Produção de queijo artesanal ganha força e amplia mercado do setor no Rio P.22 a 24
diálogo ANO 1 . Nº 1 . FEVEREIRO/2020
Partilha de royalties e decisões estratégicas são desafios para geração de emprego e renda no estado P. 5 a 11
O PETRÓLEO VAI REERGUER O ESTADO? DIÁLOGO
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DIÁLOGO
DIÁLOGO Revista vai debater os principais temas do estado
ANDRÉ CECILIANO Presidente da Alerj
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ovo canal de comunicação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a Revista Diálogo nasce como uma publicação trimestral e com o foco voltado a abordar os importantes temas debatidos e votados pela Casa de forma mais ampla e aprofundada. O objetivo é mostrar como o trabalho do Legislativo – por meio da formulação de leis, projetos de lei, e da atuação das comissões permanentes e especiais – impacta na formatação de novas políticas públicas em benefício da população fluminense, num tratamento editorial abrangente e que contempla todo o Estado. O lançamento desta primeira edição da revista nos
dá grande satisfação, porque cria mais uma forma de diálogo da Alerj – daí a ideia do nome da publicação – com a sociedade. Reafirma, também, a filosofia da Casa em informar de maneira transparente e qualificada sobre as ações do Parlamento em nível estadual. Este número inaugural da Diálogo aborda assuntos como a importância dos royalties do petróleo para o Estado do Rio, com entrevista de Mauro Osório, economista e professor da UFRJ; os cases bem-sucedidos de escolas públicas que se tornaram exemplos na área da educação; o protagonismo que o tema acessibilidade ganhou nas votações da Alerj, em prol de uma melhor condição de vida das pessoas com deficiência; a relevância que o agronegócio tem conquistado na geração de novas oportunidades de investimentos e de emprego/renda; a valorização dos artistas de rua por meio de lei votada pela Casa; a saúde da mulher e a recuperação da sua autoestima através de tatuagens reparadoras nos casos de câncer de mama, entre outras reportagens. Portanto, faço um especial convite para que acompanhe a Revista Diálogo. Ela foi idealizada e pensada – tanto na linha editorial quanto no projeto gráfico/ layout – para comunicar as ações do Parlamento e mostrar como elas convergem em prol do Estado. Tenha uma ótima leitura!
EXPEDIENTE
diálogo
REVISTA DIÁLOGO É UMA PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DA SUBDIRETORIAGERAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Presidente André Ceciliano
Jornalista responsável Cristiane Laranjeira (RP 22262 JP)
1o Vice-presidente - Jair Bittencourt 2o Vice-presidente - Renato Cozzolino 3o Vice-presidente - a definir 4o Vice-presidente - Filipe Soares
Editores André Coelho, Flávia Duarte e Marco Senna
1o Secretário - Marcos Muller 2o Secretário - Samuel Malafaia 3o Secretário - Marina Rocha 4o Secretário - Chico Machado
Equipe Buanna Rosa, Gustavo Natario, Julia Passos, Leon Lucius, Líbia Vignoli, Nivea Souza, Octacílio Barbosa, Suellen Lessa, Tainah Vieira, Tiago Atzevedo, Thiago Lontra e Vanessa Schumacker
1o Vogal - Franciane Motta 2o Vogal - Dr. Deodalto 3o Vogal - Valdecy da Saúde 4o Vogal - Márcio Canella
Projeto gráfico Mariana Erthal
Editor de Fotografia Rafael Wallace Secretária da Redação Regina Torres Estagiários Gisele Araújo, Manuela Chaves, Laís Malek, Juliana Mentzingen, Natasha Mastrangelo e Raísa Lace
Coordenação e revisão Flávia Duarte, Marco Senna e Oscar Colombo
Diagramação Mariana Erthal e Daniel Tiriba
Telefones: (21) 2588-1404 / 1383 Rua Primeiro de Março s/nº, sala 406 Palácio Tiradentes - Centro Rio de Janeiro/RJ - CEP 20.010-090 Impressão: Imprensa Oficial Tiragem: 1,4 mil exemplares Site: www.alerj.rj.gov.br Email: dcs@alerj.rj.gov.br Twitter: @alerj Facebook: @AssembleiaRJ Instagram: @instalerj
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SUMÁRIO CAPA Pré-sal: miragem ou salvação? ...................................................P.5 ENTREVISTA Mauro Osório - Estratégia para trazer o Rio a um círculo virtuoso ...................................................P.9 SEGURANÇA Proteção humanizada ao cidadão ...................................................P. 12 EDUCAÇÃO Acima da média ...................................................P.14 PARLAMENTO JUVENIL Parlamento Juvenil de 2020 será lançado em março ...................................................P.20 #HASHTAG - ELIS MONTEIRO Privacidade na internet: uma lenda urbana ...................................................P.21 AGRONEGÓCIO Com sabor e identidade à mesa ...................................................P.22 Mercado das flores ...................................................P.25 ACESSIBILIDADE O mar também é para todos ...................................................P.28 SAÚDE Autoestima tatuada ...................................................P.30 ARTES A rua como palco da arte ...................................................P.32 4
DIÁLOGO
CAPA
PRÉ-SAL: miragem ou salvação? TEXTO ANDRÉ COELHO FOTOS THIAGO LONTRA
O ANO DE 2019 FICARÁ MARCADO na história como o início da superprodução de petróleo no Brasil, com a exploração dos campos da camada de pré-sal gerando sucessivos recordes de barris diários. Segundo relatórios mensais da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o pico foi atingido no mês de novembro, com a produção de mais de três milhões de barris diários, superando recorde mensal do mês de agosto. Desse total, 76% foram produzidos no Rio de Janeiro, estado que, se fosse um país, seria o 13º maior produtor mundial de petróleo. DIÁLOGO
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CAPA
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as, se de um lado o estado tem a liderança absoluta na produção de petróleo, o mesmo não é visto nas estatísticas e projeções de arrecadação estadual e criação de empregos. Com R$ 10 bilhões de déficit previsto para o ano de 2020, o Estado depende do Regime de Recuperação Fiscal, que suspende o pagamento da dívida com a União, para honrar compromissos básicos como o salário dos servidores. Na economia, o Estado segue na lanterna da geração de empregos, com uma taxa de desocupação de 14,5%, bem acima da média nacional de 11,2%, segundo dados da última PNAD Contínua do IBGE. No mesmo período de 2014, o estado registrou 6,1% de desemprego. Com a expectativa de que a produção de petróleo chegue a cinco bilhões de barris até 2027, o tema tem mobilizado a Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj). No início de novembro passado, a Casa ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de permitir a cobrança de ICMS na extração de petróleo no estado. A ADI 6250, sob relatoria do ministro Celso de Mello, questiona a emenda 33/2001, que alterou o artigo 155 da Constituição Federal e determinou a cobrança do ICMS apenas no estado onde os derivados de petróleo são consumidos, e não na produção. Na ADI, a Alerj se baseia em outro artigo da Carta Magna, o 150, que proíbe a instituição de impostos por um ente da federação sobre patrimônio, renda ou serviços de outro. A ação argumenta que não há vedação à tributação da extração do petróleo e gás natural, tendo como fato gerador do imposto o momento em que acontece a circulação do hidrocarboneto da jazida, de propriedade da União, para o explorador. Presidente da Comissão de Tributação da Casa, o deputado Luiz Paulo (PSDB) comemorou a ação que, segundo ele, corrige uma distorção inserida na Constituição Federal. “A Assembleia, através dessa ADI assumiu uma posição importante jurídica e politicamente. O Parlamento quer apenas que o estado seja tratado conforme define o pacto federativo. A União não pode legislar sobre o ICMS, que é dos estados”, destacou. Segundo Luiz Paulo, caso o STF julgue a ação procedente e o ICMS passe a ser cobrado na produção do petróleo, o Tesouro estadual poderá ter um re-
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DIÁLOGO
Parlamentares do estado discutem partilha de royalties com o ministro Toffoli forço de caixa de R$ 16 bilhões anuais. O deputado explica que a mudança na tributação não afetaria o preço final ao consumidor. “Isso não gera aumento, não muda a alíquota, muda apenas o local da cobrança do ICMS. A importância não é só o valor, é a questão da intromissão do Congresso Nacional em matéria estadual”, explica. Luiz Paulo é autor da Lei Estadual 7.183/15, que regulamenta a cobrança de ICMS na extração de petróleo, e pode ser implementada em caso de decisão favorável do STF. A HORA DE TRAÇAR A ESTRATÉGIA A licitação do excedente da cessão onerosa do pré-sal, na Bacia de Santos – áreas de exploração que ficam na costa do Rio de Janeiro - trouxe combustível novo para a economia do estado e reacendeu as discussões sobre a estratégia de desenvolvimento do setor de petróleo e gás. Dos R$ 69,96 bilhões em bônus do leilão, R$ 34,42 bilhões foram pagos à Petrobras. O restante dos R$ 35,54 bilhões serão repartidos entre União (67%), estados (15%) e municípios (15%). As negociações da bancada parlamentar fluminense garantiram ao Rio de Janeiro – maior estado produtor do país - mais 3% de participação, totalizando R$ 1,15 bilhão, que vão dar um alívio nas contas públicas. Os recursos vêm em boa hora para administrações soterradas pela crise fiscal. O estado será o único que poderá saldar o déficit previdênciário e ainda ter alguma sobra. A Lei federal 13.885 de 2019, que define a partilha dos recursos do leilão, determina que os valores recebidos pelos governos estaduais sejam usados, primeiramente, para pagar despesas previdenciárias e só depois fazer investimentos. Neste cenário, a discussão que se levanta é: como aproveitar a oportunida-
de de ouro do pré-sal para gerar desenvolvimento e atrair empresas, criando mais empregos e melhorando a renda do fluminense? Especialistas dizem que essa não é uma consequência natural da entrada de recursos dos royalties. É necessário estratégia e planejamento. O Rio de Janeiro é o maior produtor do país, sede da Petrobras e de seu parque tecnológico – o Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes). Mas 80% da cadeia produtiva do setor estão fora do estado – inclusive no exterior. O desafio é criar condições industriais, tecnológicas e de inovação para que parte dessas atividades sejam realizadas localmente, retendo e multiplicando os recursos oriundos dos royalties. “Foi feito o leilão e o dinheiro entrou. Mas qual é o planejamento a longo prazo que, além de garantir segurança energética, permita desenvolver toda uma indústria de equipamentos e cadeia de fornecedores? Essa política só tem sustentabilidade priorizando gerar empregos e tecnologia. O ganho hoje é de curto prazo e meramente fiscal”, diz o economista Bruno Sobral, coordenador da Rede Pró-Rio e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj. Sobral afirma que há carência de debate sobre uma estratégia de longo prazo, que priorize o desenvolvimento da estrutura produtiva de nosso estado. Para o especialista houve exagero na redução da política de conteúdo local, o que diminui o potencial de geração de renda e emprego mesmo havendo alguma retomada. A situação se agrava com o programa de venda de ativos e desinvestimento da Petrobras, que vem reduzindo sua atuação em áreas afins como refino e produção de derivados. “Há inúmeras vantagens competitivas em termos de uma economia do
conhecimento. Para aproveitá-las é preciso ampliar a capacidade decisória. Num setor de risco como o do petróleo e com necessidade de integração vertical de suas atividades (do poço ao posto), é preciso ter coordenação pública e planejamento das relações intersetoriais para, inclusive, multiplicar oportunidades ao empresariado. Não faz sentido deixar as decisões com clara dimensão de soberania nacional para um mercado muito sujeito à volatilidade de preços e instabilidades cíclicas por razões geopolíticas", defende o economista. Num estado que enfrenta situação de alto desemprego, com a maior taxa de desocupação do Sudeste, são tímidas as perspectivas de geração de vagas. No terceiro trimestre de 2019, o número de desempregados chegou a 1,287 milhão de pessoas. As negociações da Petrobras com a empresa chinesa que construiria uma refinaria no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, naufragaram, fazendo afundar US$ 12 bilhões em investimento. A proposta foi considerada economicamente inviável. Em lugar da refinaria, a Petrobras anunciou que vai investir US$ 4 bilhões em plantas de geração térmica, com a promessa de manutenção de 7.500 empregos na região. A indústria de construção naval, que já foi a maior do país, também carece de um projeto consistente de retomada. O presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval Offshore (Sinaval), Ariovaldo Rocha, critica a falta de incentivos ao setor e a redução a atividades de reparos de embarcações. Entre 2004 e 2014, o setor manteve uma estratégia de Conteúdo Local que, somada à demanda perene, alimentou um crescimento de 19,5% ao ano, segundo dados do IPEA. Rocha destaca que, naquela época, foram construídos aproximadamente 600 embarcações, com geração de cerca de 80 mil empregos diretos e de 400 mil indiretos na cadeia produtiva de óleo e gás. “Para sermos competitivos e produtivos precisamos de demanda perene. E a Petrobras tem um papel fundamental nisso, pois se nem a empresa brasileira acredita na nossa indústria, como vamos fazer com que empresas estrangeiras acreditem? Precisamos, também, de linhas de crédito competitivas para que possamos fazer frente aos estaleiros asiáticos”, afirma o presidente do Sinaval. DIÁLOGO
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A elaboração de uma estratégia futura para o setor passa pela reavaliação do Repetro – regime que suspende a cobrança de impostos federais na importação de equipamentos para o setor de petróleo e gás. O presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), defende a revisão do incentivo, tendo proposto o Projeto de Lei 3660/2017, que restringe o alcance do Repetro no estado apenas à fase exploratória dos projetos. No entendimento do presidente, estender as isenções até 2040 reduz a arrecadação do estado e favorece empresas estrangeiras em detrimento da indústria nacional.
