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PROJETO

Néctar Social

Cultivando Desenvolvimento Social Algumas das propriedades onde a Celulose Riograndense cultiva o eucalipto, sua principal matéria-prima, servem também para abrigar colmeias altamente produtivas para a geração de renda de uma importante região. Viabilizada através de um convênio entre a empresa e algumas associações de apicultores, a parceria se traduz numa colheita média de 60 toneladas de mel todos os anos, produto obtido a partir da flor do eucalipto, que é, cientificamente comprovado, como um dos mais benéficos à saúde humana. Como contrapartida pela permissão de uso dos seus hortos florestais, a Celulose Riograndense recebe cerca de 8% da produção. O mel é entregue à empresa, que, por sua vez, repassa às instituições filantrópicas de aprendizado especial de 26 municípios em embalagens de 1 kg, com rótulo certificado pela Associação Gaúcha de Apicultura. Além do consumo próprio na merenda escolar, a maioria das escolas beneficiadas costuma comercializar parte da doação, aplicando os recursos em melhorias na sua infraestrutura educacional.

Conheça os projetos sociais que fortalecem o compromisso da Celulose Riograndense com os gaúchos.

PROJETO EDUCAÇÃO

FÁBRICA DE GAITEIROS

TRILHA CAMINHOS DA MADEIRA

GUAÍBA LIMPO

PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA SAÚDE NA COMUNIDADE

PROJETO MÚSICA NA FÁBRICA

www.celuloseriograndense.com.br/responsabilidade/projetos-sociais

FLORESTA É VIDA

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ALMANAQUE DITO POR AÍ Divulgação

Os casos hilários do “erramos” da Folha de São Paulo não se limitam à coleção de clássicos, na qual reina absoluto o “Jesus enforcado”. As explicações para erros recentes do jornal mantêm o viés anedótico. Recentemente viralizou nas redes sociais – é de se imaginar como seria se existissem redes sociais quando a Folha enforcou Jesus... – uma correção que, como tantas vezes acontece, foi mais engraçada do que o erro: ILUSTRADA (8. MAI, PÁG. C6) A reportagem “‘Tudo pela Audiência’retorna rindo de si” informou incorretamente que Val Marchiori é socialista. O termo correto é socialite. No caso, a piada é dupla, pois, além da troca ridícula de palavras, Val Marchiori é um ícone da ostentação vazia, e é chamada de socialite porque qualquer outra coisa ela de fato não é.

Divulgação

Val, a socialista

“O nosso sonho, na verdade, é o dia em que o caderno de economia fique bem pequenininho e o resto seja arte, cultura, civilização, espetáculos, esporte. Porque aí seremos um país estável, sem maiores problemas.” Carlos Alberto Sardenberg

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LOIS LANE Em alguns roteiros, ela sabe que seu colega Clark Kent é o Super-Homen, em outros não. Em alguns, mantém com ele um relacionamento além do profissional, em outros não. Mas, em qualquer história, Lois Lane é reconhecida por ser, além de uma bela mulher, uma ótima jornalista, que não mede esforços ou riscos quando está atrás de uma grande reportagem. Por isso, sua relação com Kent começou mal, afinal, ela conseguiu emprego no Planeta Diário com uma exclusiva com o Super-Homem que, digamos, caiu-lhe no colo.

“O jornalista deve estar aberto para todos, principalmente para aqueles com cujas ideias não concorda.” Roberto Cabrini

QUEM DIRIA... “Governos autoritários tendem a desabar por não permitirem o equilíbrio da crítica. É preciso uma atuação forte e democrática na imprensa.” Antonio Palocci

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MIX

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Quem sabe seja a solução para nações subdesenvolvidas que passam por fortes crises, nas quais autoridades chegam a sugerir que se chame o Batman? Os portoriquenhos agora podem contar com sua própria super-heroína, Marisol Rios De La Luz, “La Borinqueña” (mesmo nome do hino nacional). Criada por Edgardo Miranda-Rodriguez, que fez trabalhos para a Marvel e a DC, ela chega para promover valores como solidariedade e união. Ela não combate o crime, seu superpoder apenas faz brilhar a luz da esperança no povo combalido, estimulando mudanças sociais. Tudo muito latino.

Enquadrada básica Um tabloide britânico é uma espécie de avô das redes sociais naquilo que elas têm de pior: conteúdo não confiável e, principalmente, irrelevante. Mesmo os alvos de suas matérias escandalosas, e muitas vezes falsas, costumam deixar para lá. De vez em quando, alguém responde, mesmo que o assunto não tenha importância. O MailOnline publicou nota ilustrada com a seguinte legenda: “Maisie Williams, de Games of Thrones, vai sem sutiã, de vestido de renda e chapéu peculiar a baile de máscaras para caridade”. A atriz compartilhou a matéria no Twitter sugerindo manchete alternativa: “Atriz de Game of Thrones, Maise Williams ajuda a arrecadar milhares de dólares em baile de máscaras para a @NSPCC”. A sigla significa National Society

na capacidade da memória, fenômeno comprovado por estudos recentes e que está sendo chamado de “amnésia digital”, ou “efeito Google”.

Amnésia digital (1) Amnésia digital (1) No ano passado, Press publicou uma reportagem de capa alertando para o fato de que, com as facilidades de ferramentas como o Google, era preciso ficar alerta para a tendência a se adquirir cada vez menos conhecimento, buscando-o, quando e se necessário, na internet, e passando a ter “o cérebro na nuvem”. Um dos efeitos é a eventual redução

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Reprodução SWNS

Poderosa Marisol

Embora o fenômeno já venha de um bom punhado de anos, agora está começando a ser levado mais a fundo pela comunidade científica. Em pesquisa da Kaspersky junto a seis mil europeus, 36% utilizaram a internet para elaborar suas respostas, enquanto outros 24% afirmaram ter esquecido as informações minutos após utilizá-las para responder às perguntas. O tema merece profunda reflexão, sobretudo em relação a crianças e jovens em idade

for the Prevention of Cruelty to Children (Sociedade Nacional para Prevenção de Crueldade contra Crianças). Tem razão a moça, mas, como dizem os velhos tabloides, “a gente dá o que o povo quer”.

escolar. Em países como o Brasil, se já se lia pouco, agora então...

Dentro da ação Ao longo do mês de junho os canais Fox promovem uma iniciativa que coloca o público dentro de sua produção original estreante 1 Contra Todos. Em parceria com a Escape Time, criou uma sala temática na qual cada participante do jogo terá de interpretar pistas e desvendar mistérios para conseguir sair da cela para a qual Cadu, personagem central da trama, é levado ao ser confundido com um notório traficante. A sala de 40m2, em São Paulo, estará montada por dois meses.


AS INDÚSTRIAS QUEREM TRABALHAR, CRESCER E GERAR EMPREGOS. É PRECISO REDUZIR:

E MODERNIZAR:

• ALTA CARGA TRIBUTÁRIA

• LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

• PESADA MÁQUINA ESTATAL

• SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

• BUROCRACIA EXAGERADA

• ESTÍMULOS FISCAIS

• DÉFICIT PÚBLICO

• PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

• JUROS

• COMÉRCIO EXTERIOR

Vamos mudar a realidade e o jogo político, para que as entidades empresariais sejam ouvidas, valorizando quem gera empregos, renda e oportunidades de evolução social. Vamos transformar para crescer.

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Anderson Fetter/Agência RBS Foto: Reprodução SWNS

MIX Oliver perdoa

Os veículos tradicionais não precisam expandir seus domínios apenas para o ambiente online. Se o negócio é multiplicar a audiência e, de quebra, diversificar os negócios, por que não estender uma emissora de rádio a um bar? Quando um dos assuntos mais tratados nesta emissora é o futebol, tradicional tema de mesa de boteco – a mais antiga e popular rede social –, por que não levar o conceito ao pé da letra? O Grupo RBS fez isso ao inaugurar, em 7 de junho, o Gaúcha Sports Bar. Nele, o público pode as-

sistir a jogos de futebol na TV com a narração do rádio – sem delay, garantem –, bem como interagir com maior facilidade com os comunicadores. Haverá a transmissão de programas da Gaúcha direto do local, promovendo a aproximação dos ouvintes com os profissionais da emissora. O primeiro bar temático de esportes do Rio Grande do Sul, fruto de uma parceria da RBS com a Tornak Participações e Investimentos, está instalado no Viva Open Mall, na Avenida Nilo Peçanha, em Porto Alegre.

