital fornece apoio psicológico em equipe, ficamos meio impactados. Um vídeo da colega que trabalhou com ela.. é triste ser lembrado assim...

PF: Por que o idoso em linhas gerais é tão maltratado por um país como o Brasil? AM: O investimento em maternidade também não está alto não... os grandes hospitais da rede privada não tem maternidade. Não tem. O que dá dinheiro é doença, PF: Por que, diante de tudo que se vê no a gente tem um modelo. Dou valor que a mundo, as pessoas ainda se reúnem em fes- gente tem SUS, a população não dá valor 8


e os políticos montam na gente por conta disso. ‘Se eles não dão valor, eu tenho convênio e to nem aí’. O que falta é tratar a saúde, não a doença... tratar o bem-estar... O que a proposta do SUS trazia 30 anos atrás era um modelo de prevenção também, mas a gente foi para um modelo mais curativo que é tratar a doença, então tem muito gasto. Quem tem um convênio bom de idoso sabe que é mais de dois, três mil reais, chutando alto, que é da rede famosa que ficou super preocupada quando começaram os casos de covid-19 em São Paulo, mas não é todo mundo que consegue pagar um convênio desses... a nossa população hoje tem uma maior expectativa de vida, mas infelizmente sem qualidade. Medicina preventiva nunca foi um foco porque não dá dinheiro. O tratamento da doença dá mais dinheiro. Os grandes laboratórios do exterior... Quem tem grana vai tratar no exterior. Traz medicamento importado. Quem não tem espera pelo SUS, vai fazer parte de projeto piloto, vai ser cobaia pra ver se dá certo ou não... Tudo isso deixa a gente muito triste. O idoso não é útil para sociedade no sentido de dar bônus. É subestimado há muito tempo pelo governo. PF: Como profissional da saúde, como você acha que o mundo sairá dessa crise toda? Melhor? Mais humano? Pior? AM: A gente sempre tem que ter um pensamento positivo. Eu como enfermeira, já fui auxiliar e técnica, eu acredito que o enfermeiro... a equipe é o espelho da líder. Se eu sou um líder, eu preciso trazer aquilo pra mim e fazer as pessoas acreditarem que vai dar certo. Eu tenho esse pensamento positivo sim que muita coisa (outro longo suspiro) ... as pessoas antes não se importavam de lavar as mãos, de tirar o sapato quando chegava em casa e sempre tivemos vírus e bactérias nas ruas. E hoje, a gente está com essa preocupação, as crianças higienizando as mãos. Eu acho isso bacana, vai mudar sim o mundo, eu

espero que de uma forma positiva. Não vai ser o fim do mundo agora. Nós temos que ver que se a gente se unir e construir uma linha de pensamento mais lógica, mais racional ... Se as pessoas buscarem seu equilíbrio, se ajudarem, as pessoas sairão melhor disso. O isolamento social, deixar de ver o próximo, se isolar do próximo, é a forma de amor mais vista hoje. Pequenos gestos, pequenos atos fazem grande diferença. Eu acredito que a gente vai lembrar ‘eu superei essa fase... como eu superei essa fase?’ Vai ser um divisor de águas sim... O coronavírus virou plataforma política e a gente ali... acho isso muito triste. Dá vontade de voltar pro útero da mãe porque você se forma, escolhe uma profissão, você nunca fala ‘ah vou ser um kamikaze’, nem quer ser um mártir da sua profissão... contrair uma doença, levar pra casa, parar num leito da UTI e estar do outro lado. Eu não quero ser super heroína... Quando você vê a doença assim tão de perto, você se sente frágil. A gente sabe que a única certeza da vida é a morte, que nada é pra sempre por isso os dias de bônus que a gente tem que vivamos bem, que tente viver de uma forma saudável. Fazendo o bem, tendo empatia, quando se coloca no lugar do outro, aí você pensa ‘poderia ser eu’. É forte essa sensação de desamparo, mas o que não mata fortalece. É a tal da resiliência que tenho tatuada... a capacidade de saber que nem tudo vai dar certo mas você vai sair disso, levando um aprendizado... foi difícil mas eu aprendi, consegui viver e não me deixei abater... Levo isso há muito tempo na minha vida... acho que essa crise tem me levado a um equilíbrio emocional mais forte, mas não que eu não fraqueje, tem dias que são muito difíceis... mas tiro momentos para me dedicar, tomar os devidos cuidados e acreditar que vai passar, como nos outros países já está passando, e que a gente vai superar, sobreviver e vai viver anos melhores se deus quiser e ele quer. 9


