Revista Advertising 170

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ALMANAQUE DITO POR AÍ

Pense nisso antes de roubar O anúncio da Petrobras veiculado em 1975 faz um apelo contra o desperdício ao lembrar quanto tempo o combustível fóssil leva para ser formado na natureza, e como é caro descobri-lo. Poderia ter citado também os custos de exploração, armazenamento, refino e distribuição, mas o País era, sobretudo, exportador de óleo cru e importador de gasolina (o que, em certa medida, persiste). A primeira grande crise do setor, provocada pelo expressivo aumento de preços por parte da OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo, no início daquela década, fez o mundo enfim se dar conta de que se tratava de uma fonte de energia não renovável. No final dos anos 1970, os brasileiros enfrentariam racionamento de combustíveis, com cotas por veículo, postos fechados aos finais de semana e,

claro, preços lá em cima. Se fosse feito nestes tempos de Petrolão, o anúncio bem que poderia, à frase “pense nisso antes de desperdiçar”, acrescentar: “...e de assaltar os cofres da Petrobras.”

Europa Filmes

NICK MARSHALL Nick Marshall (Mel Gibson) é um típico machão que se acha no filme Do Que as Mulheres Gostam (What Women Want, 2000). Criativo de uma grande agência de propapaganda, assinou campanhas memoráveis que lhe valeram fama na área. De repente, Nick se vê despojado de seu posto de número 1 com a chegada de um novo diretor de criação acima dele. Pior: uma mulher, Darcy Maguire (Helen Hunt). Sob pressão para criar peças geniais dirigidas ao público feminino, Nick sofre um acidente e passa ouvir os pensamentos delas. Um dom, mas também um pesadelo, é claro.

“O que mata uma doninha é a publicidade que ela faz de si própria.” Abraham Lincoln (1809-1865)

“Cuidar naturalmente de seu povo, onde quer que seja, não seria a melhor propaganda de bons políticos?” Lya Luft

“A filosofia por trás de muita propaganda é baseada na velha observação de que todo homem é na realidade dois homens: o que ele é e o que ele quer ser.” William Feather (1889-1981)

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Sem pretexto A Sexy, publicada pela Editora Rickdan, anunciou uma medida que acabará com a manjada desculpa dos marmanjos para comprar este tipo de revista: a partir da edição de julho, deixará de publicar conteúdo em texto para exibir exclusivamente ensaios fotográficos femininos. Trata-se de mais uma guinada na linha editorial na tentativa de sobreviver à crise dos impressos. Há apenas dois anos a revista percorrera caminho inverso, com a inclusão de entrevistas e reportagens sobre assuntos variados, como comportamento, turismo e gastronomia.

A cor mais feia Um estudo realizado em 2012, na Austrália, apontou como a cor mais feia do mundo a opaque couché (448C na escala Pantone). O objetivo era escolher a cor ideal para a implantação das carteiras de cigarros padronizadas, nas quais variam apenas dados como a marca e o fabricante, entre outros, e que estampam, é claro, as tradicionais ilustrações assustadoras. A França e a Grã-Bretanha já adotaram a ideia, que certamente não tardará a chegar ao Brasil.

Mobile cresce O lançamento do Mobile View, que promove a integração dos conteúdos impresso e digital, fez a receita

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Paramount

MIX

O potencial da tartarugas Uma ação diferenciada foi elaborada pela Ogilvy Brasil para a Paramount visando ao lançamento de As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras, com estreia em 16 de junho. O pacote inclui ações promocionais, intervenções out of home e parcerias com empresas para a utilização dos personagens em seus produtos. No caso da mídia OOH, além de adesivagem de mobiliário urbano, envelopamento do túnel do metrô de São Paulo no trecho Paulista-Consolação, de trem do metrô e ônibus no Rio. Entre as iniciativas mais convencionais,

destacam-se as parcerias firmadas com empresas como Riachuelo, Vivo, Itaú, Baggagio, Ri Happy, Pizza Hut, PB Kids, Hortifruti, Webmotors, Telecine, Sorvete Brasil e vários shoppings em todo o País, na maioria dos casos com distribuição de ingressos grátis mediante compra de produtos e serviços, e também troca por mídia. A volta dos inusitados heróis Michelangelo, Donatello, Leonardo e Raphael é uma sequência do longa lançado em 2014 e traz, mais uma vez, Megan Fox no papel da jornalista April O’Neil.

publicitária da Veja crescer 30%. “O Mobile View é a melhor forma de mostrar como o digital pode representar uma adição ao impresso”, afirma Walter Longo, presidente do Grupo Abril. A edição nº 2.479, que trouxe como matéria de capa a “pílula do câncer”, no final de maio, teve 17 conteúdos com interações digitais e 14 inserções comerciais por meio da nova ferramenta. Para acessar o conteúdo interativo utilizase o Blippar, aplicativo já baixado por 65 milhões de pessoas. Basta apontar a câmera do celular ou tablet para a página e ter acesso a conteúdos digitais exclusivos.

Instagram na briga A primeira campanha publicitária do Instagram sob domínio do Facebook terá como palco de estreia a França e incluirá pôsteres e displays OOH, anúncios digitais e peças para o cinema. Imagens e vídeos do cotidiano de usuários do aplicativo serão o elemento principal da campanha. Cabe lembrar que a França é sede da Euro 2016, realizada de 10 de junho a 10 de julho. Os jovens daquele país, como de tantos outros ao redor do mundo, utilizam intensamente o Snapchat, em detrimento de redes sociais como o próprio Instagram, o Facebook e o Twitter.


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MIX Divulgação

nhas mãos”, diz a moça na peça. Faltou “aquela cujo vídeo transando no mar viralizou e ela tentou proibir”. Ok, isso é rotular. Júnior Lima, o “irmão da Sandy” (mais um rótulo), que foi bastante rotulado em relação à vida pessoal e suas opções, é outro garoto-propaganda da campanha.

A próxima vítima

O principal polo financeiro do Brasil agora também é território do Sicredi. O banco inaugurou, em 9 de maio, a primeira agência de uma instituição cooperativa de crédito na conhecida avenida Paulista. A ocasião marcou,

O valor de uma conquista (1) O título de campeão inglês da temporada 2016-17 rendeu ao Leicester City não apenas a alegria de seus torcedores, a simpatia dos amantes de futebol em todo o mundo – quem não torce pelo pequeno, quando seu clube não está envolvido? – e a eventual inveja dos adversários. De acordo com o relatório anual Brand Finance Football 50, que acaba de ser divulgado, o clube teve a maior alta no ranking das 50 marcas mais valiosas do futebol. Avaliada em US$ 237 milhões, com crescimento de 132% em relação ao ano anterior, pulou da 42º para a 16º posição.

O valor de uma conquista (2) O Manchester United, que acabou a Premier League somente na quinta colocação, 15 pontos atrás do campeão

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ainda, a estreia na nova logomarca do Sicredi – o reposicionamento deve ser feito nas 1,4 mil unidades do banco cooperativo ao longo de dois anos. A instituição tem, atualmente, 3,2 milhões de associados.

(81 a 66), manteve-se no topo do estudo da consultoria Brand Finance, avaliado em US$ 1,170 bilhão. Em seguida vem Barcelona (US$ 993 milhões) e Manchester City (US$ 905 milhões). Fechando o Top 5 aparece o Bayer de Munique (US$ 867 milhões). Entre os 50, a maioria é da Grã-Bretanha. Nenhum brasileiro aparece no ranking.

Cicarelli, a rotulada Assinada pela LDC (ex-Loducca), a nova campanha da Nextel, “Tá nas Suas Mãos”, promove o retorno ao vídeo de Daniella Cicarelli. A ideia é combater rótulos de todo tipo que colam nas pessoas. “A modelo que não deu certo como atriz nem como apresentadora. Aquela que teve um casamento relâmpago com um ídolo mundial. A que ficou na geladeira, que sumiu. Rótulos não vão me definir. O que me define sou eu. Isso tá nas mi-

Fox

Em grande estilo

Mais uma peça comercial foi vítima da patrulha politicamente correta. Desta vez, sobrou para a Fox, produtora do filme X-Men: Apocalypse. A peça, que mostra o vilão do título (interpretado por Oscar Isaac) esganando a personagem Mística (Jennifer Laurence), foi considerada um estímulo à violência contra as mulheres e recebeu milhares de críticas mundo afora. “Assim que percebemos o quanto era insensível, rapidamente tomamos medidas para remover esses materiais”, desculpou-se a Fox em comunicado.

