Nº 385 Edição Brasil

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SONDA PROCWORK PRONTA PARA COMPRAR BRASIL

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FATOR

PETROBRAS EMISSÃO DE AÇÕES RECORDE EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS FUTURO INCERTO

NEGÓCIOS DE

EIKE BATISTA

MULTIPLICAM-SE A CADA ANO. ENERGIA AGORA É DESTAQUE

Nº 385 MAR./2010 R$ 8,90

CFOs INDICAM SUAS ESTRATÉGIAS DE FINANCIAMENTO






NESTA EDIÇÃO

26 28 30 32 34 38 40

Seções

ESPECIAL Energia

Portal

16 20 24

Carta ao Leitor Cartas Índice de Empresas Pistas Negócio Fechado Movimentos

Capa A aposta de Eike Batista no setor elétrico Sinal de crise Brasil é exceção otimista no setor elétrico da região Entrevista José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras

Raio X Opinião – Abraham F. Lowenthal Opinião – John C. Edmunds I-biz Interfaces Clics & Chips Linha Direta

Negócios CSN A batalha pela internacionalização Sonda Procwork Fome de compras Allianz Em busca das grandes obras Boeing e Airbus Disputa por mercado na América Latina Gastón Acurio Culinária peruana para o mundo Açaí Desafios para aumentar a oferta DirecTV A fórmula para ganhar mercado

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Debates

Exportações brasileiras Cenário pouco promissor Indústria têxtil Câmbio fere a competitividade Banco Central argentino O jogo político por trás da troca de presidente Entrevista José Ángel Gurría, secretário geral da OCDE

Finanças

Especial Financiamento Executivos revelam suas estratégias para 2010

Tratamento de capa: Toninho Dias

34 AméricaEconomia Março, 2010

Fotos: 1 - Sandra Elias; 2 - Agência Vale

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PORTAL

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DINHEIRO NOVO

Uma nova família de cédulas do real começa a circular pelo país a partir de abril, com tamanhos diferentes, conforme o valor da face. No lançamento, em fevereiro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que as mudanças são necessárias para emitir cédulas mais seguras. Ele destacou a força da economia brasileira ao dizer que o real é uma moeda forte e referiu-se à internacionalização da economia brasileira e à necessidade de preparar a moeda para que tenha circulação no exterior. As primeiras notas a serem trocadas serão as de R$ 50 e R$ 100, que concentram 95% das falsificações. A expectativa do Banco Central é a de que, em dois anos, todas as novas notas estejam nas ruas. Por serem de tamanhos diferentes e com diversos elementos de segurança, a impressão deve custar, em média, 28% mais que o valor atual.

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LEIA NO PORTAL

EDIÇÃO: AINÁ VIETRO (AVIETRO@AMERICAECONOMIA.COM)

PARA ESTUDAR NO EXTERIOR

O dólar baixo é um grande estímulo para quem deseja estudar no exterior – no Brasil, essa procura cresce cerca de 20% ao ano. Por isso, os organizadores da 18a Expo Estude no Exterior estão otimistas quanto ao potencial de atração de visitantes neste ano. A feira reúne mais de 50 universidades, escolas técnicas, de línguas, de ensino médio e até instituições de pós-graduação e MBAs. De 10 a 21 de março, o evento passará por Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre. As inscrições podem ser feitas pelo site www.estudenoexterior.com/expo2010 e são gratuitas. Quem se inscrever pela internet concorre a um curso de inglês no Canadá e a um de espanhol na Argentina, com hospedagem incluída. Além do Brasil, a Expo Estude no Exterior acontece em outras 30 cidades da América do Norte, Europa e América Latina.

8 AméricaEconomia Março, 2010

TELEVISA COMPRA NEXTEL MÉXICO

Maior rede de TV de língua espanhola, a mexicana Televisa anunciou a compra de 30% da empresa de telefonia celular Nextel México, que pertence à norte-americana NII Holdings. O investimento total será de US$ 1,44 bilhão. Com a aquisição, a Televisa pode entrar no mercado de telefonia celular e ainda oferecer o primeiro pacote que inclui telefonia móvel, telefonia fixa, TV paga e internet de banda larga no país.

NESTLÉ E NESTEA, JUNTAS NO BRASIL

No mês passado, a Nestlé Brasil divulgou que assumiu a comercialização e a distribuição dos produtos Nestea, que ingressaram na categoria de chás gelados da companhia. Até então, o produto era de responsabilidade da Beverage Partners Worldwide (BPW), joint venture mundial entre a Nestlé e The Coca-Cola Company. A fórmula da bebida deve seguir inalterada, mas serão criadas novas embalagens para toda a linha. Os produtos continuarão sendo distribuídos nacionalmente.


Rússia

China

Coreia

Hong Kong

Índia

Brasil

Mirae Asset Especialista em Mercados Emergentes Para uma visão detalhada sobre os Mercados Emergentes, você pode contar com os serviços de gestão da Mirae Asset – líder em investimentos em Ações de Mercados Emergentes. Nossas decisões de investimento são fundamentadas em rigorosas análises técnicas, visando oportunidades de investimento em ações com elevado potencial de geração de valor. Desde a nossa fundação, vivenciamos um importante crescimento na Ásia, devido à nossa sólida experiência local e comprovada expertise na gestão de investimentos.

Prêmio AsianInvestor 2009 Mirae Asset foi considerada a Melhor Gestora de Fundos de Ações em Mercados Emergentes pela AsianInvestor em 2009. (A AsianInvestor é a principal publicação dedicada à indústria de gestão de recursos da região)

Pesquisa IPE 2009 Mirae Asset foi considerada a 2ª maior investidora em Ações de Mercados Emergentes. (Fonte: Pesquisa IPE sobre Mercados Emergentes 2009) www.miraeasset.com.br Mirae Asset Global Network Brasil t Hong Kong t Índia t Coreia t Inglaterra t Estados Unidos t Vietnã A Mirae Asset não comercializa nem distribui quotas de fundos de investimento ou qualquer outro ativo financeiro. As informações contidas neste material não constituem uma oferta ou recomendação para compra ou venda de quotas de qualquer fundo de investimento gerido pela Mirae Asset ou de quaisquer outros valores mobiliários. Fundos de investimento não contam com a garantia da instituição administradora, do gestor da carteira ou do FGC ‐ Fundo Garantidor de Créditos. Rentabilidade passada não é garantia de rentabilidade futura. Ao aplicar seus recursos é recomendada a leitura cuidadosa do Prospecto e do Regulamento do Fundo. Para mais informações acesse: www.miraeasset.com. br. AsianInvestor Magazine é uma publicação mensal impressa e online de prestígio, voltada para a indústria de gestão de recursos da Ásia. Lançada em 2000, é uma das publicações financeiras de maior circulação da região. Os prêmios anuais são entregues às empresas de melhor desempenho em ações locais em mercados específicos da Ásia, no exercício anterior. Website: www.asianinvestor.net. IPE Emerging Market Survey 2009. A Emerging Market Survey é uma pesquisa anual, da revista IPE (Investment and Pensions Europe), que aborda diferentes classes de ativos em cada edição. O objetivo da pesquisa é identificar players no mercado que ofereçam esta classe especializada de investimentos a investidores institucionais europeus. A IPE é uma revista mensal e seu público‐alvo são os gestores de fundos da Europa.


CARTA AO LEITOR TEMOS ENERGIA PARA CRESCER? BRASIL www.americaeconomia.com.br

PUBLISHER José Roberto Maluf CONTEÚDO Diretora de Redação Tatiana Engelbrecht Editora Executiva Solange Monteiro Diretora de Arte/Projeto Gráfico Janaína Diniz Repórteres Graziele Dal-Bó e Roberta Pregnaca Revisão Assertiva Produções Editoriais Produção Gráfica Eduardo Keppler Infografia Anna Luiza Aragão Colaboradores Ainá Vietro (site) e Eustaquio Evaristo (assistente de arte) COMERCIALIZAÇÃO Gerente de Publicidade Sidney Espósito Executivo de Contas Nagibe Adaime – nagibe@springcom.com.br MARKETING Elisangela Silva, Rafael Borsanelli, Marcia Leonardi ADMINISTRATIVO/FINANCEIRO Diretor Executivo Eduardo Colturato Gerente Financeiro Edison Arduino Pré-impressão First Press Periodicidade Mensal (Março de 2010) CTP, impressão e acabamento IBEP Gráfica Circulação auditada por SPRING EDITORA-PRODUTORA Rua Ferreira de Araújo, 202, 7o andar – CEP: 05428-000 São Paulo/SP – Tel.: 11 3097-7666 Site: www.springcom.com.br E-mail: contato@springcom.com.br AMÉRICAECONOMIA INTERNACIONAL Diretor Elias Selman Carranza Vice-presidente Executiva Gloria Landabur C. Diretora Internacional de Marketing Mica Selman Diretor Editorial Felipe Aldunate M. Editor Adjunto Rodrigo Lara Editores Antonio María Delgado (Miami), Fernando Chevarría (Lima), Juan Pablo Rioseco (Santiago), Karen Correa (Guaiaquil) Diretor de Arte Álvaro Araya Urquiza Editor de Fotografia Miguel Candia Diretor de Circulação Marcial Delcorto Gerente de Produção Constanza del Río Moreno AMÉRICAECONOMIA INTELLIGENCE (Estudos e Projetos Especiais) Diretor Jaime Contreras Soria Coordenadora Geral Daniela González Pesquisador Sênior Andrés Almeida Analista Paulina Saavedra AMÉRICAECONOMIA.COM Diretor de Estratégia Digital Rodrigo Guaiquil Editor Lino Solis de Ovando Webmaster José Fuentes ESCRITÓRIOS Buenos Aires +5411 4383-8410 Cidade do México +5255 5254-2400 Costa Rica +506 225 6861 Lima +511 610-7272 Miami +305 648-9071 Panamá +507 271 5327 Santiago +562 290-9400 Uruguai +5982 901 9052

Chairman Robert R. Paradise

10 AméricaEconomia Março, 2010

E

m novembro do ano passado, em meio ao apagão que deixou 18 estados brasileiros no escuro e a perspectivas de crescimento de 5% para este ano, a pergunta recorrente era uma só: o Brasil tem energia suficiente para avançar? Na época, não faltaram críticas à falta de investimento e de manutenção da rede elétrica nacional, mantida pelo governo federal. Este, por sua vez, atribuiu o episódio às chuvas e aos raios – justificativa que já havia sido usada no blecaute de 1999, quando dez estados foram atingidos. Quase quatro meses e muitos temporais depois, a energia elétrica é o foco da reportagem especial que a AméricaEconomia Brasil traz nesta edição. Para nossa surpresa, a boa notícia é a de que o Brasil se destaca, como exceção, em um cenário latino-americano extremamente preocupante. A combinação de chuvas abundantes nos últimos meses com a desaceleração econômica de 2009 e as promessas de obras previstas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) até 2015, com destaque para a licença prévia da hidroelétrica de Belo Monte, no Pará – que deverá se tornar a terceira maior do mundo –, desafogaram o horizonte no curto prazo, facilitando o planejamento e a execução de investimentos em geração de energia. Já olhando para além de nossas fronteiras, o horizonte parece nebuloso, principalmente nos casos de Venezuela, Equador e Argentina. Mesmo diante dos desafios que ainda temos pela frente, o dinamismo e a potencialidade de nosso setor energético têm atraído o interesse de grandes empresários. É o caso do “Midas” Eike Batista, que tem focado cada vez mais os negócios de seu grupo, o EBX, no setor. Construção de usinas térmicas e exploração de petróleo e gás foram apenas algumas das apostas de Eike em 2009, que consumiram R$ 2,5 bilhões em investimentos. Ainda no Especial Energia, trazemos uma entrevista exclusiva com José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras. O executivo fala sobre o principal desafio da empresa em 2010 – captar um volume de financiamento proporcional às reservas de pré-sal – e defende a eficiência energética do etanol brasileiro, chamando a atenção para a necessidade de ampliar a produção. Além da entrevista com Gabrielli, em nosso portal AméricaEconomia (www.americaeconomia.com.br) especialistas do setor analisam os rumos que o etanol está tomando no Brasil. A árdua batalha da CSN pela internacionalização; a disputa da Airbus e da Boeing pelo mercado latino-americano; o jogo político por trás da troca de presidente do Banco Central argentino; o cenário pouco promissor das exportações brasileiras; e as estratégias de investimento de empresários da América Latina para 2010 são outros assuntos desta edição. Aproveite a leitura. José Roberto Maluf

ASSINATURAS Central de Atendimento Tel: 55 11 3038-1493, de 2a a 6a feira, das 8h às 20h. E-mail: americaeconomia@acsolucoes.com.br Cartas: Rua Butantã, 500 – 2o andar – CEP 05424-000 – São Paulo/SP Valores de assinatura: Por 1 ano: R$ 96,00 / Por 2 anos: R$ 182,00 Pagos em até 5x no cartão de crédito ou em até 3x no boleto bancário (preço válido para as vendas realizadas pela Central de Atendimento e pelo website da revista). Em caso de descontinuação da publicação, a Spring Editora-Produtora LTDA. garante aos assinantes desta publicação a restituição, em reais, da parte do valor já pago correspondente aos exemplares não entregues, devidamente corrigido monetariamente. Ao fazer sua assinatura, exija a credencial do vendedor e pague sempre com cheque nominal, mediante recebimento da primeira via de nosso pedido de assinatura.


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ÍNDICE DE EMPRESAS

CARTAS BRASIL, VISTO DO PERU

Não entendo o que de burro tem o “dumb money” ao qual o senhor Edmunds se refere em sua coluna da última edição (“Plano de Atração”, AméricaEconomia, No 384, fevereiro, 2010). Hoje, o Brasil está na moda, mas continua tendo problemas para conseguir investimento sustentável, como burocracia excessiva, infraestrutura ruim, economia complicada para que estrangeiros operem no país etc. E muitos brasileiros ainda estão longe de sentir a bonança dos mercados financeiros.