HBO

Rádio no bar

O apresentador John Oliver, do talk show Last Week Tonight, exibido pela TV por assinatura HBO, a fim de comprovar o crescimento do comércio de compra e venda de dívidas nos Estados Unidos, abriu sua própria empresa e conseguiu, por meio de uma licença online, adquirir débitos vencidos no valor de US$ 15 milhões. No início de junho, revelou o esquema e anunciou que os débitos que foram parar em suas mãos estavam todos perdoados. Um investimento e tanto da HBO na pauta.

Números da degola Messi processa

Axl dá bronca

O jornal espanhol La Razón, seu diretor, Francisco Marhuenda, e o jornalista Alfonso Ussía foram condenados a pagar 65 mil euros a Lionel Messi. O craque do Barcelona processou a publicação ao se sentir ofendido por um artigo escrito por Ussía depois da final da Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, e na qual a Argentina ficou em segundo lugar, ao perder a decisão para a Alemanha por 1 a 0. Os advogados do melhor jogador de futebol do mundo citaram “opiniões desnecessárias e impertinentes” destinadas a insultar seu cliente. O dinheiro da indenização será doado por Messi à ONG Médicos Sem Fronteiras.

Axl Rose anda com agenda extensa. Além de promover a volta da banda Guns N’ Roses – de grande sucesso no final dos ‘80/início dos ’90 –, inclusive dividindo palco com o guitarrista Slash, de quem se declarava inimigo mortal, tem se apresentado com a lendária AC/DC. Mesmo assim, arranja tempo para suas tradicionais polêmicas. Axl enviou uma notificação ao Google exigindo a retirada da rede de todas as fotos e memes zoando com seu peso. As imagens foram feitas em 2010 pelo fotógrafo Boris Minkevich.

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Segundo levantamento do US Bureau of Labor Statistics, de 1990 a 2016 os postos de trabalho em jornais americanos foram reduzidos em 60%, caindo de 458 mil para 183 mil. Já as vagas relacionadas com a internet subiram de 39 mil para 198 mil, número que deverá chegar em breve a 240 mil, semelhante ao de empregos gerados pelo segmento de cinema e produção de vídeos. Nas rádios as vagas encolheram 25% no período.

CORREÇÃO: Na entrevista da edição passada, entre antigos colaboradores citados por Karim Miskulin, publicamos o nome de Celso Schneider. O correto é Sandro Schreiner.


Rua Riachuelo, 1482. Porto Alegre, Centro. Fone: 3225-1125 | www.atelierdemassas.com,br

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CARTA AO LEITOR

SUMÁRIO 3

Almanaque

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Mix

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Mix

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Carta ao Leitor

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Entrevista: Jorge Polydoro

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Capa: Jornalistas Surpreendidos

Eliziário Goulart Rocha

Propinoganda e passividade

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comportamento da imprensa brasileira nos últimos anos deixou bastante a desejar. Pode-se dizer que os profissionais se dividiram em três categorias: os críticos do governo, os militantes do PT e os – até prova em contrário – imparciais. Quanto ao primeiro grupo, excetuandose os inegáveis exageros, não há muito a ser comentado. Um dos papeis historicamente cumpridos pela imprensa livre, de países que não estejam sob ditaduras e leis de exceção, é justamente o de fiscal atento dos governantes. Criticar o governo é da essência do jornalismo, pois não há razão para elogiá-lo quando age corretamente, afinal, isso deveria ser uma obrigação. É uma obrigação em nações institucionalmente mais desenvolvidas. Como diz a frase muito usada, mas de lembrança sempre pertinente, cunhada pelo Millôr, “jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados.” Já sobre os militantes há muito que se deve falar. Entrincheirados em colunas de jornais que buscam ser politicamente corretos, observando o direito de manifestação a ambos os lados – como se noticiar todo papo-furado dos governantes já não fosse ouvir de sobra “o outro lado” –, ou nos chamados “blogs sujos”, eles passaram muitas temporadas fazendo mais do que jornalismo chapa-branca, um jornalismo companheiro dos mais nojentos. Muitos deles, sempre se soube, mas agora os fatos se comprovam, a soldo do governo que fingiam defender apenas em nome de uma ideologia arcaica. Estão todos na lista de pagamentos da propinoganda de estatais como Caixa, Banco do Brasil e Petrobras – pobre Petrobras, todos lhe puseram a mão no cofre –, fora o que eventualmente recebiam à parte, fora os mimos, fora o resto. O terceiro grupo, o dos imparciais-até-prova-em-contrário, fez bem o seu trabalho, mas somente a reboque das investigações da Polícia Federal, antes disso se limitou a uma atuação passiva. Os integrantes deste bloco poderiam ter alcançado um belo e fundamental protagonismo, mas comeram mosca, ou não eram tão imparciais assim. Refletimos mais sobre isso na reportagem de capa, a partir da página 16.

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22 O Caso Watergate 24

Grandes Nomes: Bob Woodward

28 Opinião: Diego Guichard 29 Opinião: Mario Rocha 30 Galeria: Manchete / Posse de Itamar

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A capa desta edição foi criada pela Agência Vossa Estratégia Comunicação Criação: Rhaoni Ruckheim Direção de criação: Luiz Henrique Rosa

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA JOSÉ DE ALENCAR, 521/606 PORTO ALEGRE CEP 90880-481 FONE/FAX (51) 3231 8181

Editor ELIZIÁRIO GOULART ROCHA

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Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA DESIGN Imagens: Fotografia: Jefferson Bernardes/ Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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ENTREVISTA JORGE POLYDORO

“O gaúcho gosta de ser percebido como alguém que tem uma cultura diferenciada” Eliziário Goulart Rocha e Julio Ribeiro Fotos: Marcos Nagelstein | Agência Preview

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ENTREVISTA Arquiteto de formação, Jorge Polydoro começou no jornalismo fazendo uma série de fascículos sobre a conjuntura gaúcha bancados pela Fiergs. Depois de assumir o título, transformou-o na revista Amanhã, hoje carro-chefe de um grupo de publicações voltadas à área de negócios, empreendedorismo, gestão, inovação e demais aspectos da economia dos três Estados da Região Sul. Distinções concedidas a empresas, marcas e líderes, como o tradicional Top of Mind, ajudaram a consolidar a operação que está completando 30 anos. Polydoro, natural de Porto Alegre, 67 anos, fala, nesta entrevista à Press, sobre as eternas crises do Estado, a visão do gaúcho sobre si mesmo e o futuro do negócio da comunicação, entre outros temas. Nestes 30 anos da Amanhã, o que mudou no negócio revista? Nós não somos mais uma revista, somos um projeto multiplataforma que também se transformou em uma marca de reconhecimento. Na medida em que fomos criando prêmios em áreas em que o Sul tinha pouca visibilidade fora, fomos criando uma marca de reconhecimento. Hoje, por exemplo, se você entrar na página da Copel, lá de Curitiba, um quarto dos prêmios que ela tem foi a Amanhã que deu. Temos uma relação com as empresas do Sul de geração de valor para as marcas, por questão de lembrança, desempenho, capacidade de inovar... Mas isso tem repercussão por causa da revista. Só estou dizendo que hoje somos uma marca que tem várias aplicações em produção e gerenciamento de conteúdo. Essa é uma das maiores mudanças, porque quando começamos, éramos um fascículo mensal de 16 páginas bancado por um projeto da Fiergs criado por seu presidente, Luiz Octávio Vieira. O Estado vivia um momento de baixa auto-estima, havia a ideia de que a Fiat tinha trocado o Rio Grande por Minas Gerais, o que abateu o ânimo de nosso empresariado. Na verdade não tinha nada

