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ARTIGO
ENTENDENDO OS INDICADORES-CHAVE DE DESEMPENHO REPRODUTIVO E A MELHOR FORMA DE MONITORÁ-LOS
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Antes de entendermos quais são os indicadores-chave de desempenho reprodutivo e observar “benchmarks” nesse sentido, é importante salientar a importância de um manejo reprodutivo bem feito e o impacto positivo que a obtenção de sucesso nesse quesito representa para uma propriedade leiteira.
Um trabalho do Dr. David Galligan da Universidade da Pennsylvania mostra que vacas adultas, no terceiro ano produtivo, em início da lactação, apresentam um retorno econômico de 3 unidades para 1, ou seja, para cada Real investido no sistema produtivo, três reais são recuperados em forma de receita. Esta razão de 3/1 diminui com o passar dos dias em lactação, pois, siologicamemte, uma vaca leiteira, após atingir o pico de lactação, entra em uma curva de produção decrescente. Porém o custo de produção não diminui na mesma intensidade. Neste mesmo exemplo da vaca de terceira lactação, quando atinge a metade do período produtivo, atinge um retorno de 2 unidades para 1, e essa relação segue decrescente até que essa vaca gere de receita a mesma quantidade de reais que “usa” para gerar a produção dessa receita.
Um manejo reprodutivo que prima pelo desempenho de excelência manterá a maior quantidade de vacas no período produtivo em que geram maior receita, na maior parte do tempo. Um trabalho mais aprofundado, realizado na Universidade da Flórida pelo professor José Eduardo Portela Santos, com seu então aluno de pós-graduação Eduardo Ribeiro (hoje professor na Universidade de Guelph, no Canadá), mostrou que uma diminuição média de 63 dias de intervalo entre partos proporciona um aumento de 7% no rendimento em relação ao custo de alimentação. Isso se justica por um aumento médio de 1,51 Kg de produção de leite por dia, exatamente por se otimizar a curva de produção como exempli- cado pelo Dr. Galligan. E isso só é possível em decorrência de um excelente trabalho, focado em emprenhar as vacas o mais rápido possível depois de se atingir o período de espera voluntário.
O sucesso (ou fracasso) reprodutivo é um dos indicadores de desempenho mais dinâmicos e importantes em uma propriedade leiteira. Entender melhor como monitorá-lo e tomar decisões informadas sobre alterações pode afetar diretamente o uxo de receita da propriedade.
Conheça alguns perigos ao monitorar números de desempenho reprodutivo:
1. Médias ou variação:
Um cuidado que temos que tomar, quando avaliando médias (taxa de concepção, por exemplo), é o tamanho amostral. Médias são muito inuenciadas pelo tamanho da amostra. Nesse sentido, em rebanhos grandes, vacas com problemas não serão representadas pela média, ou, em rebanhos pequenos, vacas podem ser erroneamente “condenadas” por um número que, não necessariamente, reete a realidade.
2. Momento:
Outro ponto de cuidado é em relação ao momento. Nesse exemplo, eventos que ocorreram há muito tempo são incluídos no cálculo atual. Essa prática pode ser vista, por exemplo, quando tentamos avaliar médias em rebanhos pequenos, ao incluirmos inseminações que aconteceram há dois anos para aumentar o espaço amostral. Nesse sentido, consegue-se aumentar o número de observações por incluir dados históricos, mas podem-se obscurecer mudanças recentes, que carão difíceis de serem identicadas ou avaliadas.
3. Atraso:
Em relação ao atraso, que, por denição, é quando um resultado não pode ser medido por algum tempo após o evento, em alguns casos, esse acontecimento é siológico. Por exemplo, sabemos que, depois de uma inseminação articial, o período mínimo para saber se esta vaca emprenhou ou não é o de um ciclo. Caso a vaca demonstre cio no período normal de 23 dias após IA, sabemos que ela não está prenha. Caso não mostre cio, ou este cio não seja identicado, essa vaca será apresentada para o veterinário desempenhar o diagnóstico de gestação. Esse procedimento pode ser realizado entre 28 dias após a IA (no caso de uso de tecnologias como o ultrassom) até 42 dias (no caso de palpação trasnretal). Nesse caso, o atraso é esperado. O problema é quando queremos avaliar números onde o atraso é muito longo, por exemplo, na média do intervalo entre partos, quando esperamos um período gestacional inteiro para se fazer a avaliação, se houve ou não uma mudança no número avaliado.
4. Viés:
O viés é um dos maiores vilões nas avaliações de desempenho reprodutivo. Consiste em um erro sistemático, no qual vacas que não deveriam são incluídas no cálculo, ou informações que estão erradas são também incluídas no cálculo. Um exemplo clássico é a avaliação de médias de dias abertos de um rebanho. Nesse cálculo, as vacas que são mais importantes para a nossa tomada de decisão, que são as vacas não prenhes, não estão incluídas no cálculo. Só calculamos a média de dias entre o parto e a concepção. Ou seja, só vacas sabidamente gestantes estão incluídas no cálculo. Neste sentido, buscamos um número que demonstre o desempenho reprodutivo do rebanho e, ao mesmo tempo, minimize os efeitos negativos que vemos nas médias, com um melhor momento, menor atraso e menos viés. Como não existe um número perfeito, buscamos um índice que pode nos proporcionar poder de tomada de decisão com menor possibilidade de erro.
Usando a “taxa de prenhez de 21 dias” como índice chave de desempenho reprodutivo
A taxa de prenhez (TP) representa o número de vacas que emprenham em um período de 21 dias em relação ao número de vacas que estavam aptas a emprenhar. É um cálculo apresentado em porcentagem, que pode ajudar a responder “quantas vacas podem emprenhar que, efetivamente, emprenharam em um determinado período?” Essa avaliação ajuda a identicar a rapidez com que vacas abertas e aptas se tornem vacas prenhes.