A proposta é de um regime tributário diferenciado: empresas que produzissem bens e equipamentos aqui teriam os mesmos benefícios integrais do Repetro (3%); as que fabricassem em outros estados (12%); e em outros países (18%). “Hoje, 85% dos bens e equipamentos usados na exploração do petróleo brasileiro vêm de fora. Com benefícios a longo prazo essas empresas vão deixar de produzir aqui e consequentemente não vão gerar empregos no estado. Fora do Brasil, elas conseguem financiamento mais em conta, contratar mão de obra mais barata, entre outras fa-
cilidades. Por isso, tenho defendido alíquotas de ICMS diferentes para as empresas que atuam no setor de petróleo e gás,” afirma. O economista Bruno Sobral concorda que a revisão do Repetro tem que entrar na agenda de discussões. Para o especialista, o incentivo não traz ganhos significativos na conjuntura atual de recuperação do preço do barril e queda dos custos de operação. “Ele precisa ser reduzido, porque estimula a importação em vez de incentivar o desenvolvimento produtivo do estado. Não está correto, do ponto de vista do interesse público de geração de emprego e renda, e ainda gera um ônus fiscal”, afirma. Sem um foco estratégico, perde-se tempo e oportunidade de inovação. A indústria do petróleo, principalmente a relacionada ao pré-sal, está na ponta da pesquisa tecnológica no mundo. Ela é também capaz de promover adensamento, trazendo consigo outras atividades, como a metal-mecânica, a petroquímica e o setor de serviços associado à tecnologia, pesquisa e engenharia de projetos. “Não é uma discussão ideológica, mas estratégica. Temos casos de excelência, como o da Noruega, que aproveitou o momento do boom para gerar inovação e diversificar a cadeia produtiva. Não é uma discussão ideológica. É ter uma visão estratégica para o futuro”, conclui Sobral.
EMPRESAS DO SETOR NAVAL SE ORGANIZAM EM CLUSTER TECNOLÓGICO TEXTO VANESSA SCHUMAKER
Dispostos a remar juntos na onda da retomada do setor, empresários se reuniram para criar, em novembro passado, o Cluster Tecnológico Naval. Os pioneiros da ideia são a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), a Nuclebras Equipamentos Pesados (Nuclep), a Nuclebras Equipamentos Pesados, a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul) e a Condor Tecnologias Não Letais. O projeto conta ainda com o apoio da Marinha do Brasil. O cluster é uma concentração de empresas com características semelhantes, que se unem num mesmo local e colaboram em busca de maior eficiência. A proposta é atrair atividades que têm vocação para o mar e a baía: manutenção de embarcações, venda de cartas náuticas, levantamento hi8
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drográfico, dragagem, turismo e gastronomia podem aportar nessa praia. Segundo o diretor-presidente da Emgepron, vice-almirante Edésio Teixeira Lima Júnior, alavancar o cluster marítimo como instrumento de desenvolvimento regional depende de três eixos: governança, conhecimento e relacionamento institucional. “Precisamos de um modelo econômico de desenvolvimento e o Rio de Janeiro tem todo esse potencial e por vocação e tradição reúne as melhores condições, além de caminhar para se tornar um dos maiores produtores de petróleo do mundo com o pré-sal”, defende. Edésio lembrou ainda que a Petrobras vai investir nos próximos cinco anos US$ 54 bilhões em projetos no estado. Ele destaca também que a economia do mar representa quase 20% do PIB do país, mas segundo ele, o Brasil não ex-
plora todo o seu potencial, o que requer mais políticas públicas para valorizar esse mercado. “Esse cluster tem a função de buscar soluções, inclusive com o poder público, e criar a mentalidade marítima para que a economia naval seja um dos eixos do nosso estado e até do país. Na Europa, o segmento é responsável por cinco milhões de empregos. No Brasil, não tenham dúvida de que o Rio é o que apresenta as melhores condições”, ressalta. O comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa Jr., estima que a projeção de crescimento para o comércio marítimo até 2040 é de 380%. Segundo ele, é um bom momento para a criação do cluster. "Temos que fazer esse esforço para o Estado do Rio superar esta fase difícil. Ou assumimos essa tarefa ou pagaremos um preço muito alto”, alerta.
ENTREVISTA
MAURO OSÓRIO ECONOMISTA E PROFESSOR DA UFRJ
ESTRATÉGIA
para trazer o Rio a um círculo virtuoso TEXTO BUANNA ROSA FOTOS THIAGO LONTRA
OS VENTOS QUE SOPRAM da região do pré-sal da Baía de Santos sacodem a inércia da economia ligada ao petróleo no Rio de Janeiro. O setor público se mobiliza em discussões sobre a regulamentação e tributação e os empresários organizam novos projetos, como o da criação de um cluster marítimo. No balanço dessa onda, a Revista Diálogo ouviu o economista e coordenador do Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro da UFRJ, Mauro Osório, a respeito dos rumos que devem ser traçados para que a nau do estado atravesse essa crise. “É necessário definir uma agenda para o Rio de Janeiro em que se discuta o pacto federativo tributário e as atividades indutoras, que podem tirar o estado do círculo vicioso, constituindo um novo círculo virtuoso", define Osório. DIÁLOGO
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ENTREVISTA
O primeiro setor que temos que destacar, claramente, é o de petróleo e gás. Precisamos aproveitar o crescimento na produção do pré-sal e trazer novos fornecedores para o Estado Diálogo: O Rio de Janeiro ainda vive uma situação de crise econômica. Quais devem ser a agenda e a estratégia para sair dela? n Mauro Osório: O Rio de Janeiro vive uma crise estrutural. Temos três pontos que fizeram com que o estado ficasse nessa situação e que precisamos rever. Um foi a transferência da capital para Brasília, sem compensações para o Rio. O segundo ponto é a falta de uma reflexão regional, que provoca muitos equívocos estratégicos no estado. E, por fim, o mantermos uma lógica política particularmente clientelista com muitas concessões. Esses pontos precisam ser revistos. Qual é o caminho neste momento? n Temos que olhar os complexos produtivos, avaliar onde ainda podemos investir e verificar as atividades que têm sinergia entre si. O primeiro setor que temos que destacar, claramente, é o de petróleo e gás. Precisamos aproveitar o crescimento na produção do pré-sal e trazer novos fornecedores para o estado. Em 2017, a Petrobras divulgou um balanço informando que apenas 20% dos fornecedores da empresa se encontravam no Rio, enquanto 64% estavam em outros países. Esses dados preocupam e precisam mudar. Também é preciso discutir a questão fiscal em torno desse setor, como a Alerj vem fazendo. A produção de petróleo no pré-sal, na Bacia de Santos, subiu 13,4%, em outubro de 2019. Mas ainda não foi su10
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ficiente para impulsionar a geração de empregos no estado. Por quê? n Como a extração de petróleo na Bacia de Santos ocorre hegemonicamente em frente ao litoral fluminense, o Estado do Rio apresentou, entre janeiro e setembro de 2019, um crescimento da indústria extrativa mineral de 10,3%, contra uma queda no total do Brasil de 8,8%. No entanto, não devemos nos iludir e achar novamente, como fizemos no início dos anos 2010, que o estado está vivendo um boom, um momento mágico, a hora da virada... Exclusivamente a indústria extrativa mineral – no caso do Rio de Janeiro, sobretudo a extração de petróleo – não alavanca o conjunto da economia fluminense. Isto principalmente pelo fato de que em torno de 80% dos fornecedores da Petrobras estão fora do estado, que praticamente não se beneficia da receita de ICMS sobre a extração de petróleo. É necessário, portanto, definir uma agenda para o estado, em que se discuta o pacto federativo tributário e as atividades indutoras que podem levar de fato o estado a sair de décadas de círculo vicioso, constituindo um novo círculo virtuoso, com crescimento, distribuição de renda e melhoria dos serviços públicos. Levando-se em consideração tam-
bém o risco ambiental referente à exploração de petróleo, o estado sofre uma compensação tributária injusta na redistribuição desses recursos. Existe uma perspectiva de mudança nesse cenário? n A nossa principal atenção agora deve estar na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto às novas regras de distribuição dos royalties do petróleo. Se o Supremo entender que a nova distribuição é pertinente, o Rio de Janeiro poderá perder R$ 56 bilhões até 2023. É fundamental que os ministros analisem com cuidado como eles vão votar. A União arrecada no Rio em torno de R$ 70 bilhões e devolve, apenas, um pouco mais de R$ 30 bilhões. Temos uma situação econômica muito mais complexa. Se o Rio perder os royalties teremos que fechar as portas. Levaríamos o estado a uma crise de proporções graves. Sempre brigamos pelo país e está na hora de olharmos para o nosso próprio quintal. Neste sentido, uma das lutas do estado tem sido em relação à prorrogação do Repetro até 2040. O regime fiscal suspende a cobrança de tributos na importação de equipamentos para o setor de petróleo e gás. Como essa medida atinge o estado?
n Não é uma medida benéfica. O presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), está correto quando diz que é preciso fomentar mais a indústria estadual e reavaliar a participação do Rio no Repetro. Do ponto de vista tributário, o Rio acaba não ganhando praticamente nada, já que o ICMS é pago no destino e não na origem.