a ver, vários Estados competiram e Minas ganhou porque o governo de lá entrou de sócio, colocou dinheiro no negócio. Mas havia o sentimento de que o Rio Grande do Sul não tinha futuro, que uma indústria automobilística teria mudado o perfil da nossa indústria, isso estava muito forte. Por isso o Vieira resolveu fazer o projeto, uma reflexão sobre o Estado. Eu, que estava próximo dele, acabei fazendo o fascículo Amanhã, em junho de 1986. Logo depois, o Luiz Carlos Mandelli assumiu a Fiergs. Ele seguiu com o projeto, mas achou que deveríamos mudar a forma de financiamento. A Fiergs continuaria distribuindo, colocaria algum recurso, mas queria dividir o custo. A MPM, agência de propaganda da entidade, assumiu o compromisso de colocar três páginas de anúncio, além da página da Fiergs. Então, o fascículo passou a ter 20 páginas. Depois de dois anos não fazia sentido eles seguirem, então eu assumi a publicação, eles mantiveram os anúncios e continuei distribuindo para o mesmo público. Aí viramos a revista Amanhã. A contagem dos 30 anos começou com o primeiro fascículo, que tinha na capa uma ema enrolada numa boleadeira e o título “Um século de crise/Como o Rio Grande se enredou”. A gente não vive em crise? Não somos chorões demais? Somos um Estado mal resolvido em alguns aspectos, por exemplo, temos uma imagem externa como se tivéssemos uma unidade, o perfil do gaúcho, no entanto, somos outras coisas também, as colônias italiana e alemã são bem diferentes do gaudério do pampa, que forjou a identidade do gaúcho, junto com a literatura. Mas nós gostamos de posar com aquela imagem. O gaúcho tem uma identidade, toma chimarrão, gosta de ser percebido como alguém que tem uma cultura diferenciada, mais essa história da cultura do frio. Somos múltiplos, mas aparecemos como únicos. Quando o pessoal vem para cá e convive com o gaúcho, percebe isso. Basta ir para Gramado, Canela. Eles não vêem gaudérios naquela região, se forem para a zona rural é capaz de verem um cara de bombacha e tamanco, de bota é difícil. O marketing do gaúcho se dá através dessa

formulação da figura épica e mítica, com a aplicação e repetição desse modelo, por exemplo, no futebol, dizendo que ele é mais pegado... ...nosso futebol é mais pegado, nossos políticos são mais honestos, nossa cultura é superior... Esta atitude não nos isola do Brasil? Essa dos políticos mais honestos já passou. Tínhamos a ideia de possuir uma política mais séria. A ideia de que somos mais politizados, na prática, significa que as corporações entenderam isso e se apropriaram do Estado, nisso somos bem politizados. E temos um Estado sempre deficitário. Há 30 anos demos uma capa falando em um século de crise, e 30 anos depois estamos exatamente como a capa da segunda edição, que falava no colapso das contas públicas. Dizíamos que só não faltava energia porque vivíamos uma recessão. Como hoje. O número 9 do fascículo falava no rombo das estatais. Ali falávamos que a dívida da CEEE era igual a toda a dívida da administração direta. E até hoje a CEEE é um problema. A não solução de problemas, a resistência a mudanças, é uma decisão, ainda que não consciente, uma atitude de deixar como está? Eu não concordo. Isso que acontece aqui, também acontece em Santa Catarina e no Paraná. As empresas familiares dos três Estados têm um ciclo de desenvolvimento que vai até a profissionalização e a institucionalização de uma governança mais avançada. Existem as exceções que, às vezes, toma-se como regra. A vinda dos imigrantes, que eram empreendedores, ajudou a dar origem a muitas empresas familiares. Tem períodos longos em que as empresas são a imagem de seu fundador, são lideradas por ele, seguem seu ritmo, sua proposta, e, na hora em que têm de mudar a gestão, ou na família, ou para fora dela, é que começa o processo de profissionalização e vão em busca de ajuda. São Paulo também passou por isso. A Votorantim, da família Ermírio de Moraes, passou por sua grande transformação não faz muito tempo, assim

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como o jornal O Estado de São Paulo, no qual até há pouco os Mesquita tinham todo o comando. Creio que não há mais nenhuma família quatrocentona dirigindo as empresas, mas há 30, 40 anos, havia muitas, elas eram a elite empresarial de São Paulo. O mesmo aconteceu no Rio Grande do Sul, com mais ou menos ênfase. Por exemplo, a Marcopolo foi se transformando, vendendo participações, e houve mudança da gestão. De uns anos para cá ocorre uma aceleração porque tem muito mais informação, mais ambiente para essas transformações. O governo faz um movimento semelhante ao das organizações? A política brasileira segue um padrão. Tudo começa no vereador. Até meados dos anos 1970, os vereadores de cidades até certo tamanho não eram remunerados. Era um cargo honorífico, preenchido por notáveis. Quando se transforma o cargo de vereador em profissão, muda o perfil. O cara que é diretor de uma grande empresa não vai mais lá, quem vai é o eleito de um processo político cujo modelo faliu. Hoje temos um exemplo bem claro de que às vezes não adianta mudar o presidente. Ou se muda o modelo, ou a base terá sempre que ser formada através de acordos, e os acordos são um risco permanente para quem está no comando. Se ele não atende aos interesses de um ou de outro partido, pode não ter seus projetos aprovados. E são muitos partidos. A política brasileira foi sendo ocupada por profissionais, e isso constrói uma geração de profissionais que não se formaram para aquilo. O cara não precisa ter nenhum curso para ser prefeito. O que trava os Estados não é o nosso atual modelo federativo, com muito dinheiro concentrado em Brasília e muito poder concentrado no presidente da República? Também. É por isso que o Executivo tem tanto poder, consegue negociar, dividir esse poder, porque tem de dividir para poder mandar. Nossos Estados e municípios têm muitos compromissos e uma receita baixa, e às vezes aparece como responsável por uma coisa pela qual não é. O prefeito não é responsável, por exemplo, pela segurança

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pública, e sim o governador, através de uma corporação que responde a ele. Mas a cidade é que sofre. Quando teremos condições políticas, institucionais, de infraestrutura e de gestão capazes de nos colocar no grupo das maiores economias do mundo? Este é o desafio, precisamos ter competência. Nós não achamos uma boa maneira de solucionar uma crise institucional, nunca digo “eles”, o governo, e sim “nós”, é uma questão civilizatória, todos somos responsáveis por isso. O Brasil tem o desafio da educação, de reconstruir o sistema de valores, que já tivemos baseado em algumas instituições, como a igreja católica. Hoje temos várias igrejas pregando nem sempre da mesma forma, e não estou criticando nenhuma em particular, apenas dizendo que certas unidades que tínhamos antigamente, não temos mais. Hoje temos que pactuar, a sociedade é muito diversa. É preciso entender isso, e entender significa conviver com as diferença e repactuar nosso processo civilizatório, e não estamos sabendo fazer isso. Ainda estamos nos dividindo muito mais do que buscando a convergência.

América Latina. O Rio Grande do Sul fez esse movimento. Naquela época não tínhamos uma fábrica de automóveis, o que considerávamos um desastre, e hoje temos a GM com sistema de robótica altamente eficiente.

O Rio Grande do Sul está melhor hoje do que 30 anos atrás? Há uma evolução normal da humanidade em termos de ciência, tecnologia, que nos dá mais conforto, mais qualidade de vida, mais longevidade... É muito difícil comparar épocas.

O impacto da presença de uma montadora foi o que se esperava? A diferença da GM para a Fiat, ou para a Renault, ou para a Ford, é que a GM trouxe um sistema fechado. Ela trouxe os sistemistas, agregou três ou quatro da região. Tanto a Renault, no Paraná, quanto a Fiat, em Minas, ou a Ford, na Bahia, dialogaram mais com o ambiente de produção. Mas o fato de ter uma fábrica como a da GM próxima, cria todo um ambiente, porque muitos fornecedores da cadeia, mesmo não sendo os fornecedores principais, estão ligados, de alguma forma. Ela gera resultado, emprego e uma visão mais moderna de nossa região. Uma contribuição importante ela trouxe. Mas o Polo Petroquímico, por exemplo, é fantástico como agente transformador, a cadeia que vai da refinaria até a terceira geração somente quatro Estados brasileiros têm. A Região Metropolitana de Porto Alegre possui muitas cadeias, vários setores altamente eficientes. O coureiro-calçadista passou por uma crise, teve de se modernizar em design, tecnologia de produção e continua competindo, embora talvez sem o mesmo peso econômico de antes, até porque o mercado internacional também mudou.