Ali, o bom de mídia Muhammad Ali, que morreu em 3 de junho, aos 74 anos, além de maior pugilista de todos os tempos e personalidade marcante do século XX por suas posições políticas, foi um tremendo garoto-propaganda. Sua imagem altamente popular e querida do público foi explorada por dezenas de marcas em todas as mídias. Na TV, estrelou anúncios, entre outras, de empresas como Adidas, Gatorade, Apple, IBM e Pizza Hut.


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AQUÁRIO

SUMÁRIO

Todos os homens do presidente! Julio Ribeiro julioribeiro@terra.com.br

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ob Woodward e Carl Bernstein entraram para a antologia do jornalismo mundial ao investigarem o ocorrido na sede do partido Democrata em Washington, em 17 de junho de 1972. O fato – a invasão dos escritórios do edifício Watergate, por cinco “encanadores”, no início da madrugada – poderia ter sido tratado apenas como mais uma tentativa de roubo, como tantas outras que acontecem, diariamente, em qualquer cidade do mundo. E foi tratado mais ou menos assim pela maioria dos veículos de imprensa americanos, mais preocupados com os atos de campanha da possível reeleição de Nixon à Casa Branca. Os dois jornalistas do Washington Post fizeram mais. Desconfiaram do caso, como qualquer bom jornalista deveria fazer sempre. Desconfiança é uma atitude fundamental no jornalismo. O resto da história todos sabemos, as investigações “seguiram o dinheiro” e chegaram até o comitê financeiro da campanha de Richard Nixon. Pouco mais de dois anos depois, em 9 de agosto de 1974, ele renunciou para não ser “impichado” pelo Congresso. Visto assim de longe – no tempo e no contexto político e cultural – a maioria dos brasileiros vai pensar: mas o presidente americano renunciou apenas porque pagou cinco caras para espionar a campanha adversária? Isso até parece história infantil aqui no Brasil. Outro dia acharam um grampo desativado no gabinete do Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, e a coisa ficou por isso mesmo, sendo que é o mesmo gabinete antes utilizado pelo ex-ministro Joaquim Barbosa, que iniciou o desmonte das quadrilhas acolheradas no governo federal e no Congresso. Em 2008, outro ministro da Suprema Corte, Gilmar Mendes, teve uma conversa sua gravada pela ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, e nada aconteceu. Por que nenhum jornalista foi atrás para saber quem fez todos esses grampos, com que objetivo, a mando de quem? Essa é a grande questão que levantamos na matéria de capa desta edição 170 da Press. Por que há tão pouco jornalismo investigativo em Brasília? Como a maior empresa estatal da América Latina foi sangrada em dezenas de bilhões de dólares e nenhum jornalista desconfiou de nada? Vá lá, chuparam bala e coisa e tal, mas por que ninguém está investigando, por exemplo, as operações do BNDES, sobre as quais há inúmeros indícios de irregularidades, favorecimentos e roubo? Por que o silêncio sobre Angra III? Por que não se investigam todos os homens do presidente? Ou da presidenta? (E todas as mulheres, também, para que as feministas não reclamem!). Por quê? Falta de apetite para a profissão? Simplesmente preguiça, ou teriam os nossos colegas, dos grandes veículos especialmente, aproximado-se demais do poder a ponto de perderem o senso crítico e o faro pela notícia?

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Almanaque

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Mix

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Mix

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Aquário

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Entrevista: Cleber Benvegnú

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Capa: Marcas que resistem às crises

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Marcas: Case Renner

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Grandes Nomes: Oliviero Toscani

28 Opinião: Lucio Pacheco 29

Opinião: Alberto Meneghetti

30 Galeria: Vick Va-tro-nol

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A capa desta edição foi criada pela Agência Vossa Estratégia Comunicação Criação: Rhaoni Ruckheim Direção de criação: Luiz Henrique Rosa

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA JOSÉ DE ALENCAR, 521/606 PORTO ALEGRE CEP 90880-481 FONE/FAX (51) 3231 8181

Editor ELIZIÁRIO GOULART ROCHA

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA DESIGN Imagens: Fotografia: Jefferson Bernardes/ Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 9971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.


Empresaretranqueira retranqueira Empresa

Dica de futebol para as empresas:

Quer vencer ou vai escalar 10 zagueiros?

A comparação pode ser simplória, mas a crise é como um jogo de futebol. Um jogo que ficou muito mais duro do que você esperava. O gol adversário parece menor que o seu, o outro time parece ter mais jogadores. E, para piorar, você está perdendo. Mas lembre-se: você é o técnico. E já venceu várias outras partidas. E tem mais: continua sendo uma partida de futebol. O que você vai fazer? Vai tirar todos os atacantes e montar o time com 10 zagueiros, todo mundo lá atrás, esperando? Se fizer isso, a certeza que resta é uma só: você vai perder. Se você quer aumentar a sua chance de vencer, continue jogando. Mude a tática da sua empresa, repense os jogadores – mas nunca pare de jogar. A história comprova que anunciar em tempos difíceis reforça sua posição de negócio e ajuda a perder menos vendas – até porque seus concorrentes podem estar

parados e há menos disputa pela atenção do consumidor. Ou seja, há ainda mais espaço para seu investimento trazer maior retorno. Em todas as recessões que o Brasil enfrentou, sempre houve empresas que ganharam mercado e vendas. Empresa Empresa que vai quecima. vai para

para cima

Nenhuma delas fez isso ficando lá atrás. Veja os cases de quem não temeu a crise em: www.facebook.com/abapnacional

Anuncie. E deixe a crise para os outros. uma iniciativa


ENTREVISTA CLEBER BENVEGNÚ

“Melhor explicar o jeito do Sartori do que ter de explicar corrupção, desmandos, irresponsabilidades” Eliziário Goulart Rocha e Julio Ribeiro Fotos: Alex Rocha / Palácio Piratini

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ENTREVISTA Aos 37 anos, o secretário de Comunicação de José Ivo Sartori, Cleber Benvegnú, tem a difícil missão de divulgar as ações do governo em um momento de crise econômica, atrasos nos salários dos servidores, graves problemas de segurança pública, entre tantos outros, desafio que se torna maior pelo modo por vezes peculiar e despojado de se manifestar do governador. Graduado em jornalismo pela PUCRS e em direito pela Unisinos, tornou-se empresário no setor de comunicação em 2005, depois de passar pelo banco HSBC e atuar como assessor executivo no BRDE e no Banrisul. Nesta entrevista à Advertising, o secretário destaca a necessidade de arrumar a casa, mas afirma que o governo também pretende deixar sua marca em várias áreas. Em um ano e meio de governo, o que está sendo mais difícil do que você imaginava e o que está sendo mais fácil? A comunicação trabalha com assuntos, então, acaba fazendo sempre um trabalho de gestão, fazer com que o governo tenha uma decisão a ser divulgada. Nossa principal dificuldade neste período tem sido a velocidade em que é possível o governo tomar decisões que possamos comunicar. Porque são decisões complexas. Vejam, por exemplo, o assunto das concessões: quanto tempo leva para podermos colocar isso na rua? O processo ainda não foi deflagrado porque depende de uma série de fatores. Tivemos, neste um ano e meio, uma velocidade menor do que o governo gostaria. Por outro lado, temos uma estrutura de Secretaria de Comunicação, como do governo em geral, da década de 1980, e isso sendo generoso. É uma estrutura departamentalizada, que olha por setor, que não faz o raciocínio a partir de pautas, tem setor de fotografia, setor de rádio e televisão, redação, e hoje essa lógica não funciona, a comunicação é muito mais multimídia, muito mais integrada, então há uma dificuldade de operação que estamos começando a enfrentar. Isso se dificultou também por uma questão de logística, a Secom havia sido retirada do Palácio, transferida para a Rua Riachuelo.

O meu gabinete precisou voltar para cá, então temos este problema de operação. Nós não divulgamos ainda, mas estamos trabalhando para que volte tudo para cá e com a recuperação do Palácio, com os recursos sendo obtidos por meio das leis de incentivo, principalmente da Lei Rouanet, de recuperação do patrimônio histórico. A idéia é institucionalizar o porão (como é tradicionalmente chamado o subsolo do Palácio Piratini) como uma sede da comunicação pública do Rio Grande do Sul. O local já abriga o Museu da Legalidade, por exemplo. Exato, mas queremos transformá-lo efetivamente em espaço institucional da comunicação. E só vai funcionar se tiver um ambiente adequado, um traço histórico, que comunique isso visualmente também, e que seja um lugar digno para os funcionários trabalharem. Hoje não há condições para isso, as instalações são muito precárias. Algo surpreendeu por ser menos complicado do que esperava? Estou lidando com a comunicação aqui de um jeito que tem muito a ver com meus valores de vida, como a transparência. Sartori não aceita balãozinho, a teoria da agenda, o espetáculo. O governador é muito reticente a qualquer uso da comunicação para sinalizar algo que não seja absolutamente cru e verdadeiro. A população percebe isso ou entende como falta de ação? Creio que podemos ter, neste um ano e meio, uma avaliação negativa por parte significativa da população devido às dificuldades estruturais, com nós muito grandes a desatar. A narrativa do nosso governo não é feita de entregas concretas tipo obra, estrada, escola. Até fizemos isso, mas a nossa narrativa é de arrumação da casa, e a percepção disso é mais difícil. Historicamente, o trabalho de governos que fazem isso, ajustes fiscais, arrumação da casa, demora a aparecer. A comunicação trabalha para que o governo tenha que imagem ao final do mandato?