Outra luta do estado é sobre a Lei Kandir... n A Lei Kandir, que garantia um reembolso aos estados e poderia diminuir um pouco essa perda, nunca foi aplicada e regularizada. Inclusive, sou a favor da extinção desta lei. O Senado Federal pode votar ainda este ano o fim da Lei Kandir. Para o estado vai ser uma dádiva. A lei Kandir deu isenção de ICMS para exportação de produtos primários, como petróleo. O Governo Federal assumiu o compromisso de reembolsar os estados, o que nunca ocorreu. De acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Pará, a União já tem uma dívida com o Rio de Janeiro em torno de R$ 60 bilhões.Temos que lembrar que em 1996, quando a lei foi criada, o barril do petróleo custava US$ 20,00 e o Brasil tinha graves dificuldades cambiais. Atualmente o preço do barril do petróleo gira em torno de US$ 60,00 e o país tem reservas em torno de US$ 360 bilhões. Avalio que não precisamos dar mais um incentivo fiscal. Mas levando em consideração que cerca de 80% dos fornecedores da Petrobras estão fora do Rio, o que o estado pode fazer para se tornar um mercado mais atrativo? n Precisamos discutir qual é a agenda do estado. Ela passa pela busca de uma justiça federativa, da necessidade de um estudo detalhado dos setores econômicos, da inclusão das universidades nessa discussão. Além de conversar mais com a Petrobras, brigar por manter políticas de conteúdo local e analisar o que pode ser atraído para cá. O estado precisa ter uma política mais integrada. A indústria do petróleo é uma vocação. Mas países já trabalham para reduzir a dependência deste produto. Como o Rio de Janeiro pode diversificar seus investimentos e se preparar para uma era em que o mundo dará menos importância a essa fonte de energia? n Essa discussão, sobre em quantas
décadas o petróleo vai deixar de ser a fonte principal, é muito polêmica e está atrelada à questão ideológica. Ninguém sabe como vai ser essa transição energética. É claro que ela é essencial, mas ninguém sabe como ela vai se dar. O pré-sal continua sendo a oportunidade, mas a gente precisa pensar não apenas no Rio além do Petróleo, mas no Rio também com o petróleo. Nas próximas três décadas, a estimativa da Agência Nacional do Petróleo (ANP) é de investir R$ 1,5 trilhão e o Rio precisa continuar olhando essa oportunidade. Em que outros setores o estado precisa investir? n Também merece atenção a indústria farmacêutica. Tem um economista da Fiocruz que propõe uma política que ele chama de Dinâmica do Sistema Produtivo de Saúde, que é o fortalecimento de um Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Por ano, o governo brasileiro importa mais de US$ 10 milhões em remédios e itens relacionados à saúde. Por que não fazer como os Estados Unidos e fortalecer o nosso mercado ou incentivar as empresas a produzirem no nosso estado? Temos um Sistema Único de Saúde (SUS) considerado um dos maiores do mundo, importantes estatais como a Fiocruz e apenas 10% da indústria farmacêutica nacional estão no Rio de Janeiro. Outro setor que pode crescer é o turismo. Menos de 1% dos empregos do estado vem de hotéis e pousadas. Apenas cinco municípios do Rio têm o turismo como base da sua economia. O estado precisa investir nessa área, em conjunto com setores da cultura, produção de megaeventos e esportes.
Outro setor que pode crescer é o turismo. Menos de 1% dos empregos do estado vem de hotéis e pousadas. Apenas cinco municípios do Rio têm o turismo como base da sua economia. O estado precisa investir nessa área, em conjunto com setores da cultura, produção de megaeventos e esportes
O Rio ainda está muito dependente dos recursos da União? Como podemos cortar essas amarras? n Considero que há pouca participação da União na Economia do Rio. Mas precisa saber priorizar mais o debate estadual e não o nacional, sem deixar de ser cosmopolita. Não seria passar a ser provinciano, mas pensar de forma integrada. O que o Rio precisa é de mais receita. Por isso, temos que debater a questão fiscal, federativa e ampliar a estrutura produtiva para ter mais base para arrecadação. DIÁLOGO
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SEGURANÇA
Proteção humanizada ao cidadão TEXTO LEON LUCIUS FOTO RAFAEL WALLACE
FOCO EM AÇÕES PREVENTIVAS e uma estreita relação com a população dos centros turísticos e comerciais. Essa é a receita que faz do Segurança Presente um modelo de operação bem avaliado pela sociedade. O programa, que começou há seis anos no boêmio bairro da Lapa, se expande para a Baixada Fluminense e poderá, com o apoio da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, chegar aos 92 municípios do estado. Em 2019, o Parlamento estadual repassou ao governo R$ 150 milhões para serem investidos em segurança pública.
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programa devolveu à população a sensação de segurança em áreas de grande circulação. Desde a sua implantação, em 2014, foram realizadas mais de 15 mil prisões. Mas o olhar dos agentes vai além, enxergando o desalento tão comum nas áreas urbanas. Ao lado das ações de policiamento, o programa já realizou 136 mil atendimentos sociais. Os números consolidam a percepção do cidadão. Levantamento da Secretaria de Estado de Governo mostra que houve redução dos índices de criminalidade em 11 das 19 bases, entre julho e outubro do ano passado. A expansão do programa para a Baixada começou em meados do ano passado, por Nova Iguaçu, e o resultado do reforço no patrulhamento começou a aparecer na cidade. Na área e no horário em que atuam os agentes, a redução dos roubos de rua foi de 33% no período pesquisado, se comparado ao ano anterior. Na Tijuca, Zopna Norte do Rio, houve queda de 91% dos roubos de celulares e 83% nos roubos a estabelecimentos comerciais. Em janeiro, o programa chegou a Copacabana, Leme, Bonsucesso,
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DIÁLOGO
Madureira e São Gonçalo. A presença desses policiais e assistentes sociais nos municípios da Baixada reflete um compromisso do poder público de estar próximo dos cidadãos fluminenses no seu dia a dia, como destaca o secretário de Governo e Relações Institucionais, Cleiton Rodrigues. “Com isso, o governador Wilson Witzel demonstra que a preocupação com a segurança da população não é só na Zona Sul da capital. Nós também levamos o programa para a Zona Oeste, para os centros comerciais, onde os cidadãos e os comerciantes estavam sofrendo com a criminalidade”, explicou o secretário. Ele destacou também a importância do apoio dado pela Alerj à ampliação do programa. “A gente só está conseguindo fazer essa expansão com os recursos financeiros disponibilizados nessa parceria do presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), e dos demais deputados com o governo do Rio”, completa. Para o presidente da Casa, o programa vai além de segurança pública, impactando na geração de renda e emprego. “A violência faz parte da realidade da Baixada há algumas décadas.
Temos hoje fuzis, barricadas, áreas em que a polícia não entra, por isso a importância do Segurança Presente. O Estado precisa avançar e a segurança é uma das prioridades neste momento porque, sem ela, o desenvolvimento econômico vai embora e a gente não gera renda e emprego”, comentou o deputado Ceciliano. REFORÇO BEM-VINDO Desde agosto de 2019, o programa disponibiliza, todos os dias no Centro de Nova Iguaçu,96 agentes fixos contratados, além de três assistentes sociais e 37 vagas diárias para PMs que queiram trabalhar na folga. A contar da sua implantação na cidade, foram feitas 149 prisões em flagrante, cumpriu-se 73 mandados de prisão e 1.038 pessoas receberam atendimento por parte do serviço social. Em outubro, o município ganhou sua segunda base, em Austin, com 72 agentes fixos e outros 33 policiais em folga. Comerciantes e moradores do município já sentem os efeitos desse investimento. “Essa ação trouxe uma melhoria significativa para o comércio.
Enfrentamos momentos muito difíceis, com altos índices de criminalidade, e estamos notando uma diminuição. Apesar de a primeira base ter sido instalada no Centro, toda a cidade tem sido impactada. Só temos a agradecer à Alerj e ao Governo do Estado”, afirmou Cláudio Rosemberg, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Nova Iguaçu. Em Duque de Caxias, que recebeu uma base da operação em novembro do ano passado, 149 agentes fixos, 55 vagas para policiais de folga e seis assistentes sociais patrulham e atendem à população na Praça do Pacificador, centro comercial da cidade. A expectativa dos comerciantes da região é que o número de furtos e roubos diminua. “Estamos vendo policiais na rua, o que nos traz uma sensação de segurança”, afirmou Patrícia Gomes, advogada do Sindicato do Comércio Varejista de Duque de Caxias (Sindivarejo - DuCaxias). Atualmente, o programa conta com bases espalhadas por todas as regiões do Rio, além da Baixada e Niterói. Recentemente, o governador Wilson Witzel lançou o Segurança Presente
nas Estradas, que terá como forma de custeio o novo Fundo Estadual de Segurança Pública, aprovado pela Alerj. Com esforço de economia, a Alerj devolveu aos cofres do Estado, em 2019, cerca de R$ 421 milhões, recursos que contribuem com as metas do governo de investimento na Segurança Pública. O governador anunciou que pretende contratar mais de três mil policiais, comprar 30 novos blindados compactos e reformar quatro unidades do Instituto Médico Legal (IML). A Casa também doou 45 veículos da extinta frota a instituições de Segurança Pública e da Saúde. NAS RUAS, UM OLHAR ALÉM DO POLICIAMENTO As redes sociais do programa exibem ações bem-sucedidas de abordagens policiais e também histórias de acolhimento. A assistente social da equipe de Bangu, Diana Cossatis, se emociona ao lembrar do atendimento à dona de casa Noêmia, de 83 anos, que se perdeu ao descer do trem na estação errada. “Ela ia descer em Japeri e ficou desorientada, sem documentos ou te-
lefone de contato de parentes. Nós a encaminhamos para passar a noite em um abrigo e no dia seguinte fizemos o reencontro com a família. Quando a filha dela viu a gente, foi uma choradeira só: a família, a nossa equipe, um funcionário do abrigo... até o motorista da nossa van chorou. Foi um encontro muito bonito”, contou. Em uma das postagens está o relato de Carlos Eduardo Alvez, que morava nas ruas do Méier, há quase um ano, e conseguiu voltar para a casa da mãe, no Rio Grande do Sul, com o auxílio da equipe do Méier Presente. Em Nova Iguaçu, agentes dissuadiram um jovem de uma tentativa de suicídio. Ele foi resgatado e levado a um abrigo municipal. “O Segurança Presente é um modelo de segurança pública que acolhe. A participação de profissionais de assistência social é fundamental para o caráter diferenciado que tem esse programa, principalmente para a população que está nas ruas. Nós fazemos um acolhimento e, quando necessário, encaminhamos para hospitais e clínicas”, explicou o secretário Cleiton Rodrigues. DIÁLOGO
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EDUCAÇÃO
ACIMA da MÉDIA
Escolas interculturais e profissionalizantes são referências de ensino de qualidade no estado
T EXTO VANESSA SCHUMACKER FOTOS OCTACÍLIO BARBOSA
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orário integral, 15 horas de aulas de inglês por semana, projetos de produção científica, incentivo ao voluntariado, 70% dos alunos aprovados em universidades públicas. Parece propaganda de escola particular de sucesso, mas essa é a realidade do Ciep 117 Carlos Drummond de Andrade, em Nova Iguaçu, na Bai-
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xada Fluminense. Mesmo em condições adversas, a instituição consegue ser referência de ensino público de qualidade no estado. A escola faz parte do programa Dupla Escola do Governo do Estado. Uma parceria da Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) com o Condado de Prince George, em Maryland (EUA) e conta com o apoio da Embaixada Americana no Rio de Janeiro. A escola atende a 396 alunos no horário integral
das 7h às 16h50. O contato dos alunos com a cultura estrangeira se dá também através de eventos, como datas comemorativas, e até de viagens ao país ao qual a unidade está ligada. Segundo o diretor da instituição, Eduardo Vasconcelos, essa parceria tem ajudado alunos a conquistarem oportunidades no mercado de trabalho com o diferencial da fluência na língua inglesa. “Os colégios estaduais interculturais, além do Ensino Médio regu-
AS AMIGAS MARLAINE DE MORAES E GEOVANA LUCAS: ‘Muitos diziam que havia uma diferença no ensino público, que seria mais fraco. Mas não foi isso o que aconteceu’, diz Marlaine.