TODAS AS LUTAS O coronavírus mudou nossas rotinas e aponta, quem sabe, um “admirável mundo novo” texto e foto: ALE DA COSTA Lembro de uma antiga professora da faculdade de História ao começar essa crônica. Ela dizia o quanto é difícil para um historiador pensar a respeito dos fatos que acontecem na sua frente, no presente. A dificuldade de analisar o evento na hora em que ele acontece, sem distanciamento. E que ser um profissional do contemporâneo é uma tarefa para poucos. De fato, minha professora tinha razão. Como é difícil falar sobre o aqui e agora. Experimentei essa sensação ao pensar sobre os 7 a 1 que o Brasil levou lá em 2014. Agora, com algo muito maior e mais sério – a pandemia do coronavírus, a folha em branco esperando minhas letras, palavras, frases assusta e entorpece... Sei que pra mim, 13 de março de 2020, uma sexta-feira 13, foi o ponto de partida. A partir desse dia, todas as minhas rotinas seriam alteradas assim como para quase todos que vivem na cidade de São Paulo. A covid-19 ainda parecia algo distante, não de fato um problema, com muita gente dizendo que era apenas “uma gripezinha”. No sábado 14, estava com a agenda cheia. Fotografaria dois jogos do NBB, a Liga Nacional de Basquete, e a abertura do Paulista de Rugby. Aquele tipo de correria que eu adoro e que me faz tão bem. Como sempre, providenciei os credenciamentos, mas desta vez houve respostas negativas no que se referia ao basquete. A liga tinha decidido que só entrariam nas quadras, as equipes, árbitros e aqueles que seriam imprescindíveis... bom, eu não era, era apenas um fotógrafo. Tenho que confessar que fiquei puto, queria trabalhar, mas ok, restava o rugby. Até o final da tarde da sexta 13, tudo certo para a abertura do Campeonato Paulista. Mas as notícias não paravam de chegar, aulas suspensas, quarentena à vista, casos sendo divulgados e, finalmente, a Federação Paulista de Rugby adia o início de seu campeonato. Tudo, de fato, muito sensato. Passada a minha ânsia de cobrir esses eventos, eu não podia negar que colocar os atletas em risco não fazia sentido algum... e aí a palavra empatia surgia pela primeira vez com força na minha cabeça. Na segunda-feira seguinte, na escola em que trabalho, começaria a segunda semana de provas mensais. Logo, ficou evidente que nada seria daquilo que fora proposto antes. Um aluno numa sala, cinco em outra e tantas 10

salas vazias. As famílias aceitavam as recomendações do Governo Estadual e da diretora de minha escola de ficar em casa. Naquele momento, trabalharíamos com vídeo-aulas e com o que fosse possível. Assim, ficamos mais alguns dias na escola, até que a quarentena se estabeleceu a partir de 23 de março. É preciso confessar que a despedida dos colegas na sexta 20, sem se tocar, beijar, abraçar, e o silêncio da escola vazia me causaram uma tristeza profunda. O coração que não dói, doeu apertado... Nada seria como antes... Mais de cem dias se passaram... E esse texto levou todo esse tempo para ser concluído. Não sei o que me aconteceu. Bom, reli meu diário durante os meses de abril e maio e percebi que havia uma constante: uma extrema sensação de vazio acompanhada de um coração acelerado. Provavelmente, se eu tivesse ido ao médico, teria sabido que tive algumas crises de ansiedade ou algo do tipo. O fato é que a pandemia no Brasil realçou todas as nossas diferenças como nação. E isso não foi uma coisa boa. Nesse tempo todo, foram três ministros da saúde, um ministro da justiça metido a herói que caiu, uma reunião ministerial assombrosa, fake news por todos os lados, um ministro da educação que se foi pelas portas do fundo, um presidente isolado e cada vez mais radical... e os números de mortos só aumentam no país. Quando você estiver lendo esse texto, já serão mais de setenta mil mortes. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos nessa matemática macabra. As férias escolares de julho foram antecipadas para abril. Foram 30 dias de inquietação no meu peito. De verdade, não lembro de ter passado um dia sequer bem. Estava irritado e qualquer coisinha (além do covid-19 e do Bolsonaro) me tirava do prumo. Passava mal mesmo e quando a crise me assolava à noite em minha cama, eram horas sem dormir e medos infantis me assombravam no escuro da noite. Tantas incertezas e ainda havia o medo de pegar o tal do vírus e passar pra minha mãe que tem mais de 70. O pior momento, ao menos pra mim, passou quando voltei às aulas com a novidade de que seriam virtuais. Eu na minha casa e meus alunos nas suas. Benefícios da tecnologia burguesa enquanto