Acho que a população percebe um jeito, um estilo de governar diferente. Realmente, abriu-se mão do espetáculo, mas é claro que a população está esperando mais, não estamos naquela ilha da fantasia em que a população está encantada com o governo. Estamos vivendo uma crise nacional que atingiu de cima a baixo todos os governos. Mas tenho certeza de que aqui há uma percepção de seriedade, transparência. O governo do Rio Grande do Sul não está brincando com dinheiro público, não está prometendo coisas demagógicas que vão deixar um rombo nas contas do Estado. Não está dado aumentos e fazendo nomeações à la vontê como foi feito no passado, para fazer bonito com este ou aquele setor e quebrar o Estado de novo. Nós temos um governo sério. Acredito que essa percepção a população tem. Haverá tempo para fazer com que, além da questão da seriedade, as pessoas tenham percepção de que o governo levou o Rio Grande adiante? Sim, tem que dar. Provavelmente não conseguiremos fazer tudo que queremos. A lógica que nos move não é a lógica eleitoral, e sim a de deixar um legado para o Estado. Isso faz muita diferença, incluindo a comunicação. O governador Sartori vem dizendo, desde o primeiro dia, que melhorar os indicadores do Estado não é obra para um governo só, nem para um homem só. É um discurso diferente. O convencional na política, de modo geral, e vivemos isso nos quatro anos anteriores, é tentar fazer em quatro anos a imagem de uma redenção da lavoura do Estado. Então, primeiro, calibrando expectativas, não faremos isso, não é isso que queremos. Nós queremos, é claro, deixar uma boa percepção em termos de comunicação, mas, sobretudo, entregar um Estado melhor, com mudanças estruturais de fundo, que já começaram a acontecer. Lei de Responsabilidade Fiscal, previdência complementar, concessões, Lei dos Desmanches, são mudanças de fundo que deixarão um legado para o Estado. Previdência complementar levará uns 20 anos para dar efeito, mas é uma luta que há dez, 15 anos os governos não conseguiam aprovar e nós aprovamos. Lei de Responsabilidade Fiscal

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Estadual: a partir de agora o governador não pode mais dar aumento para o governo seguinte pagar, como se fez durante muito tempo e, tantas vezes, de maneira irresponsável. O crescimento da receita não pode mais ser todo destinado à folha. Historicamente, todo crescimento de receita, por economia ou por aumento de imposto, acabava em um ano ou dois completamente direcionado para a folha de pagamento. Agora é preciso ter equilíbrio, uma parte vai para a folha, sim, e uma parte é destinada a investimentos. O desafio do governo, para deixar suas marcas, é fazer quatro ou cinco grandes entregas. Segurança pública é a primeira? Na questão dos presídios, por exemplo, está em gestação um trabalho para fazer transação de imóveis públicos por vagas prisionais junto a grandes investidores da iniciativa privada. É muito complexo porque o Estado, incrivelmente, não tem um levantamento de seu patrimônio de modo que você aperte um botão e consiga a lista. O cadastro é disperso e desorganizado, estamos fazendo este levantamento, com foco principalmente em vagas prisionais. Segurança pública: estamos com um problema de investimentos, o governo está analisando, e deverá anunciar em breve, aprimorar ainda mais a gestão do gasto para direcionar mais investimentos para a segurança pública. Quais as outras áreas? Ainda há uma discussão interna no governo para definir bem suas grandes marcas. Mas concessões é outra área em que haverá legado, vamos avançar neste modelo, consultar a iniciativa privada, fazer os projetos e colocar na rua. Acontece que a iniciativa privada não tem interesse em todas as rodovias, porque algumas não são rentáveis. As rentáveis são geridas pelo DAER... Pois é. A EGR (Empresa Gaúcha de Rodovias) foi modernizada para poder captar investimentos, ser independente, foi toda reduzida, em termos de direção, cargos, custos, e reformulada também para que tenha capacidade de captar recursos internacionais, coisa que o DAER não pode fazer.

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Um dos problemas graves do Rio Grande do Sul é a força crescente das corporações. O Estado tem sido governado para elas, Como quebrar isso para oferecer mais ao gaúcho que não é professor, funcionário público de modo geral? Esse é o grande debate de fundo que o Rio Grande do Sul precisa fazer. Do que resulta o gargalo econômico-financeiro que o Estado está vivendo? Atualmente, 75% de tudo que o Rio Grande arrecada são destinados à folha de pagamento bruta. Culpa do servidor? Não, eles estão no exercício de seus direitos, dos concursos que fizeram, das vantagens que obtiveram. A culpa é de um establishment, e aí envolve todos os partidos políticos que passaram pelo poder nos últimos anos e não souberam lidar com as corporações. O resultado é um Estado maior do que a sociedade pode pagar. Essa situação se esgotou, o Estado não tem mais condições de ampliar a máquina pública de maneira geométrica, como tem feito ao longo dos últimos anos, até porque o crescimento populacional diminuiu. Precisamos fazer este debate, mas ainda não se sente grande adesão do meio político, e mesmo os meios empresariais não se sensibilizam, o meio acadêmico, enfim, a elite intelectual do Rio Grande do Sul parece ainda não estar consciente do tamanho do problema. O Estado tem 20 secretarias. Ocorre, portanto, a tentação de haver 20 governos e 20 comunicações isoladas, como em qualquer governo. O que você tem feito para integrar a comunicação e evitar, por exemplo, ter de apagar incêndios pela divulgação precipitada ou equivocada de algum fato? Esta é a nossa luta do cotidiano, tentar manter um alinhamento. No ano passado tivemos quatro seminários, não apenas com os coordenadores, mas com todo o pessoal da comunicação de todos os órgãos do governo, um dos quais teve a presença do governador, também tivemos a presença de secretários. É um trabalho permanente de puxa e estica. Nosso modelo é misto, não temos aquela centralização de regimes autoritários, em que ninguém se comunica sem passar pela Secom, porque sabemos que cada secretário é um ente político, que

tem seu campo de relações, precisa ter a liberdade de falar diretamente com alguns setores. Mas nós temos uma diretriz de comunicação que foi compartilhada com todos os secretários, fizemos os quatro seminários, acabamos de instituir uma reunião semanal com todos os coordenadores de comunicação das secretarias, o governador faz uma reunião semanal com os secretários de Estado, é um trabalho permanente. Não temos controle absoluto, mas tentamos exercer, de um jeito diplomático e educado, às vezes nem tanto, esta sintonia. Trabalhamos muito o conceito de que o governo não deve se alinhar pela imprensa. Não vai ser pela prática de plantar notinha, mandar recado, que o governo vai se pautar. Este é um valor muito forte para o Sartori e para o time, de que temos de nos alinhar para dentro primeiro, para depois nos comunicarmos, e nunca o contrário. Às vezes o governador, pelo seu jeito peculiar, despojado de se manifestar, tem suas falas amplificadas pela oposição e pela imprensa, passando a impressão de que ele disse o que não deveria. Evidentemente, a comunicação tem de correr atrás para estancar ou minimizar os efeitos. Cada vez que o governador fala você fica preocupado? O povo entende o governador... ...quem é o povo? Pessoas de classes C, D e E, eles entendem esse jeito de ele se comunicar, simples, direto, visceral, mas cru. O exercício de poder do Sartori se dá de um jeito coletivizado, compartilhado, ele tem noção do processo, sabe que não vai se redimir com facilidade com um ou dois atos espetaculosos. Ele rejeita esse tipo de atitude política, e isso é íntegro, é honesto, e é da essência dele. A primeira coisa que ele pediu à equipe, no início da campanha, foi: não me mudem. Ninguém vai mudar o filho da dona Elsa. O filho da dona Elsa eventualmente acerta, eventualmente erra. O que acontece é que as pessoas tentam enquadrar o governador em um figurino, faz parte de nossa tradição política o cara que vende milagres, que vende


ENTREVISTA

soluções imediatistas, que trará a salvação da lavoura, que terá sempre boas-novas. Estamos diante de uma figura diferente, um cara realista, visceral, que às vezes até conta piada, que gosta de não perder seu jeito mesmo diante de um quadro difícil. Agora, melhor ele explicar isso do que ter de explicar corrupção, desmandos, irresponsabilidades. Eu sou um secretário de Comunicação que não precisa se envolver com esses problemas porque meu governador não gera esse tipo de problema, de ordem ética, moral ou de arrogância. Eventualmente, alguma incompreensão é normal, sobretudo diante deste quadro que estamos vivendo no Rio Grande do Sul. De que modo a propaganda vai ajudar a Comunicação a passar esta imagem de governo íntegro, ético e etc.?