lar, preparam os jovens para o competitivo mundo globalizado”, ressalta. Além da alta aprovação nos vestibulares das instituições públicas, alunos que não conquistam vagas nessas universidades geralmente conseguem bolsa de 100% na faculdade particular. “O desempenho no Enem é um sucesso”, comemora. O curso de Relações Internacionais é o mais procurado pelos jovens. De acordo com Vasconcelos, outras conquistas importantes vieram com
essa parceria. “Aqui não tem índices de violência, não tem problemas de brigas, bullying, nem gravidez de adolescentes. A cultura da escola é a do estudo, de aproveitar as oportunidades”, ressalta. Para o diretor, o comprometimento de pais, professores, estudantes e funcionários faz a diferença. Ao andar pelo Ciep, o clima é de entusiasmo e motivação e os alunos confirmam a fala do diretor. As amigas Marlaine de Moraes e Geovana Lucas,
de 15 anos, cursam o primeiro ano do Ensino Médio e vieram de escolas particulares. Elas se surpreenderam com o que encontraram no Ciep. “Muitos diziam que eu ia sentir uma diferença no ensino, que seria mais fraco, mas não foi isso o que aconteceu. Além de ter um ensino muito bom e me capacitar no inglês, ainda me fez estudar com uma diversidade de pessoas que eu não encontrei no ensino privado”, relata Marlaine. DIÁLOGO
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EDUCAÇÃO
O Ciep 117 tem se destacado também por ações inovadoras. Em 2014, a professora de biologia da unidade, Luciana de Jesus Baptista Gomes, conquistou o segundo lugar do prêmio Shell de Educação Científica e ganhou uma viagem para Londres. Ela criou um jogo de tabuleiro com uma sequência didática de metabolismo energético de bioquímica, onde os alunos diferenciavam as duas reações químicas de fotossíntese e respiração celular e depois classificavam os seres vivos. “Prêmios são motivadores para professores e alunos. Precisamos criar formas de fazer com que a escola seja mais atrativa para esses jovens. Esse conceito de que aula só acontece dentro de sala está errado. Mudar rende muito e é mais valoroso para todos”, defende a professora. CIEP NO SUL DO ESTADO FIRMA PARCERIA COM EMPRESA As escolas interculturais não são as únicas que motivam alunos a apresentarem bons resultados. O Ciep 488 Ezequiel Freire, de Itatiaia, localizado numa área de classe média baixa do 16
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Os colégios estaduais interculturais, além do Ensino Médio regular, preparam os jovens para o competitivo mundo globalizado” O desempenho no Enem é um sucesso (...) O curso de Relações Internacionais é o mais procurado entre os jovens”
Professor Eduardo Vasconcelos Diretor do CIEP Carlos Drummond de Andrade
estado, foi eleito Escola Destaque Estadual do Rio, no Prêmio Gestão Escolar, promovido pelo Conselho Nacional dos Secretários de Educação. Alunos e professores do Ciep foram campeões, entre 16 países participantes, da categoria Sustentabilidade, no Desafio Internacional 4x4 Jaguar Land Rover, realizado na Inglaterra, em abril de 2019. A escola tem parceria com a Jaguar Land Rover e oferece Ensino Médio em tempo integral para 150 alunos do curso de técnico de administração, com ênfase em empreendedorismo. A diretora Angélica de Alvarenga destaca a participação dos alunos para os bons resultados produzidos pela escola. “Eles são os protagonistas de verdade dentro da escola. Trabalhamos a liderança a todo tempo. Com isso, temos o líder da horta, o da limpeza, o dos esportes, entre outros”, explica. Segundo ela, a contribuição de todos no processo pedagógico é o grande diferencial. “Nosso time em geral - professores, funcionários e pais - abraçam de verdade a escola. E o sentimento de família perpassa e é vivenciado pelos
alunos. A escola busca a todo instante a qualidade e caminha rumo à excelência de sua gestão”, afirma. ESTADO PRETENDE AMPLIAR ESCOLAS EM HORÁRIO INTEGRAL Os dois Cieps apontam caminhos para superar as dificuldades da educação no estado. Os últimos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2017, divulgados em agosto de 2018 pelo Ministério da Educação (MEC), mostram que a rede estadual de ensino ainda não alcançou índices definidos como metas de qualidade. Nos anos finais do Ensino Fundamental I, 4º e 5º anos, o índice é de 4.8 contra a meta de 5.4. No Ensino Fundamental II, a média foi 3.7 contra a expectativa de 4.4. No cálculo do índice, o MEC avalia dois conceitos: o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações. A partir de 2020, a Secretaria Estadual de Educação pretende ampliar o número de escolas com horário integral. A promessa é de aumentar em 332 unidades, saltando das 268 atuais para 600, um acréscimo superior a 120%. O programa vai funcionar em parceria com a Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), e todas as escolas em tempo integral vão oferecer ensino profissionalizante. Segundo o secretário de Estado de Educação, Pedro Fernandes, a iniciativa representará a cobertura de quase metade da rede estadual, que tem 1.222 escolas no total. “Com a ampliação, tendo como base os dados do Censo de 2018, o Rio de Janeiro sairá da 10ª posição no ranking nacional e passará a ser o estado com a terceira maior cobertura percentual de escolas com turmas de horário integral do país ”, informa Pedro Fernandes. Também está planejado aumento no número de escolas interculturais. Hoje são quatro unidades com esse perfil: o Colégio Hispano Brasileiro João Cabral de Melo Neto, no Méier, Zona Norte; o Ciep 449 Leonel de Moura Brizola, Intercultural Brasil-França e o Colégio Matemático Joaquim Gomes de Sousa – Intercultural Brasil-China, ambos em Niterói. Em 2020, os consulados do México e do Equador participarão da oferta de Ensino Médio Intercultural, respectivamente, no Ciep 413 Adão Pereira Nunes e no Ciep 309 Zuzu Angel, localizados em São Gonçalo, na Região Metropolitana.
Volto para a escola para influenciar e mostrar a esses alunos que eles podem ser agentes de mudança Daniel de Fúcio Ex-aluno do Ciep 117, de Nova Iguaçu
“Vamos ampliar o número de escolas que ofertam Ensino Médio regular e cursos profissionalizantes integrados. E também as interculturais”, planeja o secretário de Educação.
ALUNO DE CIEP PARTICIPA DO JOVENS EMBAIXADORES Ex-aluno do Ciep 117 Carlos Drummond de Andrade, em Nova Iguaçu, Daniel de Fúcio ampliou seu horizonte quando entrou para o programa Jovens Embaixadores. Criado em 2002, por iniciativa da Embaixada dos Estados Unidos, o programa oferece oportunidades a estudantes que sejam exemplos em suas comunidades. Todo ano, 50 jovens do país são beneficiados pelo programa. Daniel se inscreveu no programa em 2017 e, em janeiro de 2018, passou três semanas nos EUA. O jovem de Nova Iguaçu visitou Washington DC, capital dos Estados Unidos, e conheceu pontos turísticos da cidade americana. Em Washington, Daniel também aprendeu sobre organizações dos setores público, privado e do terceiro setor. Depois foi para uma DIÁLOGO
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EDUCAÇÃO
cidade do interior e viveu a experiência de ficar hospedado na casa de uma família americana. Ele assistiu a aulas numa escola local e participou de atividades de responsabilidade social e empreendedorismo. O intercâmbio foi a oportunidade de aprimorar o conhecimento da lingua inglesa, mas o aproveitamento foi ain18
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EDUCAÇÃO NOTA 10: professora Luciana de Jesus inovou ao desenvolver jogo usado em aula de biologia do Ciep Carlos Drummond de Andrade, em Nova Iguaçu. Em Itatiaia, o Ciep Ezequiel Freire ensina empreendedorismo e sustentabilidade
da maior na vivência. “Conversei com muita gente lá. Foi um grande aprendizado. Vi coisas boas e ruins. A experiência me abriu para o mundo. Vi que os EUA também têm problemas, como aqui no Brasil. A segregação nas escolas lá é muito forte, grupos bem definidos que não se misturavam”, conta. Daniel hoje cursa biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pelo consórcio Cederj. “Optei pelo curso à distância por falta de dinheiro para o transporte. Quero ser professor de biologia e não vou desistir da educação. Volto para a escola para influenciar e mostrar para esses alunos que eles podem ser agentes de mudança. Hoje, tenho a função de passar isso para outros jovens, assim como fizeram comigo”, diz Daniel.