Mas, comparando com o Rio Grande daquela capa de 30 anos atrás, o Estado tem mais condições de sair desta situação? Quando fazíamos capas mostrando o futuro mostrávamos tecnologia, que havia avanço na produção agrícola, que o Polo Petroquímico, depois de um tempo paralisado, finalmente ia acontecer. Fizemos uma capa que considero emblemática de tudo isso: “Do charque ao chip”, com a figura de um gaudério de cujo cérebro sai uma pequena placa, claro, com o design da época, mas o símbolo era o mesmo. Em 2008 foi criada em Porto Alegre a primeira fábrica de chips da

Um problema é a concentração de nossa economia, temos regiões bem desenvolvidas, mas a metade do Estado é pobre. Em Santa Catarina, por exemplo, cada região potencializa sua vocação. É, Santa Catarina tem um modelo mais bem distribuído. Paraná e Rio Grande do Sul possuem regiões metropolitanas hegemônicas, aqui mais ainda, porque Londrina e Maringá ficam longe da capital, enquanto aqui Caxias do Sul fica muito perto. A concentração industrial e de serviços é maior. A propósito, outra coisa que ajudou a formatar a imagem do gaúcho, sobre a qual falamos antes,


ENTREVISTA

foi a eficácia com que foi construído o sistema de tradições gaúchas, que data da década de 1950, com Barbosa Lessa, Paixão Cortes e outros. Eles pesquisaram as músicas, pesquisaram as roupas. De certa maneira, o MTG e os CTGs são tipo franquias, têm que adotar as regras estabelecidas pela matriz. E isso, que tem um lado bastante conservador, de certa maneira foi o construtor de um processo de transmissão de nossa cultura para muitas regiões do País. Falemos do negócio da comunicação. No meio revista, especificamente, as publicações impressas, de modo geral, têm perdido espaço. Mas, no caso das segmentadas, elas se mantêm, estão encontrando caminhos novos? As empresas de publicidade e as empresas

de mídia estão mudando. O que elas vão ser, talvez não sejam todas a mesma coisa, algumas vão para um lado, outras para outro, algumas tentam se manter no mesmo modelo, com a complementação do online. É um modelo que não se sabe ainda como funcionará em sua plenitude, há experiências sendo feitas em todo o mundo, mas não há indicadores de como vai ser. A mudança está sendo mais lenta do que se imaginava nos países avançados. A cidade mais desenvolvida do mundo, no país mais desenvolvido do mundo, tem um jornal fortíssimo que é o New York Times. Hoje a edição impressa convive bem com a online. Por quanto tempo? A migração é uma tendência realmente definitiva? Possivelmente é, por causa da logística, do problema do consumo de energia, um jornal físico tem que ser

distribuído através de veículos, queimar combustível, produzir CO2, então em tese isso vai mudar, mas a velocidade está sendo menor do que eu imaginava. Os jovens, aparentemente, não buscam a informação com a mesma intensidade de antes, ao mesmo tempo em que os novos jornalistas parecem ter pouca leitura, pouca densidade. Os grandes nomes saem de cena e não surgem nomes de destaque. Perdeu-se aquele idealismo, aquela vontade de mudar o mundo? Sempre estão saindo medalhões e surgindo outros, é um processo. E o público também é outro. Eu tenho muita humildade em relação a essas coisas. Muitas vezes a narrativa antecede o fato e, muitas vezes, o fato não se alinha. Eu não sei se os jovens são

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tão desinformados, eles se informam de outro jeito, mas eu, por exemplo, até entrar na universidade, não era um grande leitor de jornal. Depois eu virei um leitor obsessivo, na medida em que fui me interessando por aquele campo. Eu não sou referência para o jovem de hoje, talvez o Polydoro de 18 anos fosse. A gente chegava tarde, ou tinha de sair cedo para a faculdade, o jornal estava lá, o meu pai lia todos os dias, eu via o jornal em casa, não iria à banca comprar. Eu me informava muito pelos meus amigos, pelo rádio, sempre ouvi muito rádio, hoje se informam pela internet. Eu vou falar sobre a minha área. Eu tenho certeza de que as pessoas hoje lêem mais, se interessam mais do que quando começamos com a Amanhã. Estou sempre circulando em empresas, universidades, eventos, e percebo que o interesse sobre este tema, o negócio, o empreendedorismo, cresceu muito. E nós temos um papel relevante aqui no Sul, por termos dado espaço tanto às organizações, quanto às lideranças. Para se conhecer as pessoas, elas têm que aparecer em algum lugar. O jornal diário dá notícias de economia de interesse no dia a dia das pessoas, a não ser que seja um jornal econômico. Eles atendem às necessidades de seus leitores, que podem ser também leitores que se interessam por de gestão de negócios, mas não vão se informar sobre isso no jornal diário. Neste campo, muitos jovens se interessam. Quando se faz um seminário, um fórum, junto a uma universidade, o evento lota. Possivelmente porque os negócios se desenvolveram mais, as pessoas estão se questionando mais sobre o que querem fazer. Eu quero ser médico ou quero ter uma clínica? Quero ser professor ou dono de escola? Todos se colocam um pouco essa questão, até os jornalistas, muitos estão procurando soluções individuais e se transformando em pequenas empresas. Existem mudanças significativas no perfil de nossa sociedade e elas impactam o jovem. Talvez o jovem da área das humanas esteja passando por um processo, discutir as humanidades hoje é mais difícil. Existia certa hegemonia do pensamento filosófico, sociológico, que remetia à posição de centro-esquerda da maioria dos estudantes, e hoje não é mais assim. Eu não me lembro de liberais no meu tempo de estu-

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dante, não havia Instituto Liberal, Instituto Millenium, havia pessoas que não concordavam com as posições de esquerda, mas não havia uma proposta de mercado, pessoas que pregavam isso. Você pegou o tempo da ditadura. Na época da ditadura, quando o Brasil começou a crescer 10% ao ano, era um bom momento para se transformá-lo num país de empreendedores. Naquela época esquerda e direita queriam a mesma coisa, um estado grande. Também havia mais clareza entre o que era extrema esquerda e o que era social-democracia. O PSDB, quando surgiu, era mesmo social-democrata, hoje não se sabe mais o que é, talvez alguns ainda sejam. O

mesmo ocorre com os outros partidos, não há uma clareza. Está difuso, está um pouco em cada um. Pode ter liberal no PT, no DEM, e por aí vai, não há um partido que represente este pensamento, como o Republicano, nos Estados Unidos. Os republicanos são liberais, no sentido econômico. O que você tem lido? Estou lendo um livro do Umberto Eco sobe a imprensa, Número Zero, em que, ironicamente, o jornal que eles estão fazendo e com o qual ele está realizando as chantagens se chama Amanhã. (risos) Eu conheci a obra de Umberto Eco em 1967, quando ele nem imaginava que um dia seria um romancista. Ele era um semiólogo, que inclusive escreveu um livro que foi referência na minha vida, Obra Aberta, no qual falava muito sobre pluralidade