E de algumas entregas, pois teremos algumas entregas. A percepção de um governo se dá pela combinação de gestão, política e comunicação. Então, primeiro é preciso ter uma base de gestão para parar de pé; depois, uma consistência política com a sociedade e o parlamento; e aí vem o trabalho da comunicação, principalmente na área publicitária. Agora, sendo encerrado o edital e escolhidas as agência, estamos na fase de consolidar toda a nova estética visual e de linguagem do governo também na área publicitária. Manteremos o conceito de “todos pelo Rio Grande” porque ele nos identifica. Ele diz basicamente que precisamos nos salvar juntos; que o governo precisa estar ao lado da sociedade, e não acima dela; não vamos prometer o que não podemos entregar; vamos fazer o que precisa ser feito. A publicidade vai trabalhar

também em cima dos indicadores de futuro, dos legados que queremos deixar. Nós tivemos certamente o menor investimento em publicidade dos últimos anos. Não investir em publicidade não é uma política de comunicação, e sim uma contingência. Sabemos da importância da publicidade, é até obrigação legal do governo publicizar seus atos. Só que atrasando hospitais, escolas, salários, a publicidade também precisava viver este momento de contenção. Trabalhamos para tentar minimizar isso e, de maneira equilibrada, tanto quanto possível, não investir pela publicidade em si, mas se comunicar com as pessoas. A tendência do brasileiro é votar em um candidato e depois deixar tudo com ele, passar para a arquibancada e ficar só observando. Talvez o maior

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desafio da publicidade seja motivar o público a participar das decisões. Exatamente, e aqui no Rio Grande do Sul nós temos ainda o problema da falta de continuidade na gestão, o que deixa uma série de esqueletos no armário, muitos problemas a serem resolvidos. Em São Paulo, o mesmo grupo está no poder há quase 20 anos. Ao se andar pelo interior daquele Estado, percebe-se a herança em termos de rodovias, de infraestrutura. Aqui no Rio Grande do Sul, infelizmente, não temos esta continuidade. Nem falo de pessoas, mas de projeto. Temos um espírito crítico destrutivo bastante forte. Por ocasião da mudança nas alíquotas do ICMS, houve uma grande mobilização de importantes setores da sociedade gaúcha, que legitimamente vieram trabalhar contra o aumento. Mas quando, por exemplo, propusemos a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou o regime de previdência complementar, salvo algumas exceções, eles ficaram em casa. O problema das corporações no Rio Grande do Sul não é só do setor público. Outros setores da sociedade também precisam repensar seu papel. Temos grandes líderes, mas as entidades, as corporações acabaram se voltando muito para si mesmas. Não temos um projeto de sociedade que tenha continuidade. Todos gostam de debater, mas, na hora de colocar em prática, cada um puxa para si. Há décadas se fala na crise da economia gaúcha, no Estado inchado, na infraestrutura precária, no risco da falta de energia... O elevado grau de politização do Rio Grande do Sul se transformou em um elevado grau de problematização. Agora acho que chegou a hora da solucionática. Ou o Estado debate menos e faz mais, ou vamos continuar nos achando o Estado mais politizado do País para bons debates, mas poucas soluções. Para se chegar a boas soluções é preciso contrariar interesses. O círculo se fechou. O Estado não tem mais as alternativas de pegar dinheiro daqui, arranjar dali, ações judiciais, privatizações, inflação. O círculo se fechou no nosso colo, neste governo. Quando nos cobram que não oferecemos esperança, perspectiva de futuro, respondo que a melhor esperança está exatamente no enfrentamento do problema.

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Alguém tem de fazer o trabalho sujo. No primeiro dia o governador Sartori assinou um decreto determinando o contingenciamento de gastos, já debaixo de fortes críticas, de carimbos que a oposição cria e grande parte da imprensa compra, o que é do jogo, colocando o governador numa ponta ideológica onde ele não está, ele não tem esta origem. No primeiro dia ele avisou que teríamos de cortar carros, celulares, consultorias, verbas de alimentação, viagens nacionais e internacionais. Neste meio tempo, o Brasil estava em festa. Durante a campanha eleitoral Sartori já dizia “não prometo, não assino documento do Cpers”, enquanto o governo federal prometia mundos e fundos. Quando disseram que só tratariam da renegociação da dívida quando os Estados fizessem leis de responsabilidade fiscal e de previdência complementar, aí os governadores começaram a ligar para o Sartori pedindo o modelo do que havia sido feito aqui. Nós saímos na frente no en-

frentamento dessa crise. Algumas das medidas que o presidente Michel Temer está tomando agora tem a ver com medidas de responsabilidade que tomamos lá atrás. No entanto, é um conjunto de ações de difícil comunicação, de difícil percepção e deglutição pela sociedade. Qual a perspectiva de se chegar a uma redução significativa da dívida e em que dimensão isso impactará o que vocês chamam de “grandes entregas”? É um problema que o novo governo terá de encarar de frente. No discurso de posse o Temer falou disso, o ministro Henrique Meirelles tem dito que o governo precisa enfrentar esta pauta. Ainda não se sabe como isso será feito, mas o governo federal está consciente de que os Estados estão a caminho do precipício. No começo do ano passado parecia que era só o Rio Grande do Sul a atrasar salários de servidores, depois vieram Rio de Janeiro, Alagoas. Santa Ca-


ENTREVISTA tarina é o Estado em melhor situação fiscal, mas o governador Raimundo Colombo comentou: “Talvez sejamos o último na fila do precipício, mas estamos nela também”. Isso se continuarmos no atual modelo, que concentra 65% do bolo tributário na União. Estados e municípios chegaram a uma situação insustentável. Como Sartori tem dito, o Brasil não se salva se não salvar Estados e Municípios, que é onde a vida acontece. Não é possível que não se possa construir uma rodovia sem ir a Brasília, ou criar vagas prisionais, a não ser pelo modelo que citei no início da entrevista. Isso nos remete àquilo que a população percebe. O maior drama dos gaúchos hoje diz respeito à segurança pública. As pessoas estão com muito medo. O que o governo está fazendo ou pretende fazer de concreto a respeito disso? Primeiro, tivemos uma melhoria considerável, e demora a aparecem resultados, mas eles virão, nas técnicas das operações policiais. A Polícia Civil e a Brigada Militar avançaram bastante em resolubilidade das operações. De outro lado, investimentos, não fugimos disso. Aumento de pessoal e de infraestrutura das polícias. E isso depende deste contexto todo. Nós não fizemos isso. O governo segue estudando, com esforço e até sofrimento, maneiras de ampliar investimentos em segurança pública. Quando o governador enxergar uma janela para contratar em alguma área, de maneira mais efetiva, a primeira vai ser a segurança pública. Ou seja, no momento não há algo que dê esperança à população? Esperança é a melhoria técnica das polícias... ...mas nada de palpável, como mais policiais nas ruas... Hoje eu não posso ser irresponsável de fazer este anúncio. O que posso dizer é que o governo está fechando um trabalho neste sentido para poder, diante de uma janela de oportunidade financeira, anun-

ciar, inclusive, a contratação de mais policiais. Esse é o nosso esforço diário. O governador é o primeiro interessado em contratar. Mas, se nós estamos atrasando o salário de quem já está dentro, como vamos contratar mais gente e deixar sem pagar? Reconhecemos que a situação é dramática em todo o País, inclusive aqui, e precisamos contratar mais gente, sem dúvida. Se Deus quiser e a situação se confirmar, em breve poderemos fazer algo neste sentido. Qual a expectativa de normalização no pagamento dos salários? A solução estrutural não virá de maneira fácil e imediata. Primeiro, o governador está pedindo pelo menos uma suspensão da dívida com a União por três anos, o que já melhoraria bastante a situação. Com a previdência complementar há uma diferença significativa a partir de agora: todos se aposentarão pelo regime de previdência e, querendo ganhar mais, terão de fazer uma previdência complementar. Isso terá efeito em 15, 20 anos. De imediato, em termos de salários dos servidores, depende da negociação da dívida e do crescimento da economia. A queda na arrecadação tem sido dramática por causa da recessão econômica do

País. O que fizeram com a economia brasileira é de uma total irresponsabilidade, e isso tem reflexo direto aqui no Estado. O governo fala muito em crise, até para evidenciar o tamanho do problema, mas isso não tem o efeito colateral de desanimar o empreendedor e inibir o investimento no Estado? Esse é o nosso fio de navalha em termos de comunicação. Quando se resolve comunicar a crise desse jeito mais visceral, direto, pode-se acabar gerando também um clima de pessimismo. O governo terá de mostrar que não é só isso. Nós mudamos o ambiente de atração de investimentos, por exemplo, na questão dos licenciamentos ambientais. Diminuiu consideravelmente o tempo de liberação das licenças, e só com gestão, sem desrespeitar qualquer regra. Outra: O governo é completamente aberto ao investidor e vai ampliar, inclusive, a busca de captação internacional. Nós aqui não temos preconceito contra o lucro, contra os empresários, temos uma postura aberta para atração de investimentos. A percepção não vai mudar de uma hora para outra, mas será sólida depois. O otimismo virá com os resultados, não acredito que virá com publicidade.

