no1
literatura, HQ, design, humor
marca
negra
dez_2012
o
lá. Sabe aquela vontade de escrever para ser lido, mas sem ligar para o que vão achar (a não ser que sejam elogios)? Pois é. Somada à vontade de reunir textos de gente que escreve de um jeito bacana e que também não está nem aí? Um pouco de sacanagem no meio, uma capinha legal, quadrinhos, ilustrações. É o que dá prazer ao editar esse fanzine, o que quer dizer escolher material, convidar colaboradores, garimpar a internet, fazer a diagramação, levar o arquivo no xerox barato lá do centro da cidade (mentira, isso era antigamente), carimbar todos os exemplares com o número de série (também rolava isso) e, claro, escrever alguma coisa. Sem mais blablablá, aí vai o que consegui reunir: Um interessante artigo do interessante quadrinista Moebius, publicado na revista argentina Fierro, sobre a importância e as delícias de se materializar fantasias sexuais através do desenho; as colaborações literárias de Letícia Palmeira (www.leticiapalmeira.blogspot.com), Luciane Gasperis (www. abaleiapelancuda.blogspot.com), Cláudio Andrade e Alfredo Albuqerque (eu); quadrinhos de Guga Schultze e Lor; e o relato de um cliente de sexo pago (mantido anônimo por questões óbvias), descoberto num desses fóruns virtuais, sobre sua heróica saga com uma garota de programa. Serão necessárias algumas edições da tr3sdoi2, meu caro, para o final dessa história. Boa leitura.
Contos
A violência na high society
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Cláudio Andrade
Estranhos em terra estranha
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Alfredo Albuquerque
Muito lindo o carinha
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Monólogos
O acaso todo poderoso e outros
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Luciane Gasperis Artigo
O desenho e a catarse
16 Moebius
HQ
O porco que nos habita De Beatles a Luiz Gonzaga
5 30 Guga Schultze
Diagnósticos valiosos A tolerância religiosa
10 15 Lor
Relato
As dores e delícias do sexo pago Anônimo
Email tr3sdoi2@gmail.com Facebook fanzine tr3sdoi2 Tiragem 100 exemplares Produção e design Alfredo Albuquerque Capa “A mosca na sopa do mundo”
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CONTO
CLÁUDIO ANDRADE
Criminalidade já atinge as camadas mais altas
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O primeiro telefonema anônimo pegou-a de surpresa. Um desconhecido, com voz claramente disfarçada, dizia a Margaridinha Mendes Flaubert, esposa de Ronaldo (“Ron”) Robalo Flaubert, o “Rei do PVC”, que seu vestido fora reconhecido. O mesmo modelo já circulara com Nenem Barcelos Guatimosim na noite de Goiânia em 2002. As pernas de Margaridinha falsearam devido à forte comoção. Ela tentou negar, embora falasse com dificuldade... O homem ameaçou denunciar tudo ao colunista. Tinha fotos. Havia provas de que Margaridinha estivera naquele cocktail. Toda a sociedade a ridicularizaria. Não havia o que fazer... Ela estava nas mãos de um chantagista. Perguntou o que ele queria. Daria jóias, euros, qualquer coisa. O homem disse que entraria em contato. Desligou. Margaridinha desmaiou. A governanta localizou o tera peuta no clube. Era uma emergência. A situação era de difícil controle. O caso era de intervenção médica e sonoterapia. Apenas lexotans e shiatsus não resolveriam. Apesar de tudo, Margaridinha era forte, e superou bem o trauma inicial. Muito religiosa, apegou-se à fé nessa hora 13 3