ELES MERECEM RECONHECIMENTO
Alunos da Escola Tiradentes receberam o diploma Paulo Freire e se mostraram orgulhosos com a premiação GISELE ARAÚJO E RAÍSA LACE* *Estagiárias sob a supervisão da editora Flávia Duarte
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1ª edição do Prêmio Paulo Freire, realizada no dia 14 de novembro, homenageou 86 profissionais da educação pública estadual. A iniciativa da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi reconhecer ações pedagógicas que inovem e estimulem o aprendizado. As inscrições reuniram 145 projetos de diferentes regiões do estado. Presidente da comissão, o deputado Flávio Serafini (Psol) destacou que o objetivo do prêmio é reconhecer diferentes iniciativas e projetos que fortaleçam a educação no país. “Precisamos pensar em iniciativas educacionais que fomen-
tem a educação, que tragam o aluno para a escola, que melhorem a qualidade e ajudem no avanço da escolarização das criança, jovens e adultos”, diz. Elaine Morgado, professora da escola municipal Nossa Senhora de Pompeia, no Cachambi, Zona Norte do Rio, foi uma das educadoras premiadas na categoria Experiência Pedagógica no Ensino Fundamental. “Como docente, trabalho a riqueza cultural da música. Não apenas na criação das letras, mas a expressão corporal que o estilo representa na formação do país”, explicou. Idealizador do projeto “Sala de Aula Virtual”, o professor Felipe Garcia, da Escola Municipal Lincoln Bicalho Roque, em Curicica, comemorou o reconhecimento. “O projeto envolve alunos do sexto ano do Ensino Funda-
mental, e consiste num ambiente de aprendizagem virtual onde podemos realizar atividades, pesquisas, entrega de trabalhos. Os alunos ganharam em autonomia, protagonismo, coletividade, respeito, exemplo para as turmas mais novas”, explica. Os projetos foram divididos em nove categorias: Projeto Político-Pedagógico; Experiência com alunos do Ensino Fundamental; Educação Especial; Educação de Jovens e Adultos; Ensino Médio, Pós-Médio, Técnico ou Profissionalizante; Ensino Superior; Ensino à Distância; Experiência pedagógica na área de Inovação, Ciência e Tecnologia; e Experiência pedagógica na Educação do Campo. A lista completa dos homenageados está disponível no site da Alerj (www.alerj.gov.br). DIÁLOGO
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PARLAMENTO JUVENIL
COMEÇA COM
VOCÊ Edição de 2020 será lançada em março
TEXTO GUSTAVO NATARIO
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ada um é responsável por sua atuação política e tudo se inicia com a participação popular. Com o tema “começa com você”, a edição de 2020 do Parlamento Juvenil (PJ) será lançada no dia 13 de março, após o encerramento da etapa de 2019. O programa da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) tem o objetivo de inserir os jovens na política e formar líderes mais críticos e participativos. As inscrições ocorrerão entre os dias 30 de março e 17 de maio, por meio do site parlamento-juvenil. rj.gov.br. Poderão se candidatar jovens de 14 a 17 anos do 1º e 2º ano do Ensino Médio da rede pública estadual. O Parlamento Juvenil contará com representantes dos 92 municípios fluminenses. 20
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O projeto foi criado em 1998 e, posteriormente, reformulado pelos próprios parlamentares juvenis no ano de 2015. No Parlamento Juvenil, os estudantes passam uma semana vivendo o dia a dia de um deputado estadual na Alerj, discutindo, apresentando e votando projetos que podem virar lei. As me-
didas propostas ficam em um banco de dados disponível aos deputados. Este ano, o evento acontecerá entre os dias 22 e 28 de novembro. Antes disso, haverá eleição entre os alunos de cada município para eleger seus respectivos representantes. “Os jovens têm dado aula para a gente, trazendo ideias de todas as cidades. Quando essas ideias se encontram em um só lugar, elas demonstram que têm força e que essa união vai tirar o Rio de Janeiro da crise", afirmou Wanderson Nogueira, que é coordenador do PJ. Gabriel Freitas, de 16 anos, foi eleito para representar a cidade de Seropédica na edição de 2019 do PJ. O estudante vê nas ações da política pública o principal caminho para o desenvolvimento cultural do estado. "É importante achar solução para que as manifestações culturais do estado não se percam, principalmente, as que acontecem em municípios menores. Sendo assim, propus a criação de edifícios culturais, onde artistas possam ter espaços para se expressarem", afirmou o jovem.
#HASHTAG ELIS MONTEIRO
PRIVACIDADE NA INTERNET: UMA LENDA URBANA
M
inha vida é um livro aberto... Quantas vezes já não ouvimos a velha frase e não nos demos conta do que ela significa? Em tempos de mídias sociais, a expressão nunca se fez tão verdadeira. Hoje, tudo que postamos acaba chegando para todo mundo. O que pode ser ótimo. Mas também pode ser péssimo. O Brasil é o país da mídia social. Somos o povo que mais tempo passa conectado à Internet no planeta – nada menos que 9h24 minutos por dia! Somos hiperconectados e, por isso, acabamos desaguando na Internet tudo o que fazemos no dia a dia, como se compartilhar fosse uma necessidade humana. O Brasil tem, hoje, nada menos que 150 milhões de usuários da rede, a maioria plugado em mídias sociais – 140 milhões de pessoas compartilham em murais digitais suas atividades, aspirações, desejos, impressões e, principalmente, seus pontos de vista. Isso acaba formando um mundaréu de informações sobre tudo. Olhem a enormidade disso: segundo Eric Schmidt, que durante muitos anos foi presidente mundial do Google, hoje, em dois dias, produzimos mais informações do que do início da civilização até 2013! É coisa demais! A maioria, material de cunho pessoal. O brasileiro passa, em média, 200 minutos por dia utilizando aplicativos – a maior parte, enviando mensagens pelo WhatsApp, publicando no mural do Facebook ou postando fotos de suas atividades e refeições no Instagram. Nada passa incólume! Está comendo alguma coisa? Publica! Reuniões com vista para o mar? Compartilha! Opiniões políticas? Opa, vamos nessa! Fotos dos filhos
O Brasil é o país da mídia social. Somos o povo que mais tempo passa conectado à Internet no planeta – nada menos que 9h24 minutos por dia!
com uniforme, farras na praia, mesas de bar, discussões com amigos... está tudo lá! A pergunta que fazemos é: será que é mesmo necessário postar tudo que a gente vive? É divertido para quem assiste. Mas pode ser perigoso para quem compartilha. Muita gente não tem ideia do que publica nas mídias sociais e se esquece de que a Internet não esquece – nem perdoa! A chamada “evasão de privacidade”, que é expor a vida pessoal na rede mundial de computadores, pode ser um problema para a vida toda. Pode atrapalhar a carreira, a vida pessoal e os relacionamentos com amigos e família. Exposição demais é problema, sim! E engana-se quem acredita em privacidade na Internet – não há! Privacidade é alguma coisa que deixou de ser verdade alguns anos atrás e se transformou em lenda urbana. A primeira recomendação para quem se preocupa com o que expõe em mídias sociais é lembrar o tamanho da Internet. Qualquer coisa que se publica pode ser mal interpretada e ser passada adiante. Consertar, muitas vezes, pode ser impossível! A segunda recomendação é bem bobinha mas extremamente eficaz: antes de postar
qualquer coisa, respire e conte até 10. Vale a pena publicar? Isso pode gerar algum desconforto, ainda que futuro? Se a resposta for sim, ainda que lá no fundinho da consciência, não poste! Outra recomendação importante é criar listas de amigos – isso vale para o Facebook. Publique opiniões políticas, por exemplo, apenas para públicos específicos. Isso facilita a administração do que vai para determinadas pessoas e de quem vai receber sua opinião sobre temas delicados. Já para o Instagram, a boa e velha conta privada vale para quem deseja manter sob controle quem tem acesso a imagens mais pessoais. Pensando em WhatsApp, no entanto, todo cuidado é pouco. As pessoas costumam repassar mensagens, áudios e textos indiscriminadamente. Até mesmo nossas mães estão perdendo o controle do que compartilham. Sendo assim, eu contaria até 20 antes de compartilhar coisas pessoais na rede mais viral – e mais perigosa – que temos no momento.
Outra recomendação importante é criar listas de amigos – isso vale para o Facebook. Publique opiniões políticas, por exemplo, apenas para públicos específicos. Elis Monteiro é especialista em Marketing Digital, consultora e professora da FGV, ESPM, IBMEC, Universidade Veiga de Almeida, Instituto Europeu de Design (IED) e Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG).
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AGRONEGÓCIO
COM SABOR E IDENTIDADE À MESA
Regras claras ampliam mercado para o queijo artesanal
TEXTO LÍBIA VIGNOLI FOTOS SUELLEN LESSA
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publicitário Rômulo Capdeville viu sua vida mudar da água para o vinho, ou melhor, da água para o leite, quando, em 2004, abandonou a vida urbana para criar cabras, em Visconde de Mauá, distrito de Resende, no Sul Fluminense. A aposta certeira foi na produção de queijo artesanal. Naquela mesma época, o Rio de Janeiro iniciava um movimento de expansão desse mercado. Assim como Rômulo, outros pequenos produtores aprimoraram suas receitas e foram em busca de um produto tipicamente brasileiro, com o DNA local, mais diversi-
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ficado - o chamado terroir. “Procuro ter um manejo natural, porque acho que ele interfere diretamente na qualidade do produto final, que é o queijo. Minhas cabras ouvem boa música para relaxar”, conta Capdeville. Parece marketing, mas o cuidado vai além. O queijeiro acredita que a qualidade do solo onde cresce a grama que as cabras comem, as características da água e até a forma do manejo influenciam no resultado final. Tem dado certo: a produção, que começou com apenas duas cabras, hoje já tem 70 animais da raça saanen no pasto do capril localizado em Sebollas, distrito do município de Paraíba do Sul.
A exemplo dos produtores artesanais da Serra da Canastra, em Minas Gerais, os do Estado do Rio buscam qualidade e valorização da origem. Além de perseverança, eles tiveram o apoio de chefs de cozinha renomados - muitos estrangeiros - integrantes do movimento slow food, que acreditam na influência da paisagem, da biodiversidade e das tradições na alimentação. Rômulo ofereceu uma prova de seu queijo ao francês Christophe Lidy, que na época comandava o icônico Restaurante Garcia e Rodrigues, no Leblon, e as portas das melhores cozinhas se abriram para ele. “Concorri na Festa do Pinhão, de Visconde de Mauá, com
Rômulo Capdevilli trocou a vida urbana pela criação de cabras e se tornou um bem-sucedido produtor de queijo artesanal. Ele fornece sua iguaria (foto acima) aos principais restaurantes do Rio uma entrada. O chef Lidy experimentou o meu queijo. Foi meu primeiro grande cliente, e depois que incluiu meus produtos no cardápio começaram os pedidos. Sempre que o encontro, eu agradeço”, afirma. Rômulo emprega cinco funcionários que trabalham na produção mensal de 600 kg de queijo. O destino são os melhores restaurantes do Rio. “O Estado está conhecendo, consumindo e valorizando a produção local”, avalia Rômulo. Entre eles está o do chef Claude Troisgros - um dos grandes nomes da gastronomia na atualidade, protagonista de programas de culinária na televisão - que oferece os sabores em várias receitas de seus restaurantes. “Rômulo é um artesão. Um produtor artesanal do patrimônio brasileiro. A Capdeville está de parabéns pela qualidade e excelência dos seus queijos”, elogia Troisgros. Rômulo conta que levou os baldinhos de amostras para o francês e sua equipe experimentarem. “Na hora começaram a falar em francês. Não entendi nada. Mas depois disseram que adoraram e logo começaram a usar. Hoje, recebo muitas ligações de clientes dele perguntando sobre os queijos”, conta o produtor.