ENTREVISTA

de significados e significantes. Nossa empresa se chamou Plural por isso. Outras obras ou outros autores fundamentais em sua formação. Na área da comunicação, Marshall McLuhan. Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, pela riqueza da linguagem. A gente já havia descoberto o realismo mágico como linguagem num período em que no Brasil tinha de se falar por metáforas. Foi uma experiência riquíssima. No Coojornal, por exemplo, tínhamos de andar no limite do limite. Recebíamos pressão, mas nunca tivemos censura prévia. E a censura prévia quase acabou com muitos veículos. A própria Veja tinha que mandar o material com um dia de antecedência para ser lido pelos censores. A gente tentava chegar ao limite, sem ultrapassá-lo. E jornalistas que considera referências? Eu trabalhei com profissionais muito

bons, com quem eu aprendi muito. O Elmar Bones, o Bicudo, por exemplo. Porque eu não fiz jornalismo, eu migrei para o jornalismo. No Coojornal eu fazia várias coisas, inclusive a diagramação. Eu entrei no jornalismo pelo design, porque eu sou arquiteto. E aí fui convivendo com o jornalismo e fazendo cada vez mais coisas. Em certo momento me tornei quase um publisher, porque eu podia tratar de questões comerciais e também de conteúdo. Foi lá que eu aprendi. Todo mundo que passou por lá não saiu do mesmo jeito. Era uma escola de jornalismo. O Erico Valduga é um cara com quem fiz um projeto maravilhoso e aprendi muito com ele. Como eu aprendi muitas coisas com o Luiz Carlos Felizardo, entre elas fotografia. Com o Felizardo eu aperfeiçoei minha exigência, o rigor pela qualidade. Ele sempre foi obsessivo com a qualidade. Aquele rigor valia muito mais a pena do que imaginava. Eu constatava isso quando via o resultado do trabalho. Ele pegava uma foto em preto e branco

e fazia umas 20 cópias até achar que estava boa. Aí me mostrava em cada cópia detalhes quase insignificantes, mas que ele enxergava e não tolerava. Também aprendi muito com o José Antonio Vieira da Cunha, com seu equilíbrio. Eu não tenho referências da redação porque eu nunca trabalhei com os caras da outra geração, sempre com os da minha. E o papel da Amanhã? A Amanhã é um projeto improvável, porque ela nasceu fora de São Paulo e hoje é a principal revista brasileira nesta área fora de São Paulo. Somos hoje a sétima revista mais premiada da história da imprensa brasileira em todos os tempos, e ela é mensal. À nossa frente, há várias e semanais e uma quinzenal. Somos o 11º veículo mais premiado da Região Sul, concorrendo com jornais, revistas, rádios e TVs dos três Estados. Mesmo sendo segmentado e mensal, comparada com jornais diários, rádios e TVs que ficam no ar 24 horas.

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Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasi

Fato concreto: a imprensa só começou a cobrir o assalto generalizado aos cofres da estatal a reboque das investigações da Operação Lava Jato

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REPORTAGEM DE CAPA

Surpresa pautada É difícil entender como centenas de jornalistas experientes que cobrem o poder não revelaram antes a roubalheira na Petrobras

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Fernanda Cruz/Agência Brasil

REPORTAGEM DE CAPA

Cerco fechado: polícia a postos defronte o apartamento de Lula para evitar tumultos enquanto o ex-presidente prestava depoimento em Congonhas

E

mitido em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional Nº 5 foi o mais contundente documento da ditadura militar brasileira. O AI-5 sobrepunha-se à própria Constituição, conferindo ao governo do marechal Artur da Costa e Silva – ele foi um dos últimos a obter esta patente, depois extinta – poderes excepcionais para combater a crescente oposição ao regime. Causara especial desconforto discurso de Márcio Moreira Alves na Câmara, em 2 de setembro daquele ano, no qual o deputado propunha boicote ao militarismo, a começar pelas comemorações do 7 de Setembro, e chamava o Exército de “valhacouto de torturadores”. Obviamente, tratava-se de mero pretexto para implantar medidas exigidas pela linha dura do sistema. O AI-5 deu à ditadura poderes para suspender garantias individuais e punir arbitrariamente quem bem entendesse. As primeiras iniciativas lastreadas no documento foram a cassação de 11 deputados – incluindo,

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obviamente, Márcio Moreira Alves – e o fechamento do Congresso Nacional até outubro do ano seguinte. O AI-5 fora editado com prazo de validade de dez anos. Como não houve qualquer iniciativa para renoválo, e o prazo fatal ainda havia sido confirmado pelo Congresso, sabia-se que o ato se extinguiria às 24 horas de 31 de dezembro de 1978. O fim do AI-5, portanto, era matéria pautada desde sua criação, havia uma década. No entanto, somente um veículo tratou o assunto com o devido destaque. Naquele que também seria seu último dia como editor de política do Jornal do Brasil, Elio Gaspari publicou, em 31 de dezembro de 1978, reportagem de cinco páginas que rendeu a manchete do JB: “O regime do AI-5 acaba à meia-noite de hoje”. Todos os demais veículos foram “surpreendidos” por um fato programado dez anos antes, o que rendeu muito bate-boca nas redações, algumas tentando desconstruir a iniciativa de Gaspari para justificar o próprio cochilo, mas a maioria usando

seu exemplo para puxar as orelhas de quem deveria ficar atento, no mínimo, ao que estava previsto desde sempre. O furo datado de Elio Gaspari tornou-se emblemático e virou case na cartilha dos jornalistas, sobretudo os que cobrem os assuntos do poder. Ser surpreendido por efeméride é algo que não pode acontecer a profissionais cuja obrigação diária é acompanhar as principais decisões do País. Mais do que não cochilar ao verificar a agenda, é preciso justificar o título de “jornalista investigativo”. Limitar-se às fontes oficiais, sabe-se, é mortal em jornalismo. Além de produzir uma cobertura chapa-branca, algo por si só condenável, liquida com qualquer chance de fazer algo além do burocrático, capaz de levar o público a optar por um veículo que ofereça cobertura diferenciada, com os detalhes de bastidores que fazem toda a diferença e com informações efetivamente novas, inéditas, que acrescentem algo ao que já se sabia sem se precisar


alturas, tanto o fato de que a corrupção na estatal já existia, quanto o de que o PT a institucionalizou. O volume de pessoas envolvidas, o montante desviado e o largo tempo decorrido parecem indicar que seria impossível os repórteres – e editores etc – nunca terem ouvido falar nisso. E, se ouviram, por que não publicaram? Bem, provavelmente não tinham provas, entretanto, sabemos o quanto a imprensa é capaz de buscar provas, por vezes com mais eficiência e celeridade que a própria polícia. Então, o que houve? Preguiça de realizar uma apuração completa? Medo de represálias? Temor de perder as fontes? Senso de proteção dos políticos amigos? Alinhamento ideológico com os inquilinos do Palácio do Planalto? Se eliminarmos todas essas hipóteses, restará apenas uma, ainda mais preocupante: pura e simples incompetência. Mas é difícil de acreditar que centenas de profissionais com vastos currículos e reconhecido talento tropecem todos ao mesmo tempo na

própria incapacidade. E não cabe o argumento de que talvez alguns tenham tentado revelar o escândalo e foram impedidos pelos patrões, afinal, por que a “mídia golpista” perderia tal chance? Portanto, a inquietante dúvida persiste. No auge das manifestações contra o governo de Dilma Rousseff entrou em cena a jornalista Miriam Dutra, ex-Globo, que teve um caso – e, supostamente, um filho, que ele assumiu, embora um teste de DNA não tenha confirmado a paternidade – com o expresidente Fernando Henrique Cardoso. A despeito do momento conveniente para ela se manifestar depois de tanto tempo, do eventual oportunismo dos petistas na tentativa de explorar o caso tardio e das contradições dela, um aspecto bastante discutido é o que nos interessa aqui: os jornalistas que cobrem Brasília sempre souberam dessa história e nunca a haviam trazido a público. Teorias conspiratórias à parte, fato é que nada tem a ver com escândalos como o do Petrolão. Para começo de conversa,

Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

daquela reportagem. Ressalte-se que raramente há focas cobrindo os temas da República, ao contrário, os veículos costumam mandar para Brasília seus profissionais mais talentosos e tarimbados, por razões óbvias. Apesar disso, os jornalistas que atuam em Brasília, ou em outros lugares, mas igualmente cobrindo o poder, tantos deles considerados “investigativos”, seguem sendo surpreendidos por fatos que deveriam ter apurado a fundo e sobre os quais, no mínimo, certamente haviam ouvido falar. Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, e confirmando o que afirmara em depoimento à Polícia Federal durante sua delação premiada na Operação Lava Jato, o ex-senador Delcídio do Amaral repetiu o que é dito exaustivamente por vários outros personagens do Petrolão: a corrupção na Petrobras vem de longe, não foi o PT que a inventou, mas foi com ele que se transformou num quadro sistêmico. Nem precisaríamos de Delcídio para saber isso, que parece bem claro a estas