difícil. Ajoelhou-se sem almofadas, acendeu velas diante do oratório do século XVIII, rezou... Tinha certeza de que tudo acabaria bem. “Ron” Robalo foi avisado e voltou de Milão para apóia-la. Ficaria a seu lado todo o tempo. Se fosse necessário, economizariam. Poderiam sobreviver bebendo vinho espanhol, comendo caviar iraniano e, que Deus os proteja, Marron Glacé de free shop. O importante era o amor que os unia. A relação fortaleceu-se na crise. O telefone tocou. Entreolharam-se tensos. “Ron” sorriu um sorriso de apoio, acenou com a cabeça e pegou a extensão. Margaridinha sentiu-se confiante. —Alô? – atendeu com voz quase firme. — Deposite a receita da mousse de hadock no orelhão em frente à Assembléia Legislativa. Oito horas em ponto. E vá sozinha. — Tudo, menos a receita! – implorou a socialite, antes de desfalecer. Sua mousse de hadock era o segredo que a destacava entre as que melhor recebiam. Enquanto mantivesse esse trunfo, não teria rivais... — Seu monstro! – interferiu Robalo, revoltado com a crueldade do criminoso. — Click – fez o telefone. A receita foi entregue. Na semana seguinte, a recepção de Isaurinha Sá Borges era elogiada por todos, com destaque para o buffet. O casal Flaubert mudou-se para Miami. Não era mais possível conviver com tanta violência! 14 4
HQ
GUGA SCHULTZE
Respostas que gostarĂamos de dar
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MONÓLOGOS
LUCIANE GASPERIS
eu e meus amigos ateus eu e meus amigos ateus gostamos do gato preto e cortamos o cabelo na lua minguante eu e meus amigos ateus não hesitamos frente a uma quadratura com saturno e só não comemos uma farofa de macumba por questões básicas de higiene não invocamos as tradições por preferirmos deixá-las lá onde estão como material de estudo da ciência histórica e somos adoradores do acaso todo poderoso
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o acaso do porco o porco era um sujeito muito curioso. mas acima de tudo, simpatizava deveras com o vocábulo “por que” separado. num bonito dia de sol e calor de abafação, estava ele tranqüilo a pastar - sendo que pastar, para quem realmente compreende esta arte, proporciona prazeres indecifráveis -, portanto pleno de não expiação, quando sentiu coçar o orifício esquerdo de sua tomada nasal. já não mais acometido de transe satisfatório, fez a sinapse automática e ligou o “por que”.
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rabugice número qualquer um ia lá festejando o último singelo dia de um ano e a chegada de outro por causa de convenção quando alguém falou: começará uma nova década! eu pensei: é mesmo. tudo é praticamente comum antes de pessoa enaltecer um bocado. tentemos pois perceber a atitude de bichos contentes e saltitantes com a refeição, o afago, a momice, a soltura, a defecação.
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sincronicidade ainda bem que hoje chegam minhas caixas da Confraria da Maionese, casa respeitada por seus sabores hilariantes... ainda bem que não me preocupei ontem com o perigo do extravio... até jantei normal. ainda bem que só lembrei disso agora que só faltam 6 horas para o cuco ser estraçalhado pelo machadinho da fadinha da meia-noite. agora no meu campo de visão somente 16 bonecas para serem decapitadas: uma a cada 30 minutos de espera. é possível que sobrem algumas se tudo correr bem. que sorte.
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CHARGE
LOR
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CONTO
ALFREDO ALBUQUERQUE
Os estranhos
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hegamos no meio da tarde e procuramos, de imediato, um lugar onde pudéssemos comer. Na viagem havíamos nos alimentado apenas de insetos secos estocados em nossa passagem por Recife. Após cinco dias de caminhada já não suportávamos mais o sabor indefinido dos pequenos petiscos crocantes, devorados sem o indispensável acompanhamento do vinho tinto do Vale do São Francisco, cujo galão vazio havíamos abandonado há mais de uma semana às margens de alguma estrada perdida no meio do sertão. Procurávamos por carne humana, necessariamente fresca e ainda aquecida pelo sangue quente de alguém que tivesse sido abatido a menos de uma hora. Na última vez em que havíamos trocado algumas palavras, há três dias, Paulinho havia dito que tinha preferência por carnes femininas ou de criança, e Clarissa por carne de obesos. Eu, para não causar estranhamento, preferi ocultar minha preferência por frutas secas, apesar de também gostar de carne humana fresca, e comentei que não tinha queda por nada específico.