Em Teresópolis, Região Serrana do estado, outro queijeiro, Johnny de Oliveira, avistou uma oportunidade em meio à crise. Era jardineiro quando foi escalado para ajudar na limpeza da queijaria de uma propriedade. Curioso, Johnny se interessou em entender e aprender como, segundo ele, “entrava leite e saía queijo”. Ali nasceu uma paixão que logo virou seu ganha pão: “Eu fiquei apaixonado pelo processo. Quando me dei conta, já estava produzindo queijo”, lembra. O que era hobby passou à atividade profissional e Johnny investiu em cursos de aperfeiçoamento. Em 2012, já com inúmeras receitas autorais, uma parceria foi estabelecida com o Complexo Hoteleiro Le Canton, um dos maiores da Região Serrana. Localizada na Fazenda Suíça, a queijaria do complexo recebe cerca de 800 litros de leite de vaca de um produtor vizinho. São desenvolvidos quatro tipos de queijo. As vacas são das raças gir e holandesa, de alta produtividade leiteira e fácil manejo. No estabelecimento também existe um capril, cuja ordenha é destinada para a produção de dois tipos de queijo. “Faço questão de acompanhar todo o processo da produção do leite da
propriedade vizinha. Desde o cuidado com a saúde, alimentação e bem-estar dos animais, até a forma como o leite é transportado para cá”, revela Johnny. Por ser uma produção menor, o capril do hotel dá conta da demanda que chega a, aproximadamente, 150 litros de leite por mês. O resultado do investimento começa a ganhar o país. Na última edição do Prêmio Queijo Brasil, realizado em setembro passado, em Florianópolis, Santa Catarina, a queijaria Le Canton trouxe duas medalhas para o Rio. Frutos das receitas de Johnny, o queijo Temperèr ganhou medalha de ouro e o Vaccino Romano ficou com a de bronze. PROFISSIONALIZAÇÃO DO PRODUTOR ABRE MERCADO O queijo artesanal abre um leque de oportunidades para a economia do estado. Além da mão de obra empregada na fabricação, há também os mestres queijeiros, profissionais especialistas, que contribuem na elaboração de pratos, propõe harmonização com bebidas, compõem o time de compras de grandes redes varejistas, auxiliam na venda e explicação junto aos clientes. Também há os que se dedicam a esDIÁLOGO
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AGRONEGÓCIO
Ex-jardineiro, Johnny de Oliveira (E) se apaixonou pela fabricação de queijos e hoje se destaca por desenvolver receitas autorais. Já Daniel Martins (D) gerencia uma plataforma on-line com tudo sobre o setor queijeiro crever sobre o tema e divulgar a cultura queijeira, atuando no marketing para ampliar a visibilidade do produto do estado. Daniel Martins gerencia o Queijo com Prosa através de uma plataforma on-line, que permite conhecer, pesquisar e adquirir queijos artesanais de todo o país. Formado pelo Senac-Rio, o carioca não se conformou ao ver o antigo laticínio da família, na cidade mineira Elói Mendes, acabar após a chegada de grandes empresas estrangeiras. “No início o nosso único foco era divulgar, dar voz e ajudar na capacitação dos pequenos produtores”, conta Martins. Integrante da Junta Local, um espaço que reúne pequenos produtores de todo o estado, e ex-colunista da Revista Cerveja, Daniel é formado pelo Instituto de Laticínios Cândido Tostes, em Minas Gerais, um dos melhores centros técnicos lácteo da América do Sul. Ele acredita que a expansão e valorização dos queijos artesanais dão ao pequeno produtor a chance de uma nova fonte de renda, permitindo agregar valor ao leite da propriedade. “É muito importante atrair mais pessoas para o campo, para produção de alimentos e dinamizar a economia local nos pequenos municípios. Para isso são necessárias a regulamentação e aplicação de boas práticas de produção e manejo, para um alimento justo e saudável”, esclarece o mestre queijeiro. O brasileiro consome em torno de 24
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5,5 quilos de queijo por ano (incluindo industrializados e artesanais), menos da metade em relação aos argentinos. Isso mostra o quanto o mercado pode se expandir. REGULAMENTAÇÃO E SELO ARTE A discussão sobre o valor do queijo artesanal caiu na boca do povo - e viralizou nas redes sociais - durante o Rock in Rio de 2017. Os produtos artesanais fabricados fora do estado foram recolhidos pela fiscalização no estande da chef Roberta Sudbrack, durante o evento, por não possuírem autorização para serem comercializados no Rio. Nas redes sociais, Sudbrack lamentou suas perdas e criticou as regras de fiscalização em relação aos pequenos produtores. O debate inflamado foi parar na pauta do Senado. Em julho de 2019, o Governo Federal sancionou o Selo Arte, alterando a legislação de 1950 que, até então, também era válida para os produtores artesanais. O Selo Arte autoriza que os artesanais sejam comercializados, desde que cumpram as exigências sanitárias de fabricação e de boas práticas agropecuárias. Embora o selo seja federal, a fiscalização da qualidade dos alimentos caberá aos órgãos estaduais. “O diálogo sobre a legislação vigente e a nova regulamentação sobre os queijos artesanais visa a atender às reais necessidades dos produtores artesa-
nais fluminenses”, aponta a auditora fiscal agropecuária do Ministério da Agricultura, Ludmila Gaspar. Para ela, o estado do Rio tem condições de colocar produtos muito bons no mercado e pode chegar a um patamar de notoriedade no ramo. O Projeto de Lei n° 893/19 de autoria do deputado estadual Luiz Paulo (PSDB), que está em tramitação, propõe medidas de regulamentação para a produção e comercialização dos queijos artesanais. Para o deputado, este é um importante componente da expressão cultural e de desenvolvimento econômico regional. “Meu objetivo com o projeto foi o fomento, isto é, acelerar o desenvolvimento da regulamentação. O selo de qualidade virá para estimular a produção de produtos lácteos artesanais no estado”, justificou o parlamentar. Não há ainda uma catalogação dos produtores que permita saber o tamanho do mercado, mas o Ministério da Agricultura estima que são 170 mil produtores artesanais em todo o país. Um dos entraves a essa expansão no estado é o déficit de produção de leite. O Rio de Janeiro produz 513 milhões de litros por ano, mas atende a apenas 20% do consumo do estado. A demanda total é de 2,8 bilhões de litros por ano. Os maiores produtores são os municípios de Itaperuna, Macuco, Valença e Barra Mansa.
Setor de cultivo ornamental no estado cresce e colhe lucros
MERCADO DAS
FLORES T EXTO LÍBIA VIGNOLI E TIAGO ATZEVEDO FOTOS THIAGO LONTRA
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em a crise econômica resiste à beleza das flores. Os mais de 900 produtores do estado que investem no cultivo ornamental - que inclui plantas de jardim e flores de corte - fecharam o ano colhendo lucro. O saldo estimado é de R$ 600 milhões, segundo o programa Florescer, que é desenvolvido pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento. O clima frio e a altitude favorecem os produtores da
Região Serrana, maior polo floricultor do Rio de Janeiro, com metade de tudo o que é cultivado. É uma cultura familiar que atravessa gerações. Em Nova Friburgo, Margarete Freimam, 60 anos, está há 40 no ramo das flores de corte. Em seu quintal, são plantadas rosas, bromélias, copos-de-leite e girassóis. “Aprendi com o meu pai e hoje trabalho com meu filho e meu marido. Das flores vem o sustento da minha família. É um trabalho que me faz feliz”, conta a floricultora. A coordenadora do Programa Flores-
cer, Nazaré Dias, explica que a região se destaca nesse mercado porque rosas e cravos, plantas de clima temperado, são também as favoritas para oferecer como presente e compor ornamentação. Segundo Nazaré, esse tipo de flor domina 97% das vendas no estado. O cultivo de rosas também move a economia da cidade de Bom Jardim, vizinha a Nova Friburgo. Cerca de 131 hectares do município são dedicados a essas flores, gerando renda para 168 produtores. O clima é ideal para o cultivo de rosas. “A temperatura de Bom Jardim costuma ser dois graus acima DIÁLOGO
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AGRONEGÓCIO da de Nova Friburgo. As rosas precisam de um clima temperado e grande luminosidade”, explica a coordenadora Nazaré. Outras espécies de clima tropical também brotam no estado. Girassóis, gérberas, violeta, crisântemo, begônia estão entre as que ganharam espaço na ornamentação de eventos e residências nos últimos anos. Dados do Programa Florescer revelam que o consumo per capita dessas espécies aumentou de R$ 4, em 2005 - quando foi criado o programa - para R$ 37 atualmente. Datas comemorativas ainda impulsionam as vendas: o Dia das Mães aumenta em 50% a comercialização. Ao longo do ano, eventos que requerem decoração, como casamentos, mantêm o mercado em alta. “Temos realizado oficinas pelo estado para mostrar que é possível fazer
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Aprendi com o meu pai e hoje trabalho com meu marido. Das flores vem o sustento da família Margarete Freimam Floricultora de Nova Friburgo
arranjos com flores tropicais. Essas oficinas geram efeitos positivos nas vendas” afirma Nazaré. Em todo o estado, 37 municípios desenvolvem técnicas de floricultura. Nova Friburgo lidera o ranking, sendo também a segunda maior produtora do país. Seus 239 floricultores colhem cerca de nove milhões de maços (dúzias) de flores por ano, somando 253 hectares de produção. Na Região Metropolitana do Rio, Itaboraí é um dos mais importantes polos de plantas de jardim. A cidade possui 22 hectares de produção e 40 produtores que são responsáveis por 38% de flores de corte comercializadas pelo estado, de acordo com a secretaria. Marli Camargo investe na floricultura desde 2001 26
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quando abriu sua primeira loja. Ela diz que o sucesso desse comércio é que nada supera o simbolismo de um buquê de flores. “Tem gente que pensa em dar um presente mais duradouro, como uma roupa, mas a flor marca o momento e é isso que importa; a vida é feita de momentos marcantes”, ensina Marli. A cidade do Rio encontrou, na Zona Oeste, espaço para a floricultura. A inspiração e o conhecimento vieram da herança do paisagista Roberto Burle Marx, criador de jardins icônicos como o Aterro do Flamengo, no Rio, e o Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Ele mantinha um sítio que é atração turística na região e formou boa parte dos mais de 200 produtores que hoje atuam naquela área. A cidade dedica 184 hectares para produzir, principalmente, plantas ornamentais em bairros como Guaratiba.
DIVERSIDADE NO CULTIVO A floricultora Margarete Freimam colhe copos-de-leite. Flores tropicais crescem na preferência do mercado de ornamentação
DO BUQUÊ AO TURISMO Além de um agronegócio promissor, o cultivo de flores cria oportunidades no setor de turismo. Nova Friburgo reserva aos amantes da floricultura um passeio especial: o Circuito das Flores, com visitas guiadas às estufas, na localidade de Vargem Alta. O tour foi idealizado para ampliar a divulgação da floricultuta e alavancar ainda mais a produção local. Durante o passeio, os turistas conhecem o processo de produção e podem comprar rosas, gérberas, lírios, astromélias, crisântemos e margaridas. “Estar dentro de uma estufa, cercado por flores é, com certeza, uma experiência rara e única”, comenta Guilherme da Silveira, professor do Ceffa Flores e um dos organizadores do circuito, que pode ser visitado aos sábados, com agendamento prévio. DIÁLOGO
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ACESSIBILIDADE
O MAR TAMBÉM É PARA TODOS
Gabriel dos Santos, com sua mãe Silvana, faz aula de surfe adaptado em Cabo Frio
T EXTO GUSTAVO NATARIO FOTOS OCTACÍLIO BARBOSA
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abriel dos Santos, 14 anos, nasceu com paralisia cerebral. Duas vezes por semana, ele é levado pela mãe Silvana às aulas de surfe na Praia do Forte, em Cabo Frio, na Região dos Lagos. A prática do esporte só é possível graças ao trabalho do Instituto Somar, que oferece atividades de lazer a pessoas com dificuldades de locomoção. O adolescente não consegue falar, mas expressa num sorriso a alegria da prática do surfe e do contato com o mar. Chegar à praia exige esforço e persistência. A começar pelo transporte público nem sempre acessível, as calçadas estreitas com piso precário e o longo trecho de areia que precisa vencer com a ajuda da mãe. “Sempre fui aventureira. Eu trazia ele no colo quando era bebê. Hoje é mais difícil e raramente temos ajuda. Venho de ônibus e o percurso é todo complicado. O Gabriel já caiu no asfalto porque a cadeira ficou presa em um paralelepípedo”, conta Silvana, que até conhecer o projeto do Instituto Somar nunca tinha visto uma cadeira anfíbia. Medidas simples poderiam facilitar a
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vida de quem, como Gabriel, enfrenta dificuldade de locomoção. A disponibilização de cadeiras anfíbias, que se deslocam na areia e boiam na água, também é norma aprovada desde 2006 (Lei 4.812/06), mas até hoje não foi posta em prática. Já a implantação de esteiras facilitadoras para cadeiras de rodas nos postos de salvamento está prevista na Lei 8.492/19, de autoria do deputado Jorge Felippe Neto (PSD). “A praia é um espaço democrático . Todos os habitantes do nosso estado têm o direito de usufruir das nossas belas praias”, afirmou o parlamentar. Uma das fundadoras do Instituto Somar, a espanhola Paloma Arias Ordiales, de 49 anos, trabalha como certificadora de praias, diz que as cadeiras anfíbias e as esteiras são fundamentais para o deslocamento dos cadeirantes. Mas é necessário que se construam rampas, corrimãos, e que os salva-vidas ou outros profissionais que atuem nas praias sejam treinados para atender às pessoas com deficiências. “Atualmente, temos uma esteira doada, só que o equipamento é muito pesado e não temos braços para levar sempre à praia. Por isso, utilizamos a cadeira anfíbia como suporte, mas muitos ca-
deirantes preferem ter sua independência de ir até a água sem o auxílio de outra pessoas, o que aconteceria se houvesse esteiras”, explica Paloma. Ações como a do Instituto Somar ainda são bastante restritas e realizadas por organizações não governamentais. Fabíola Faggion, de 42 anos, também idealizadora do Somar, conta que o projeto atende ainda turistas na Praia do Forte. “Todo ano, em janeiro, atendemos ao Marcos, que não consegue fazer nenhum tipo de movimento e já tem mais de 30 anos. A família dele mora numa favela do Rio e o pai vem trabalhar aqui na região em janeiro. Montamos a estrutura para o Marcos todos os dias em que ele está no município, pois sabemos que quase não tem essa oportunidade. O olhar dele de gratidão sempre diz tudo”, conta Fabíola. Outro frequentador assíduo é Gabriel Paiva, 15 anos, que tem Síndrome de Down e mostra desenvoltura sobre a prancha. A mãe, Marisa Paiva, conta que o adolescente melhorou a coordenação motora com as aulas. Gabriel e o grupo têm participado, como convidados, de compeonatos oficiais de surfe, incentivados pelo Projeto Somar.