ANDRE BENÍTEZ – LIMA, PERU

BRASIL, VISTO DA COLÔMBIA Que bom que o Brasil tem um bom ministro da Fazenda (“Especial Ministro de Finanças”, AméricaEconomia, No 383, janeiro, 2010). No caso do meu país, nosso ministro foi encarregado de focar os recursos da população na guerra pessoal que o presidente Uribe mantém com os grupos insurgentes. O governo de nosso país é semelhante ao da Venezuela: temos um ditador no poder, que dirige os recursos do Estado para manter seu aparato militar em dia. Será que o senhor Guido pode nos dar algumas sugestões? ORLANDO FORERO – BOGOTÁ, COLÔMBIA

REFORMA QUE NÃO CHEGA Há alguns anos, por questões familiares, imigrei para a Holanda. Aqui, posso ver que nem tudo é cor-de-rosa, mas as coisas funcionam melhor para a grande maioria, graças à habilidade de se chegar a um compromisso e de se fazer concessões. O teatro político não é isento de vaidades partidárias, mas o bem-estar comum impera. Já no México, sentimos falta de um Estado social e de um direito sólido. Sem um debate aberto, que inclua a sociedade, não consigo ver esperança de mudança e, por isso, não acredito que se chegue a uma reforma política digna, como a reportagem trata (“Democracia à Espera”, AméricaEconomia, No 384, fevereiro, 2010). Ainda sou fiel a essa outra tradição mexicana de não ter fé em nossa gente.

ANDREA REYES – AMSTERDÃ, HOLANDA Cartas para a redação:

americaeconomia@springcom.com.br

12 AméricaEconomia Março, 2010

Os números referem-se à primeira vez em que as empresas são citadas. Abeceb 59 Airbus 32 Aliansce 70 Allianz 30 Alstom 22 Alumínio Nordeste 15 American Banknote 14 AMS Foods 60 AMS Group 45 Amyris Brasil 15 Apple 81 Aqoras Management 44 Arellano Marketing 36 Astrid & Gastón 34 Ativa 18, 21 Awro Logística 43 29 BanChile Inversiones Banco Real 15 Barbacoa 36 BBKO Consulting 14 BCI 44 BDO 70 Beverage Partners 8 Biocancer 79 BioGenetics 79 Biosintética 79 BM&FBovespa 13, 14, 16, 70 Boeing 32 Bradesco 14, 18 Brasil Foods 50 Brasil Telecom 50 Braskem 13, 50 Brava Investimentos 71 Brazilian Capital 15 Bunge 15 Camargo Corrêa 27 CAP 15 Cimpor 26 CME Group 14 CMP 15 Coca-Cola 8 Consultive Holding 56 Copa Airlines 32 Corus 26 Cosan 15 Credit Suisse 18 Cruzeiro do Sul 69 CSN 26 DirecTV 40 EB 41 EBX 16 EDP 19 Eletrobrás 17 Elgin 81

Empiricus Ind. Research 17 Escho 13 Eternit 14 Excellion 79 Exxon 25 Fanem 50 FinPlan 71 Furnas 17 Gas Natural 23 GE 22 Geração Futuro 26 Gerdau 26 Globant 72 GPTI 15 Grupo Amil 13, 44 Grupo Bertin 15 Guarani 15 Habib’s 36 Humax Group 36 Iberdrola 23 Ibi México 14 Inbev 16 Incae 55 Inversiones La Macha 34 ISA 15, 22 Itaú Unibanco 31, 44 44 Kidzania La Mar 34 LAN 33 Latin America 73 LCA Consultores 49 Lenovo 73 LLX 17 Lux Research 79 M. Dias Branco 69 Magazine Luiza 73 MAN 15 Medial Saúde 13 Metalfrio 69 Microeletrónica 14 Mitsubishi 15 MMX 17 Monier Tegula 14 Morningstar 33, 41 MPX 16 Mr. Sheik 36 Multicanal 41 Multiplus 15, 70 Nanotech Plus 79 Nativa 36 NatureCrops 45 Neptune 15 Nestea 8 Nestlé 8

Nextel 8 Nll Holdings 8 OGX 16 Oi 50 73 Pacífico Seguros Perdigão 50 Petrobras 16, 24, 72 Politec 29 Portugal Telecom 15 PwC 43 Prospectiva Consultoria 50 13, 50 Quattor Quintec 29 Rawlings Sporting 54 Retech 30 Ricardo Eletro 44 Rizzo Franchise 36 Saci Falabella 73 Sadia 50 Samsung 81 Santander Brasil 15 SAP 72 Sempra Energy 23 Shell 25 Shimu 35 Sinopec 25 Siqueira Castro 71 SLW Corretora 27 Socopa 21 Sonda Procwork 28 Spoletto 36 Starbucks 45 Stratus 15 Sunoco Chemicals 13 SYSone Consulting 14 Taca 33 TAM 15, 16, 33, 70 Tanta 34 Tata Steel 26 Teal Group 33 Telefónica 41 Televisa 8 Telmex 41 Tendências Consultoria 50 The CIU 40 Totvs 42 Vale 13, 15, 13 Varig 33 Virgin Atlantic 32 VTR 41 Walmart México 73 WestLB 70 Wheeling-Pittsburgh 26 22 XM


PISTAS NOVAS RÉPLICAS PUBLICAMOS

Por ser um mercado já tão atraente para os investidores estrangeiros, o Brasil registra poucos ETFs ( exchange traded funds) domiciliados no país. “Ao longo de 2010, tenho certeza que serão lançados novos fundos como esse”, diz Adriana Sanches, gerente da BM&FBovespa. (“Jogo das Diferenças”, AméricaEconomia No 384, fevereiro, 2010)

O NOVO

A BlackRock, maior gestora independente de recursos do mundo, anunciou o lançamento de três fundos no Brasil para o final de fevereiro: dois setoriais (imobiliário e de consumo) e outro relativo ao IBX-100 (com o retorno de uma carteira

EDUARDO BUENO, PRESIDENTE DA AMIL

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ÀS COMPRAS PUBLICAMOS

A partir de 2000, a Amil adotou um tom de negócios voltado a aquisições. Realizou uma oferta pública de ações no fim de 2007, capitalizando R$ 1,35 bilhão. Um fator que gera expectativa no mercado é o bilhão de reais parado no caixa da empresa. (“Pulso Acelerado”, AméricaEconomia No 379, setembro, 2009)

O NOVO

Em fevereiro, a Amilpar (Amil Participações S.A.) exerceu a opção de compra de 100% das cotas da Esho (Empresas de Serviços Hospitalares), que detinha desde 2007. O negócio envolve três hospitais que já eram administrados pela Amilpar e totalizou R$ 60,1 milhões. Em janeiro, a empresa tinha feito a OPA (oferta pública de aquisição) pelas ações da Medial Saúde, adquirida em dezembro.

hipotética composta pelas 100 ações mais negociadas da BM&FBovespa). Ela quer aumentar o volume administrado no país de R$ 500 milhões para R$ 700 milhões.

BATALHA ACIRRADA PUBLICAMOS Segundo a cientista política colombiana Claudia López, o referendo é a fachada de legalidade e democracia de Uribe para instalar-se definitivamente no poder. (“Se Não For Uribe...”, AméricaEconomia No 379, setembro, 2009) O NOVO Em fevereiro, um juiz da Corte Constitucional declarou a inconstitucionalidade do referendo que aprova a segunda reeleição consecutiva do atual presidente, e se esperava a posição dos outros magistrados, que poderiam impedir a candidatura. O prazo máximo de inscrição de candidatos é dia 12 de março.

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SEM FREIO Fotos: 1 - Rosane Naylor/Euro Comunicação; 2 - iStockphoto

PUBLICAMOS

A união de Braskem com a Quattor representaria a criação de uma Vale do Rio Doce da petroquímica. A nova empresa teria 80% do mercado de resinas e também seria uma participante temível no mercado internacional. (“A Vale da Petroquímica”, AméricaEconomia No 380, outubro, 2009)

O NOVO

Mal conseguiu concretizar a compra da Quattor, no fim de janeiro, a Braskem mostrou as garras no exterior. No começo de fevereiro, a companhia anunciou a aquisição da totalidade da norte-americana Sunoco Chemicals, por US$ 350 milhões, em dinheiro. Além disso, o presidente da empresa, Bernardo Gradin, anunciou estar negociando com mais cinco empresas, com o objetivo de posicionar a Braskem entre as cinco principais petroquímicas do mundo.

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NEGÓCIO FECHADO

BM&FBOVESPA A bolsa de valores de São Paulo (foto) elevará sua participação societária na holding CME Group do atual 1,8% para 5%, com um investimento de cerca de US$ 620 milhões. A CME controla a Chicago Mercantile Exchange (CME), a New York Mercantile Exchange (Nymex), o Board of Trade of the City of Chicago, Inc. (CBOT) e a Commodity Exchange, Inc. (Comex). Somada à participação já detida, o investimento total da BM&FBOVESPA na CME passará a US$ 1 bilhão.

BBKO CONSULTING

A empresa brasileira anunciou a compra da SYSone Consulting, companhia focada em soluções integradas de TI. A BBKO divulgou em comunicado planos de lançar um IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) em um prazo de três anos. VALOR: NÃO REVELADO

BRADESCO

O banco anunciou a compra de 100% do Ibi México. O valor não foi revelado. O Ibi México possui carteira de crédito de 1,3 bilhão de pesos mexicanos, equivalentes a US$ 180 milhões, patrimônio líquido de 566 milhões de pesos mexicanos (US$ 79 milhões) e mais de 1 milhão de cartões de crédito. A expectativa é de que a formalização dos contratos ocorra até 30 de março. VALOR: NÃO REVELADO

ETERNIT A fabricante de telhas e caixas d’água adquiriu a Monier Tegula Soluções para Telhados, que atua no segmento de coberturas de concreto. O valor da transação não foi revelado. De acordo com o comunicado enviado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários),

Fotos: 1 - Eduardo Barcellos/Getty Images; 2 - Luciana Tancredo

VALOR: US$ 620 MILHÕES

AMERICAN BANKNOTE O Conselho de Administração da fornecedora de soluções para cartões, sistemas de identificação e serviços gráficos aprovou a aquisição da Microeletrónica Española S.A.U. A Microeletrónica atua na fabricação, no desenvolvimento e na venda de cartões inteligentes para operadoras de telefonia celular. VALOR: 13 MILHÕES DE EUROS

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MULTIPLUS A subsidiária da empresa aérea TAM, responsável pela rede de fidelização de clientes e pelo programa de milhagem da companhia, levantou cerca de R$ 724 milhões com a oferta pública inicial de ações (IPO). Cada ação foi vendida a R$ 16. VALOR: R$ 724 MILHÕES

VALE A mineradora, comandada por Roger Agnelli (foto), comprou a Bunge Fertilizantes por US$ 3,8 bilhões, em um negócio que envolveu 100% das ações da Bunge Participações, que detém 42,3% da Fosfertil. Do outro lado do balcão, a Vale fechou acordo com a Alumínio Nordeste para a venda de seus ativos de alumínio da Valesul por US$ 31,2 milhões. VALOR FOSFERTIL: US$ 3,8 BILHÕES VALOR VALESUL: US$ 31,2 MILHÕES a compra se dará de forma indireta, por meio da Neptune Empreendimentos e Participações, sociedade a ser controlada pela companhia. VALOR: NÃO REVELADO

ISA A empresa estatal colombiana Interconexão Eléctrica S.A. (ISA) assinou um contrato com o governo, para construir

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estradas na área central da Colômbia, no valor de US$ 2,8 bilhões. Em comunicado, a companhia disse que irá construir e operar quatro estradas que se estenderão por 1.251 km. VALOR: US$ 2,8 BILHÕES

MAN DIESEL A subsidiária da alemã MAN recebeu um pedido do Grupo Bertin para o equipamento eletromecânico de seis usinas termelétricas. O valor negociado foi de 300 milhões de euros (cerca de R$ 770 milhões). As seis usinas produzirão, juntas, 1.000 mw de energia e serão construídas nas proximidades da cidade de Salvador, sendo conectadas à rede no ano 2011. VALOR: 300 MILHÕES DE EUROS MITSUBISHI

A empresa fez uma oferta de US$ 924 milhões para adquirir 25% da chilena CMP (Compañía Minera del Pacífico S.A.), subsidiária da CAP. O acordo depende da aprovação das autoridades da China. VALOR: US$ 924 MILHÕES

PORTUGAL TELECOM O grupo anunciou a compra de 100% do capital da GPTI, empresa brasileira prestadora de serviços na área de tecnologia da informação. De acordo com a Portugal Telecom, a aquisição da GPTI faz parte de sua estratégia de se consolidar e reforçar sua presença no Brasil. A transação está sujeita a autorização de autoridades brasileiras. VALOR: NÃO REVELADO SANTANDER BRASIL

A subsidiária do grupo espanhol vendeu para a empresa Brazilian Capital um prédio localizado no número 1.374 da Avenida Paulista, em São Paulo, que vinha sendo utilizado como sede do Banco Real. O Santander manterá sua agência no andar térreo do edifício. VALOR: R$ 270 MILHÕES

STRATUS A gestora de fundos de private equity anunciou um investimento de R$ 10 milhões na Amyris Brasil S.A., fabricante de combustíveis e materiais químicos renováveis, por meio do seu fundo de CleanTech. Os recursos são parte dos R$ 140 milhões destinados à aquisição de 40% da Usina Boa Vista e à instalação de uma nova planta industrial de conversão de seus produtos à tecnologia Amyris. O aporte também apoiará a implantação de unidades de produção junto a usinas da Cosan, da Bunge e da Guarani. VALOR: R$ 10 MILHÕES

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ESPECIAL ENERGIA CAPA

O FILHO DO SOL

Crescimento do país e descobertas de carvão e gás no Brasil e na Colômbia colocam o grupo de Eike Batista no centro das atenções quando o assunto é energia elétrica