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Entramos numa mercearia de fachada antiga e nos dirigimos ao balcão. O homem de sotaque carregado abriu um largo sorriso por trás do bigode e se prontificou a nos atender no que desejássemos, nos oferecendo, inclusive, um catálogo de prostitutas retirado de uma gaveta sob a bancada. Clarissa se interessou, mas nossa fome era mais urgente e pedimos que ele nos providenciasse uma mesa, pois desejávamos tomar uma cerveja e beliscar amendoins. Enquanto aguardávamos a chegada de nosso aperitivo, arrastamos a mesa para próximo da porta de entrada e ficamos observando o desfile de pessoas pela rua de terra batida, analisando o biotipo da população local e suas possibilidades nutritivas. Após um tempo relativamente longo, ouvimos o som de tamancos vindo de dentro da mercearia, e demos as costas para a rua, mudando o foco de nossa atenção. De um corredor escuro surgiu uma moça amorenada, de seios precariamente contidos dentro de uma blusa de tecido fino, e sorriso idêntico ao do homem que nos havia atendido. Trazia uma bandeja com uma garrafa de cerveja, três copos turvos e três potes de amendoim cru, que colocou no centro exato da mesa. Não pude deixar de notar a ereção convicta que forçou a calça folgada de Paulinho quando a moça inclinou-se para nos servir, nos encarando, um a um, com seu sorriso congelado no rosto. Sem dizer nada, ficou parada por alguns minutos de frente para a porta e deixou a luz da rua atravessar a transparência de seu vestido, revelando a
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ausência de roupas íntimas. Depois, fez um giro em direção ao interior da mercearia e desapareceu novamente na escuridão do corredor. Olhei para Clarissa e Paulinho e vi uma expressão coincidente em seus rostos, algo entre um sorriso mal intencionado e uma serenidade contente, e me virei para a rua, sem interesse em decifrar o significado daquilo. Percebi de relance que Paulinho colocou a mão direita entre as pernas de Clarissa, que as abriu ainda mais para acomodá-lo, e as deixou lá, no calor da púbis, pensando sabe-se lá em quê, e isso me incomodou mais do que eu imaginaria. Levantei-me, fui até a beira do meio-fio, acendi um cigarro e fumei a metade, até escutar um barulho. Quando me virei para a mercearia, vi a cabeça de Paulinho passando por mim, respingando uma pintura abstrata de sangue em minha camisa branca. Seu corpo ainda desmoronava no chão quando vi o dono da mercearia arrancar a cabeça de Clarissa com uma foice e projetá-la com um soco para o meio da rua, enquanto a garota morena e mais dois gêmeos a seguravam pelos braços. Tentei correr, mas fui atropelado por uma carroça e fiquei esticado no chão de terra, rodeado por pessoas sorridentes. Me levaram para dentro da mercearia, me amarraram em uma das cadeiras e me deixaram lá o resto da tarde, vigiado por uma galinha. À noite acenderam as luzes e trouxeram os dois corpos para dentro. Os gêmeos, que agora eu conseguia distinguir com precisão e perceber que eram jovens e muito brancos, começaram a discutir em uma língua des-
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conhecida. Pareciam não entrar em acordo com relação a alguma questão relativa ao posicionamento dos corpos. A morena se aproximou deles, disse algo através de gestos, abaixou-se por trás do balcão e levantou-se com uma serra, que foi entregue a um dos dois. Os corpos foram alinhados e cuidadosamente desmembrados na minha frente, como se meu testemunho fosse necessário, até que o proprietário saiu e voltou com os cães. Pobres coitados, pareciam à beira da inanição. Fui deixado a sós com eles e com os pedaços de Paulinho e Clarissa espalhados pelo chão. Apesar da aparência de fome extrema, os cães se alimentaram educadamente, como bichos de estimação, e depois dormiram, em volta da minha cadeira. Depois foram trazidos os gatos, as hienas e, por fim, os abutres. Antes dos primeiros raios da manhã já não havia movimento em torno de mim. A morena reapareceu sozinha, vinda do corredor escuro, e depositou um pacote em meu colo. Após me desamarrar, meu deu um longo beijo na boca, que tinha gosto de figos cristalizados, e me levou até a porta. Seu sorriso ainda era o mesmo de sempre. Já na estrada, com o sol branco de um dia nublado sobre mim, abri o pacote. Reconheci o seio esquerdo de Clarissa pela tatuagem. Havia também um pote com figos secos.