milhões penam no Brasil para conseguir uma cesta básica, imagina uma internet decente para ter aula. Mas como digo para meus alunos, tivemos sorte, somos privilegiados (e claro que isso não é justo porque só aumenta o fosso da educação no Brasil, deixando evidente a distância entre ricos e pobres). No entanto, tudo pode piorar e o fascismo tomou conta das ruas brasileiras enquanto as pessoas sen-

Junho chegou e começou com a torcida do Corinthians na Avenida Paulista impedindo uma manifestação fascista. Eram poucos de camisa preta e branca, o suficiente porém para brecar a onda de terror. No domingo seguinte, o número cresceu e outras torcidas se juntaram a um belo momento que gritava DEMOCRACIA. Não posso mentir que ao ver as fotos dessas moças e moços na rua chorei de alegria. Havia salvação

satas ficavam em casa em razão do isolamento social. Por semanas, vimos cenas absurdas dos seguidores de Bolsonaro com suas camisas da seleção brasileira e discursos de ódio. Meninos e meninas negras foram mortos pelo Estado. A polarização nunca esteve tão evidente e a violência tão em alta. Difícil...

dessa escuridão toda. Havia gente sim do lado certo. No dia sete de junho, com a minha câmera – depois de mais de três meses – e máscara na cara estava no Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, registrando a maior manifestação desse período que defendia tudo aquilo que deveria ser defendido. A luta continua... 11


ACABOU? Futuro incerto do Esporte Clube Pinheiros no basquete mexe com seus torcedores. Carlos Osso, um dos fundadores da Liga Nacional de Basquete, conta como está lidando com esse momento em meio a uma pandemia texto e fotos: ALE DA COSTA

O coronavírus parecia algo distante no começo de março. Claro, para um leigo, talvez, a pandemia não chegaria ao Brasil. Por quê não? O ritmo do país seguia naquele passo estranho de que há algo muito podre no ar. Tomei contato com a reportagem de Demétrio Vecchioli, colunista do UOL, sobre a crise política do Esporte Clube Pinheiros e fiquei chocado. Como assim, o Pinheiros pretende acabar com seu basquete? E o problema era maior. Todo esporte olímpico que tinha guarida no clube da cidade de São Paulo estava ameaçado. Demissões no atletis

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mo e natação já apontavam que a crise era real. Qualquer clube que fecha suas portas já denota uma crise no esporte olímpico brasileiro. Já falamos disso outras vezes na Portrait Fanzine. O mais bizarro disso tudo é que equipes se vão em um momento em que o país deveria estar vivendo de um legado olímpico. Bom, desculpa, mas nunca houve um legado, nunca houve uma política de esportes nesse país. Nunca houve um projeto. Agora, quando se fala nos corredores do Pinheiros que o esporte olímpico vai deixar de existir no clube, o