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O conforto do luxo: montadoras como a Audi tiveram bom desempenho em 2015, em meio à retração geral, graças a novidades no portfólio

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Vendo a crise passar Algumas marcas estĂŁo mais bem preparadas para enfrentar o mau momento da economia brasileira

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REPORTAGEM DE CAPA

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nquanto o cenário da economia brasileira em 2016 segue nebuloso e não permite projeções com razoável possibilidade de acerto, não há dúvida de que 2015 foi um dos piores anos em décadas. Tivemos PIB em queda de 3,8% (o menor desempenho desde 1990), inflação em 10,67% (a mais elevada desde 2002), taxa de desemprego de 6,8% (a maior desde 2009), sendo que este índice já passou dos 10% em 2016. Muito além das cifras, brasileiros de todas as latitudes sentiram, e continuam sentindo a cada dia, os efeitos mais perversos da crise político-institucional-econômica que tem assombrado a nação. Quem não perdeu o emprego tem algum parente, amigo ou vizinho que perdeu. Ou vários. A ida ao supermercado é uma constatação diária de aumento dos preços, causando a impressão de que a inflação é ainda muito maior no Brasil real. Em tal cenário, todos perdem. Sem emprego, não tem como consumir. Quem ainda possui um, cada vez compra menos com o mesmo salário. Nestas condições, o empreendedorismo costuma ser fortemente indicado para quem está no olho da rua, sugestão que vem principalmente de quem tem um ótimo emprego e vai muito bem, obrigado. Muita gente não empreende não por preguiça ou por incompetência, mas porque simplesmente o mercado consumidor minguou. Se mesmo empresas sólidas e de longa data estabelecidas enfrentam dificuldades, o que sobra para alguém sem recursos, preocupado com a fome batendo à porta? Empreender, é claro, repetem os entusiastas. O problema é achar quem compre seus produtos ou serviços, pois a crise é geral. Teoricamente, a tendência é que somente sobrevivam, ou atravessem a crise sem sobressaltos, empresas que atuam em ramos de primeira necessidade, ou cujas marcas estão arraigadas de tal for-

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ma na mente do público que seguirão sendo adquiridas, indo para o fim da lista dos eventuais cortes no orçamento, no caso de produtos de consumo em massa e cujos preços não diferem tanto assim dos concorrentes sem grife. Relevância do produto e fidelidade à marca seriam, portanto, garantias de bonança em meio à borrasca, bem como a oferta de produtos de alto valor agragado, pois se dirigem a um mercado que sente menos o impacto da recessão. Nem sempre tem sido assim tão cristalino, pois, como em quase tudo nestes tempos líquidos – ou gasosos –, os parâmetros já não são os mesmos.

Boa parte das teses das quais os analistas de mercado se utilizam na tentativa de explicar o comportamento do consumidor se aplicam com mais precisão aos países desenvolvidos.

A indústria automobilística é um exemplo claro do ambiente gasoso: o setor experimentou forte retração em 2015, com redução de 20% nas vendas, em comparação com o ano anterior, e a demissão de dezenas de milhares de trabalhadores. No entanto, algumas marcas surfaram em mar favorável e atingiram ótimos índices de crescimento. O diferencial, muitas vezes, continua sendo a tradição da marca, mas está longe de bastar. Algumas montadoras se deram bem graças a novidades de ótima repercussão. Foi o caso da Jeep, cujas vendas em 2015 decolaram após o lançamento do Renegade, que segue com ótimo desempenho em 2016, a um preço que varia entre R$ 81.990 e R$ 105.990

(as diferenças estão no motor, na tração e no câmbio). Graças ao Renegade, a Jeep obteve o espantoso crescimento de mais de dez vezes no volume de vendas. Já a Honda lançou o modelo HR-V, outro tremendo sucesso, e atingiu aumento próximo dos 20%. A Toyota, graças ao novo fôlego do Corolla, a Audi, com o A3 sedan, a Mercedes e a BMW completam o sexteto de montadoras que resistiu com louvor a 2015. Quando se fala em itens de luxo, falase de compradores das classes média alta e alta, teoricamente menos afetados pelo mau momento da economia, premissa que costuma se encaixar bem no caso da indústria automobilística. Na maioria dos setores, entretanto, não é tão fácil delimitar razões para o sucesso em meio à crise. Boa parte das teses das quais os analistas de mercado se utilizam na tentativa de explicar o comportamento do consumidor possuem uma falha em comum: aplicam-se com maior precisão em economias de países desenvolvidos, onde há claros padrões de consumo entre elementos das gerações X, Y ou Z, mas falham de modo expressivo em uma nação que ainda busca superar a fase inicial do capitalismo, a da acumulação primitiva de riqueza. Experiências internacionais naufragam nos trópicos porque, além de embaçar o comportamento das gerações, as peculiaridades brasileiras incluem as emergentes classes C e D que, por sua vez, parecem ter, em certa medida, voltado a submergir no ralo da crise. Em pesquisa realizada no ano passado pelo IBOPE Inteligência para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 59% dos entrevistados afirmaram ter perdido poder de compra em um período de 12 meses, 16% foram obrigados a mudar de residência e 13% passaram os filhos da escola particular para a pública. Além dos 57% que declararam já haver mudado seus hábitos de consumo, outros 21% informaram que pretendiam fazê-lo o mais brevemente possível. O medo do


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Custo-benefício: produtos de grife a preços relativamente baixos, como as Havaianas, conseguem manter a fidelidade do consumidor

Sem tubaína: mesmo com a queda do poder aquisitivo, muitas pessoas optam por economizar em tudo, menos no produto preferido

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Alavanca eficaz: o lançamento do Renegade fez explodir as vendas da Jeep e a marca navegou tranquila na tempestade do ano passado

desemprego é maior quanto maior for a renda. Além disso, em 40% das famílias, pessoas que não trabalhavam tiveram que trabalhar, enquanto 24% voltaram a estudar. Neste caso, quem possui ensino superior o fez em dobro do que aqueles que têm até a quarta série do ensino fundamental (30% a 15%). Entre dezenas de dados reveladores, o levantamento do IBOPE mostrou ainda que os moradores das regiões Sudeste e Sul foram os que mais sentiram a perda do poder de compra (65%), enquanto os do Nordeste foram os que menos sentiram (51%), possivelmente por já terem uma renda irrisória ou por se valerem apenas do Bolsa Família (a pesquisa não entrou neste mérito). Se uma família se vê na contingência de baixar o padrão de moradia e colocar os filhos em nossa combalida escola pública, porque haveria de manter fidelidade em relação a marcas? Em alguns casos isso acontece porque se trata de despesas consideradas menores no cotidiano, como seguir bebendo Coca-Cola em vez

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Ainda que no final do mês faça diferença, manter certos "luxos" é uma forma de evitar o abatimento.