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HQ
LOR
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ARTIGO
MOEBIUS
em
quadrinhos Moebius , o mestre dos quadrinhos oníricos, nos fala do poder do desenho para abordar nossas fantasias sexuais
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esenhar obsessões e sonhos eróticos é muito delicado: como conservar a força de nossa excitação mais perversa mantendo uma preocupação estética, com tudo o que isso implica de distanciamento? Meus pri meiros desenhos eróticos foram feitos aos quinze anos. Eu andava em busca de mi‑ nha identidade sexual. Naquela época, para um adolescente, o acesso a livros porno gráficos era muito mais difícil do que é hoje em dia, e, por isso, eu desenhava as ima gens que me perturbavam. Me encantava desenhar mulheres com atributos fetichis tas. Me lembro que me aplicava em con seguir brilhos com meu aerógrafo, e com uma obsessão que hoje ainda conservo, sendo que, quando não os aplico aos brilhos 17
das roupas de baixo femininas, utilizo-os nas molduras das formas abstratas, de maneira que minha dimensão erótica e minha dimensão artística se encontrem. Durante anos, esses desenhos não tinham mais que um único propósito: a busca da imagem-tabu, da imagem des tinada não a provocar os outros, mas a mim mesmo. Sua qualidade não tinha importância, tudo se reduzia à excitação sexual. Não havia nenhum distanciamento, nem pretendia comunicar nada. Essas imagens eram criadas em um circuito fechado, que englobava o sexo e o olho, e também o lápis e o desenho. Uma atividade totalmente fechada sobre mim mes mo, obsessiva, em que a excitação sexual era o único motor da qualidade das imagens. Ao contrário, se o mais importante era a técnica oua estética, a excitação sexual diminuia. Em períodos distintos de minha vida, também escrevi tex tos desse tipo. A escrita produz imagens muito excitantes que igualmente provocam uma ereção, mas, se também entramos muito nos detalhes, se trabalhamos o estilo ou os persona gens, de repente o texto se torna aborrecido e se volta a um
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estado "normal". Tudo depende dos temas abordados e da força do sonho e de delírios obsessivos. Durante anos também abordei os praze res mais escandalosos, os atos mais eficazes para provocar uma excitação que, para mim, está ligada à angústia, ao horror, ao sofrimento, à monstruosidade e à violência. Isso me permitiu descobrir que desde então já caminhava nessa direção. Sabia que podia ser muito terno e carinhoso em minhas relações sexuais, como todos pode mos experimentar com qualquer garota ou garoto, mas não era isso o que buscava com meus desenhos. Pretendia contatar minhas pulsões sádicas e masoquistas, as que me impulsionavam a imaginar fantasmas com pênis enormes e vaginas vermelhas, e todos os horrores que podem surgir quando se volta a imaginação para essa direção. Desfrutei, assim, de todas as violências, e me dei conta de que não era o que mais gostava, que chegava a me excitar mas não era meu grande tema. Este, para mim, está ligado à escatologia, à urina, à tudo o que é sujo e asqueroso. A origem disso se encontra na relação que tive com minha mãe e minha babá quando chegava o momento de 19
Creio que, em essência, um artista é alguém que tem a possibilidade (se não o dever) de afrontar sua própria realidade em todos os níveis e mesmo provocá-la
