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Poder negro contra o racismo
by Alerj
TEXTO EDUARDO SCHMALTER FOTO JULIA PASSOS
Os casos de racismo tiveram expressivo aumento no estado no primeiro semestre de 2021. Os registros passaram de 43 para 82 vítimas, se compararmos com o mesmo período de 2019, segundo dados mais recentes do Instituto de Segurança Pública (ISP). O levantamento inclui os crime de discriminação contra etnia, religião e procedência nacional. Especialistas do ISP avaliam que o aumento pode ser fruto não somente do crescimento desse tipo de violência, mas de uma mudança de postura da sociedade, que deixou de naturalizar o preconceito.
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O Estado do Rio é um dos poucos no país que possui uma delegacia especializada. Implantada na Capital, em 2018, a Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) foi criada a partir da aprovação pela Alerj da Lei 5.931/11, de autoria do deputado Átila Nunes (MDB). A luta agora é para fazer com que outras unidades possam ser abertas, principalmente no interior do estado, como prevê a Lei 9.271/21, proposta pelos deputados Dani Monteiro e Mônica Francisco, ambas do PSol, Martha Rocha (PDT), Carlos Minc (PSB) e Átila Nunes (MDB).
A Constituição Federal assegura, há mais de 30 anos, a punição para qualquer discriminação contra direitos e liberdades fundamentais, mas a luta contra o preconceito tem sido fortalecida com a criação, pelos legisladores, de mecanismos de combate dentro da estrutura do estado. Ter acesso a uma delegacia especializada contribui para que as denúncias possam ser acolhidas e resultem em punição. Com a ampliação dos registros, a sociedade pode ter uma noção mais fidedigna do problema, possibilitando a melhoria de políticas públicas para enfrentar o racismo.
Por vezes, medidas propostas pelo Parlamento antecipam as discussões que ocorrerão de forma mais ampla na sociedade. Em 2001, a Alerj foi pioneira no país ao aprovar a Lei 3.708, que instituiu o sistema de cotas para negros ou pardos, destinando a estes o percentual mínimo de 40% das vagas das universidades estaduais. A norma passou a vigorar no vestibular de 2002 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade DEPUTADAS DO PSOL criam programa de combate ao preconceito no Parlamento
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Foi um marco histórico. O sistema de cotas come- çou a ser implantado em outros estados, até ser obrigatório em todo o país e contemplar os concursos públicos. Em 2018, a Casa aprovou a prorrogação do sistema por mais dez anos.
O reconhecimento da importância de personalidades negras é outra forma de mudar a cultura que naturaliza a discriminação, o chamado racismo estrutural. A mudança precisa vir por meio de uma educação inclusiva, que valorize a diversidade. Nesse sentido, a Lei 9.349/21 determina que escolas públicas e privadas do estado deverão desenvolver atividades regulares que promovam a memória de João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, João foi líder da Revolta da Chibata - motim naval que, em 1910, libertou marinheiros negros e mulatos das punições físicas praticadas por oficiais brancos. Ele foi declarado herói do Estado do Rio de Janeiro, em 2019. A medida prevê que sua história seja relembrada e contextualizada em atividades realizadas em sala de aula, dentro do projeto político-pedagógico das escolas.
“A trajetória e o legado de João Cândido Felisberto não são suficientemente conhecidos pelas gerações atuais. Sua memória precisa ser preservada como patrimônio inalienável da história do povo brasileiro e, por isso, a contribuição das escolas de educação básica é absolutamente fundamental”, justificou o deputado Waldeck Carneiro (PSB), um dos autores do projeto.
COMBATE AO RACISMO INSTITUCIONAL Ocupar os espaços na sociedade com ações afirmativas, em defesa da igualdade de tratamento e direitos para todos, exige enfrentamento até mesmo dentro do poder público. Na Alerj, as deputadas Dani Monteiro, Mônica Francisco e Renata Souza, todas do PSol, criaram, por meio do Projeto de Resolução 51/19, o Programa de Capacitação Permanente de Prevenção e Enfrentamento ao Racismo Institucional, dirigido aos servidores e terceirizados da Casa.
“Quando eu cheguei ao Palácio Tiradentes, a primeira imagem foi a presença de pessoas como eu em lugares de subalternidade. É a tia do café, a moça da limpeza... Pouquíssimas deputadas autodeclaradas negras. Essa reivindicação de lugar de mulher negra, até a minha chegada, não era feita tão abertamente. Hoje as deputadas negras falam como foi importante a nossa chegada, nossa briga para que elas tivessem a possibilidade de se autodeclararem tranquilamente mulheres negras”, conta Mônica Francisco, que chegou a ser barrada pela segurança da Casa, no início do mandato, quando se dirigia a uma reunião do Colégio de Líderes.
O episódio, que ela caracteriza como “simbólico”, levou à elaboração do curso de formação, que se iniciou em 2019, com funcionários da Segurança, no Plenário do Palácio Tiradentes. Mas a ideia é que ele seja levado para toda a administração pública do estado. Nesse sentido, o trio de deputadas apresentou também o Projeto de Lei 299/19, que propõe a adoção de mecanismos efetivos de prevenção, monitoramento, avaliação e superação do racismo institucional em órgãos da administração direta e indireta.
“Precisamos aprofundar a discussão, mas há mudanças ocorrendo. Vejo na relação com as servidoras e funcionárias negras da Casa, que se identificam, que há representatividade. As funcionárias comentam se estou de black, se estou de tranças. ‘É deputada, mas tem cabelo igual ao meu!’, já escutei. Elas se sentem representadas quando falamos, se sentem cúmplices. Sentimos a mesma dor quando somos discriminadas, xingadas, sofremos violência ou somos silenciadas”, analisa Mônica.
Dani Monteiro também enxerga mudanças, mas ressalta que a igualdade e o respeito virão com investimento em educação e com a maior ocupação dos espaços de decisão por negros.
“É claro que nada muda da noite para o dia. Os olhares de estranhamento ainda ocorrem, mas as abordagens são outras. O tempo também ajuda as pessoas a se habituarem com os nossos corpos, ainda que o preconceito esteja enraizado. Mudar essa realidade é possível, com boa vontade, esclarecimento e educação. Por isso, precisamos de formação e capacitação. Fazer barulho na rua, somente, não era suficiente. Precisávamos ocupar também a institucionalidade, para ampliar nosso alcance. Uma sociedade mais justa e mais igualitária só pode se concretizar caso se fortaleça, a partir das diferenças devidamente respeitadas. O fator multirracial que nos forma tem de ser considerado”, declara Dani.
RAFAEL WALLACE
SERVIDOR NAYT Junior defende maior pluralidade no Parlamento
Mônica Francisco Deputada estadual pelo PSol NEGROS EM DESTAQUE O mês de novembro é dedicado ao combate ao racismo e à valorização da cultura negra. Nada mais justo que homenagear os servidores públicos negros que, com dedicação, fazem o Poder Legislativo estadual funcionar. As redes sociais da Alerj destacaram o trabalho de gente como Nayt Junior, há 12 anos, na Secretaria da Mesa Diretora. Nascido no Quilombo Campinho da Independência, em Paraty, seu nome significa "o que virá", em Bakongo. Ele lembra que ainda é preciso avançar na equidade: "Nós, negros e negras, ainda não ocupamos espaços de poder no Parlamento. Mesmo em cargos eletivos, somos menos que 15% do total. Mas a pluralidade e a democracia têm permitido que a gente cresça em todos os espaços."