de substituí-la por uma tubaína. Ainda que no final do mês faça diferença, entra em campo até o fator psicológico, pois manter pequenos “luxos” é uma forma de evitar o abatimento causado pela queda no padrão de vida. Se não é possivel morar onde se quer, ou se ter o carro desejado, ao menos ainda se pode continuar consumindo o refrigerante predileto. Ou se deliciar com um pote de Häagen-Dazs no final de semana, depois de economizar no básico ao longo da semana. Na falta

da melhor escola do mundo, o melhor sorvete do mundo. Aspectos emocionais, somados à tradição da marca, ajudam a explicar por que companhias como a CocaCola seguem faturando alto em meio a qualquer crise. Produtos de preço aceitável e marca tradicional resistem por mais tempo ao corte no orçamento, caso de artigos como, por exemplo, as sandálias Havaianas, cujo custobenefício está longe de assustar. Neste caso, a competição, que costuma se tornar mais ferrerra em tempos de crise, favorece quem oferece algo considerado confiável por preço não muito superior aos demais, uma vez que justamente pelo fato de o dinheiro andar curto, é melhor investir um pouco mais em algo que, em tese, terá maior utilidade e durabilidade. Por sinal, gêneros não básicos costumam ser alvo de maior fidelidade do que os de primeira necessidade. A marca de arroz parece importar menos do que a de algo supérfluo, como a cervejinha de cada dia – e há


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REPORTAGEM DE CAPA

Não custa reforçar: Skol Sensation, evento que visa a ampliar a fidelidade do produto menos traído pelos consumidores brasileiros

quem considere heresia afirmar que é supérflua. A bebida preferida dos brasileiros é um dos produtos que podem contar com amantes mais leais. De acordo com estudo da Dunnhumby, empresa britância especializada em ciência do consumidor, nada menos do que 81% dos brasileiros se mantêm fiéis à marca favorita de cerveja, mesmo quando experimentam queda no poder de compra dos salários. Segundo o levantamento, a cerveja é de fato o produto que mais conta com a fidelidade dos consumdores brasileiros. A Skol, aliás, foi uma das marcas nacionais de maior crescimento em 2015. Se a grana encolheu, a maioria prefere beber menos, mas da mesma marca de sempre. Outra opção é beber mais em casa, e menos nos bares, resposta dada por 56% dos entrevistados, o que é ruim para esses estabelecimentos, mas é bom para o varejo. Somente 13% afirmaram ter trocado a cerveja, enquanto em relação aos produtos de limpeza, por exemplo, a traição chegou a 40%.

A pesquisa comprova ainda o que foi abordado no início deste texto: em tempos de crise, leva vantagem quem oferece produtos de baixo custo ou, na outra ponta, aqueles considerados de qualidade superior. Quem está no meio da escala costuma ter caminhos mais difíceis. A cerveja é um parâmetro do que ocorre com outros produtos. Mais dados da Dunnhumby, a partir de entrevistas com 700 pessoas: 66% começaram a frequentar mais supermercados em busca de preços menores; 80% passaram a economizar em alguns produtos para poder manter o padrão nos itens que considera mais importantes em seu dia a dia; para 30%, doces, salgadinhos e petiscos em geral são os primeiros a serem cortados da lista de compras; 38% admitem terem optado, de modo geral, por marcas mais baratas. Para as empresas, pode ajudar nessas horas a decisão de inovar, surpreender o mercado, ou, como na velha máxima da propaganda, hoje politicamente incorreta, criar necessidades. É compli-

cado, mas muitas vezes vale a pena tentar. Entre outras razões, porque assim a marca terá a chance de captar novos consumidores, estejam eles em que posição estiverem da pirâmide, em vez de ficar se digladiando com a concorrência pelos mesmos – e na crise, menos – consumidores. Evidentemente, a decisão de ousar é mais difícil, e mais arriscada, em cenário de incerteza, mas, quem o faz costuma colher bons frutos. Se o mercado está estagnado, o único modo de fazer crescerem os negócios é apresentar novas opções. Por certo não há fórmulas a serem seguidas, pois as velhas receitas, por tanto tempo exitosas, não funcionam a contento em um mundo em acelerada e dramática transformação. Isso já é fato até mesmo em cenários de relativa normalidade. Quando se passa por uma crise como a enfrentada atualmente pelos brasileiros, as marcas, mesmo as que continuam liderando e vendendo bem, em certos momentos podem ficar tão atordoadas quanto os consumidores.

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MARCAS

Rota de sucesso: a rede de Lojas Renner conta com 264 unidades espalhadas por todo o País e continua crescendo, apesar da crise

Renner segue firme e forte P

oucas empresas brasileiras têm dado passos tão firmes nos últimos anos quanto as Lojas Renner. A companhia de varejo nascida no Rio Grande do Sul mostra-se capaz de crescer mesmo em meio à crise econômica, com uma gestão segura comandada por José Galló e um foco muito bem ajustado no cliente. Tornou-se case citado em anuários, seminários e encontros do setor. Parte deste desempenho passa pela tradição da marca e pela atenção dada aos funcionários. O nível de engajamento de seus 17 mil colaboradores, segundo a metodologia empregada pela consultoria Aon Hewitt, chega a 82%, enquanto a média do segmento é de 58%. A trajetória de sucesso se iniciou há quase um século. A primeira unidade da rede, integrante do grupo A. J. Renner, foi inaugurada em Porto Alegre em 1922, e se destinava uni-

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camente à comercialização de artigos têxteis. A partir de 1940, ocorreu a ampliação no mix de produtos e a Renner se tornou uma loja de departamentos. Em 1965, o grupo decidiu tornar independentes suas diversas companhias, o que deu origem a uma operação própria sob o nome de Lojas Renner S.A., que dois anos mais tarde se converteria em uma empresa de capital aberto. No começo dos anos 1990, quando tinha oito lojas e se encontrava em situação econômica delicada, e com a chegada de Galló, a Renner sofreu um processo de reestruturação que a transformou em loja de departamentos especializada em moda. Na sequência, expandiu sua atuação para além das fronteiras gaúchas, chegando a Santa Catrina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal. Em 1998, quan-

do o número de unidades já pulara para 21, teve seu controle acionário adquirido pela J. C. Penney Brazil, Inc. subsidiária de uma grande rede de varejo americana. A medida, além de abrir as portas aos fornecedores internacionais, implicou a adoção de novos métodos de gestão e controle, o que viria a impulsionar ainda mais seu crescimento. Entre outras inovações, passaram a ser oferecidas coleções especiais para diversos estilos de vida. Apesar do êxito da operação, e de já ter feito a rede crescer para 64 lojas, em 2005 a J. C. Penney decidiu vender o controle acionário por meio de oferta pública de ações na Bolsa de Valores de São Paulo, ficando a Renner com praticamente 100% de seu capital pulverizado, o que significa que deixou de ter um controlador principal. Com as decisões nas mãos de oito mil acionistas, nenhum majoritário, a gover-


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Galló recebeu Troféu Advertising/2015

Práticas corporativas 1 - Novo Mercado 2 - 100% de free float 3 - Maioria de Conselheiros independentes (86%) 4 - Comitês do Conselho de Administração e de Gestão 5 - Diferentes executivos como Presidentes do CA e Diretoria 6 - Conselho Fiscal Permanente 7 - Manual para participação em Assembleias 8 - Plano de Opções de Compra de Ações 9 - Regimento interno para Conselhos e Comitês 10 - Avaliação formal do Conselho de Administração e da Diretoria 11 - Secretários para Conselhos e Comitês 12 - Canal de denúncias 13 - Políticas Anticorrupção, Partes Relacionadas e de Governança, Riscos e Conformidade 14 - Portal do Conselho de Administração e dos Comitês

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nança tornou-se crucial para o futuro da organização. Muda o modelo, mas mantém-se o comando. José Galló, 64 anos, é considerado uma espécie de “dono de uma empresa sem dono”. Ao contrário de tantos altos executivos, não gosta de muito de aparecer, prefere trabalhar em silêncio, o que não impede que seu nome seja hoje reconhecido como símbolo de eficiência em gestão. Além de consolidar cada vez mais seu papel de segunda maior rede de vestuário do País – só perde para a C&A –, a Renner trabalha na internacionalização da marca, tendo inaugurado, no Uruguai, sua primeira unidade no exterior. Também trata de investir em novos negócios. Em 2011, adquiriu a Camicado, maior rede varejista brasileira de casa e decoração e, em 2013, lançou a Youcom, loja de moda focada no público jovem. Todas as marcas mostraram números positivos em 2015, apesar da crise econômica. A produtividade da Renner foi de R$ 10,8 mil por m2, 5% a mais do que em 2014; a da Camicado, de R$ 10,3 mil por m2 (14,1% a mais que no ano anterior); e, a da Youcom, de R$ 10,7 mil por m2, (51,6% de crescimento). Juntas, as três redes somam hoje 380 unidades, das quais 264 são da Renner.