O

sol irradia as siglas de quase todas as empresas que Eike Batista criou no seu conglomerado, o EBX, e que, tal qual o nome do grupo, terminam com o “X” da multiplicação da riqueza. Símbolo de força, poder e otimismo – segundo definição de Eike –, o sol é também a divindade principal de um império que se expandiu por 4,8 mil quilômetros do continente americano, subindo do Rio Maule, no Chile Central, até o sul da Colômbia. A escolha do sol e da letra “X” parece remeter à ideia de que a energia e a fartura sempre estiveram nos planos desse admirador de incas e vikings, povos expansionistas e ousados, como o próprio Eike. A decisão também reforça a vaidade que marca a figura do empreendedor mais arrojado que surgiu no Brasil desde nomes como Jorge Paulo Lehman, que hoje faz parte da belgo-brasileira Inbev, maior cervejaria do mundo, e do fundador da TAM Linhas Aéreas, Rolim Amaro (1942-2001). Afinal, Eike não é de fugir das câmeras: ele e suas empresas estão sempre sob os holofotes, seja ao doar R$ 7 milhões para a Madonna, ao pagar R$ 1 milhão por uma camisa do jogador Ronaldo, ou ao declarar na mídia norte-americana que planeja ser o homem mais rico do mundo em apenas dez anos. Não é segredo que ele sonha em ter em sua carteira a Vale, a maior empresa privada do país, que foi comandada por seu pai, Eliezer Batis-

230% foi a lucratividade aproximada da MPX em 2009

16 AméricaEconomia Março, 2010

ta, na década de 1960, quando ele ainda era um menino. “Os perfis muito empreendedores, que lidam com grandes riscos na sociedade brasileira, são polêmicos”, diz Betânia Tanure, especialista em cultura organizacional da Fundação Dom Cabral. “Empresários arrojados e que saem do lugar comum despertam sentiEIKE BATISTA: INTEGRAÇÃO DOS NEGÓCIOS GARANTE mentos ambíguos”, comenta sobre INDEPENDÊNCIA AO BRAÇO a diferença entre o perfil de Batista DE ENERGIA DA EBX e o padrão comum do empresário brasileiro, que seria mais relacional e articulador. Sobre perfis polêmicos no mundo empresarial, ela é taxativa: “contra o sucesso não há argumento”. A investida nos negócios de energia é mais uma dessas ousadias de Eike que pode dar certo. Foram muitos os que desconfiaram ao vê-lo entrar nos segmentos de petróleo, em que reina a Petrobras, e de geração de energia, para ser mais um em meio a dezenas de projetos. Parecia um novo arroubo na carteira do grupo EBX, que abrange outros empreendimentos tão desconexos como uma mineradora, turismo náutico e um restaurante chinês. O ano que passou, no entanto, dá conta de que Eike parece ter acertado de novo. O sol brilhou na Bovespa para as ações de energia de seu rebento, que ainda não produziu um único barril de petróleo, nem vendeu um único kw. A OGX teve uma valorização de quase 200% em 2009, enquanto a MPX, braço de energia, teve uma lucratividade próxima aos 230%. No mesmo período, o Ibovespa subiu 83%.

Foto: Silvia Costanti/Valor/Folha Imagem

VERÓNICA GOYZUETA, DE SÃO PAULO


E não foi só. Os papéis da LLX, de logística, apontaram uma valorização de quase 500%, enquanto a MMX, seu braço de mineração, passou dos 300%. O valor de mercado das empresas de Eike praticamente triplicou, de R$ 20 bilhões, em dezembro de 2008, a mais de R$ 60 bilhões, em dezembro de 2009 – isso em um ano de crise econômica. E não faltaram investimentos. OGX, MPX e LLX desembolsaram cerca de R$ 2,5 bilhões na construção de usinas térmicas, na exploração de petróleo e gás e em portos. Sem dúvida, não basta uma “pitada de sorte”, uma das premissas entre os valores corporativos do grupo: são necessárias visão e a estratégia certa.

COMPRAR NA PLANTA Um dos pontos que mais incomodam especialistas e jornalistas na hora de fazer análises é o fato de as empresas “X” se tornarem gigantes na bolsa a partir de projetos que ainda não estão produzindo. Felipe Miranda, fundador e analista

responsável da Empiricus Independent Research, em São Paulo, reconhece que Batista é bom de marketing, mas acha que o desempenho das suas empresas não se deve à sorte ou ao acaso. Para ele, a integração dos negócios do grupo X em mineração, energia e logística foi bem calculada. “É como comprar um imóvel na planta”, compara Miranda. O especialista destaca o fato de os projetos estarem sendo executados por figuras respeitadas e credenciadas no mercado. Para se ter uma ideia, participam da equipe de Eike executivos como Francisco Gros, que foi presidente da Petrobras e do BNDES; Paulo Mendonça, que foi gerente de exploração e de produção da Petrobras por quase 35 anos; e Luiz Rodolfo Landim, que foi engenheiro da Eletrobrás, de Furnas e também da Petrobras. Segundo Miranda, Batista convocou profissionais que têm o melhor conhecimento técnico em suas respectivas áreas e que sabem o que estão fazendo quando orientam o grupo a realizar uma compra. Março, 2010 AméricaEconomia 17


ESPECIAL ENERGIA CAPA

ALTA DEMANDA O investimento na área de geração de energia, em um país que promete crescer em média 5% nos próximos anos, também é considerado um acerto. O apagão que emudeceu o país em novembro mostrou que a atual estrutura talvez não seja suficiente para sustentar a demanda futura. “Havia um elefante na sala, e perceberam só agora”, escreveu Miranda, em sua análise, três dias depois do apagão, chamando a atenção de quem andava menosprezando as ações da MPX. “Compre quem pode se aproveitar da necessidade de expandir a matriz energética sem o foco exclusivo em hídricas”, alertava. Para Miranda, a MPX é uma empresa ainda incompreendida pelo mercado. “Não se trata de vender energia no mercado regulado, mas no mercado livre, em que a energia é cara”, explica. Segundo ele, a MPX foi criada para integrar mina e usina e vender energia no mercado industrial quando ela é demandada, ou seja, quando é mais cara. Diferentemente da energia hidroelétrica, que não para de ser gerada e vendida enquanto há água, as termoelétricas só são acionadas quando se pode vender uma energia a tarifa alta, diz Miranda. “Mas isso só é possível se você tem a matéria-prima.” Essa é outra das vantagens da MPX: a integração da ge-

Investimentos* do grupo EBX 2010-2011 2010

2011

OGX

1.428

1.492

LLX

1.035

532

MPX

844

352

MMX

512

252

TOTAL

3.800

Fonte: EBX

ração de energia nas usinas de Pecém (I e II), no Ceará; Itaqui, no Maranhão; Seival, no Rio Grande do Sul; e Porto do Açu, no Rio de Janeiro; com o carvão da Colômbia e as jazidas de gás do Maranhão. “É preciso calcular o ativo de forma integrada”, diz o analista, que acredita que a MPX, cotada a R$ 25, pode chegar a R$ 52 por ação. Para ele, esse projeto só não dará certo se não parar de chover, e o Brasil não crescer como se estima. A equipe de analistas de energia da corretora Ativa, liderada por Ricardo Corrêa, também aposta no bom desempenho da MPX, em função do potencial de produção de carvão na Colômbia. “Pode ser um driver importante para as ações da MPX”, diz Corrêa, que visitou, em fevereiro, as usinas de Pecém I e II. Miranda lembra que, em uma pequena área de 320 hectares, na Colômbia, metade dos 140 furos de testes deu positivo, certificando pelo menos 110 milhões de toneladas de carvão. “Temos motivos para achar que essa é a ponta de um grande iceberg de reservas”, suspeita Miranda. Munido de uma equipe respeitada e de bons projetos, Eike derruba lendas, como a de um suposto mapa do tesouro que teria herdado do seu pai para explorar ouro no Mato Grosso. Trinta anos depois da experiência no garimpo, o admirador dos Incas parece estar na pista certa do Eldorado.

ÁREA DE CONSTRUÇÃO DAS TERMOELÉTRICAS PECÉM I E II, NO CEARÁ: CAPACIDADE DE GERAÇÃO TOTAL DE 1.080 MW

18 AméricaEconomia Março, 2010

2.600 * em US$ milhões

Foto: Celso Oliveira

Em 2007, Batista surpreendeu o setor petroleiro ao criar a OGX e colocá-la em disputa com a Petrobras, em um leilão da Agência Nacional Petróleo (ANP), em que arrematou 21 áreas exploratórias. A troca de ouro amarelo – seu primeiro negócio, na década de 1980 – por ouro negro vem dando certo. As descobertas de petróleo e gás em parte dessas áreas têm levado analistas do Credit Suisse e do Bradesco a elevar o preço das ações da OGX. “A empresa perfurou seis poços com uma taxa de sucesso de 100%”, diz Miranda, que considera que as ações da empresa estão abaixo do seu valor de mercado. Neste ano, a empresa deve perfurar 27 poços, 17 na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro; nove na Bacia de Santos, no litoral de São Paulo; e um na Bacia do Parnaíba, no Maranhão.


SINERGIA COMPETITIVA ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

C

om previsão de investimento de R$ 1,3 bilhão para 2010, termoelétricas que, a partir de 2012, poderão gerar 1,5 mil MW e projetos de carvão e gás para alimentar seus planos de geração – um deles na Colômbia, que implica a construção de um porto –, a MPX dá sinais de ser a promessa de brilho das empresas de Eike. E não é só. “Temos um papel de pioneirismo na energia solar”, diz Eduardo Karrer, presidente da MPX, em entrevista à AméricaEconomia.

AméricaEconomia Como o senhor vê a relação entre a demanda e a produção de energia no Brasil? Eduardo Karrer Acho que a situação de curto prazo é confor-

AE Como estão os projetos de geração de energia solar e energia eólica e os planos da MPX nesses segmentos? Karrer No caso de eólica , temos um projeto – que ainda não

tável, por conta dos níveis dos reservatórios, o que é traduzido no preço spot [à vista] muito baixo. Mas não se pode descansar, pois a carga está batendo recordes sucessivos, chegando a 70 gw médios. Para o Brasil sustentar um crescimento de 5% do PIB, tem de fazer empreendimentos grandes em hidrelétricas, continuar com empreendimentos em carvão, em gás natural e pensar também na energia nuclear como um plano de médio e longo prazos.

está contratado – de 30 MW, no Ceará. Buscamos outros parques eólicos para ganhar escala. A intenção é ter uma posição que propicie sinergias de operação e de transmissão. Também temos projetos no Rio de Janeiro, no Porto do Açu. Ou seja: pode esperar a MPX nos próximos leilões de eólica. No caso da energia solar, temos um papel de pioneirismo. Começaremos a construir, em março, a primeira planta de geração de energia solar do Brasil em Tauá, no interior do Ceará. Aí geraremos, em uma primeira fase, o primeiro megawatt – parece pouco, mas a área de painéis para atingir isso é bastante significativa.

AE Os projetos de termoelétricas da MPX já receberam apoio do BID e do BNDES. O que possibilita essa facilidade em conseguir financiamento? Karrer Você só consegue garantir financiamento de longo prazo quando todos os fundamentos do projeto são sólidos. Alguns pontos para isso são, em primeiro lugar, trabalhar com tecnologia de ponta; segundo, ter projetos com indicadores econômicos muito sólidos, para dar conforto aos fi nanciadores; e mostrar que você vai cumprir com as obrigações financeiras do projeto por um período de sete, dez, 12 anos. No nosso caso, a escala do projeto ajuda. Também há a excelência na questão socioambiental e, por fim, a energia vendida por um longo prazo, o que garante a geração de fluxo de caixa.

AméricaEconomia Qual é o papel do gás natural nos negócios da MPX? Karrer Começaremos a perfuração no Maranhão em maio e, se tivermos sucesso, será muito importante, porque poderemos manter, a exemplo do que já fazemos no carvão mineral, o mesmo modelo integrado de suprimento e geração.

AméricaEconomia As ações das empresas do grupo EBX tiveram forte valorização em 2009. O que podemos esperar da MPX para 2010? Karrer Temos várias oportunidades de geração de riqueza para os acionistas. Há investimentos na Colômbia, no Chile, e posso citar também o projeto de carvão mineral no sul do Brasil, onde o projeto MPX Sul está atrelado à mina de Seival.

AméricaEconomia Quais são os próximos planos da empresa? Karrer Estamos construindo cerca de 1,5 mil MW de capacidade instalada, dos quais 1,1 mil MW são nossos e o restante da EDP, nosso sócio em um dos projetos do Ceará. Em cima dessa base, teremos até o final do ano aproximadamente 10 mil MW em projetos licenciados. Basicamente metade a gás natural e metade a carvão mineral. Hoje, a posição de caixa da companhia nos permite crescer 500 MW por ano, mais ou menos, dependendo da fonte.

Março, 2010 AméricaEconomia 19


ESPECIAL ENERGIA CAPA

SINAL DE ALERTA Brasil constitui uma exceção no continente quando se trata de geração de energia FELIPE ALDUNATE MONTES, DE SANTIAGO, E ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

HIDROELÉTRICA PORTO ESTRELA, EM MINAS GERAIS: CHUVAS GARANTEM GERAÇÃO

20 AméricaEconomia Março, 2010

1


P

erguntar sobre segurança energética para especialistas é sempre sinônimo de polêmica. Atualmente, na América Latina, o resultado da união de fenômenos climáticos adversos com o descaso em relação a novos investimentos trouxe um coquetel de cortes de luz e racionamento em vários países, como Venezuela, Equador e Argentina. Quando se trata do Brasil, entretanto, os analistas observam o futuro com mais alívio. Fatores como a chuva e a desaceleração econômica de 2009 desafogaram o horizonte de curto prazo. Para adiante, promessas de concretização de várias obras listadas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) até 2015, tendo como destaque a licença prévia para a hidroelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, assinada no começo de fevereiro, injetam otimismo para garantir o abastecimento de energia elétrica em um país que promete crescer fortemente nos próximos anos. “No curto prazo, estamos bastante seguros”, diz Ricardo Corrêa, analista da Ativa Corretora, no Rio de Janeiro. “Temos dado sorte com relação às chuvas, os níveis nos reservatórios estão acima da média histórica. Portanto, 2010 será um ano seguro, bem como 2011.” Osmar Cesar Camilo, analista da Socopa Corretora, em São Paulo, lembra que, “para a economia crescer entre 4% e 5%, como estava antes da crise, o incremento na capacidade de geração de energia elétrica teria de ser de algo em torno de 4 mil MW por ano, o que não vinha acontecendo”. Cálculos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do governo federal, indicavam que a curva de demanda iria ultrapassar a de oferta de geração por volta de 2011 e 2012. “Com a crise, em 2009, perdemos um ano de demanda, e a oferta aumentou. Assim, a ultrapassagem das duas curvas (demanda e oferta) foi postergada, o que acabou facilitando um pouco o planejamento e a execução de investimentos no parque de geração de energia no Brasil”, diz Camilo. Em três anos do PAC, foram financiadas obras para a geração de 5,9 mil MW de potência – 3,6 mil MW destes por 35 termoelétricas, frente a 2,3 mil MW de oito usinas e 45 pequenas centrais hidroelétricas, além de 28 usinas de energia eólica. Em linhas de transmissão, foram 7,3 mil km concluídos. O anúncio da licitação prévia da Usina de Belo Monte, depois de mais de 20 anos de negociações, poderá significar outros 11,2 mil MW nessa conta de geração, com investimentos estimados em R$ 16 bilhões. Segundo Lula, obedecendo aos prazos preestabelecidos, é possível entregar Belo Monte antes de 2015. Porém, tanto em Belo Monte quanto em outros projetos, o problema é o prazo, aponta Corrêa, da Ativa. “Quando o governo fala que até 2015 teremos sobra de energia, está incluindo nesse cálculo projetos atrasados e outros que não serão construídos, ou seja, existe, dentro desse cálculo, uma energia de papel”, aponta.