Todos deveríamos ter diários íntimos eróticos onde colocar nossas fantasias
ser limpo — a retenção das necessidades fisiológicas é a primeira coisa que se exige a uma criança e, como se sabe, muitas mães são obcecadas com o tema, e, por isso, muita gente estabelece uma relação entre a liber dade e o relaxamento do esfíncter. Muitos reflexos eróticos e práticas sexuais derivam disso: o esperma e a urina passam pelo mesmo condutor, e o orifício que serve para defecar está muito próximo do que serve para fazer amor. Existe um risco de confusão psicológica entre esses dois orifícios. Além do mais, como tudo isso tem esta do durante muito tempo no domínio do proibido e do tabu, mantém uma fascinação que sempre influi na excitação. Todos deve ríamos ter nossos diários íntimos eróticos nos quais colocar nossas fantasias, incluin do as relacionadas com a tortura de crian ças, homens, mulheres, idosos e em massa. É melhor expulsá-los sobre um papel, se atrever a encará-los frente a frente e chegar a alguma conclusão, porque, se as temos, isso não quer dizer que se levem à prática. Dito isto, os desenhos que aparecem nestas páginas não são aqueles dos quais acabo de falar. Sim, os destruí todos. Incluindo os textos. Haviam servido para 20
meu prazer, para minha busca, e não estavam destinados aos demais. Evidentemente lamento um pouco, porque havia coisas incríveis em termos de desenhos e textos. Somente um bloco escapou a este ato de fé voluntário. Encontrei-o há pouco tempo, no fundo de um baú, onde havia permanecido esquecido desde os anos 60. As situações que imaginava eram de uma enorme violência e continham elementos mais sangrentos que tudo o que produzi depois. Poderia aprovei tar para dizer que Moebius, o desenhista dos cristais e dos desenhos oníricos vaporosos não é como todo mundo crê, e que o verdadeiro Moebius se encontrava ali. Na realidade sou os dois e mais ainda. Poderia imaginar-se uma sociedade ideal, na qual as pessoas não se sentissem impulsionadas a experimentar tais estados. Mas falta muito para isto. Está 21
claro que certas pessoas não estão muito interessadas em ver o outro lado, seja porque mantém essa faceta em um limbo quase inexpressível, embora estejam conscientes disso, seja porque se trata de pessoas que criaram uma imagem que não resistiria à intrusão nesse tipo de terreno. Mas creio que, em essência, um artista é alguém que tem a possibilidade (se não o dever) de afrontar sua própria realidade em todos os níveis e mesmo provocá-la. Certos povos, como os japoneses, a aceitam mais facilmente. Seus mangás e seus filmes dei xam aflorar voluntariamente esse rosto sombrio do sonho erótico. Às vezes, com um talento artístico inegável, que não deixa de ter relação com a tradição literária européia que vai de Sade a Bataille. Os desenhos desse portifólio foram feitos rapidamente, quase com pressa, pela ocasião de uma exposição coletiva de desenhistas de quadrinhos sobre o tema do erotismo. Realizeios com um demasiado distanciamento para que tocassem a realidade de meus sonhos eróticos mais profundos. São muito mais suaves, mais facilmente publicáveis. Não sei se um dia cruzarei as barreiras que se impõem quando nos comunica mos com os outros, com tudo o que é conveniente em termos de precaução e cortesia. Tampouco creio que tenhamos que nos abrir totalmente em qualquer situação. Evidentemente, em um estado de total desespero pode-se romper os códigos sociais sem a preocupação com as consequências; mas é evi dente que não me encontro em um estado de total desespero... Moebius 22