Alvo atingido: a Renner impulsionou suas vendas quando decidiu apostar na oferta de coleções diferentes para cada estilo de vida

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OLIVIERO TOSCANI 24 | AD 170


GRANDES NOMES

Focado na polêmica

As roupas da Benetton fizeram grande sucesso, em especial junto ao público jovem, nos décadas de 1980 e 90. As peças em cores vivas e design moderno soavam perfeitamente sintonizadas com seu tempo, sobretudo nos ’80. Quando se fala em Benetton, essa é a imagem que vem à cabeça de milhões de consumidores. Nos amantes do automobilismo, Benneton evoca o time de Fórmula 1 que esteve nas pistas de 1986 a 2001 – em 2002, a Renault assumiu. Antes disso, a grife italiana já patrocinara a Tyrrel (1983), a Alfa Romeo (1984) e a Toleman (1985), que havia sido a primeira equipe de Ayrton Senna, no ano anterior. A Benetton nasceu com a compra da Toleman. Guiaram seus carros, entre outros, nomes como Gerhard Berger, Nelson Piquet e Michael Schumacher, que foi bicampeão pela equipe, em 1994 e 95. A lembrança mais universal, no entanto, é a das propagandas da grife, sempre chocantes, provocativas, peças autorais do fotógrafo italiano Oliviero Toscani. Tabus envolvendo sexo e raça eram seus temas prediletos, interpretados de maneira ousada, capaz de fazer corar os puritanos, torcer o nariz os racistas, indignar muitos, ganhar aplausos de outros tantos, mas sempre, e no fundo é o que importa mais em publicidade, capaz de chamar a atenção do mundo e virar motivo de debate rapidamente, e isso que nem havia redes sociais.

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m 1955, aos 20 anos de idade, Luciano Benetton trabalhava como vendedor na pequena Treviso, que ainda hoje conta com apenas 83 mil almas. Em suas andanças, percebeu que as pessoas se vestiam de modo muito sóbrio, até mesmo triste, e que um pouco de cor – ou muito – não apenas alegraria a paisagem urbana, como seria bem recebido. Valendo-se da prerrogativa de primogênito, vendeu a bicicleta de um de seus quatro irmãos e comprou uma máquina de costura usada, com a qual confeccionou uma coleção de suéteres que conseguiu vender para lojas da região do Vêneto. Nascia ali o futuro conceito United Colors of Benetton. Diante da boa acolhida das peças, Luciano pediu ajuda aos irmãos Giuliana, Gilberto e Carlo para expandir a produção. Dez anos depois de seu insight, em 1965 foi oficialmente fundada a companhia com o sobrenome da família. Embora bem sucedido, o empreendimento teria sua fama mundial ampliada em muitas vezes – para o bem e para o mal – com a entrada em cena do fotógrafo Oliviero Toscani, em 1982. Ainda que ousasse nas cores, a Benetton não exibia a mesma atitude em relação à propaganda. Toscani falou sobre isso sem modéstia em entrevista a Roberto D'Avila, na GloboNews: “Fiz uma experiência antipublicitária que tornou a Benetton uma das cinco empresas mais famosas do mundo. Por quê? Porque eu contava coisas que interessavam. Aos jovens interessava saber o que era a AIDS. As top models podem ser compradas, são mercenárias. Eu não uso nunca modelos famosas. Só os medíocres usam modelos famosas, porque sem modelos famosas eles não seriam ninguém”. Oliviero Toscani nasceu em Milão, em 28 de fevereiro de 1942. Apresentou-se ao mundo com as campanhas da Benetton, que produziu de 1982 a 2000. As peças, como tudo em propaganda, foram feitas para chamar a atenção para a marca, mas é inegável que ajudaram a promover o debate em torno de questões cruciais de nossos tempos, como tabus sexuais e discriminação racial. Sempre institucionais, mostrando apenas a marca, e não os produtos, primavam pela simplicidade da construção: apenas uma foto chocante sobre o qual era aplicado um pequeno retângulo verde no qual sei lia, em letras brancas, o misto de

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GRANDES NOMES

A questão é chocar: na primeira imagem, cena real de uma vítima da AIDS em seus últimos momentos com a família, numa época em que o assunto ainda era tabu e o debate em torno da doença apenas começara. De modo geral, as peças criadas por Toscani abordavam questões envolvendo racismo e sexualidade.

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slogan com logomarca: “United Colors of Benetton”. Despojamento ou simplismo? Toscani sempre viu o setor publicitário de forma tão crítica quando o setor publicitário o vê. Durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que foi ao ar em 1º de janeiro de 1995, ele teve um bate-boca com Francesc Petit, o P da DPZ, catalão naturalizado brasileiro, morto em 2013. O diálogo ilustra à perfeição a polêmica em torno do trabalho do italiano: Toscani: Os publicitários não são burros, mas jogam um jogo estúpido. Contudo, não para me desculpar, para justificar o que faço, na realidade não sou publicitário. Sou um fotógrafo que começou a fazer fotografias de reportagens, a utilizar a mídia. Fascinou-me o mundo da publicidade porque descobri que é um mundo incrivelmente complexo e pouco analisado. Tudo que faço na publicidade é de um modo natural. Penso que, na realidade, a publicidade propriamente dita, a publicidade tradicional, é uma associação de delinquentes. Petit: Eu gostaria de fazer um comentário que vai... Ele pensa isso dos publicitários, e eu acredito que ele pense realmente, porque ele tem muita experiência, antes de ser publicitário, com publicitários, porque no país dele se faz a pior publicidade do mundo. Não há um país no mundo em que a publicidade seja tão ruim como na Itália. Ruim em todos os sentidos, eticamente, feia, de mau gosto e os empresários odeiam os publicitários. Há uma relação horrorosa entre publicitário e empresário. E, por isso, ele não gosta, porque ele tem uma cultura do país dele. Isso não tem nada a ver com o resto do mundo. Acontece que ele pegou um cliente que é absolutamente maluco, que gosta de ficar pelado.

Então, esse cliente não existe. Se ele saísse na rua procurando cliente, ele não pegaria nenhum com essas campanhas dele. Ele tem um cliente que é maluco, que fica pelado para todos os jornais e revistas do mundo, e que ele patrocina, e que paga para ele aparecer na televisão, nos jornais. O que ele gosta não é de publicidade, o que ele gosta é de aparecer, o que ele gosta é de escândalo, o que ele gosta é de ser visto nos jornais de todo o mundo e de ganhar prêmios que não têm nenhuma importância, inclusive. Toscani: Posso responder porque, até ontem, não sabia que viria aqui. Não queria aparecer. Fui convidado pela TV brasileira. O jornal deste senhor (aponta Caio Túlio Costa, da Folha de S. Paulo) me telefonou, certa vez, em Roma, questionando o porquê de eu fazer publicidade desse modo. Talvez lhe interessasse saber por que faço publicidade desse modo. Se a mídia se interessa é porque tem interesse no que eu faço. Por mais que se faça publicidade tradicional como ele, ninguém se interessa. O fato de a Itália ser um país de péssima publicidade é quase um cumprimento, porque a Itália entendeu que não é preciso fazer boa publicidade e imbecilizar as pessoas. Não é verdade que só trabalho na Itália, com as campanhas da Benetton. Tenho trabalhado para os Estados Unidos, França, Inglaterra. Creio que sou mais internacional que você. Petit: Como fotógrafo! Toscani, eu conheço e admiro você há muitos e muitos anos como fotógrafo. O que eu não entendo é um dos melhores fotógrafos do mundo, chamado Oliviero Toscani, um dos que eu mais admiro, um homem do nível da Sarah Moon, do David Bailey, um fotógrafo tão brilhante, se prestar a ser um publicitário ridículo, é isso que eu não entendo.


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OPINIÃO

Design Thinking x Marketing de Produto

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o momento estou trabalhando no planejamento de lançamento de duas marcas de produtos alimentícios, desde a concepção ao consumidor final. Uma ótima oportunidade para refletir sobre o Marketing de Produto x Design Thinking a convite da Advertising. Uma marca regional no Maranhão e outra na região Sul. Para quem já participou do lançamento de produtos, em diferentes segmentos, lidar agora com duas linhas de pensamentos, tendo o Robert Leduc como inspirador do marketing de produto – um clássico –, e Tim Brow da IDEO – renomada empresa de branding e Design Thinking –, é desafiante. O primeiro método começa com a necessidade do consumidor e termina no pós-venda e, o segundo, na IDEO – construção de um modelo de negócio em que o consumidor é colocado no centro de gravidade e o design como catalizador de insights para marca. Uso o Robert Leduc no Norte e Tim Brow no Sul, pelos tipos de demandas dos produtos. A primeira coisa com que você se depara nas duas ferramentas ou caixas de ferramentas, é a superposição e unicidade dos métodos. O mix das duas escolas de negócios podem ser usados conjuntamente? É minha colaboração nesse artigo. Cada ferramenta é melhor numa coisa e pior na outra. O que vemos nas publicações de negócios é uma tendência à estereotipação, ou seja, uma tribo faz de um jeito e outra de outro. Geração Y x Baby Boon. Post its à vontade x folhas A1 em cavaletes.