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problema ganha um espectro de catástrofe. O Pinheiros sempre foi um formador de atletas. A pandemia se estabeleceu. Em 15 de março, aconteceu o último jogo do NBB, que seria paralisada por causa do covid-19. Quando abril chegou, os nove jogadores profissionais do time de basquete do Pinheiros foram demitidos por telegrama. Sim, empatia zero. Os contratos dos atletas acabariam com o fim do NBB, um mês depois. Como já sabemos, a Liga decidiu cancelar a temporada do basquete nas semanas seguintes sem um campeão. Carlos Osso tem décadas de basquete na veia. Foi um dos criadores da Liga Nacional de Basquete e faz parte do Conselho de Administração do Comitê Olímpico Brasileiro. Pinheirense há 54 anos, seu Carlos é antes de tudo um torcedor... e como tal aceitou falar sobre esse momento do Esporte Clube Pinheiros. Portrait Fanzine: O senhor tem uma vida no basquete brasileiro. Está no Pinheiros há mais de 50 anos. Já foi diretor de basquete, handebol, marketing... acompanhei seus tweets (os jogadores do basquete do Pinheiros receberam um telegrama e souberam que tinham sido demitidos) ... o que o senhor quer desabafar sobre esse momento da história do basquete pinheirense? Carlos Osso: São 54 anos de Pinheiros. Eu vou repetir aquilo que disse nos tweets. Fiquei MUITO triste porque, como você sabe, eu milito no basquete há muitos anos, fui assessor e diretor do basquete do Pinheiros por 16 anos, eu fiz parte dessa última diretoria do Pinheiros gerida pelo Arnaldo Pereira e também, você precisa entender, nós somos todos voluntários, nós fazemos isso porque gostamos do esporte. Esses jogadores todos, a maioria deles, são todos pais de família que em pleno campeonato, em plena pandemia, são simplesmente demitidos. Isso só entristece quem gosta do esporte ... qual o futuro dessa equipe e deles também? Porque uma diminuição no esporte pode ser interpretada de várias maneiras. Isso me deixou realmente muito triste, muito triste mesmo, eu não consegui falar com nenhum deles, acho que nem tenho condição de falar... conheço todos pessoalmen14

te. O dirigente voluntário sempre depende dos executivos. O Pinheiros acabou de perder um grande executivo que foi Cláudio Castilho, um cara olímpico por ser técnico do atletismo, e ele dava o suporte pra gente. Nós, diretores, a gente não fazia nada sem antes conversar com ele, que nos orientava tecnicamente se aquele nosso técnico estava bem ou não... você tem que tirar de lado as emoções, você pode perder um campeonato, um jogo por erro dos jogadores, dos diretores, do técnico ... Essa última equipe do Pinheiros foi muito estudada ... a ideia era formar


Brasil de agora é a total falta de empatia de parcela significativa dos brasileiros. “Para muitos, se morrerem quatro mil idosos, morreram, paciência, eles iam morrer mesmo”... Não concordo com isso, não aceito essa mentalidade. Voltando à empatia, desmantelar um time todo por carta a um mês do fim do contrato evidencia o quê sobre as pessoas? CO: Eu sou católico, eu respeito os outros... PF: Com o coronavírus, vivemos uma cri- eu não entendo um poder no qual pessoa simse mundial. Tudo está diferente, todos tem plesmente demite outra por uma carta. Eu que se adaptar. Mas o que fica evidente no tenho neto no Brasil, me preocupa o futuro. Essa pandemia eu nunca passei na vida... Tratar as pessoas dessa maneira eu não concordo, não sei dizer nem qual a palavra certa pra isso porque nós somos um grupo... a vida passa rápido, quando você acorda, ela já passou. Estamos em casa há 38 dias (nota da redação: essa entrevista foi feita em abril passado). Vamos vivendo... e você pode imaginar nessa pandemia alguém ser demitido? Não é fácil. Eu não sei como uma pessoa faz isso, mas eles fizeram... não vou apontar quem fez ou não fez... existe uma nova diretoria no clube e ela decidiu, fez isso. Anteriormente, ela já havia demitido outros funcionários. O contrato acabaria em maio, estaria resolvido, faltavam trinta dias. O atleta brasileiro sabe que quando acaba uma temporada, ele vai continuar ou não. Depende muito da estrutura técnica e financeira do clube que ele tá jogando. Se for bem, continua. Pra acertarmos um time decente como era esse do Pinheiros, foram quase três anos. O investimento do Pinheiros não é grande comparando com outros que fazem o basquete. Nós éramos sexto no campeonato, estávamos muito bem... a suspensão era necessária pra preservar a vida... esse inimigo de hoje ninguém conhece... ele ataca do jeito que quiser... é um momento muito difícil de externar alguma coisa... eu não gostaria de culpar ninguém... apenas existe um clube que na minha opinião não foi certo de fazer o que fez... mas ele decidiu. uma equipe bastante competitiva, a gente queria dar um passo maior, internacional, qualquer coisa desse tipo. Foi um time escolhido a dedo com profissionais que nunca deram nenhum trabalho, nada... e você vê esses profissionais sendo demitidos através de um telegrama. Isso é uma tristeza, muita tristeza. Eu posso dizer pra você que é muito triste para o esporte todo.