CONTO
LETÍCIA PALMEIRA
Doralice
M
uito lindo o carinha que peguei. E eu o levei pra minha casa, viu? Lindo de tudo. Ficou sentadinho na varanda ouvindo Jack Johnson enquanto enrolava cigarrinho pra fumar e ficar solto. Cheguei perto dele e ele foi logo me enroscando pela cintura. Arrepiei toda. E a gente fumou junto. Tão romântico fumar baseado com um carinha lindo perto da gente. Compartilhar saliva, vontade, fome... Aí rolou o clima da risada. Ele ria de mim e eu ria de tudo. Tão alegrinha. E satisfeita. Sentei no colo dele e vaguei à cavalinho. Trotando em cima do carinha que ria e cantarolava em inglês “para onde foram todas as pessoas boas?”. Que frio na barriga, meu deus. Eu quase não conseguia acreditar que era eu ali, depois de tempos sozinha, em tão perfeita companhia, tão preenchida. O cara era lindo mesmo. E então veio beijo. Língua com língua e larga vertigem no céu da boca. Toda dormente eu me deixei levar. Vai, carinha, deixa eu te amar pro meu corpo ficar odara. Eu cantei, não pensei, não nada. A noite foi caindo pela madrugada e eu perdida no olhar do cara que eu havia trazido pra casa. Tiro a roupa, tira você também, tira tudo, eu não tenho pudor algum, eu não sei 23
dizer, eu acho que conheço você de outro lugar, não? Amor pra sempre? Acredito sim. Acredito em tudo. E vai e vem e sobe e não desce mais senão ele explode. O carinha me olha no olho e outro baseado baseia o ato. Tão bom olhar você. Mais e mais dentro de mim e tão forte. De onde é o barato? Ninguém mais usa essa linguagem. Não? Agora é assim. Vocabulário novo eu aprendi. Vertigem na zona periférica. Você tem vergonha se eu disser isso? Eu não. Diz. Digo. E foi dizendo uma narrativa pornô-romântica de toda categoria. Outro baseado e um gosto estranho. Ligo pra nada. Sedenta que estou faço até biquinho. Estou gemendo muito alto? Fala. Estou? Nada. Relaxa. É só na manha. Assim. Quietinha. Silêncio e beijo. A noite inteirinha de beijo e tudo. Aliás, é desta forma que eu lembro da história. “E o resto?” pergunta o delegado da 24ª D. P. E o sangue? E o corpo? E quem disparou primeiro? Eu respondi nada. Fiquei calada. O carinha ainda zoava na minha cabeça como se fosse um sonho de gente que sonha acordada.
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RELATO
ANÔNIMO
paulinhagata
(parte 1)
(relato obtido em fórum de sexo pago)
07 Jun 2010 Pisada na bola Paula — 100,00 por duas horas Vasculhando as possibilidades de desbravar novos territórios, me deparei no bate-papo com o seguinte anúncio: “gata 22 $$$$$. Quer um sexo gostoso?”. Adicionei ao MSN e logo estava na tela com um lindo corpo de fêmea. Esclarecidas as condições de trabalho, fiquei com seu telefone para ligar posteriormente, pois naquele momento ela estava indisponível. Por fim, quando já estava por desistir, pois o MSN nunca estava online e o celular nunca atendia, consegui marcar, bem marcadinho, para as 7 da noite daquele mesmo dia. De plantão, no estacionamento do supermercado onde foi marcado o encontro, dedilhei incansavelmente o Nokia na tentativa de me livrar daquele que já se configurava um cano. Sem efeito...
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Divaguei pelos arredores da Universidade Federal, mas todo procedimento não logrou êxito. Sem alternativa, dei por encerrada a busca com a intenção de prosseguir noutra oportunidade. Muito obrigado.