DE PEITO ABERTO “Gosto de subir na prancha de peito e ficar em pé. Eu adoro surfar. Quero ser um campeão,” conta o adolescente, que é chamado de Gabisurfe, em referência ao jogador de futebol Gabigol. No município do Rio, a ONG de inclusão de pessoas com deficiências Instituto Novo Ser realiza o Praia para Todos, nos fins de semana, de dezembro a abril, nas praias de Copacabana, na Zona Sul, e Barra da Tijuca, na Zona Oeste. Desde 2008, ele oferece atividades como fres-
cobol adaptado, vôlei de praia sentado, piscina infantil e stand up paddle. No ano passado, mais de 1,5 mil pessoas participaram das aulas. Segundo o diretor e idealizador do Praia para Todos, Ricardo Gonzalez, a prefeitura do Rio apoia o programa, e o objetivo é expandir para outras praias da cidade e do estado. É uma iniciativa que ainda pode crescer bastante, considerando que 20 dos 92 municípios do Rio de Janeiro estão no litoral.
SOLIDARIEDADE E EMPATIA MOBILIZAM ONG’S Se a acessibilidade nas praias do Estado do Rio ainda está longe do ideal, não falta força de vontade de pessoas para mudar este cenário. O Instituto Somar nasceu, em 2017, da vivência de Fabíola e da espanhola Paloma com essa questão. Paloma veio para Cabo Frio em 2012, depois de conhecer seu marido brasileiro. Seu sonho era que a mãe cadeirante conhecesse as praias do Rio. Infelizmente, ela morreu dois meses antes do início do projeto. “Minha mãe sempre amou ir às praias na Espanha e percebi que aqui no Brasil, por falta de acessibilidade, ela teria muitas dificuldades de conhecer as belezas naturais do país. Isso me motivou a criar o Instituto Somar”, conta Paloma, que trabalha como certificadora de praia, atestando condições de balneabilidade e acessibilidade. O Instituto Somar atende a cidadãos com qualquer tipo de deficiência, de cadeirantes a pessoas com síndrome de down. O projeto, que já beneficiou quase 70 pessoas em 2019, acontece todas as terças-feiras, quintas e sábados, no canto da Praia do Forte. O instituto também atende com horário marcado. Equipe do Instituto Somar e os alunos comemoram mais um dia de aula na Praia do Forte, na Região dos Lagos
A satisfação em participar do projeto é nítida nos voluntários, que atualmente são mais de dez. A socorrista Daniela Caldeira, de 23 anos, foi uma das primeiras voluntárias do Instituto Somar. Ela sintetiza o sentimento de todos: “O que me motiva a participar desse projeto é somente o amor”, diz. De acordo com Gonzales, o apoio público é fundamental para esse tipo de projeto. “Existem muitas barreiras de acesso, porém a principal a ser eliminada é a atitude, que faz com que direitos de ir e vir sejam negados. A falta de transporte e logradouros públicos em condições mínimas de acessibilidade é o primeiro empecilho”, destacou. Gonzales conta que se inspirou em outra iniciativa semelhante, realizada pela ONG Adaptsurf. Fundada em 2007, a organização é pioneira em oferecer aulas de surfe adaptado nos fins de semana e em qualquer época do ano. Sábado, as atividades ocorrem na praia da Barra da Tijuca e, domingo, no Leblon. A ONG também trabalha na parte educacional, capacitando outros projetos, como aconteceu com o Praia para Todos.
Gabriel Paiva melhorou a coordenação motora com a prática do esporte
SERVIÇO INSTITUTO SOMAR
Aulas às terças, quintas e sábados Modalidades: Surfe, das 8h às 9h30; atividades de lazer, das 9h30 às 14h. Local: Canto da Praia do Forte, em frente ao Bar do Lido, Cabo Frio, Região dos Lagos. Contato: www.somarturismoadaptado.com (22) 98803-3518 / (22) 98818-1408 / somar@somarturismoadaptado.com *Possível marcar outros horários para as atividades entrando em contato com o instituto. *Atividades funcionam de acordo com as condições climáticas e das marés.
ADAPT SURF
Sábados e domingos, das 10h às 15h. Local: Aos sábados, em frente ao Posto 2 da Praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio; aos domingos em frente ao Posto 11 da Praia do Leblon, Zona Sul do Rio. Contato: http://adaptsurf.org.br/ (21) 2239-1737 / (21) 99305-7707 / contato@adaptsurf.org.br *Atividades funcionam de acordo com as condições climáticas e das marés.
PRAIA PARA TODOS
Atividades funcionam somente de dezembro a abril. Aos sábados e domingos, das 9h às 14h. Local: Em frente ao Posto 3 da Praia da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio; e em frente à Rua Júlio de Castilhos, na Praia de Copacabana, Zona Sul do Rio. Contato: www.praiaparatodos.com.br/index.html contatonovoser@gmail.com *Atividades funcionam de acordo com as condições climáticas e das marés. *Lista de atividades: Barra da Tijuca: banho de mar, frescobol adaptado, vôlei sentado e piscina infantil. Copacabana: banho de mar, handbike, stand up paddle e piscina infantil.
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SAÚDE
AUTOESTIMA TATUADA
Ações amenizam tratamento de mulheres com câncer de mama
TEXTO BUANNA ROSA FOTOS THIAGO LONTRA
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câncer de mama afeta muitos aspectos da vida do paciente. Além da insegurança sobre a superação da doença, há o golpe sobre a autoestima pela queda de cabelo e retirada dos seios, em muitos casos. Ao mesmo tempo em que a medicina avança para melhorar o diagnóstico e o tratamento, iniciativas surgem para mudar a forma de olhar para as suas marcas. Alguns desses projetos estão disponíveis aqui no Rio de Janeiro. Em Nova Friburgo, na Região Serrana, o projeto Reflorescer, criado pelo tatuador Rodrigo Catuaba restaura a aparência dos seios cobrindo cicatrizes deixadas pela cirurgia de mastectomia. O profissional, especializado em tatuagens realistas, reserva as manhãs de segundas-feiras para atender gratuitamente a duas mulheres em seu estúdio. A técnica de Rodrigo consiste em refazer mamilos, resgatando o formato e a tonalidade anterior à cirurgia e também encobrir com desenhos as marcas que incomodam. O projeto, que existe desde 2013, já atendeu a mais de 300 mulheres de todo o país, inclusive do Pará, Brasília e Manaus. Entre as tatuadas está Simone Funari, musa inspiradora da ação. “Quando vi o meu seio tatuado pela primeira vez, eu me emocionei. Não imaginava que ficaria tão perfeito. Vol-
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DADOS
59 MIL Casos de câncer de mama eram previstos em 2019, segundo estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
8.050 Diagnósticos registrados no Estado do Rio, em 2018, e todos em mulheres.
1% Total de casos de câncer de mama em homens.
tei a curtir o meu corpo novamente. Os seios de uma mulher mexem muito com a sua autoestima”, afirmou. Rodrigo conta que viu Simone “renascer” depois de tatuar seu peito. “Quando ela me procurou, há seis anos, eu a atendi como qualquer outro cliente. Durante o trabalho, ela me contou como foi o processo de tratamento da doença, e não tive como não me comover com a história. No final da tatuagem, Simone disse que a partir daquele momento voltaria a se sentir completa. Foi aí que tive a certeza de que esse projeto teria que existir”, contou o tatuador. Atualmente, ele conta com uma disputada agenda de marcação própria para o projeto. Para reservar uma data é preciso ligar para o estúdio e ter um laudo médico que autorize o procedimento. Rodrigo adiantou que a visão dos médicos quanto ao projeto tem mudado ao longo dos anos. “Muitos já indicam a tatuagem antes mesmo de propor a reconstrução da mama por cirurgia plástica. Fazemos um trabalho detalhado e em 3D. Copio o mamilo preservado ou peço fotos e busco referências para que a tonalidade e o formato do bico sejam idênticos ao natural, o que garante mais sucesso do que muita cirurgia estética”, explicou o profissional. Para atender a tantas mulheres, Rodrigo trabalha em parceria com o tatuador Diego Belmiro, que se dedica
SONHO REALIZADO Daniele diz que receber a sua peruca cacheada foi um sonho: “Estou me sentindo linda novamente”
todos os horários de atendimento das segundas-feiras para tatuar mulheres mastectomizadas.