PF: Sou da parcela de jornalistas que ama o esporte olímpico, mas foi extremamente crítico ao jogos olímpicos porque sabíamos o que ia acontecer (escândalos, desvios 15


de verbas, etc) enfim... NADA DE LEGADO OLÍMPICO. Quando um clube como o Pinheiros cogita - como mostrou a reportagem de Demétrio Vecchioli no UOL há algumas semanas - diminuir seu apoio ao esporte, o que isso diz sobre o legado olímpico? CO: O Pinheiros é uma fábrica de fornecer atletas para o Comitê Olímpico brasileiro. É uma máquina que fornece atletas, fornece técnicos. No último Jogos Pan-americano, o Pinheiros teve 45 medalhas com 69 atletas. Das medalhas

do. Fiquei triste e preocupado... o que será o futuro nem posso imaginar. Não sou dessa diretoria, fui da outra. Fui procurado pelos clubes do Brasil pra ser um membro independente no COB. Eu me candidatei, fui eleito, e hoje represento os clubes dentro do COB. Com a idade que eu tenho, com o tempo de esporte, fui diretor da Federação Paulista, da CBB, fui chefe de delegações em equipes juvenis do Brasil, isso tudo machuca porque o que será do esporte brasileiro se o Pinheiros por acaso sair? Você

que o Brasil obteve (157), o Pinheiros teve 45 medalhas, 29% do total. De 485 atletas que o COB levou, o Pinheiros cedeu 69, 15%. Os ouros foram 52, Pinheiros teve 17, 33% da delegação. É difícil. Eu já ouvi, não sei ainda, que outros atletas sairão do Pinheiros, que outros técnicos sairão... A gente nunca pode esquecer que o nosso clube tem 120 anos e se chama Esporte Clube Pinheiros. Nós fazemos esporte há 120 anos e isso preocupa todo associado que gosta de esporte como eu. Eu fiquei muito preocupa-

imaginou o nascimento de atletas para o Brasil como vai ser? Eu não sei. Nós temos o Arthur Nory (ginasta medalhista olímpico), nós temos muita gente lá dentro... o que pode acontecer? Como parte do Conselho de Administração do COB, estou preocupado. Pinheiros é um formador de atletas para o Brasil. Imagina se o Pinheiros para de fazer isso? Se ele parar de fazer isso, estamos roubados. O técnico do time de voleibol foi demitido no dia seguinte da eliminação na Superliga. As me-

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ninas foram todas dispensadas e se espera uma nova temporada. Mas e aí, o que pode acontecer? Nós temos 17 esportes olímpicos... Flamengo, Pinheiros e Minas são os grandes fornecedores de atletas para o Brasil. Pode, talvez, não sei, quando se fala em empatia, dar uma estabilidade para esses atletas. Eu acho que de legado olímpico de 2016 não sobrou nada. Nós temos que torcer para que aquelas arenas fiquem de pé lá no Rio de Janeiro. O COB já fez uma sede no Maria Lenk.

minha opinião, com nenhum legado do passado. Hoje tem o Rogério Sampaio, diretor executivo, medalhista olímpico do judô e funcionário com garra impressionante. São pequenos detalhes. Vi muita coisa dos jogos de 2016, mas não sentia que era uma atmosfera de que tudo estava bem e depois aconteceu tudo o que sabemos (NR: prisão do ex-presidente do Comitê, Carlos Arhtur Nuzman, por exemplo). Há dificuldades porque falta apoio, falta dinheiro, o dinheiro do COB vem da loteria e já esti-