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Cada método procura levar ao insight dos participantes do trabalho (cocriação) e que tem muito mais a ver com as pessoas do que com os métodos. Diferentes escolas de criação tentam, há um bom tempo, controlar a criatividade no sentido da qualidade, mas encontram na subjetividade o incontrolável e, diria, o mágico. Quem é criativo independe do método. Está na pessoa ser boa para insights e o que muda são as fontes de inspiração lúdica que o Design Thinking tenta oferecer mais do que o Marketing de Produto. Mas o que difere um método de outro? Onde se estabelece a diferença fundamental entre Robert Leduc e Tim Brow ou Tom Keller, também da IDEO? Acho que está na pesquisa. Pesquisa de Design x Pesquisa de Mercado.. Foco As pesquisas de Design e Mercado são iguais no seu foco: as pessoas, cada vez mais. Objetivos A pesquisa de design procura entender culturas, experiências, emoções, pensamentos e comportamentos a partir, principalmente, de questionários semiestruturados. Ou seja, uma parte com perguntas determinadas e outras exploratórias a partir da entrevista. A pesquisa de mercado procura entender comportamentos a partir do que as pessoas fazem ou dizem que fazem, em determinadas situação. Expressam o que fariam em nova situações e tentam se fazer previsões a partir disso.

Lucio Pacheco

Levantamento de dados O método do design faz através da interação entre pesquisador e sujeito da pesquisa (designer), principalmente em conversas com questionários semiestruturados. No caso da pesquisa de mercado a priorização são questionários e entrevistas estruturadas com uma linha de obtenção de informação pré-estabecida. Amostragem Na pesquisa de design a amostra é composta qualitativamente, buscando perfis de usuários extremos, pois o raro e o absurdo podem levar a novas e interessantes insights e ideias. Na pesquisa de mercado, existe uma representação estatística da amostra, com objetivos de atender as grandes respostas do universo pesquisado, muitas vezes desconsiderando os pontos fora da curva, numa análise de dados objetiva, crítica e evitando vieses. Tipo de informação coletada A pesquisa de design traz comportamentos, objetos e palavras que as pessoas usam para definir o cenário ao seu redor. Ela podem contar histórias como meio de comunicação. A modalidade de Pesquisa de Mercado reporta opiniões comportamentos das pessoas quanto à situação em torno e ou expectativas de contextos atuais e futuros.

* Lucio Pacheco é publicitário e especialista em design - lucio.pacheco@uol.com.br


The Well Done Factor

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cabei de ler o excelente artigo do Pyr Marcondes, denominado “Agências de propaganda: o que será delas?”, que fala sobre o sepultamento eminente do setor de publicidade como o conhecemos hoje. Pyr, um dos mais vanguardistas autores sobre a propaganda e sobre a indústria digital, pegou pesado e deve ter deixado os donos de agências de cabelos em pé. Entre outras conclusões, afirma que o setor sofre hoje o maior abalo da sua história desde que surgiu, no final do século XIX. Nada mais verdadeiro, nada mais atual. Afinal, o que faz com que o nosso negócio ainda sobreviva e seja desejado pelos maiores anunciantes? O Rei está morto. Vida longa ao novo Rei. Se a nova majestade é o conteúdo, o que ainda embasa este, o que é a gênese e a eterna rainha deste jogo é, sem dúvida, a criatividade. Por esta que os anunciantes mobilizam suas agências, na eterna busca pelo novo, pela diferenciação. Contar grandes histórias. Mesmo que tudo mude na dinâmica das agências de propaganda, saber contar histórias ainda continuará sendo o motor deste business. Faço minhas as palavras de Dawn Airey, CEO da Getty Images, líder mundial em comunicação visual e dona de uma poderosa narrativa: “O storytelling comercial deve acender uma fogueira na barriga de seu público e envolver os princípios-chave em torno da criatividade, credibilidade e integridade para contornar a desordem e ter

uma relevância duradoura.” Esta “relevância duradoura” de que fala Dawn sempre me pareceu o que diferencia uma campanha apenas exitosa de uma muito mais exitosa, com tal força criativa que atravesse décadas e seja continuamente lembrada, citada e referenciada. E a verdade é que fazer algo muito bem feito, o tal “Well Done Factor”, catapulta tanto a trajetória profissional de seus autores, como ajuda demais a sua agência a conquistar mais e mais anunciantes para suas carteiras.

Para Olivetto, o mais ambicionado dos prêmios é entrar para a cultura popular. Há alguns bons anos, fui sócio de uma agência com um forte viés criativo e contratamos um diretor de arte júnior, filho de chineses, muitíssimo competente, que depois de uma passagem brilhante pela criação foi levado pelo Nizan Guanaes direto para a DM9. Pouco tempo depois, mais precisamente em 1995, Erh Ray cria uma das campanhas brasileiras mais memoráveis e populares de todos os tempos, a dos Mamíferos Parmalat. Diz Erh sobre a campanha: “Mamíferos, da Parmalat, foi emblemática para mim e de uma força fenomenal. Ajudou a explodir a minha carreira e teve uma

visibilidade exponencial que ninguém imaginava e é uma das campanhas de maior sucesso popular na história da propaganda brasileira.” Conversei também sobre isto com o mestre Washington Olivetto, dono de algumas das campanhas e personagens mais bem sucedidos da nossa propaganda: Olivetto, campanhas suas, como "Meu Primeiro Sutiã", a série "Garoto Bombril" e muitas outras marcaram época. Uma campanha bem sucedida, como estas, tem o poder de mudar a vida de um criativo? Sim. Campanhas como essas e muitas outras que eu tenho tido o privilégio de criar têm o poder de mudar a vida de um criativo, desde que sejam campanhas que, além de conquistar os principais prêmios publicitários, conquistem também o mais ambicionado dos prêmios, que é entrar para a cultura popular do país. A mesma pergunta, mas sob a ótica da agência. Ou seja, uma só campanha super bem sucedida pode catapultar uma agência e capturar novos clientes? Sim. Uma agência que cria campanhas bem-sucedidas, verdadeiramente reconhecidas pelo grande público, atrai a atenção de novos clientes que sonham ter uma publicidade com a mesma efetividade e reconhecimento. Palavras sábias de dois caras que entendem muito bem o poder de “The Well Done Factor”. * Alberto Meneghetti é publicitário.

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GALERIA

T

odo mundo conhece o Vick VapoRub, da Procter&Gamble, produto criado em 1885 com o inverossímil nome de Vick Garupa Magia, tendo sido depois rebatizado com a marca que o consagrou globalmente. Em especial quem foi criança até os anos 1960 por certo teve uma porção massageada sobre o peito, nas costas, no pescoço, ou mesmo logo abaixo das narinas, no caso de pais mais exagerados, para abrir a respiração durante crises provocadas por “doenças de inverno”. A massiva propaganda no rádio e em almanaques de farmácia – um clássico da época – tornou o VapoRub, feito à base de mentol, cânfora – responsável maior pelo cheiro inconfundível – e óleo de eucalipto, bastante popular. Ele existe até hoje, embora sem o mesmo apelo. Havia, no entanto, outro produto do mesmo fabricante, uma espécie de primo do VapoRub, as gotas nasais Vick Va-tro-nol, das quais poucos se recordam. Como as propagandas da época não poupavam adjetivos e garantias, muito menos expressões exageradas, o Va-tro-nol prometia “delicioso conforto num instante”, “sem demora... em segundos”. Além do bem estar respiratório, o paciente experimentaria um “duplo alívio”, uma vez que o produto estimularia as mucosas nasais a expelir a eventual infecção. Segundo a peça, este duplo efeito já havia sido “ensaiado e deu provas eficazes em 17.353 casos clínicos, sob a direção superior de médicos”. O Va-tro-nol ainda é comercializado em alguns países, tendo como princípio ativo a efedrina, substância proibida no Brasil desde 2003 e largamente associada ao uso como doping para turbinar o desempenho

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O Va-tro-nol prometia “delicioso conforto num instante”, “sem demora... em segundos”.

esportivo. O caso mais famoso é o de Diego Maradona, excluído da Copa do Mundo de 1994, quando, em plena forma, conduzia a Argentina em uma campanha bastante promissora. Maradona havia consumido antes de um jogo cinco substâncias

proibidas pela FIFA, todos da mesma “família”: efedrina, norefedrina, pseudoefedrina, norpseudoefedrina e metaefedrina. O fato de as substâncias estarem presentes em prosaicos desongestionantes nasais não livrou Maradona da punição. .


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