PROBLEMA COTIDIANO O questionamento da previsibilidade quanto à execução de projetos, o que pode ameaçar o futuro energético do Brasil, também é uma realidade no restante do continente. Na Venezuela, 2010 começou com racionamento de energia e restrição do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, comprometendo inclusive a atividade industrial. Os vilões apontados por Hugo Chávez, presidente do país, foram o desperdício dos venezuelanos e a seca, que fez com que o nível do reservatório Guri, da maior hidroelétrica do país, ficasse vários metros abaixo do mínimo. A incapacidade de gerar energia diante de um fenômeno climático não habitual, entretanto, é um sintoma claro da ausência de investimentos para reagir a contingências como essa. “Em 11 anos, o governo só conseguiu aumentar a capacidade de geração em 3,2 mil MW”, diz Guillermo Ovalles, presidente da Comissão de Energia Elétrica da Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela. “É necessário investir US$ 18 bilhões nos próximos cinco anos”, diz Nélson Hernández, especialista em energia. “Entre 2010 e 2012, deveriam entrar em operação 21 plantas termoelétricas, com um total de 4,42 mil MW, que evitariam a crise”, diz. Ou seja, há muito a construir em pouco tempo, e em um contexto político adverso. No Equador, onde a impossibilidade de evitar o racionamento culminou na renúncia do ministro da Energia, Esteban Albornoz, no final do ano passado, a situação é parecida. “Desde que o governo de Rafael Correa assumiu o poder, em 2006, não se instalou nem um só kW novo de energia; isso só foi acontecer em dezembro, no ápice da crise”, diz José Pileggi,

5,9

Fotos: 1 - Agência Vale; 2 - AFP

mil MW foram financiados pelo PAC em três anos

APAGÃO NO EQUADOR: FRACASSO DO PLANO DO GOVERNO E SUCESSIVOS RACIONAMENTOS CULMINARAM EM RENÚNCIA DO MINISTRO DA ENERGIA

2

Março, 2010 AméricaEconomia 21


ESPECIAL ENERGIA CAPA ex-presidente do Colégio de Engenheiros Eletricistas do país. O plano de Correa consistiu na compra de um equipamento térmico de emergência, adquirido da GE, e uma turbina arrendada da Alstom, além da importação de energia do Peru. Tais paliativos só reforçaram o fracasso do plano mestre 2006-2010, que previa a instalação de 450 MW de energia térmica, para reduzir a dependência das plantas hidroelétricas. Uma história que espera ser superada por um novo programa para 20092020, com investimentos de US$ 10,9 bilhões. Na Colômbia, apesar da falta de chuva, a situação é diferente. Depois do colapso energético que o país viveu em 1993, as autoridades começaram a trabalhar em um parque de geração elétrica de base hídrica e térmica. Graças a esses investimentos, o país, hoje, tem capacidade instalada de 13,8 mil MW (53% com provimento de térmicas e 47% por hidroelétricas). Uma diversificação notável, se for levado em conta que, em 2008, as hidroelétricas respondiam por 80% da geração. “Isso nos permitiu afastar a possibilidade de um apagão por razões climáticas”, diz Pablo Ardila, diretor da XM, filial da companhia estatal ISA, encarregada de operação do mercado elétrico colombiano. Até 2018, o programa de ampliação colombiano ainda prevê outros nove projetos, com investimentos de US$ 6 bilhões e acréscimo de 3,42 mil MW ao sistema colombiano.

SUBSÍDIOS E INCERTEZAS

O FUTURO PROJETO DA BELO MONTE: INVESTIMENTO ESTIMADO EM R$ 16 BILHÕES 3

22 AméricaEconomia Março, 2010

4

e importar um milhão de lâmpadas de baixo consumo para distribuir gratuitamente na região metropolitana. A recuperação do crescimento, nos últimos anos, exigiu o máximo da matriz argentina, que ainda convive com uma dinâmica daninha: o congelamento de tarifas pelo governo, compensado por um forte sistema de subsídios às empresas geradoras e distribuidoras. Segundo a Associação Argentina de Orçamento e Administração Financeira Pública (Asap), em 2009, os subsídios destinados ao setor superaram os US$ 5 bilhões. Em 2010, com menos dinheiro nas arcas públicas, o governo começou a cogitar o reajuste nas tarifas, mas este ainda poderia ser freado, frente a uma pressão inflacionária. O plano do governo indica investimentos para o biênio 2010-2011, com aumento de 1,63 mil MW em geração, numa combinação de projetos nucleares, eólicos, termoelétricos e hidroelétricos. “Entretanto, a Argentina se encontra em uma situação de paralisia e incerteza tão grande que é difícil estimar o investimento nestes dois anos”, diz Jorge Lapeña, presidente do Instituto Argentino de Energia (IAE). Apesar de, em

Fotos: 3 - Eletrobrás; 4 - Nilton Sergio Ramos Quoirin/Getty Images

No dia 29 de janeiro, cerca de 500 pessoas se instalaram na principal esquina de Córdoba, Argentina, para um panelaço. Dessa vez, devido ao blecaute, que as impossibilitou de ligar ares-condicionados e ventiladores, frente a um calor de 40 graus. O corte de luz também aconteceu em outras regiões, inclusive na capital, já que o uso de eletricidade para a refrigeração gerou um pico de consumo. Muitos lembraram o ano de 2007, quando o governo teve de impor racionamento


TURBINA DE ITAIPU: SE OS PROJETOS FOREM EXECUTADOS, ABASTECIMENTO ESTARÁ GARANTIDO

dezembro de 2009, as cifras oficiais indicarem uma potência instalada na Argentina de 27 mil MW – dos quais 57% provinham de centrais térmicas; 36%, de hidroelétricas; e 7%, das centrais nucleares –, mas estima-se que apenas 23 mil MW se encontram disponíveis de forma constante e efetiva. Já o Chile, que passou por fortes períodos de restrição energética há poucos anos, deve inaugurar vários projetos em 2010, entre eles centrais térmicas a carvão e diesel. “O país precisava aumentar a capacidade de geração no curto prazo, e as térmicas são as mais rápidas de se colocar em operação”, diz o ministro da Energia, Marcelo Tokman. “Mas várias centrais que estão sob avaliação são hidroelétricas, renováveis e com menor custo de geração.” Dos 12 projetos sob avaliação, metade contempla hidráulica e produzirá 3,84 mil MW, com investimento de US$ 4,91 bilhões. Outro país que parece ter feito bem a lição de casa é o Peru. Por enquanto, os 6 mil MW de capacidade instalada no país superam a oferta. Mas estimativas apontam que o país terá de aumentar a capacidade em mais 8 mil MW até 2015, “o

que significaria colocar em funcionamento 600 MW ao ano”, diz Teofi lo Casas, ex-presidente da Eletroperu. Muito disso será alimentado com o gás de Canmisea e com os projetos de hidroelétricas binacionais que começam a ser desenvolvidos com o Brasil, na bacia amazônica. O México, por sua vez, atravessa um período de transição em seu modelo. A Comissão Federal de Eletricidade (CFE) do país perdeu recentemente o monopólio de geração de energia, permitindo a entrada de empresas privadas no negócio – especialmente as espanholas Iberdrola e Gas Natural, bem como a californiana Sempra Energy Solutions. “O primeiro passo é converter a CFE em um comprador único; depois, entraremos na etapa de mercado atacadista, até finalmente derivar para um esquema em que o cliente possa escolher seu fornecedor”, explica Sarahi Angeles Cornejo, do Instituto de Pesquisas Econômicas da Unam (Universidade Autônoma do México). Resta, agora, e como sempre, saber se cada país conseguirá cumprir seu desafio a tempo para poder crescer sem correr o risco de ficar no escuro. Março, 2010 AméricaEconomia 23


ESPECIAL ENERGIA ENTREVISTA

FELIPE ALDUNATE, DE DAVOS

J

osé Sergio Gabrielli diz ter um desafio em 2010: captar um volume de financiamento proporcional ao nível de reservas do pré-sal. Em entrevista à AméricaEconomia, durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro, na cidade suíça de Davos, o presidente da Petrobras também fala sobre os planos da estatal no exterior e defende o etanol brasileiro.

O problema, hoje, não é falta de financiamento para o setor, mas a falta de projetos atraentes

24 AméricaEconomia Março, 2010

Foto: Sérgio Lima/Folha Imagem

EMISSÃO RECORDE


AméricaEconomia 2009 foi o melhor ano da Petrobras? José Sergio Gabrielli Foi nosso melhor ano, do ponto de vista financeiro, pois captamos uma enorme quantidade de recursos por meio de emissões de bônus: cerca de US$ 40 bilhões.

AE Quanto esperam captar neste ano? Gabrielli O objetivo dessa emissão é pagar ao governo pelo direito de exploração de 5 bilhões de barris do pré-sal, cuja autorização está tramitando no Congresso. Por isso, é preciso calcular o valor desses 5 bilhões de barris, não o preço de mercado, mas o preço descontando os custos. Acho que será a maior emissão de ações do mundo. O problema, hoje, não é falta de financiamento para o setor, mas a falta de projetos atraentes. Quem tem um projeto com fluxo de caixa positivo, consegue fi nanciamento.

AE Qual é sua estimativa para o preço do barril em 2010? Gabrielli Achamos que o valor deverá variar entre US$ 60 e US$ 80. Não é um valor alto: US$ 60 está muito perto do custo de produção de petróleo em muitos países.

AE Com o pré-sal, o foco internacional da Petrobras foi reduzido? Gabrielli Hoje, somente 9% do nosso investimento está indo para fora do Brasil. É menos do que a Exxon ou a Shell, mas os recursos que temos por explorar no Brasil são muito importantes. Os campos estão no Brasil. O refino está no Brasil. O mercado doméstico é muito importante para nós. Assim, nosso investimento internacional está focado principalmente em exploração e em distribuição.

AE As principais notícias chegam da Ásia... Gabrielli Sim, principalmente com o acordo de comercialização que fechamos com a Sinopec (China Petroleum & Chemical Corporation), segundo o qual 10% de nossa produção irá para a China. Também estamos exportando para Índia, Cingapura, Tóquio, Okinawa e Beijing.

AE Onde há melhores condições para investir em exploração? Gabrielli Cada país é diferente. Nos EUA, por exemplo, é muito difícil. É mais difícil que na Bolívia, que se critica tanto.

AE O que aconteceu com a aliança que a Petrobras faria com a Petróleos Mexicanos (Pemex)? Gabrielli O problema é que o México não pode fazer contratos que não sejam de prestação de serviços. E nós não queremos ser provedores de serviços; não queremos simplesmente receber uma comissão fi xa. Nosso negócio é exploração, e exploração implica risco.

AE Quanto tempo de vida resta ao petróleo? Gabrielli Achamos que não haverá um pico de demanda. A produção de petróleo cresceu muito, nos últimos 40 anos, e a relação reserva-produção se manteve constante. Todos os anos, se acrescenta mais de um barril às reservas por cada barril de petróleo consumido. Nos últimos três anos, as reservas caíram um pouco. Mas a produção corrente se reduziu drasticamente, também. Se não há nova produção, há a necessidade de adicionar entre 20 milhões e 50 milhões de barris diários. Se a demanda se estancar no nível atual, de qualquer forma será preciso um aumento na oferta nesse mesmo nível, para compensar os poços que deixarão de ser explorados.

AE Hoje, muitos criticam a dependência do etanol de primeira geração, do qual faz parte o de cana-de-açúcar... Gabrielli O etanol de cana-de-açúcar produzido no Brasil é oito vezes mais eficiente em termos energéticos do que o de milho. É uma indústria competitiva. Entretanto, achamos que é necessário ampliar a produção não apenas no Brasil, mas em vários países. Enquanto isso não acontecer, o preço do etanol estará muito determinado pelo preço do açúcar. Hoje, também temos patentes para produzir etanol a partir da celulose.

AE O senhor acha que o etanol tem influenciado certos preços de alimentos, nos últimos tempos? Gabrielli Não diretamente, porque o preço do etanol é determinado principalmente pelo preço do açúcar. E, no Brasil, o preço da gasolina depende do preço do petróleo. Mas não acho que haja o efeito inverso, que o etanol determine o preço do açúcar e de outros alimentos.

AE A Petrobras inaugurou uma termoelétrica que funciona a partir de etanol e de gás natural. O etanol será uma fonte viável para produzir eletricidade? Gabrielli Não. A grande vantagem dessa planta é que ela é dual: é de gás natural e pode usar etanol, no caso de uma situação de preços relativos, de logística ou de qualquer outra especial que demande essa troca.