A ginástica treina lá. São poucas coisas que se conseguiu pegar. O Flamengo quis ter a Arena Um como sede para o basquete, não conseguiu. Quem ficou pra tomar conta dos ginásios? Não ficou nada. O COB é uma entidade série, mais séria que eu poderia pensar. Tem funcionários do primeiro nível. No esporte, o Jorge Bichara. Estão lutando pra manter o COB vivo. Paulo Wanderley e Marco La Porta estão lutando para que o COB esteja vivo. O COB estava preparado para essa Olimpíada de Tóquio mas, na

mamos que vai cair a arrecadação em 30% ou 40%. Quem está jogando na loteria com toda essa crise? O que eu penso que temos que fazer é trabalhar muito mais do que já trabalhamos. Temos executivos pra isso. O sucesso da Liga nacional de basquete, além da união dos clubes, são os executivos que ela tem. Esses moços é que sustentam os clubes, os diretores, que na grande maioria voluntários, fazem isso porque gostam. Mas não vejo um legado do passado. O Flamengo agora conseguiu alugar o Macaranã17


zinho. No entanto, custou muito pro Flamengo. As arenas 01 e 02 (construídas para o Jogos do Rio) estão abandonadas porque não tem quem toma conta disso. Eu não vejo legado, mas vejo aprendizado, eu acho que o COB aprendeu muito com a Olimpíada. Agora ainda existe um pouco de distância entre os clubes e o COB que é entendível. O Comitê é organizado para atender às confederações. Um legado é difícil dizer... os clubes continuaram com os atletas, estão aí. Nós fomos bem no Pan-Americano que foi uma base para os Jogos Olímpicos. Não sei se ficamos com muita coisa dos Jogos de 2016 não... PF: O senhor conseguiria me explicar por que para o brasileiro é tão difícil entender a importância do esporte no desenvolvimento do ser humano? Por que nunca vimos de fato políticas esportivas implementadas nessa sociedade? Por que ESPORTE não elege governantes? CO: Tem alguns atletas eleitos... mas uma política esportiva, de fato, não se evidencia... eu acho 18

que pode começar a existir na hora que houver uma união maior dos esportistas. Às vezes, tem muita gente que olha só pra si. Qual foi o sucesso da criação dessa Liga Nacional de Basquete? Foi a união. Unidade. A gente consegue sentar e conversar. Todo mundo pensando num sentido só. O nosso campeonato não acabou, podemos fazer algo para terminá-lo? Estamos estudando... (NR: semanas depois dessa entrevista, a Liga decidiu encerrar a temporada sem um campeão). Foram formados grupos dos médicos dos clubes, de técnicos, jogadores, que estão estudando como nós podemos talvez terminar esse campeonato. Nós pensamos no esporte. Não tem ninguém nesse grupo pensando em política. Focados no esporte. Todo mundo fala em esporte e educação. Dar educação para a criança com o esporte. Hoje o Pinheiros tem 550 militantes (atletas que não são sócios do clube). Comida, ajuda de custo, frequenta o clube. Esse novo governo acabou com o Ministério do Esporte. O COB tenta fazer Jogos Escolares, mas ele não consegue fazer tudo... a Liga Nacional de Basquete faz a Liga de Desenvolvimento. Na próxima temporada, todos os times do NBB terão que ter uma equipe de base. Isso é uma maneira de educar o jovem. O menino quer ser um jogador do NBA, mas não é todo mundo que chega lá. Ele tem que concorrer com muita gente. Eu vejo que os clubes tentam unir educação e esporte, mas é difícil, não vejo sucesso ainda nisso. PF: O senhor já consegue ter uma visão de como sairá o basquete brasileiro dessa crise? É otimista? É pessimista? CO: O basquete brasileiro não está em crise. A CBB tem um novo presidente, que tem lutado muito e respeitou a Liga dos clubes. A pandemia afetou o mundo. Todos os basqueteiros estão otimistas que isso vai passar. A crise vai afetar alguns clubes. Os investimentos que nunca fizemos na saúde, agora está todo mundo correndo pra fazer. Tudo vai custar pra cada município. É uma guerra invisível. Como o basquete está bem estruturado, ele vai sobreviver. Devo cumprir meu mandato no Conselho de