Firmeza: Sérgio Moro, de braços cruzados em evento da Ajufe, mas de ação intensa na condução das investigações sobre a corrupção na Petrobras

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Geraldo Falcão/Agência Petrobras

Um oceano de dinheiro: desvios na Petrobras, segundo estimativa conservadora do Ministério Público, chegam a quase R$ 22 bilhões

trata-se de vida privada. A menos que Fernando Henrique tivesse desviado dinheiro público para beneficiar a amante, o assunto só dizia respeito a ambos e à falecida Ruth Cardoso. E não vale a comparação com o caso Bill Clinton-Monica Lewinsky, uma vez que nas redações brasileiras sempre se tratou a repercussão em torno do episódio envolvendo o presidente americano como fruto do falso moralismo daquela sociedade e da ânsia por minutos de holofote de um promotor independente, figura jurídica que, felizmente, não existe no Brasil. Do mesmo modo, ninguém com bom senso e alguma isenção viu com bons olhos o golpe baixo de Fernando Collor contra Luiz Inácio Lula da Silva no espisódio Lurian, nas eleições presidenciais de 1989. O fato de ter uma filha fora do casamento não seria motivo razoável para alguém deixar de votar em Lula, bem como em nada interferiria em seu desempenho como presidente, uma vez eleito. O

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O desconhecimento dos fatos ou seu acobertamento é grave quando se trata de assunto do mais alto interesse da nação, como o caso de corrupção na Petrobras.

Brasil realizava as primeiras eleições diretas depois da ditadura, havia muito em jogo e o debate não deveria perder o foco dos graves problemas nacionais. Se jornalistas sabiam de Lurian naquele momento crucial da campanha eleitoral e ficaram calados, convenhamos, eles estavam certos. Vida privada à parte, o desconhecimento dos fatos ou seu acobertamento é algo grave quando se trata de assuntos de alto interesse da nação, e nada pode ser de mais alto interesse da nação do que um esquema sistemático e bilionário de assalto aos cofres públicos. O valor do ressarcimento pedido pelo Ministério Público Federal a empreiteiras e ex-diretores da Petrobras, portanto, uma estimativa do que foi desviado, atinge R$ 21,8 bilhões. Segundo balanço auditado da estatal publicado em 2015, somente entre 2004 e 2012, durante os governos de Lula e Dilma, escorreram pelo ralo da corrupção na empresa R$ 6,2 bilhões. Mesmo com base nesse número bastante


Paulo Pinto/Agência PT

REPORTAGEM DE CAPA

Jornalismo a favor: ato em defesa de Dilma, Lula e o PT no Sindicato dos Jornalistas-SP. Esses não precisam explicar a omissão na apuração

conservador, as cifras são assustadoras. A revista Veja calculou que, neste caso, foram desviados R$ 1,9 milhão a cada 24 horas naquele período; R$ 78,5 mil por hora; R$ 1,3 mil por minuto; ou R$ 22 por segundo. Como tamanha roubalheira pode ter passado batida nas barbas de tantos jornalistas experientes é uma indagação para a qual provavelmente jamais tenhamos resposta satisfatória. Em momento tão delicado para a profissão e para os veículos, pelos mais variados motivos, tal assunto deveria entrar na pauta dos debates, mas, estranhamente, passa ao largo até mesmo dos papos de boteco depois do fechamento. Melhor varrer a própria inépcia – ou coisa pior – para baixo do tapete. Alguém poderá citar matérias episódicas, denúncias pontuais e sem repercussão, de todo modo ninguém as levou adiante. Cabe lembrar o “caso Paulo Francis”. Em 1996, Francis afirmou, no Manhattan Connection, que os diretores da Petrobras

possuíam 50 milhões de dólares em contas secretas na Suíça. Lucas Mendes, âncora e diretor do programa, perguntou se ele tinha provas do que acabara de afirmar e ele admitiu que não. Nos bastidores, Mendes alertou-o sobre a imprudência de fazer denúncia de tal gravidade sem provas e sugeriu que aquele trecho fosse cortado na edição. Francis rejeitou a oferta e a acusação foi ao ar. Os sete diretores da Petrobras, encabeçados pelo presidente, Joel Rennó, processaram Francis nos Estados Unidos sob a alegação de que o programa era exibido lá para brasileiros assinantes de TV a cabo. Pediram uma indenização de 100 milhões de dólares. Embora o programa fosse exibido no Brasil e a sede da Rede Globo, dona do canal GNT, ficasse aqui, eles sabiam que a justiça americana tendia a estabelecer indenizações bem acima da média brasileira. Até o presidente Fernando Henrique tentou, em vão, convencer Rennó a retirar a ação.

Francis morreu de infarto em 4 de fevereiro de 1997, aos 66 anos. Em seguida, os diretores da estatal retiraram a ação. Até hoje, muitos atribuem sua morte à tensão gerada pelo processo. Evidentemente, a roubalheira descoberta agora não permite que se acuse Rennó e seus diretores, mesmo que se saiba que a corrupção não foi criada pelo PT e etc. Tampouco se pode atribuir morte por infarto a um único fator. Além disso, é claro que Francis foi irresponsável ao acusar sem provas. O que se destaca do episódio é que houve esta estridentre denúncia em 1996, e lá se vão 20 anos sem que nenhum repórter tenha levado Francis a sério a ponto de ir até o fim em uma investigação profunda sobre desvio de dinheiro na Petrobras. Tem se tornado cada vez mais comum esperar que a pauta caia pronta no colo. Com tantos desafios a vencer, o jornalismo não poderia se dar ao luxo da passividade. Ou do que for.

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Foto: Arquivo Casa Branca

HISTÓRIA

O povo nas ruas: enquanto o Post não dava trégua e o Congresso abria investigação, crescia o movimento pelo impeachment

O Caso Watergate N

a noite de 17 de junho de 1972, cinco homens foram presos depois de invadir o escritório do comitê nacional do Partido Democrata, no complexo Watergate. Parecia se tratar de uma simples tentativa de roubo. Na edição do dia seguinte, The Washington Post publicou uma nota pequena sobre o assunto na primeira página. Dois repórteres do Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, desconfiaram que havia algo mais e resolveram partir para uma apuração profunda (leia mais sobre a reportagem nas páginas seguintes). A desconfiança converteu-se em algo concreto quando eles descobriram que um dos invasores estava na folha de pagamentos do comitê de reeleição do presidente, o republicano Richard Nixon. Mais tarde, descobririam também que um cheque de 25 mil dólares do comitê de Nixon fora

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depositado na conta de outro invasor. Estava estabelecida a conexão presidencial com o arrombamento. O que ocorrera de fato na noite de 17 de junto havia sido o seguinte: o objetivo do bando era fotografar documentos, grampear telefones e instalar escutas no comitê democrata a fim de conseguir informações que seriam eventualmente utilizadas como elemento de chantagem. A invasão foi coordenada por dois ex-agentes da CIA e do FBI, instalados em um prédio vizinho e munidos de binóculos e de walkie-talkies. Nixon, nascido em 9 de janeiro de 1913 na cidadezinha de Yorba Linda, na California, iniciou sua caminhada rumo à Casa Branca em 1953, quando foi eleito vice-presidente na chapa encabeçada por Dwight Eisenhower, que comandara a célebre Operação Overlord, mais conhecida como

Dia D. O desembarque das tropas alidas na Normandia, em 6 de junho de 1944, o episódio mais ousado e decisivo da Segunda Guerra Mundial, rendera a Ike, como o general era conhecido, o prestígio capaz de levá-lo à presidência, tendo como vice Nixon, que servira como capitão-de-corveta da Marinha no teatro de operações do Pacífico antes de ingressar na política e se eleger senador. Em 1960, Nixon tentou voo mais alto e disputou a presidência com John Fitzgerald Kennedy, mas acabou vendo seu sonho adiado por mais de uma década, principalmente, porque se deu mal no primeiro debate eleitoral da história transmitido pela TV. Enquanto Kennedy preparavase para o confronto com a ajuda de especialistas em marketing político, Nixon concedia a ele a importância de uma escala no boteco. Kennedy