Março, 2010 AméricaEconomia 25


NEGÓCIOS SIDERURGIA

DESEJO PENDENTE

CSN tenta há anos crescer no exterior por meio de grandes aquisições, mas não consegue concretizar suas propostas POR ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

em 2006, um acordo de fusão com a Wheeling-Pittsburgh Corporation (WPC). Mas este foi desfeito meses depois, pela própria CSN, já que a nova administração da WPC, na época, tinha interesse em viabilizar um negócio semelhante com outra companhia. O anúncio que, verdadeiramente, colocou Steinbruch sob os holofotes internacionais foi sua tentativa de adquirir a siderúrgica anglo-holandesa Corus. Analistas ficaram em êxtase e ao mesmo tempo chocados com os planos da CSN. Bradaram que a compra da siderúrgica elevaria demais a dívida da CSN e prejudicaria seu fluxo de caixa. Durante um leilão promovido pelo Takeover Panel, órgão responsável pela regulamentação das fusões e aquisições britânicas, no início de 2007, a siderúrgica indiana Tata Steel acabou levando a melhor na disputa – e o controle da Corus. Depois destas tentativas, a CSN mostrou interesse em avançar em aquisições de menor porte na América do Norte e na América do Sul, porém sem o sucesso alcançado pelas empresas do setor em que atua. “O movimento de internacionalização deve ser feito de maneira gradual,

2,5

milhões é a expectativa de produção de cimento da CSN, em 2011

26 AméricaEconomia Março, 2010

adquirindo experiência e formando executivos que tenham esse tipo de vivência. E é um processo longo,” diz Rafael Weber, analista do Banco Geração Futuro de Investimento. “Por isso, talvez, a CSN não tenha tido algum sucesso porque, em determinados casos, ela realmente tenta construir isso a passos largos demais para sua capacidade.” Weber cita o caso da Gerdau, conhecida por seu plano de internacionalização por meio de aquisições. A siderúrgica realizou sua primeira compra fora do Brasil ainda na década de 1980 e, ao longo dos anos, adquiriu diversos ativos na América do Norte e na América do Sul, além de ter avançado na Ásia e Europa. “A Gerdau só foi dar um passo realmente agressivo no mercado externo em 2007, com a aquisição da Chaparral Steel,” afirma. Apesar de não conseguir avançar com grandes aquisições fora do Brasil, a CSN concluiu, no início do ano, a compra de uma participação minoritária na Riversdale, produtora de carvão mineral australiana – que pode ser um aprendizado para a CSN, de acordo com Weber, da Geração Futuro. “Isso dá à empresa experiência internacional, e aí acredito que, mais para a frente, veremos a CSN fazendo aquisições bem-sucedidas,” diz.

DIVERSIFICAR É PRECISO No Brasil, a CSN investe cada vez mais em novos nichos de negócios – motivo

Foto: Agência Minas

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iversos executivos brasileiros se debruçam, todos os anos, sobre toneladas de papéis, com uma calculadora ao lado, para estudar as melhores opções de compra e de financiamento de ativos que, muitas vezes, não estão à venda e ficam a milhares de quilômetros de distância. O trabalho árduo muitas vezes é recompensado – mas, como em toda disputa, sempre há perdedores. A CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) é uma das empresas que, hoje, brigam contra o estigma da derrota. Seu presidente, Benjamin Steinbruch, é conhecido por seu perfil ambicioso, mas também pelas tentativas frustradas de crescer no exterior por meio de grandes apostas. No começo deste ano, o executivo estava imerso em sua última batalha: uma oferta pela Cimpor, produtora de cimento com sede em Portugal, e buscava enterrar o histórico de tentativas frustradas do passado. Fora do Brasil, a CSN é proprietária da siderúrgica portuguesa Lusosider e também controla uma unidade, no estado de Indiana, nos Estados Unidos. Para ampliar sua presença na América do Norte, a empresa brasileira fechou,


BENJAMIN STEINBRUCH, PRESIDENTE DA CSN: O EXECUTIVO BUSCA, HÁ ANOS, FORTE EXPANSÃO INTERNACIONAL

pelo qual está interessada em cimento. A siderúrgica está de olho no desenvolvimento de projetos de infraestrutura, em função das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e em investimentos relacionados à Copa de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016, que devem elevar a demanda por produtos na área de construção civil. “A CSN é uma siderúrgica, mas já é uma mineradora, uma empresa de logística e de cimento. A diversificação é muito grande”, afi rma Pedro Galdi, analista-chefe da SLW Corretora. “Acredito que a CSN criará braços de negócios específicos e poderá abrir o capital de todos eles – como o Eike Batista fez com as empresas dele”.

Foto: Divulgação

SEM SUCESSO A CSN possui uma unidade de produção de cimento, no Brasil, que iniciou a sua produção em maio de 2009, com vendas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A expectativa é a de que a produção alcance cerca de 2,5 milhões de toneladas em 2011. Presente em 13 países – inclusive no Brasil –, a Cimpor está no radar de produtoras de cimento brasileiras, como a Camargo Corrêa e a Votorantim, que já garantiram uma fatia da empresa portuguesa por meio de negociação com alguns shareholders. Porém, de acordo com analistas, o avanço das empresas na Cimpor pode enfrentar problemas de concorrência e uma possível intervenção do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A oferta da CSN pela Cimpor expirou em 22 de fevereiro, e, mais uma vez, a CSN travou um braço de ferro e não encontrou na empresa portuguesa o sucesso que esperava para expandir-se fortemente no exterior. Mas 2010 está apenas começando, e analistas, agora, aguardam ansiosamente a próxima tacada de Steinbruch. E, quem sabe, seja finalmente uma tacada certeira. Março, 2010 AméricaEconomia 27


NEGÓCIOS TI

LINHA DE FRENTE Sonda Procwork arruma a casa para acomodar as compras que fará em 2010, com os US$ 150 milhões que vieram da matriz, no Chile

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esde que Luiz Carlos Felippe (Luca) e Carlos Henrique Testolini começaram sua sociedade na empresa de serviços de TI Procwork, há 13 anos, uma das boas características que cultivaram foi saber dividir o trabalho. Testolini, como bom madrugador, era o primeiro a chegar à

LUIZ CARLOS FELIPPE (ABAIXO), E CARLOS TESTOLINI (À DIREITA): CRESCIMENTO VELOZ EM 2010

28 AméricaEconomia Março, 2010

empresa, em São Paulo; Luca, o último a sair. Quando venderam a companhia à chilena Sonda, em 2007, tiveram de acrescentar as viagens a Santiago na agenda mensal. E, desde o começo do ano, estão com novas funções: Luca passou a presidência da empresa a Testolini para se dedicar à criação do Conselho de

SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO FOTOS: MÁRIO ÁGUAS

Administração da Sonda no Brasil. Segundo Luca, o Conselho que passou a liderar é diferente. “Na verdade, é um board de estratégia”, conta. E tem um objetivo claro: cuidar do rápido crescimento da empresa, neste ano, no Brasil. “A meta é fechar ao menos três grandes aquisições em 2010”, afirma


Luca. Para isso, o Chile deixou US$ 150 milhões à disposição. “Já temos uma compra bem encaminhada, que esperamos anunciar em, no máximo, 60 dias.” A ideia que rege essa procura é posicionar a empresa, forte nas áreas de SAP (Systems Applications and Products) – que, hoje, é comandada do Brasil para quatro países onde a Sonda opera – e infraestrutura em TI, em outros negócios, para complementar a oferta. “Com exceção da área fiscal, na qual queremos reforçar posição, buscamos duas novas plataformas”, diz Luca.

POTENCIAL EXTERNO A disposição de Luca se justifica. Tanto ele quanto os chilenos sabem que o

grande potencial da empresa está no país. “Acreditamos na recuperação do crescimento de dois dígitos da Sonda, em 2010, impulsionado pela recuperação do setor de TI, sobretudo no Brasil”, afi rmou Christian Contreras, analista do BanChile Inversiones, em Santiago, em relatório do segundo semestre de 2009. Hoje, o país representa cerca de 34% dos negócios da empresa chilena, que, em 2009, teve receita de US$ 702,98 milhões. No documento, o analista destaca projeções do IDC de que, em 2010, o mercado de TI brasileiro terá vendas estimadas em US$ 31 bilhões. Para a Sonda, esse movimento conta com uma vantagem adicional: a melhora das margens do negócio no país. Não que 2009 tenha sido fácil. “Nossa empresa ainda tem grande parte da atividade baseada em projetos de tecnologia, que foram literalmente engavetados na virada de 2009”, conta Testolini. “Tivemos de criar ofertas com foco na readequação de custos dos clientes, conseguindo evitar a queda que vimos no mercado em geral.” Além de cuidar da gestão de custos dos clientes, a empresa também fez sua lição de casa: cumpriu a meta de melhorar o Ebitda, com uma variação de 26,5%, nos 12 meses de 2009, em relação ao período anterior. “Terminamos o ano com margem de 11,6%, ante 8,5% em 2008. O objetivo para este ano é dar um salto ainda maior”, diz Testolini. Como conseguiram? Segundo os sócios, com uma reorganização que reduziu em 20% o quadro de funcionários ao longo do ano, mesmo com aumento de 20% em fechamento de negócios, com destaque para uma evolução no segmento de BPO (Business Process Outsourcing) na área fiscal. “Quando uma empresa de serviços melhora o custo da relação entre receita e despesa com mão-de-obra, é uma injeção direta na veia, o resultado é líquido imediato”, diz Luca. Um processo que começou na

venda da empresa, quando a Procwork passou a abandonar a gestão vertical e a automatizar processos. Essa margem, entretanto, ainda está longe da operada no Chile, que foi de 24,4%, em 2009. “O que busco explicar aos sócios chilenos é que eles têm uma carga tributária de 19%, enquanto temos uma de 38%”, diz Luca. “É aritmeticamente impossível entregar o mesmo resultado enquanto o Brasil não reduzir a carga tributária.”

SHOPPING LATINO Além do Brasil, o México também é alvo prioritário de aquisições da Sonda. “Acabamos de captar no Chile US$ 100 milhões com bônus de renda fi xa que foram um sucesso, com vencimento de 10 a 15 anos. E foi divulgado para o mercado fi nanceiro que essa seria uma primeira tranche, que poderá chegar a US$ 500 milhões, se identificarmos companhias interessantes”, diz Luca. O certo é que, dentro do Chile, resta pouco para a Sonda fazer. Em 2009, ela não conseguiu concretizar a compra da Quintec, que, por sua vez, entrou no Brasil em dezembro, por meio da fusão com a Politec. “No Brasil, o impacto deles como concorrência é nenhum, porque a Politec atua 100% no mercado estatal, e a Sonda, 100% no mercado privado. E não acreditamos que isso mudará”, afi rma Luca. E há planos de abertura de capital no Brasil? Segundo os sócios, por enquanto, não. “Ainda estamos ganhando musculatura, para, daqui a uns dois anos, estar preparados para uma IPO.” Março, 2010 AméricaEconomia 29


NEGÓCIOS SEGUROS

RADAR LIGADO Grandes obras de infraestrutura no Brasil despertam o apetite das seguradoras internacionais. Entre elas, o da alemã Allianz SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO FOTOS: ROBERTA DABDAB

N

a corrida pelos preparativos para a Copa do Mundo de 2014, o Estádio Magalhães Pinto, o Mineirão, foi o primeiro, entre os 12 escalados, a iniciar suas obras de reforma para o evento. E quem saiu na frente com ele foi a seguradora Allianz, primeira a emitir uma apólice para as obras do mundial. A alemã foi contratada pela Retech Serviços Especiais de Engenharia para proteção contra riscos de engenharia e danos a terceiros da primeira fase da obra, com cobertura de R$ 8,2 milhões. O anúncio de grandes projetos de infraestrutura no país, que envolvem desde o pré-sal até todos os relacionados à organização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, tem aguçado o apetite das operadoras internacionais de seguros e resseguros, demonstrando que esse será um terreno cheio de grandes disputas. Tal movimento não escapou do radar do espanhol Vicente Tardio, presidente da seguradora alemã Allianz para a Península Ibérica, Brasil, Argentina e Colômbia, que esteve no país, no final do ano passado, para verificar o mercado com os próprios olhos. “Queremos crescer nos três países em que estamos na região, mas o mercado absolutamente priori-

30 AméricaEconomia Março, 2010


VICENTE TARDIO: ATENTO ÀS OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO QUE SE ABREM NO PAÍS

tário é o brasileiro”, diz Tardio. A favor da empresa está a vasta experiência em grandes obras e o fato de ter sido a principal seguradora dos projetos da Copa da Alemanha, em 2006. Também conta a capacidade de trabalhar com somas altas que a maior parte dos players locais ainda busca evitar no Brasil – contando, além disso, com o fato de o mercado de resseguros estar praticamente recém-aberto no país, pois até 2007 era monopólio do Instituto de Resseguros do Brasil (atual IRB-Brasil Re), que ainda domina o setor. “Isso deve nos garantir uma posição forte, estamos esperançosos em conquistar uma boa posição nessa catarata de obras públicas que se produzirá, no Brasil, nos próximos anos”, afirma o executivo.

MERCADO BILIONÁRIO Desde o ano passado, a seguradora vem dando passos firmes para cumprir essa meta. Em julho de 2009, recebeu autorização da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para atuar como resseguradora admitida (com escritório de representação). Em outubro, fechou com a Shell uma apólice de US$ 1,5 bilhão como seguradora para a cobertura de toda a produção e extração de petró-

leo da companhia no Brasil, para riscos patrimoniais e de responsabilidade civil. Se bem posicionada nesse setor, poderá consolidar-se em um mercado bilionário que se abre com o pré-sal e no qual, segundo analistas, o desafio das seguradoras será o de calcular esses riscos e as taxas, já que a atividade do pré-sal implica um novo tipo de exploração, desconhecida no restante do mundo. Analistas do s e tor t a mb é m apontam o fato de a empresa já participar de outras mega-apólices, como as das usinas hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, um sinal de seu poder de fogo para disputar a liderança de contratos de engenharia no país, que, hoje, é do Itaú Unibanco. Até outubro de 2009, de acordo com a Susep, a Allianz detinha 16% do mercado nacional de seguros de engenharia, com 75% de crescimento de participação em relação ao mesmo período de 2008. A Allianz também é uma das seguradora

das térmicas de Eike Batista, em Pecém, no Ceará, além da usina eólica de Gargaú, no Rio de Janeiro, pertencente ao grupo Ecopart Investimentos. Em dezembro, a Allianz South America readquiriu os 14,025% do capital social da Allianz Seguros que estavam nas mãos do Itaú Unibanco, seguindo a tendência característica do grupo de buscar a propriedade de 100% de suas subsidiárias, dando claro sinal de que não pensa em sair do país. Nesse xadrez cor porat ivo, a alternativa que Tardio não descarta é a de compra. “Não estamos trabalhando nenhuma opção concreta, pois temos motor e apostamos 100% no crescimento orgânico”, disse. “Mas gostamos de ser grandes nos países em que estamos. No Brasil, gostaríamos de ser maiores do que somos. Por isso, provavelmente nos faria bem uma compra em um horizonte de curto e médio prazos. Tudo depende das oportunidades”, afirma.