Administração do COB até os Jogos Olímpicos (adiados para julho de 2021) e vou parar. Com 80 anos, cheguei no máximo. Sou do conselho nato da Liga, e vou continuar. Estou ajudando a fazer um novo estatuto da Federação Paulista de Basquete. Vou continuar enquanto tiver saúde para encarar isso tudo. Eu sou otimista, mas o esporte está abalado no mundo. Não sei se a NBA volta também (voltou em julho com os playoffs). A previsão é de prejuízos no esporte na casa dos 15 bilhões de dólares. Tudo está parado. Temos que rever o mundo do esporte. Eu acho que talvez pra sua surpresa, o basquete está bem preparado pra enfrentar tudo isso. Eu gostaria de ver o Pinheiros no próximo NBB. O Pinheiros é um dos fundadores da Liga, não pode sair. Seja como for, não pode sair. Tem que manter... Tudo isso nós temos que manter para dar uma continuidade. São os clubes que fazem o esporte. As confederações dependem dos clubes, dos atletas. Tem que haver uma união grande para segurar o esporte. Não sei quem vai ser o líder, mas acho que o COB

tem condições disso... Vai faltar dinheiro? Claro que vai. Quantos desempregados teremos no Brasil? Olha como a Itália, Espanha e Inglaterra sofreram... Tem que ser otimista. Acho que vamos passar pelo maior da crise ainda... O Brasil vai passar um pedaço apertado... O povo tá cumprindo o que pode. A desigualdade da sociedade brasileira é grande. Tudo vai afetar a nossa vida... É difícil... mas tudo passa. As crises vêm e passam. Nós tivemos um período muito ruim com a Confederação Brasileira de Basquete que afundou o basquete, mas hoje tá de pé... agora precisamos discutir seriamente uma renovação do basquete brasileiro. Pode ser que o Pinheiros seja o início dessa renovação com esses meninos.... tem que se adaptar... teremos que lutar com as armas que nós tivermos. Nós vamos dar a volta por cima. O esporte vai levantar os países. Educação e esporte e a juventude... Essse vírus não é só doença de velho. Tá morrendo muito jovem... A vida, no entanto, vai continuar... Não podemos desistir. Tudo passará...

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Triste fim

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Aquela que tinha tudo para ser a melhor edição da Liga Nacional de Basquete masculino terminou em abril assim como várias competições dos mais variados esportes pelo mundo: sem um campeão. Por causa da pandemia, o NBB 12 foi finalizado nas últimas rodadas da fase de classificação. Os últimos jogos foram realizados com ginásios sem torcida.

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O adeus de um campeão O melhor líbero da história. Um conquistador de títulos insaciável. Serginho fez sua última partida da carreira - sem saber - em sete de março pelo Vôlei Ribeiro em disputa da fase de classificação da Superliga, que terminou sem um campeão por causa do covid-19. Em 16 de maio, anunciou oficialmente sua aposentadoria fotos: ALE DA COSTA

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As principais conquistas de Serginho pela seleção brasileira: Quatro medalhas olímpicas: ouro (2004 e 2016), prata (2008 e 2012) Bicampeão mundial: (2002 e 2006) Sete medalhas de ouro Liga Mundial: (2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009) Ouro no Jogos Pan-americanos: (2007)

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antes de ir... SOLIDÃO texto: VINÍCIUS CALDEIRA

O amor já foi objeto do interesse de vários artistas, tal como a solidão, mas este por sua vez nunca pareceu, para mim, bem definido pelas palavras. A solidão, pela dor que causa quando realmente sentida, é difícil de ser descrita, pois, diferente do amor que é uma prisão voluntária, a solidão é um vazio, uma ausência e um tipo de sofrimento tão intenso que impede que seu sofredor se alivie com a transcrição de sua realidade. A solidão é, a meu ver, a falta de si próprio. Trata-se do momento em que, sem nenhuma companhia, ao se sentar no sofá consigo mesmo, os segundos demoram a passar, as razões perdem os sentidos e reconhece então que não gostas da própria companhia. Nota que você é incompleto e esse fato gerará um círculo vicioso, pois sendo incompleto é impossível que complete outra pessoa e que assim sejam, não uma só pessoa, pois isto é a receita um relacionamento abusivo, mas sim duas pessoas que resolveram juntar suas completudes para viver juntos. A solidão é a falta de uma parte, ou por completo, de si e se ela domina quem lê esta crônica, você leitor deve se achar em algo. Todavia com a dor que rodeia esse sentimento é quase impossível ter forças para achar a si mesmo.


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