Washington Post

BOB WOODWARD 24 | Press 170


GRANDES NOMES

O homem que ajudou a derrubar um presidente Bob Woodward tinha apenas 29 anos quando seguiu a cartilha que todo bom repórter sabe de cor desde o berço: desconfiar das explicações iniciais, investigar fatos ocultos atrás do que poderia ser apenas um registro policial sem maior relevo, duvidar das fontes oficiais, utilizar fontes independentes, apurar exaustivamente, checar ainda mais exaustivamente e, depois de tudo isso, convencer o editor de que está seguro do que escreveu e de que os riscos de publicar o material compensam diante da magnitude da denúncia. Os chefes a serem convencidos, neste caso, eram o célebre editor Ben Bradlee, e a não menos lendária Katherine Graham, dona do Washington Post. Tendo como parceiro Carl Bernstein, Woodward desvendou o que ficou conhecido como Caso Watergate (leia reportagem nas páginas anteriores), escândalo político-policial que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. A história virou filme – Todos os Homens do Presidente (All the President's Men, 1976) –, no qual o jornalista foi interpretado por Robert Redford. Mais do que ser imortalizado por Hollywood, Woodward – a exemplo de Bernstein – entrou para a galeria dos nomes fundamentais do jornalismo por realizar aquela que se transformou em ícone de reportagem investigativa. (Trechos de entrevista de Samuel Wainer à Folha de S. Paulo em 14 de janeiro de 1979)

R

obert Upshur Woodward nasceu na cidade de Geneva, Illinois, em 26 de março de 1943, filho de Jane e Alfred Woodward. Conseguiu uma bolsa na Universidade de Yale, onde estudou história e literatura inglesa, tendo se graduado em 1965. Em seguida, alistou-se na Marinha e serviu durante cinco anos no Escritório de Inteligência Naval. Após ser promovido a tenente, em agosto de 1970, desligou-se da arma, fez cursos de pós-graduação e tentou obter uma vaga de repórter no Washington Post. Chegou a fazer um pequeno estágio de duas semanas, ao final das quais foi dispensado por ser considerado ainda muito verde para o ofício. Decidido a seguir carreira no jornalismo, Woodward resolveu começar um pouco mais por baixo e foi trabalhar no Montgomery County Sentinel, de Rockville, estado do Maryland, mas permaneceu ali por apenas um ano, e então conseguiu realizar o sonho inicial e foi contratado pelo Post, onde logo alcançaria a consagração na carreira. Em 1972, com apenas alguns meses de casa, Woodward foi escalado, junto com o colega Carl Bernstein, para cobrir um caso de assalto à sede do Comitê Nacional Democrata, instalado em um dos prédios do complexo Watergate, na capital americana. Logo a dupla percebeu que aquilo deveria ser mais do que simplesmente um arrombamento com intenção de furto. Foram a fundo, realizando um traba-

lho exemplar de apuração jornalística. Ao longo de meses, conseguiram estabelecer as ligações entre a Casa Branca e o assalto ao comitê. Um de suas principais fontes ficou conhecida como Garganta Profunda (Deep Throat), e sua identidade se manteve no anonimato por décadas. Somente em 2005, três anos antes de sua morte, o informante assumiu publicamente a participação no episódio: tratava-se de Mark Felt, ex-nº 2 do FBI, a polícia federal americana. A investigação dos repórteres evoluiu graças, principalmente, ao Garganta, que lhes forneceu preciosas pistas a serem seguidas, sendo inclusive o autor da frase até hoje largamente utilizada pela imprensa na apuração de escândalos: “siga o dinheiro” (“follow the money”). Tratava-se, de fato, de um ato de sabotagem protagonizado pelos republicanos com o conhecimento do presidente Richard Nixon, que acabaria renunciando ao cargo quando se encontrava sob ameaça de sofrer impeachment (leia mais em reportagem nas páginas anteriores). Woodward e Bernstein entraram para a história do jornalismo, não apenas por desvendar o caso, mas por fazer uma apuração exemplar, precisa, ética e segura. Apesar da fama obtida por este caso de grande repercussão, o qual não apenas cobriu, mas contribuiu fortemente para o desfecho, ajudando a escrever a história de seu país, Bob Woodward

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nunca deixou que o sucesso precoce o tornasse menos diligente. Seguiu no Post, agora como editor associado, e continuou produzindo muito, sempre com brilhantismo, dividindo seu tempo entre a redação – ou, como bom repórter, muito mais fora da redação – e os livros. Seu primeiro prêmio Pulitzer, em 1973, foi, obviamente, pelo Caso Watergate, um trabalho de equipe brilhante no qual ele teve papel decisivo. O segundo Pulizer que ele daria ao Washington Post viria em 2002, pela cobertura dos ataques de 11 de Setembro, ocorridos no ano anterior. Além do Pulitzer, ele ganhou quase todos os prêmios jornalísticos dos EUA. Depois de Todos os Homens do Presidente, escrito em parceria com Bernstein e levado às telas pelo diretor Alan J. Pakula em 1976, Woodward escreveu outros 17 livros, de ficção e jornalismo, entre os quais Os Irmãos: Nos Bastidores da Suprema Corte; A Vida Curta e o Ritmo Veloz de John Belushi (ator, comediante e músico, irmão do também ator James Belushi, John morreu de overdose de cocaína e heroína em 1982, aos 33 anos); e As Guerras de Obama – uma análise da luta dos EUA contra o terrorismo. Sua obra mais recente é O Preço da Política, sobre a política fiscal de Barack Obama e os conflitos com os republicanos no Congresso. Woodward é um observador atento do jornalismo praticado em seu país. E ele fala com moral. Não “apenas” por Watergate, mas por toda uma trajetória de boas coberturas, jornalismo investigativo de verdade, na veia e bem apurado. A respeito da Segunda Guerra do Golfo, por exemplo, ele atacou a cobertura feita pela imprensa e a falta de iniciativa dos jornalistas – entre os quais se incluiu –, que não investigaram a fundo se o Iraque afinal tinha, ou não, armas de destruição em massa, justificativa utilizada pelo presidente George W. Bush para invadir aquele país e tirar Saddam Hussein do poder – Saddam acabaria sendo enforcado. “Deveríamos ter sido bem mais agressivos”, afirmou, mas atribuiu parte da culpa à correria do dia a dia de um repórter, aos prazos exíguos e ao acúmulo de pautas, uma realidade da imprensa mundial. “É um ambiente louco, o da mídia. Nós precisamos desacelerar. Precisamos de semanas, meses ou até anos para trabalharmos em reportagens”, disse. Bob Woodward tem duas filhas, Diana e Tali, sendo que esta seguiu a profissão do pai. Ele se casou pela primeira vez em 1974, um ano depois de receber o Pulizer, dois depois de Watergate, com Frances Kuper, de quem se divorciou cinco anos mais tarde, em 1979. Depois de experimentar a solteirice por uma década, voltou a se casar, em 1989, desta vez com a escritora Elsa Walsh, atualmente com 58 anos. Ele, aos 73, segue a serviço do Post e do bom jornalismo. Uma declaração de Woodward, feita a propósito do governo de George W. Bush, é atemporal e se encaixa perfeitamente nos atuais desafios da imprensa brasileira: “O estímulo real é fazer o governo assumir suas responsabilidades para que não tenhamos um governo secreto. O pesadelo é quando o presidente se fecha e se convence de que está fazendo a coisa certa ou apenas não é capaz de assumir a possibilidade de ter cometido um erro enorme”.