1,5

bilhão de dólares é o valor da apólice contratada pela Shell

Março, 2010 AméricaEconomia 31


NEGÓCIOS AVIAÇÃO

VOANDO ALTO T

odos os passageiros da companhia aérea inglesa Virgin Atlantic já tiveram a oportunidade de ver o capitão David Kistruck. Ele é o protagonista do vídeo de segurança que a companhia aérea transmite pouco antes da decolagem. Nessa fleumática gravação, o capitão garante que os aviões de hoje aguentam impactos muito maiores do que as condições climáticas são capazes de provocar. “A estrutura é flexível, as asas estão desenhadas para dobrar-se (...); a turbulência pode ser incômoda, mas nunca é perigosa”, afirma no vídeo. Guardadas as proporções, o mesmo parece acontecer com as maiores fabricantes de aviões comerciais do mundo, Boeing e Airbus, que resistiram a 2009 fechando o ano com bons números, sobretudo na América Latina, mostrando-se imunes à turbulência econômica que sacudiu outras indústrias.

32 AméricaEconomia Março, 2010

A rivalidade entre ambas é histórica dentro do mercado de aviões comerciais de médio e longo alcance. O fato novo identificado por analistas, entretanto, é que agora o apetite das duas empresas na região poderia estar mais relacionado ao processo de consolidação e expansão de algumas companhias aéreas, já que, em termos de aeronaves, ambas apresentam preços e qualidade tão semelhantes que, de certa forma, indicam certa “comoditização” da indústria.

BRIGA PELA DIANTEIRA Independentemente do motivo, o fato é que ambas não têm do que reclamar. “As vendas se mostraram mais que resistentes durante a crise”, diz Ihssane Mounir, vice-presidente de Vendas para América Latina, África e Caribe da Boeing. “As companhias aéreas da região fizeram importantes compras nos últimos meses de 2009.”

ANTONIO MARÍA DELGADO, DE MIAMI

Tais encomendas incluem, entre outras, a aquisição de 15 Boeing 737 pela panamenha Copa Airlines e de outras dez aeronaves do mesmo fabricante por uma companhia da região que Mounir afirma não poder identificar, porque o acordo ainda não foi divulgado. A essas aquisições, o executivo ainda soma 25 aeronaves 717 entregues à Mexicana, sob um contrato de aluguel. Já a Airbus anunciou, no fi nal de 2009, que a chilena LAN assinou um contrato de cerca de US$ 2 bilhões para a compra de 30 aviões A320. Além disso, a empresa já tinha uma longa lista de pedidos por entregar, incluindo 46 aeronaves para a TAM – modelos A350 XWB, A330 e A320 – e outras 54 A320 para a Taca. Em nível mundial, a Airbus levou a dianteira, no ano passado, obtendo 271 pedidos, frente aos 142 da Boeing. A empresa europeia também superou a rival norte-americana em número

Fotos: Divulgação

Consolidação das companhias aéreas leva Airbus e Boeing a aquecer sua disputa na América Latina


COPA AIRLINES: APOSTA CERTEIRA DA BOEING PARA GARANTIR BONS RESULTADOS EM 2009

de entregas, com um recorde de 498 aviões, ante 481 da Boeing.

CHEGAR PRIMEIRO Rafael Alonso, vice-presidente sênior da Airbus para a América Latina e o Caribe, afirma que a aviação comercial da região está atravessando um momento interessante, em que muitas companhias aéreas começam a posicionar-se para o futuro. “O rejuvenescimento da frota da região tem sido espetacular, e isso se deve ao fato de que muitas companhias têm massa crítica e começam a investir em grandes compras”, diz. Apesar de algumas empresas aéreas latino-americanas ainda operarem aviões antigos, as novas compras levaram a idade média da frota da região de 16 anos, em 2000, para os atuais 11,6 anos. Richard L. Aboulafia, analista do setor da empresa Teal Group, concorda

que o processo de consolidação tem um importante papel no desempenho tanto da Boeing quanto da Airbus na América Latina. “As companhias vencedoras passaram a comprar, e o desempenho de Boeing e Airbus está claramente relacionado ao fato de elas apostarem ou não em empresas bem-sucedidas.” Como exemplo, Aboulafia cita a estratégia da Airbus de concentrar sua atenção para atrair a companhia peruana Taca, num momento em que esta amplia sua posição no mercado centroamericano. O mesmo aconteceu com a TAM, que tomou o lugar da Varig, que era cliente da Boeing, no mercado brasileiro. Com a abertura de capital de sua gestora de programas de fidelidade, a Multiplus, no começo deste ano, a TAM posicionou-se como uma candidata à compra das ações da empresa chilena LAN, que o presidente recém-eleito, Sebastián Piñera, comprometeu-se a vender antes de sua posse. Para essa aquisição, entretanto, a TAM teria um páreo duro: a família Cueto, que já detinha 25% da LAN e iniciava um processo de fi nanciamento antes mesmo da fixação do preço de venda das ações. A Boeing – que está há mais de 70 anos na região, enquanto a Airbus chegou há 20 anos – garantiu sua cota de boas apostas. Entretanto, teve de se focar na recuperação de uma série de atrasos nas entregas. “A Boeing teve um ano difícil por causa da greve de funcionários que, em 2008, resultou em menos entregas em relação à Airbus e afetou seu fluxo em 2009”, diz o analista Brian Nelson, da empresa de estudos Morningstar. Isso sempre é um ponto delicado para as empresas, já que

ambas oferecem produtos semelhantes e necessitam reter clientes. Segundo os analistas, os aviões da Boeing são um pouco mais econômicos em termos de operação e manutenção. Já os da Airbus contam com um sistema computadorizado que garante a padronização de manejo de voo entre os diferentes modelos de aeronave, o que possibilita redução de custos na hora de treinar os pilotos. Mounir, da Boing, admite que a Airbus tem tido sucesso na América Latina, nos últimos anos, mas ressalta que ainda falta chão para a concorrente alcançar a liderança da Boeing na região. “Ela tem ido bem, mas temos cerca de 70% a 80% da frota instalada.” Essa frota, segundo a Airbus, inclui alguns modelos da geração anterior que continuam operando na região, e, quando se trata apenas de novas compras, o cenário muda um pouco. Segundo a empresa, nesse aspecto, a Airbus leva 45%, contra 55% da Boeing. “Se essa tendência se mantiver, as coisas mudarão daqui dois anos, e a Airbus chegará a 55%. Isso é fruto das vendas que fizemos até agora”, diz Alonso, da Airbus. AIRBUS: CONQUISTA DA TAM PRESSIONA O MERCADO DA CONCORRENTE


NEGÓCIOS PERU

APOSTA NO SABOR Gastón Acurio internacionaliza a cozinha peruana e se transforma em um dos principais empresários da gastronomia latino-americana NATALIA VERA RAMÍREZ, DE LIMA, COM SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO

1

34 AméricaEconomia Março, 2010

GASTÓN ACURIO: O SEGREDO É NÃO TER PRESSA PARA ABRIR NOVOS PONTOS

Fotos: 1 - Sandra Elias; 2, 3 e 4 - Divulgação

T

odas as noites, o chef peruano Gastón Acurio tem um encontro impostergável com a cozinha: lá, corta, mistura, refoga, prova, até sair com uma receita diferente. “Um rocoto (tipo de pimentão picante) pode se transformar em uma empanada ou ser confeitado com fungos, dependendo de para qual rede de restaurantes vai”, exemplifica, enquanto corta um peixe em dois para provar sua consistência. “Criamos mais de mil receitas novas por ano.” Esse ritmo acelerado acompanha Acurio desde 1994, quando voltou a Lima, depois de abandonar os estudos de Direito em Madri e formar-se chef no Cordon Bleu de Paris, onde conheceu sua mulher, Astrid, francesa de origem alemã. Foi nesse ano que abriu o primeiro restaurante Astrid & Gastón. Hoje, com sete marcas diferentes, três delas (Astrid & Gastón, La Mar e Tanta) espalhadas por 11 países, ninguém contesta que Acurio foi um dos grandes catequizadores da cozinha peruana fora de seu país. “Meu sonho é que toda cidade importante do mundo tenha um restaurante peruano”, diz. Ele trabalha duro nessa missão. Enquanto em suas mãos as receitas se multiplicam, o time de executivos que forma a empresa Inversiones La Macha coloca fermento nos números. Em 2009, os restaurantes de Acurio faturaram cerca de US$ 100 milhões – em 2008, foram US$ 60 milhões –, e, em 2010, novas inaugurações estão previstas. Segundo Luis Kiser, presidente da Câmara Peruana de Franquias, Gastón


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4

Acurio soube divulgar e fortalecer o conceito de gastronomia peruana por meio de um modelo de franquias bem-sucedido. “Ele exportou não somente marcas, como também conceitos”, diz.

SEM PRESSA Para Acurio, a receita de seu negócio é simACIMA, CEVICHERIA LA MAR NO BRASIL E UM DE SEUS PRATOS. ples: “A primeira regra é À DIREITA, ALEXANDRE MIQUI, SÓCIO DE ACURIO NO PAÍS não fazer as coisas com Com tão boa repercussão, fui a dupressa, mas bem; a segunda, entender ras penas que Miqui obedeceu à prique, antes do restaurante, há uma marmeira regra de Acurio e não acelerou a ca genérica a defender, que se chama abertura de novos pontos. “Nos primeicozinha peruana; e, a terceira, buscar ros cinco meses de funcionamento, já um bom sócio local”. se queria abrir outros restaurantes. DisNo Brasil, o sócio de Acurio é Alesemos que não”, conta Acurio. “Entraxandre Miqui, master franqueado para mos num país com quase 200 milhões a cevicheria La Mar também para Arde habitantes que praticamente não gentina, Paraguai e Uruguai. Miqui diz tinha ouvido falar de pisco sour, mesmo que o interesse por negociar com Acurio estando tão próximo do Peru”, justifica. veio da grande demanda por pratos peAssim, segundo Miqui, 2010 será o ano ruanos que oferecia em seu restaurante de avaliar projetos de franquias “e, em japonês Shimu, na capital paulista. Ele 2011, inaugurar novas casas em São não errou na aposta. “Em 2009, desde Paulo e no Rio”, diz. que inauguramos o restaurante em São O prato principal de Acurio para Paulo, no mês de abril, atendemos em 2010 está no Hemisfério Norte, com média 5 mil clientes por mês, quando a inauguração da cevicheria La Mar, nossa expectativa era chegar aos 3 mil”, em Nova York, prevista para julho. “Há diz Miqui.

15 anos estamos nos preparando para chegar a essa cidade. Estamos enviando nossos melhores cozinheiros, barmen, para que se instalem lá como soldados”, diz. Já para 2011, o destino será Londres, onde o empresário pretende instalar um Astrid & Gastón, e então estudar os mercados africano e asiático. Março, 2010 AméricaEconomia 35


NEGÓCIOS PERU Na América Latina, Irzio Pinasco, gerente geral do Inversiones La Macha, diz que, para este ano, estão previstos US$ 12 milhões em investimentos, na abertura de novos restaurantes no Equador e na Colômbia. No Peru, Acurio prepara o lançamento de três novos conceitos de restaurante, além de uma rede própria de hotéis chamada Nativa, no Vale

Sagrado de Cuzco e em Lima Para Luis Kiser, da Câmara Peruana de Franquias, a marca de Acurio dentro do setor de franquias gastronômicas está gerando um crescimento desse mercado como um todo no país. “Em 2009, as franquias cresceram 30%, e 80% do total foram gastronômicas”, afirma. Segundo estudos da consultoria Arellano Marketing,

o movimento comercial relacionado ao negócio gastronômico representou 11,9% do PIB peruano em 2009. O prestígio conquistado por Gastón Acurio em seu país gerou até convites para entrar para a política, seguindo os passos de seu pai, que foi senador. “Já vieram de quase todos os partidos me procurando, mas acho que os planos que tenho são mais 5 úteis para o país do que se ocupasse um cargo político”, afirma. “Passamos 500 anos conceitualizando a culinária peruana, criamos uma identidade e iniciamos o caminho da exportação”, diz. “Passarão dez anos para que a comida peruana se consolide no mundo, que é mais ou menos o tempo que levou para a comida japonesa decolar.” E Acurio quer estar aí, servindo a mesa.

RECEITA ELABORADA Apesar de exemplos bem-sucedidos, a internacionalização de um negócio gastronômico por meio do sistema de franquias não é simples. “Veja o exemplo do Brasil: somos o quarto maior país em franquias e franqueados, temos uma culinária reconhecida, mas há apenas cinco anos começamos a ver um caminho mais consistente das franquias de alimentação brasileiras fora do país”, diz o especialista Marcus Rizzo, da Rizzo Franchise. Segundo Rizzo, esse é um exercício primeiramente testado pelas redes de fast-food – como Mr. Sheik, Habib’s e Spoletto –, cujos processos são mais fáceis de serem reproduzidos, para depois chegar às ofertas de maior sofisticação. “Mas essa lentidão brasileira também é um problema cultural nosso: enquanto nos EUA uma franquia nasce com o plano de internacionalização já estabelecido, aqui é mais reativo, acontece sobretudo por um contato de interessados na marca.” É o caso da churrascaria paulista Barbacoa. “Em 1993, fomos procurados por uma empresa japonesa do ramo de serviços de alimentação, a Humax Group, que pretendia diversificar seus produtos no Japão e propôs a parceria”, conta Ademar Sguis-

36 AméricaEconomia Março, 2010

sardi do Carmo, sócio-diretor do Barbacoa. Hoje, a rede tem três restaurantes no Japão, dois em Tóquio e um em Osaka, com faturamento anual de US$ 15 milhões. Em 2010, vai inaugurar seu primeiro restaurante em Milão, que será o piloto na Europa. Desde o ano 2000, o Barbacoa tenta decolar um projeto de expansão internacional. “O destino era os Estados Unidos, mais precisamente Nova York. As negociações correram normalmente até 11 de setembro de 2001 (quando houve o atentado às torres gêmeas), mas, dadas as restrições estabelecidas a partir daquela época, preferimos aguardar e expandir nossos negócios no Brasil”, conta o diretor. Para Carmo, uma das maiores dificuldades em expandir uma proposta de negócio gastronômica por meio de franquias é a formação de mão-de-obra. “No caso das churrascarias no estilo brasileiro, que carregam um forte componente cultural, o treinamento é difícil, por isso existe a necessidade de se manter profissionais brasileiros em pontos-chave da operação”, diz. “Negócios com maior valor agregado requerem detalhes personalizados. Quem personaliza o serviço são as pessoas, e nem sempre é possível encontrar profissionais que executem o serviço dentro de padrões estabelecidos e da mesma maneira.”