ARTE REPARADORA Rodrigo Catuaba (em cima) e Diego Belmiro se especializaram em tatuagens restauradoras de mamas apenas às cicatrizes. “O meu trabalho é basicamente disfarçar os sinais ou dar visibilidade a outra área do corpo para que as marcas da cirurgia não chamem tanta atenção. As tatuagens variam muito, e eu preciso adaptar o desenho a cada cicatriz , por isso acabo ficando um pouco limitado. Mas já fiz uma fênix em uma cliente que não tinha nenhum dos dois seios. Foi a tatuagem mais desafiadora que elaborei”, lembrou o profissional. A dupla leva de 30 minutos a duas horas para realizar cada trabalho. Com esse tempo é possível atender, em média, cerca de oito mulheres por mês. No entanto, em outubro (mês de combate ao câncer de mama) essa estatística muda. Rodrigo e Belmiro separam
PERUCAS ON-LINE A perda de cabelo é outro estigma de quem se submete à quimioterapia, evidenciando a luta contra a doença, que nem sempre se quer tornar pública. Desde 2011, a Fundação Laço Rosa mantém um banco de perucas on-line. O projeto, com sede no Centro do Rio, doa, gratuitamente, perucas para pacientes em quimioterapia no país todo. Para conseguir a doação, a paciente precisa entrar no site da fundação, preencher um cadastro e especificar como deseja sua peruca. O cardápio de cores vai do castanho preto até o grisalho. Foi em julho deste ano que a confeiteira Daniele Cristina dos Santos, de 32 anos, conseguiu ter em mãos a sua peruca cacheada. “O cabelo é a moldura do rosto e receber uma peruca feita para mim do jeito que eu queria foi um sonho. Pela primeira vez, estou com os meus cabelos cumpridos até o ombro e me sentindo linda novamente. Esse acessório que para muitos pode não parecer importante, para mulheres que enfrentam o câncer de mama ele é um troféu”, concluiu. A gerente de relações institucionais da Laço Rosa, Patrícia Bullé, conta que, por mês, são entregues mais de 80 perucas em todo Brasil e que a demanda
maior ainda vem do Rio. “As cariocas são as que mais procuram a fundação. Aqui damos palestras, marcamos rodas de conversa e realizamos a cada três meses um curso de formação de peruqueiro. Além da paciente poder acompanhar o processo e entender como é feita a peruca, ela pode se inscrever no curso e escolher qual aluna vai costurar seus novos cabelos. Há uma troca incrível nessa experiência”, relatou Patrícia. ALERJ APOIA CAMPANHAS DE PREVENÇÃO A DOENÇAS A Alerj tem apoiado campanhas institucionais que chamam a atenção do público para cuidados de prevenção contra doenças como a depressão (Setembro Amarelo), o câncer de mama (Outubro Rosa) e o câncer de próstata (Novembro Azul). A Casa ilumina a fachada do Palácio Tiradentes com as cores dessas campanhas para chamar a atenção e esclarecer a população. No ano passado, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher promoveu uma intensa programação com atividades para marcar o Outubro Rosa. “A luta da comissão e desse parlamento será sempre por mais mamógrafos, pelo direito da mulher aos exames, e por um atendimento público mais humanitário”, afirma a presidente da Comissão, deputada Enfermeira Rejane (PCdoB). DIÁLOGO
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ARTES
A RUA COMO PALCO DA ARTE T EXTO TIAGO ATZEVEDO FOTOS OCTACÍLIO BARBOSA
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e uma casa humilde em uma rua periférica de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, vem o sorriso largo do palhaço negro de 1,85m de altura. Por trás dos sapatos gigantes, do nariz preto e da voz engraçada vive o ator, produtor e artista de rua Wildson França, o Wil, de 39 anos, que nos trens, ruas e praças da região é conhecido como Will Will das Candongas. O nome do palhaço faz referência a um ídolo de infância, o Trapalhão Mussum. “Lembro-me muito de uma cena clássica do Mussum sambando e dizendo ser o Mumu da Mangueira.
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E uma vez falei que eu era o Will Will das Candongas - que significa querido, amado”, conta. A referência ao Trapalhão mangueirense não está só no nome. Para Wil, Mussum representa o humor vindo da periferia, negro, pobre, a figura do malandro, o sambista. “Assim como o Mussum, tenho o perfil físico que carrega um estereótipo de quem vai cometer um crime... do bandido. Mas ao contrário do que esperam, paro uma pessoa na rua para fazê-la rir. É uma forma de falar sobre preconceito também”, explica o artista. A arte de rua não foi uma opção. O artista conta que a falta de mercado de trabalho, o preconceito e as dificulda-
des financeiras fizeram nascer o Will Will das Candongas. “Foi sobrevivência. A única possibilidade que eu tive em um momento da minha vida foi a rua, a palhaçaria. E hoje não quero sair de lá, pelo contrário, desejo ter o direito garantido de continuar me apresentando na rua, no trem. A rua é onde as coisas acontecem. Onde tem o senso completo e verdadeiro de democracia”, afirma o ator, que se apresenta nas ruas há dois anos. A ARTE DA COMUNHÃO Dificuldades financeiras e problemas sociais não fizeram com que Wildson França perdesse o senso de comunhão. Mesmo dentro de suas limitações, o
Os artistas de rua Wildson França (E) e Ian Felipe se orgulham de levar entretenimento e alegria às pessoas ator encontra tempo e energia para ajudar outros artistas que, assim como ele, não encontraram espaço no mercado de trabalho. É o caso do músico Ian Felipe, 22 anos, também morador de Belford Roxo. Ele já tocava saxofone nas ruas da Baixada quando conheceu Wil. Os dois se tornaram amigos e, com a ajuda de Wil, nasceu o Palhaço Avoado, que é parceiro de trapalhadas do Candongas. Para Ian, apresentar-se na Baixada é uma forma de contribuir com a vida cultural da região. “Aqui, tudo que é relacionado à vida artística é escasso. É difícil para a população daqui ter acesso à arte, que é muito importante para o desenvolvimento da sociedade”, afirma o músico, usando o próprio exemplo para destacar o valor da arte. “O povo pobre cresce vendo e vivendo violência. Se for só isso, a gente fica violento também. A arte abre nossa mente, como abriu a minha. Tive uma juventude conturbada e a música me ajudou. Salvou minha vida!”, revela Ian. A dupla de palhaços segue se apresentando nas ruas, praças e transporte público, de acordo com os dois,
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A única possibilidade que eu tive foi a rua, a palhaçaria. Hoje, não quero sair de lá. Wildson França Artista de rua
são sempre muito bem aceitos pela população, que retribui com alguma quantia em dinheiro, ou simplesmente com um sorriso, que segundo eles é tão recompensador quanto a ajuda financeira. Em paralelo a isso, os palhaços andantes ajudam outras pessoas ensinando palhaçaria, teatro, música e, acima de tudo, cidadania. DA GRÉCIA ANTIGA AO TEATRO DO OPRIMIDO A praça de um velho mercado da cidade de Atenas estava cheia. Era o século
VI (a.C) e a Grécia toda festejava a safra da uva, como acontecia anualmente com os festivais em homenagem ao deus Dionísio. De repente, um homem chamado Téspis escondido atrás de uma máscara, subiu em uma carroça e chamou atenção de todos ao gritar: “Eu sou Dionísio”! Aquela intervenção teria causado um enorme alvoroço entre os atenienses, que acreditaram estar diante do deus do vinho. Segundo pesquisadores, assim nasceu o teatro, em praça pública, entre os cidadãos que circulavam pelas ruas. Ao longo dos séculos, diversas manifestações artísticas foram criadas. Teatros, casas de shows, galerias de arte, cafés...os mais diversos espaços abrigam artistas e obras. Mas as ruas e praças públicas continuam vivas para a arte e são palcos ao ar livre no mundo todo. Aqui não é diferente, um dos principais nomes da arte de rua no país vive no Rio de Janeiro, Amir Haddad, 82 anos de vida, 60 de teatro, há 40 anos se dedica ao teatro de rua. Foi no início da década de 80 que Amir criou o grupo Tá na Rua. Com sede na Lapa, o grupo se apresenta em praças, comuDIÁLOGO
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ARTES nidades e palcos a céu aberto pelo país. Assim como Téspis, na Grécia antiga, as apresentações do grupo de Amir Haddad surpreendem quem passa pelas ruas. Com ousadia e irreverência, quebram o cotidiano das pessoas, apresentando o que chamam de pós-teatro. “Téspis nos traz a possibilidade de fazer o teatro onde quiser. Você não precisa esperar nenhuma autorização, edifício, subvenção, incentivo de um ou de outro para fazer teatro. Você bota uma máscara, vai lá e faz o deus Dionísio, como Téspis fez”, afirma Amir. O diretor diz que trabalha nos espaços públicos para tentar resgatar a liberdade perdida no teatro das salas fechadas, dos “espetáculos privatizados para uma elite ou para um grupo que pode ter acesso e pagar por essa arte”. No entanto, Amir Haddad alerta que a pessoa que passa pela rua não pensa na responsabilidade social daquelas apresentações. Para Amir, a arte de rua poderia se integrar às estratégias de segurança pública. “A arte pública, da rua, tem tanta importância para a ordem pública quanto a polícia, por exemplo. Não haveria melhor parceiro para a ordem social do que artistas de rua se apresentando pela cidade o tempo todo” explicou o diretor, afirmando que, em 40 anos, nunca passou por qualquer tipo de violência durante as apresentações, como assaltos ou assédio. Em 2018, a Assembleia Legislativa do do Rio (Alerj) aprovou a Lei 8.120, de autoria do deputado André Ceciliano (PT), que permite apresentações artísticas nos transportes públicos. No entanto, em junho de 2019, uma determinação judicial proibiu essas performances em barcas, metrô e trens, mas a Alerj recorreu da decisão e espera reverter a situação. O assunto divide opiniões: enquanto alguns não aprovam a atuação de artistas nos transportes, outros a consideram um agradável entretenimento e apoiam a lei. Amir Haddad explica que impedir artistas de se apresentarem no transporte público entristece a viagem. “É tão triste uma viagem dentro do metrô, subterrânea, silenciosa, com uma população mergulhada em seus problemas. Se você bota uma explosão artística ali dentro, o que isso pode ser prejudicial às pessoas? Falam que estão atrapalhando o sossego de quem tá viajando. Qual é o sossego que você está preservando? Qual é o sossego de um passageiro de metrô numa cidade 34
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Amir Haddad, com 60 anos de teatro, é criador do renomado grupo Tá na Rua
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Qual o sossego de um passageiro de metrô? O que ele precisa? De subterrâneo ou de vida? Amir Haddad Diretor de teatro
como o Rio de Janeiro? O que ele precisa? De subterrâneo ou de vida, de alegria?”, questiona o artista. O Grupo Tá Na Rua realiza semanalmente o Fórum Carioca de Arte Pública. Amir Hadadd participa dos encontros, onde recebe artistas de diferentes segmentos e regiões para debaterem temas relacionados ao trabalho desenvolvido nas ruas. As reuniões são às segundas-feiras, a partir das 19h, e o grupo fica na Av. Mem de Sá, 35, Lapa - Rio de Janeiro.
NOVO CIRCUITO CULTURAL NO RIO PALÁCIO TIRADENTES | PAÇO IMPERIAL | MUSEU NAVAL | MUSEU DA JUSTIÇA | CASA FRANÇA-BRASIL | MUSEU DA IMAGEM E DO SOM | MUSEU HISTÓRICO NACIONAL | IGREJA DA SANTA CRUZ DOS MILITARES | CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL | INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA | CENTRO CULTURAL DOS CORREIOS
Iniciativa da Alerj, o roteiro reúne 11 museus e espaços culturais no entorno da Praça XV, proporcionando uma viagem pela história do Brasil e do Rio de Janeiro. O passaporte deve ser retirado no Palácio Tiradentes, aos fins de semana e feriados. Informações e visitas em grupo: telefones 2588-1251 ou 2588-1393.
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PALÁCIO TIRADENTES
UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA DO PAÍS
PARTICIPE DA VISITA GUIADA!
SERVIÇO: Exposição permanente: Palácio Tiradentes, memória do Parlamento brasileiro. Rua Primeiro de Março, s/n - Praça XV – Centro. De segunda-feira a sábado, das 10h às 17h. Domingos e feriados, das 12h às 17h. Obs: acesso para cadeirantes pela Rua Dom Manuel, s/n, Praça XV. Mais informações pelo site da Alerj www.palaciotiradentes.rj.gov.br/visitaguiada