10 Jun 2010 Experiência positiva Recompensado pela paciência, recebi a confirmação para, novamente, às 7 da noite. Reticente, rumei para as mesmas coordenadas onde tomara o cano inicial, receando sair de lá com um repeteco - mesmo lugar, mesma hora. Da imensidão do muro branco que protege o condomínio fechado, surgiu, sob uma sombrinha que a protegia da fina chuva que umedecia a superfície da terra, uma silhueta esguia forrada por delicado vestido confeccionado em tecido de algodão com estampa floral, de muito bom gosto. Dali em diante pareceu que estivemos a vida toda esperando um pelo outro. As afinidades foram tantas que o mundo estava aos nossos pés e brincávamos com ele como se fosse apenas um jogo de montar.
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Instalados na minha casa, onde a velha cama de sucupira de 2,10 X 1,80 metros nos recebeu com lençóis cor de vinho e travesseiros enfronhados a bege, Paulinha encantava-se com os objetos que cruzavam o seu caminho, como se fosse a parte móvel deles, e eu me surpreendia como tudo ficou harmonioso apenas com sua presença. Na cama, foi um turbilhão de raras emoções! Nua, Paulinha era um show... Ao começar a manuseá-la, percebi estar diante de uma carne que me propiciaria um suculento jantar... Sua pele macia exalava leve perfume de bebê e os enormes lençóis foram poucos para conter a volúpia de Paulinha que passou a recorrer ao braço da poltrona, ao lado da cama, para enfiar-lhe as unhas enquanto eu a provocava lambendo loucamente a xoxota - talvez a mais linda que já tenha visto - que espumava em minha boca provando o quanto é solidária a natureza ao retribuir as boas intenções das suas pervertidas criações. Enquanto ela se recuperava do primeiro gozo eu a acariciava docemente. Sorrateira, enroscou-se em mim como um cipó oferecendo o pescoço em sacrifício. Pondo as mãos sobre as minhas, levou-as para os seus gostosos e siliconados peitos. Num passe de mágica, vestiu de borracha o meu precioso dote para sentar-se sobre ele num
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ritual frenético de sobe desce até me levar aos píncaros da glória. Que cavalgada! Ali eu poderia ter concluído o primeiro ato, mas decidi que queria fazê-la sentir o peso do meu corpo sobre o dela... Procurando ângulos que propiciassem à cena, com a ajuda dos espelhos, uma visão de 360 graus (depois ela cobrou também essa visão privilegiada), desfilei com Paulinha a galope pelos quatro cantos das quatro paredes até deixá-la, de volta sobre a cama, em decúbito frontal, para despejar sobre ela o aperto dos meus abraços e a selvageria do meu urro. Ofegantes, nos abraçamos como grandes e velhos amantes. Ao sair de dentro daquela fêmea, o preservativo deixou escorrer uma baba fina, transparente e viscosa, vinda das suas mais profundas contrações. Segundo ela fariam parte do seu gozo. Uma mulher espetacular! Absolutamente viva e sadia... Os depois foram tão surpreendentes quanto, girando a conversa sobre o que faríamos no dia seguinte. Já que tínhamos interesses comuns, porque não juntá-los à positiva experiência que estávamos vivendo? Essa foi a proposta dela... Mas, como nem tudo é perfeito, o celular começou a tocar, Paulinha começou a se vestir, e a
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segunda etapa ficou adiada para o dia seguinte. Combinado ficou que eu iria buscá-la às 5 da tarde no mesmo endereço. Durante o percurso de volta a senhorita me passou o número do celular privado, e concluí mos os entendimentos sobre atividades físicas e o propósito de aprender a velejar que surgiu nela após ver o barco a vela angarado na garagem da casa. Ao estacionar na porta do condomínio fui tomado de surpresa pelo agarrão que recebi de Paulinha, me puxando pra si e me aplicando um chupão digno de dois amantes apaixonados. Despedimo-nos até que os nossos dedos se afastaram e tomamos os nossos rumos cientes de que no dia seguinte estaríamos juntos outra vez. Muito obrigado.
(continua...)
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HQ
GUGA SCHULTZE
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