Foto: 5 - Divulgação

FILIAL DA BARBACOA NO JAPÃO: SABOR BRASILEIRO NO ORIENTE


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NEGÓCIOS EXPORTAÇÃO

PÉROLA DA AMAZÔNIA

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O açaí ganhou fama e mercado no exterior. Agora, terá de enfrentar gargalos na produção para sustentar – e aumentar – essa oferta

A

transição foi marcante. Do prato de muitos paraenses, misturado ao arroz e feijão, em menos de uma década o açaí migrou para o cardápio de lanchonetes e academias no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, vendido como elixir da juventude e fonte de energia. “Antes, o açaí era apenas um alimento da população pobre; hoje, tornou-se fonte de renda de muitas famílias”, conta Francisco Santos de Carvalho, dono de dez hectares plantados com a palmeira do açaí no Pará. Carvalho vem observando o aumento da demanda com alegria, mas também com apreensão. “Ficou mais

38 AméricaEconomia Março, 2010

difícil consumir o açaí aqui no estado, pois o preço subiu muito”, diz. Segundo Gustavo Marquim, secretário de Política Agrícola do Pará, a produção de açaí cresceu 126% entre 2003 e 2008, e os preços no atacado deram um salto de 166%, para cerca de 90 centavos de dólar o quilo. Essa situação, entretanto, não é o único desequilíbrio que ameaça o mercado do açaí: o aumento da demanda tampouco foi acompanhado de investimento em tecnologia e de aperfeiçoamento no sistema produtivo, sobretudo da colheita, que aumentasse a eficiência do processo. “Muitas plantações estão em lugares de difícil acesso, e ainda

não se popularizou um sistema que facilite a colheita em palmeiras que podem alcançar mais de dez metros de altura”, conta Euvaldo Bringel Olinda, presidente do Instituto Frutal. “Isso faz com que cerca de 30% da produção não seja colhida.” Maria do Socorro Padilha de Oliveira, especialista da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em palmeiras nativas da Amazônia, conta que a colheita do fruto “ainda é feita por jovens, preferencialmente de pouco peso, que escalam as plantas com o auxílio de uma peconha – laço de corda para apoio dos pés – e levam uma faca para cortar os cachos. É um

Fotos: 1- iStockphoto; 2 - Wilson Dias/ABr; 3 - Gervásio Baptista/ABr

CAROLINA FUENTES, DE SANTIAGO, E GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO


20%

sistema bem arriscado”, diz. A lentidão para aperfeiçoar essa técnica pode ameaçar um mercado que ainda tem grande potencial de crescimento, já que, segundo o Ibraf (Instituto Brasileiro de Frutas), das 600 mil toneladas de açaí colhidas em 2009, apenas 20% foram destinadas à exportação – sobretudo para Estados Unidos, Canadá, França, Japão, Chile, Argentina e Holanda. O relatório “Açaí: Técnicas de Cultivo e Processamento”, apresentado em 2007 pelos pesquisadores Maria Padilha, João de Farias e Neto da Silva, já alertava para a necessidade do aprimoramento desse cultivo. “Sem a adoção de novas tecnologias, a produtividade vai cair”, reforça Nardye de Sena, gerente executiva de Fruticultura da Secretaria de Estado da Agricultura do Pará. Não bastasse a grande barreira produtiva, a falta de organização desse segmento dá margem a outros fatores que também podem prejudicar o crescimento do mercado externo para o açaí.

Nos EUA, produtos que dizem ter o açaí como matéria-prima são vendidos com promessas pouco ou nada fundamentadas. Entre elas,uma feita pelo cardiologista Mehmet Oz no programa da apresentadora Opra h Winfrey, dizendo que o açaí estava na lista dos dez alimentos que mais preveniam rugas. Sem contar os spams com propagandas como: “Perca peso com o segredo de emagrecimento preferido de Oprah!”, que aguçou a desconfiança de especialistas e foi tema da reportagem “Céticos Questionam Benefícios do Açaí”, publicada no jornal The New York Times, em março do ano passado. “Vender uma coisa como milagrosa

da produção brasileira de açaí é vendida a outros países

não faz parte de um trabalho profissional”, avalia Marcos Soares, do Projeto Setorial Integrado de Promoção de Frutas e Derivados no Exterior da Apex (Agência de Promoção de Exportações). “Existe toda uma estratégia de entrada nos mercados prioritários. E, por isso, não é adequado tirar proveito de situações que alimentam modismos.” Para Sena, da Secretaria de Agricultura do Pará, uma das formas de garantir competitividade e sustentabilidade ao mercado do açaí é fazer com que os produtores participem do processamento e da comercialização do produto internacionalmente. “Hoje, a maioria não tem noção do que é o mercado externo e perde muitas oportunidades de agregar valor ao produto e receber muito mais por ele”, diz. “E isso poderá mudar a realidade de muitos habitantes da Amazônia brasileira”, conclui.

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AÇAÍ PROCESSADO E VENDIDO EM RESTAURANTES: VALOR AGREGADO QUE OS PRODUTORES NÃO EXPLORAM 2

Março, 2010 AméricaEconomia 39


NEGÓCIOS TV PAGA

DE OLHO NO LANCE

A Copa da África do Sul será a prova de fogo para a DirecTV garantir a participação de mercado que as TVs a cabo locais querem conquistar

E

m um asilo de luxo, os jogadores veteranos Carlos Valderrama, da Colômbia; Gabriel Batistuta, da Argentina; Alex Aguinaga, do Equador; Cubillas, do Peru; Iván Zamorano, do Chile; e Dudamel, da Venezuela, compartilham atividades recreativas com vários idosos. Em dado momento, à mesa de jantar, um dos senhores lança a pergunta: “O que vocês fazem aqui?”. Os jogadores respondem que não podem mais viver uma Copa, porque são considerados velhos. E o senhor sugere: “Então contratem a DirecTV e vivam a Copa do Mundo”.

40 AméricaEconomia Março, 2010

A escolha dos jogadores que fazem parte do comercial não foi ao acaso: eles são ídolos nos seis países latino-americanos em que a DirecTV mais quer crescer neste ano. “Temos de ter tudo pronto para aproveitar a Copa da África do Sul, em junho”, diz Jacopo Bracco, presidente da DirecTV Panamericana. Não será uma partida fácil para a operadora. A companhia, que, em 2009, registrou aumento de 21% nas vendas na região, tem demonstrado dificuldade crescente em lucrar com seus assinantes. O resultado operacional da empresa, em 2009, foi de US$ 331

milhões, o que representa uma queda de 22,3% em relação ao ano anterior. Além disso, a operadora terá de reverter uma das maiores desvantagens da tecnologia por satélite: não permitir convergência com outros serviços de telecomunicações, como a telefonia e a transmissão de dados pela internet – o chamado triple play. “Hoje, as pessoas estão optando por empresas mais integradas porque podem economizar até 30% em serviços”, diz Ernesto Piedras Feria, diretor geral da consultoria The Competitive Intelligence Unit (The CIU). O grande

Foto: Erik Dreyer/Getty Images

CAROLINA FUENTES, DE SANTIAGO


argumento da DirecTV, que cai como uma luva no caso do futebol, é o de que a empresa será a única a transmitir todas as partidas do mundial em alta definição nesses países, em formato de cinema e com variedade de câmeras. No caso do Brasil, onde a Directv detém 74% da Sky, o número de assinantes de TV paga cresceu 18,24% em 2009 em relação a 2008, para 7,47 milhões. Mas a TV satelital fechou o ano com 37,3% dos clientes, perdendo para a TV a cabo, com 57,9%. No país, a maior polêmica, entretanto, refere-se à parte do projeto de lei 29 que pode criar cotas para conteúdo qualificado, o que, segundo as empresas, encareceria o serviço.

E DEPOIS DO FUTEBOL? A Copa do Mundo tem forte apelo, mas dura pouco, e resta saber como a DirecTV dará continuidade à sua estratégia quando a alta defi nição não for argu-

mento suficiente para enfrentar a concorrência das TVs a cabo e seus pacotes promocionais com telefonia e internet. Operadoras como a chilena VTR ou a argentina Multicanal são concorrentes de peso. Bem como a mexicana Telmex, que está presente em países como a Colômbia, o Peru e o Chile. Jacopo Bracco não discorda que o triple play é uma realidade mundial, mas “ter uma participação direta em outros serviços de telecomunicações não é nosso território”, diz. Entretanto, ele não nega a disposição de formar alianças como as que já têm na Argentina, com a Telefónica, ou com o Canal de Bogotá EB, na Colômbia. Piedras antecipa outro fator de ris-

co: “A tendência agora é o four play, ou seja, incluir telefonia celular no pacote de telefonia fi xa, TV paga e internet. Com isso, o consumidor pode economizar até 45%.” Um relatório do fundo de investimento Morningstar do final de 2009, antevia que a DirecTV não voltará a ter as mesmas taxas de crescimento dos últimos anos. “Esperamos que a DirecTV adicione mais serviços avançados”, diz o documento, acrescentando que “alianças estratégicas com o mercado de telecomunicações na América Latina” poderiam ajudar no posicionamento da empresa, para que não seja ela a acabar no asilo, junto dos ídolos do futebol latino-americano.

22,3% foi a queda do resultado operacional da empresa na região


FORÇA GLOBAL

1

42 AméricaEconomia Março, 2010

Em 2009, Flavio Balestrin (foto) passou 80% do tempo fora do país – pelas suas contas, 29 noites dentro de um avião. Como diretor de Operações Internacionais da brasileira Totvs, desenvolvedora de software, sua missão era a de ampliar a participação da empresa na América Latina, em Portugal e em Angola. “Temos crescido muito no exterior, mas o tamanho da expansão doméstica, com aquisições como a da Datasul, acabou fazendo sombra para nossos números”, diz, contando que as vendas da Totvs em 23 países (por meio de filiais, franquias e negócios feitos a partir do Brasil) representaram, em 2009, 3% do total da companhia. A Totvs registrou receita bruta de R$ 1,1 bilhão e 150% de aumento no lucro (de R$ 120,3 milhões) no ano passado. “Neste ano, vamos abrir 20 novos canais de vendas, a maioria na América Latina, e não descartamos compras”, diz, sem precisar o país ou o prazo. “Hoje, acho que nossas melhores oportunidades estão fora do Brasil.” Para uma empresa que fechou o ano com R$ 207 milhões em caixa, isso não parece ser uma tarefa difícil. Apesar de um crescimento de 25,2% na margem Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) total, em 2009, a Totvs fechou o ano com um Ebitda negativo de R$ 6,2 milhões nas operações internacionais, “fruto, sobretudo, dos resultados no México e de um período de consolidação e ajuste contábil”, diz Balestrin. Para melhorar estes resultados, neste ano, ele terá como desafio integrar as diversas áreas da empresa com as demandas de cada país, para criar linhas de produtos que “atendam ao alinhamento de empresa global que a Totvs quer ser”, conta. SOLANGE MONTEIRO, DE SÃO PAULO

Fotos: 1 - Divulgação; 2 - Wanderlei Celestino/SPTuris

MOVIMENTOS


2

ALÍVIO TARDIO Muitos esperam com otimismo a conclusão de mais um trecho do Rodoanel, o Sul, prevista para março. Para analistas do setor, entretanto, antes mesmo de sua inauguração, a obra já se mostrará insuficiente para atender uma demanda que só cresce. Trafegar em São Paulo é um fator de custo importante para as empresas. “Em uma situação normal, a logística representa 12% do custo de um produto. Quando esse item tem de passar por São Paulo, há um acréscimo de dois pontos percentuais nesse valor”, afirma Antonio Wrobleski Filho, consultor na área e sócio da Awro Participações e Logística. Para ele, o Rodoanel chegará com uma década de atraso. “Estradas vicinais estratégicas para desafogar o trânsito, como a continuação da Jacu-Pêssego, que ligará o porto de Santos ao aeroporto de Cumbica, e a continuação da Roberto Marinho, que fará ligação com a rodovia Imigrantes, estão paradas”, critica. Enquanto esperam por um alívio tardio, só resta às empresas reinventarem suas estratégias. “Novos planejamentos devem envolver veículos mais leves, mesmo com a consequente perda de capacidade de carga.” GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO

FOME DE COMPRAS

Quem mais registrou fusões e aquisições em 2009

68

Bancos

63

Alimentos TI

Química / Petroquímica

0

58

39

Mineração setor

Nem a crise financeira foi capaz de deter o ritmo de fusões e aquisições no Brasil: foram 630 até 15 de dezembro de 2009 – ante 648 em 2008, segundo dados da PricewaterhouseCoopers (PwC). Desse total, a consultoria aponta que 60% foram anunciadas no segundo semestre e que 64% foram transações timoneadas por capital nacional. Para a PwC, isso é o vaticínio de um 2010 cheio de anúncios. “Os fundamentos do Brasil se mostraram maduros em um momento de crise,” diz Alexandre Pierantoni, sócio da área de fusões e aquisições da consultoria. “Pelos resultados de janeiro – quando houve 60 transações anunciadas –, a perspectiva é a de voltarmos aos patamares de 2007, em termos de transações anunciadas no ano.” Em 2007, foram divulgadas 720 transações envolvendo fusões e aquisições. Para a consultoria, os setores mais atraentes, neste ano, serão os de produtos de consumo (como alimentos, bebidas e higiene e limpeza), varejo, educação, saúde, logística e infraestrutura. ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

20

39 40

60

Fonte: PwC

Março, 2010 AméricaEconomia 43


MOVIMENTOS EXCELÊNCIA NA COLÔMBIA

O World Economic Forum Latin America receberá mais uma vez um evento AméricaEconomia em sua programação. No dia 6 de abril, a revista reunirá em Cartagena, na Colômbia, os executivos e empresários homenageados em 2009 em sua edição Excelência. No ano passado, AméricaEconomia destacou 19 homens e mulheres de negócios latino-americanos que, com sua estratégia de negócios, impulsionaram de forma ímpar o crescimento de suas companhias. Os brasileiros escolhidos nessa edição foram: Roberto Setúbal, do ItaúUnibanco, Edson Bueno, do Grupo Amil, e Ricardo Nunes, da Ricardo Eletro.