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Washington Post

GRANDES NOMES

Os repórtes e seus intérpretes: Dustin Hoffman, Carl Bernstein, Bob Woodward e Robert Redford; Carl e Bob fazendo apurações na redação do Post e durante reunião de pauta


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OPINIÃO

Cobertura campeã

A

sincronia de movimentos do americano Michael Phelps, a aceleração relâmpago do jamaicano Usain Bolt, o time dos sonhos da equipe norte-americana masculina de basquete, assim como a irreverência e, ao mesmo tempo, frieza do sérvio Novak Djokovic. A cada dia, a contagem regressiva se torna mais reduzida para receber lendas vivas para a Olimpíada do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, um esquadrão de atletas da imprensa também se prepara para fazer história naquela que promete ser a maior cobertura de todos os tempos. Talvez incomparável até mesmo com a da última Copa do Mundo. Reparem como o “tempo” é algo que se confunde em uma cobertura, na forma como une atletas e jornalistas em um único vetor. Se o competidor inicia o percurso, o fotógrafo dispara a foto para tentar captar “o momento”, enquanto o repórter redige a crônica da forma mais ágil possível. Emocionar o leitor, contar histórias curiosas, engraçadas, descobrir assuntos novos ou recontá-los de uma forma inédita. Reproduzir o que de melhor aconteceu, com conteúdos heroicos ou histórias de derrotas épicas para serem guardadas e admiradas. Afinal, se o grande objetivo é uma in-

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Diego Guichard

Musas, memes, tropeços, gifs. Serão zilhões de conteúdos com repercussão surreal.

tegração mundial, não há verdadeiramente um derrotado que dispute uma Olimpíada. Somente vitoriosos. É uma responsabilidade gigantesca participar de uma cobertura da dimensão olímpica. É como se fosse uma convocação na qual será o jornalista quem marcará na história todos os momentos únicos que estão por nascer. Notícias que amadurecerão na história e jamais serão esquecidas. Na era do tempo real, você terá incontáveis opções disponíveis em termos de vídeo. O canal SporTV, por exemplo, disponibilizará dezesseis canais com qualidade em HD para exibir provas e programação diária. Ainda serão 56 sinais de web para exibição de todas as disputas. Agora, multiplique isso por todos os veículos credenciados e tenha uma noção do que está por vir. Prepare-se para receber inovações. Nos grandes eventos as empresas ar-

riscam e investem financeiramente na mesma proporção. Mesmo em época de crise, não é momento de retenção de custos para uma operação e tal magnitude. Pelo contrário, é hora de apostar em um legado, seja para a empresa em termos de estrutura, experiência profissional ,ou do leitor que será conquistado. Também vale ressaltar a potência das redes sociais, que imundarão o mundo com informações instantâneas e compartilhadas. Musas, memes, tropeços, gifs engraçados. São zilhões de conteúdos que ainda não existem e que terão repercussão surreal em termos de audiência. É difícil mensurar o que realmente está para acontecer entre 5 e 21 de agosto, quando um exército de jornalistas do Brasil e de todos os países estarão a postos para produzir conteúdo e também competirem em suas visões paralelas. Todos estarão a postos para tentar contar a história da melhor maneira com o objetivo de proporcionar emoção e experiência. Você vai sorrir, mas também vai se emocionar. Assim como os profissionais envolvidos in loco.

* Diego Guichard é repórter do Globoesporte.com


OPINIÃO

Mi(ni)stérios? Imprensá-los-ei!

O

extremado pundonor de coleguinhas afasta-os (as) do tresloucado gesto jornalístico de redarguir e obtemperar contra a audiência concedida a um Alexandre que talvez seja, também, O Grande. Tal e qual o homônimo macedônico. Fazendo-o, precisariam reconhecer a intimidade conceitual ou factual com condutas passadas do referido senhor. Anteriormente – eis a fonte do prurido – ao episódio recente em que ele vira passageiro, quem sabe candidato a tripulante, em nau da frota ministerial. A mesma que nem bem entrou em combate e já resulta desfalcada de capitães. Dir-me-ias que o capitão é a expressão maior da autoridade embarcada e que, portanto, pode acolher quem bem lhe aprouver? Dir-vos-ia, em resposta, que assim o é. O que nos caberia investigar, coleguinhas, é a natureza do acolhimento para questionar se ele se justifica ou não. O capitão costuma ser muito ocupado. Não que lhe caiba raspar as cracas do costado, mas precisa ter quem o faça, quem supervisione a tarefa e ainda estar de olho em quem supervisiona. As cracas de um navio – recordemos uma verdade que os fenícios já conheciam – comprometem a estrutura da embarcação. Impedi-

O presente redime mesmo se houvesse o condenável a denunciar? Aparentemente, muitos candidatos e candidatas a pisar no tombadilho e deitar nas cabinas contam com mais adequado currículo náutico a justificar acesso ao capitão.

-las é uma meta, removê-las é uma obrigação. Há mistérios ou simples conveniência em nomear capitães sabendo que deixarão a uns subir a bordo em detrimento de outros? O desvelamento é missão da imprensa. Missão importante. Muito importante. Mais do que ficar a contar mesóclises agora, próclises e ênclises logo mais. Romântico e ruborizado pela timidez, o convidado leva à ponte de comando – ou à

cabine do capitão, vá lá! – a sugestão de novos rumos para a nau? É ardente portador de equipamento revolucionário que permita substituir a doce consulta às estrelas para indicar posição no mar bravio? Desenvolveu técnicas de manipulação e motivação que substituam eventuais práticas viciosas da tripulação? Sabe-se lá... Enfim, o que cabe à imprensa perguntar não é se o passado condena, mas se o presente redime mesmo se houvesse o condenável a denunciar. Aparentemente, muitos candidatos e candidatas a pisar no tombadilho e deitar nas cabinas contam com mais adequado currículo náutico a justificar acesso ao capitão. É preciso dar a este o respeito merecido pelo posto ao qual chegou por algum critério de mérito. É preciso esmiuçar as proposições do embarcado, dando-se-lhe o crédito de que possa, quem sabe, ter ido tão fundo no âmago da sociedade que a faça acolhê-las, com muito prazer, em seu seio. Fá-lo-ia a imprensa, por certo, caso estivesse menos embasbacada por inusitados constructos frasais.

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GALERIA

E

m 29 de dezembro de 1992, Fernando Collor de Mello renunciou ao cargo de presidente da República, para o qual se elegera em 1989, aos 40 anos de idade, tendo sido o mais jovem a conquistar o posto, e no primeiro pleito direto depois da ditadura militar. Collor nutria esperança de que, com isso, o Congresso Nacional desse por encerrado o processo de impeachment, o que evitaria a perda de seus direitos políticos por oito anos. Mas não rolou e o processo foi concluído com sua cassação, horas depois. O vice, Itamar Franco, que já ocupava a cadeira de presidente desde 2 de outubro, quando Collor havia sido afastado de forma provisória, foi aclamado oficialmente no mesmo dia em que o titular saiu da cena pública para, imaginava-se na época, nunca mais voltar. A edição da revista Manchete com data de 3 de outubro de 1992 estampou na capa uma foto típica de Itamar, vestido de modo informal, os cabelos desalinhados e o semblante daquele tio boa gente, inofensivo, até ingênuo, que sempre aparece para o almoço de domingo, mas costuma entrar mudo e sair calado. Para o Brasil traumatizado com os arroubos da Era Collor, nada melhor do que ver na Presidência um sujeito pacato que, se bem não fizesse, mal tampouco haveria de fazer. E não fez, ao contrário, pois em seu governo, e sob a batuta do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi implantado o Plano Real, que livrou o País da hiperinflação. Aliás, o preço de capa daquela edição da Manchete era de módicos Cr$ 25.000,00 (vinte e cinco mil cruzeiros). A publicação tratou o assunto como o assunto deveria ser tratado: “A Vitória da Democracia”. Afinal, se a eleição de um presidente é uma festa

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A publicação tratou o assunto como o assunto deveria ser tratado: “A Vitória da Democracia”.

da democracia, seu impeachment, com a posse do vice, escolhido por ele e da mesma forma constitucionalmente eleito, é também uma celebração da democracia, uma prova de que seus

mecanismos de proteção funcionam e de que a normalidade institucional prevaleceu. O resto é papo de boteco, ou, mais modernamente, mimimi de rede social.


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