Por denição, vacas aptas são vacas que já atingiram na lactação a quantidade de dias em leite, denidas pelo gerenciamento como sendo o de período de espera voluntário, que não estão prenhes e que não são marcadas como “não inseminar” ou “descarte” por qualquer outra decisão de manejo. Todos os dias, temos vacas aptas no rebanho, e a rapidez com que emprenhamos essas vacas dene a taxa de prenhez de 21 dias.
O período de espera voluntário, ou PEV, como dito anteriormente, é o tempo em dias que esperamos desde o parto, até a liberação desse animal para inseminação articial. Historicamente, o número de 50 dias em leite tem sido utilizado na indústria, mas deve ser denido individualmente para cada rebanho, ou para cada grupo de animais dentro de um mesmo rebanho (por exemplo, algumas fazendas optam por atrasar o PEV para vacas de primeira lactação em comparação com vacas adultas, pela facilidade maior desses animais em emprenharem, e pela persistência maior da curva de lactação). Em uma análise da base de dados do software Alta Gestão, incluindo 243 rebanhos, a média de PEV foi de 45 dias. Nos EUA, fazendas ganhadoras de prêmios de excepcional desempenho reprodutivo pelo Conselho de Reprodução de Gado de Leite (DCRC na sigla em inglês) apresentam PEV, variando de 41 a 76 dias, o que reforça nossa ideia de que esta decisão deve ser tomada por rebanho, levando-se em consideração quão boa é a geração de prenhezes, qual a proporção de vacas primíparas ou multíparas no rebanho e qual a curva de lactação apresentada pelos animais.
Dados nacionais apresentados no evento Concept Plus Leite, em outubro de 2019, mostraram de forma muito didática como estão os números de 258 fazendas de norte a sul do Brasil. As fazendas top 20% da base de dados apresentaram uma TP médio de 23,7%. Relembrando do conceito, esse número indica que 23.7% das vacas aptas estão emprenhando em um intervalo de 21 dias, o que é um desempenho muito bom. Quando comparado com as fazendas que representam os 20% mais baixos de desempenho reprodutivo nesse quesito, a média de TP para essas fazendas foi de 9,7%, ou seja, demonstrando que há muita oportunidade e possibilidade de melhora. As propriedades que compunham os restantes 60%, entre os dois extremos, apresentaram uma TP média de 16,1%. Nos EUA, fazendas ganhadoras de prêmios de excepcional desempenho reprodutivo (24 fazendas premiadas) apresentaram uma média de TP de 36%, variando de 30% a 47%. Vale salientar que este é um subgrupo muito pequeno e que não corres
ponde à média nos EUA, que, neste momento, encontra-se em torno dos 20% de média.
Alguns pontos interessantes devem ser levados em consideração para se poder atingir resultados cada dia mais expressivos. Saúde do rebanho, alimentação balanceada, adequada e sempre disponível, conforto e boas práticas de bem-estar animal são elementos primordiais. Além disso, uma consistência do trabalho realizado é fundamental. Protocolos devem ser seguidos à risca pela equipe, não só na técnica de detecção de cio e de IA, bem como no respeito ao período de espera voluntário para se começar a inseminar. Hormônios de sincronização devem ser corretamente administrados, no caso do uso de protocolos de inseminação articial em tempo xo (IATF), como, por exemplo: respeitar a dose adequada, administrá-la no momento certo, de maneira correta (subcutânea ou intramuscular), e com o material adequado (seringas e agulhas). Todas as informações devem ser passadas para o computador para proporcionar uma sequência lógica de manejo, bem como proporcionar a base de dados adequada para avaliação do desempenho e fomentar propostas de mudanças. Trabalhar com grupos de vacas e, agressivamente, minimizar a possibilidade de oportunidades perdidas ajudam a melhorar o desempenho (como, por exemplo, trabalhar com manejo reprodutivo semanal ou quinzenal com a presença do médico-veterinário e, ativamente, inseminar vacas no “cio de retorno”). Ter uma equipe de técnicos competentes para oferecer informação de alta qualidade e ajudá-los no processo de tomada de decisão sobre qual a melhor estratégia a ser executada e como avaliar o desempenho também é fundamental.
Concluindo, melhorar o desempenho reprodutivo a cada dia deve ser uma meta geral de todas as propriedades, para sempre buscar melhores retornos econômicos com os plantéis que temos em mãos. Devemos tomar cuidado com alguns índices que, historicamente, consideramos para avaliar o desempenho reprodutivo, olhando os quatro pontos perigosos principais como média/variação, momento, atraso e viés. Utilizar a taxa de prenhez de 21 dias como índice principal de desempenho reprodutivo para avaliar quão rápido as vacas estão emprenhando na propriedade, após passarem o período de espera voluntário. Assegurar-se de todas as formas que, tanto as vacas, quanto os colaboradores que desempenham o trabalho árduo diário têm as condições necessárias para desempenhar o melhor trabalho possível, e ter sempre ao lado uma equipe técnica de qualidade composta de veterinários e consultores que possa ajudar nas tomadas de decisões e avaliação dos dados para apontar sempre a direção do próximo passo.
Glaucio Lopes, Gerente Global de Desenvolvimento de Pessoas Médico Veterinário formado em 2006 pela Universidade Federal Flumimense, mestre em reprodução pelo Departamento de Ciência do Gado de Leite da Universidade de Wisconsin – Madison. Foi consultor internacional de uma empresa de genética por 4 anos. Atualmente é gerente do programa “Universidade Alta” nos Estados Unidos, atuou como chefe do Comitê Educacional e atualmente preside o Conselho de Reprodução de Gado de Leite dos EUA.