CONSELHEIRO INCA

PEQUENO GRANDE NEGÓCIO

Para quem não conhece a Kidzania, fica difícil entender como essa franquia mexicana chegou tão longe. Trata-se de um parque de diversões em que crianças de 2 a 12 anos brincam de comandar uma cidade, assumindo 70 atividades. “Ensinamos as crianças a socializar e a tomar decisões sem depender dos pais”, diz Xavier López Ascona, fundador de Kidzania. O primeiro parque foi inaugurado em 1999, na capital mexicana; hoje, já existem filiais instaladas no Japão, na Indonésia e em Portugal, além da mais recente inauguração, em Dubai. Este está instalado em uma área de 7,8 mil metros quadrados na Torre Burj Califa, o edifício mais alto do mundo, com investimento de US$ 50 milhões. Apesar de ser diversão garantida, Ascona mostra que seu modelo de internacionalização é sério: Malásia, Egito, Seúl, China, Índia, Espanha e Turquia são o alvo para os próximos três anos. “Basicamente, necessitamos de grandes cidades, onde haja 700 mil crianças que possam pagar por uma entrada”, diz o empresário. O tíquete para a Kidzania custa entre US$ 15 e US$ 40. DAVID SANTA CRUZ, DA CIDADE DO MÉXICO

44 AméricaEconomia Março, 2010

RIOSECO, DE SANTIAGO 4

Fotos: 3 - Gilberto Contreras; 4 e 5- Divulgação

3

Explorar a demanda de microinvestidores latinos que se interessam pelo mercado dos EUA é o objetivo da Aqoras Asset Management, do boliviano Alvaro Pereyra (foto), ex-chefe de Estudos do banco BCI, em Santiago. Em janeiro, Pereyra inaugurou uma plataforma online, por meio da qual se podem comprar e vender instrumentos de renda variável. O site também oferece um serviço no qual, com um investimento mínimo de US$ 2,5 mil, o cliente tem assessoria para montar um portfólio monitorado online. Até o fim do ano, a Aqoras espera ter uma carteira de US$ 40 milhões e, daqui a três anos, chegar a US$ 250 milhões. “O objetivo é massificar o acesso ao mercado bursátil dos EUA”, diz Pereyra. O nome da empresa Aqoras, que, em quéchua, representa o assessor mais próximo do rei Inca, inspira assessoria de peso. JUAN PABLO


NICHO NUTRITIVO

“O brasileiro de alto poder aquisitivo está mais acostumado ao balanço qualidade versus preço do que o argentino.” Quem diz isso é um vendedor de Porsches? O dono de um restaurante especializado em trufas? Não: é Fernando Levy (foto), country manager de uma fabricante de barras de cereais que levam em sua composição um mix de amêndoas, quinua, iogurte e crisps de soja, todos orgânicos. As barras da NatureCrops, do AMS Group, são argentinas e desembarcaram em São Paulo e no Rio de Janeiro há pouco tempo. São o resultado do trabalho dos amigos Martín Loeb e Mark Kadee, que também já vendem o produto nos EUA e no Uruguai e, agora, apostam pesado no mercado brasileiro. “Para nós, o Brasil é potencialmente melhor que os Estados Unidos”, diz Kadee. Para isso, o empresário quer aprimorar o mix de vendas, incluindo a oferta na rede de cafés Starbucks, como faz na Argentina. RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES 5

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MOVIMENTOS NEGÓCIOS INCLUSIVOS Quando se trata de superar a pobreza, o programa chileno Um Techo para mi País (Um Teto para meu País) merece destaque. Seu novo projeto é o calçado desmontável Armo, criado pelo designer Rodrigo Alonso (abaixo, à esquerda). Com cerca de 15 milhões de pesos chilenos – financiados pela companhia aérea LAN e pelo Fundo de Solidariedade e Investimentos Sociais (Fosis) –, foi possível montar a fábrica onde 11 mulheres produzem cerca de 500 pares de sapato por dia, vendidos por US$ 43 o par. A ideia, agora, é transformá-las em donas da fábrica. Por isso, elas recebem assessoria em gestão, até que possam se apoderar completamente do negócio. A produção dos calçados começou há três meses, e o sucesso das vendas já estimula Alonso a pensar em novos produtos de fácil fabricação e transferi-los a outros grupos de empreendedoras. JUAN PABLO RIOSECO, DE SANTIAGO 6

PÁSCOA SUSTENTÁVEL A empresária Morgana Bittencourt, dona da Morgana Chocolates Artesanais, em Santa Catarina, produz 1 tonelada de ovos a cada Páscoa, e os vende com um ingrediente adicional: a possibilidade de preservar o meio ambiente. Há três anos, ela investe na compensação do carbono gerado nessa época do ano, por meio do plantio de árvores e da compra de crédito em bolsas ambientais. “Cerca de 5% do nosso orçamento é voltado a essa iniciativa”, revela. Segundo Morgana, o retorno é garantido e vem, principalmente, na forma de marketing para a empresa. “Hoje, há um grande mercado seletivo, que busca quem tem qualidade, é responsável socialmente e emprega sustentabilidade em suas ações”, afirma. GRAZIELE DAL-BÓ, DE SÃO PAULO 7

A queda livre registrada pelo investimento estrangeiro direto (IED) destinado à América Latina, em 2009, foi considerável: 41% (ou US$ 86 bilhões) na região e 49% (ou US$ 23 bilhões) no Brasil, segundo a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Para Masataka Fujita, chefe da Divisão de Análises de Investimentos da ONU, entrentanto, tais resultados não são motivo de preocupação. “O que aconteceu foi que as empresas locais compraram operações de empresas estrangeiras em seus países”, afirma. Ou seja, a ajuda do IED na formação de capital – que, em 2008, representou 15% – não será a mesma, mas “o Brasil continuará liderando o IED que chega à região”, e as companhias transnacionais terão de adaptar-se às necessidades dos países para continuarem crescendo. CAROLINA FUENTES, DE SANTIAGO

46 AméricaEconomia Março, 2010

Fotos: 6 - Fernando Carrasco Cruchaga; 7 - iStockphoto

SEM ALARME


VISÕES

CORRIDA DAS PAIXÕES O afã incontrolável por riqueza e dinheiro não é imoral, segundo Adam Phillips. Entretanto, é suicida: pode nos levar a trair o melhor de nós mesmos RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES

LOUCO PARA SER NORMAL

V

enderíamos nossas mães? Talvez por um sinal dos tempos, a resposta bem-humorada “depende de por quanto” não só nos faz rir, como não nos escandaliza de verdade. Um cínico é um observador realista com a língua solta. E essa questão é relevante como Adam Phillips ponto de partida para se falar de um mistério: como é possível que um menino ou uma menina Jorge Zahar Editora – que a única coisa que quer, aos 3 anos de idade, além de comer e brincar, é amar e ser amado Ano: 2008 sem limites por seus pais – se transforme em Bernard Madoff, Donald Trump ou sr. Burns, o R$ 36 personagem do seriado The Simpsons? Em Louco para ser normal, um dos escritores mais brilhantes de língua inglesa da atualidade, Adam Phillips, explora por que a expressão “sanidade” é tão inútil e não prática, e como isso se reflete na nossa cultura. Geralmente, tendemos a acreditar que o amor pela riqueza é nada mais do que a busca por poder, prestígio, independência e glamour. Phillips questiona essa explicação e prefere perguntar por que estamos dispostos a sacrificar tantas coisas valiosas por ela. Para ele, uma pista está no fato de que, estabelecido, “o amor pelo dinheiro pode ser um tipo inteiramente novo de amor, que destrói a capacidade para todos os outros tipos que o precederam”. A real razão de sua vitória é notavelmente surpreendente: “o dinheiro promete algo sempre diferente de si mesmo – ele vale apenas, como costumamos dizer, o que se pode comprar -, e por isso, nos protege de desejar algo ou alguém”. Já o muito rico vive uma realidade muito especial. Para Phillips, “um mundo no qual não exista necessidade, um mundo em que desejar é uma paixão fútil, é um mundo muito mais aterrorizante que um mundo em que haja escassez de recursos.” Nesse sentido, a riqueza trairia a própria infância (cheia de desejos não materiais), e isso seria paradoxal, porque o dinheiro seria usado não somente para promover a amnésia do que desejamos ser e fazer, mas para anular essas possibilidades na vida real adulta. Assim, não é a moral que está em jogo, no amor pelo dinheiro, “é nossa felicidade, e é ela que nos mantém sãos”. É aí que reside a loucura de sentir loucura por dinheiro. Agora se entende a razão do delírio dos banqueiros de Wall Street, que, ainda hoje, afirmam que precisam de milhões de dólares para suas “inovações”. Não querem prestígio (não o têm) nem segurança (é impossível): querem uma droga. Sem dúvida, “deve haver alguma coisa no desejar ou alguma coisa no pensar ou no pensar em desejar que é tão perigosa que as pessoas preferem ser enganadas por satisfações substitutas, como drogas, comida ou dinheiro, em vez de buscar seus prazeres mais verdadeiros”.

O QUE LEEM Marcio Rodovalho Clemente Diretor da Scotwork Brasil O TAO DO WARREN BUFFET, de Mary Buffet e David Clark, mostra como conduzir investimentos para colher resultados na vida madura. Uma frase resume seu pensamento: “Wall Street é o único lugar em que pessoas vão de Rolls-Royce pedir conselhos a quem pega o metrô.”

Claudia Bonfiglioli Presidente da Casa Hope Em PLANO DETALHE, o advogado Fernando Rizzolo faz uma abordagem da política econômica brasileira, acrescentando um toque de poesia em alguns artigos. É um livro que une a sensibilidade e a crítica política.

Enio Back Presidente do Grupo Back Em ARTE DA ESTRATÉGIA, Carlos Alberto Júlio faz uma coletânea das ideias atuais dos melhores gurus da administração e alinha 10 regras de ouro da estratégia. Ele demonstra como é possível planejar, executar e obter resultados com fórmulas e recursos simples. Março, 2010 AméricaEconomia 47


DEBATES COMÉRCIO EXTERIOR

FALTA IMPULSO

LEGENDA DE FOTO: GUE FEUM ALIS DIP ELIS ET, VOLESTRUD TISI EX EUGUE CON ULLA FACIDUNT

EMBARQUE DE MINÉRIO EM PONTA DA MADEIRA, NO MARANHÃO: EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS BÁSICOS

Câmbio, queda da demanda e concentração em commodities esboçam um cenário pouco promissor para as exportações brasileiras

O

consumo doméstico foi a grande e celebrada vedete que ajudou o Brasil a sair das garras da crise financeira mundial. Passada a fase mais crítica da tormenta, entretanto, o país se deparou com o outro lado dessa moeda, cuja fragilidade se justifica pela elevada exposição aos humores internacionais: as exportações. Se as previsões se confi rmarem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará o cargo em janeiro de 2011 com o pior desempenho do comércio exterior nos oito anos de seu governo. Estimativas mais otimistas para a balança comercial em 2010 apontam superávit de US$ 12 bilhões – menos da meta-

48 AméricaEconomia Março, 2010

de do obtido em 2009 –, mas a maioria do mercado aposta em saldo positivo de, no máximo, US$ 5 bilhões. Déficit não está descartado, pois o real valorizado e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ao redor de 6%, puxado pelo consumo, resultarão em outro fator determinante para o declínio do saldo comercial: o avanço das importações. “O crescimento previsto para exportações neste ano, ao redor de 8,4%, não vai recuperar o declínio de 2009, quando caímos 10,5% nas vendas externas. Já as importações, que recuaram 17,5%, deverão ficar cerca de 31% maiores em 2010, e voltarão ao patamar pré-crise”, diz Francisco Pessoa, econo-

Foto: Paulo Arumaá

PATRICIA ACIOLI, DE SÃO PAULO


mista da LCA Consultores. O fato é que, nessa fase inicial do pós-crise, os números estarão longe de superar os anteriores ao último trimestre de 2008. “Parceiros comerciais do Brasil, como o México, que é grande importador de carros, estão com problemas. Com a Argentina, é sempre uma relação complicada, e a recuperação nos Estados Unidos ainda é lenta”, lembra Pessoa. Até mesmo o governo federal está comedido nas expectativas, pois sabe da dificuldade de estimular as exportações em meio a essa conjuntura pouco favorável, à qual se soma a queda do dólar. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) tem a meta de ampliar as exportações em US$ 15 bilhões em relação ao alcançado em 2009, chegando a US$ 168 bilhões em 2010. Para resolver o problema de fi nanciamento ao exportador, o setor aguarda a criação do EximBrasil, projeto em fase final de elaboração, mas que depende do Congresso Nacional para ser levado adiante. Para as importações e o saldo da balança comercial, o MDIC não divulgou meta. Os empresários também estão cautelosos. “A retomada da atividade econômica nos países desenvolvidos acontecerá

No ano passado, a produção industrial – diretamente afetada pela recessão das nações desenvolvidas – caiu 7,4% em relação a 2008. Esse foi o primeiro resultado negativo registrado desde 1999, quando o setor encolheu cerca de 0,7%.

FOCO NO BÁSICO “Teremos um ano favorável em matérias-primas, área na qual o Brasil é grande supridor mundial”, diz o embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. Tendência fortemente almejada por empresas como a Vale, que fechou o ano de 2009 com exportações líquidas de US$ 12,99 bilhões, ante os US$ 16,20 bilhões de 2008. Entretanto, a estimativa de Ricupero é a de que “permanecerá a dificuldade que o Brasil já está experimentando para os produtos industrializados e semi-industrializados”. Segundo ele, “a não ser que a taxa de câmbio melhore muito, teremos uma repetição da tendência dos últimos doze meses, ou seja, declínio da presença dos manufaturados”. A participação de produtos básicos na pauta exportadora brasileira cresceu com a crise. Entre janeiro e outubro de

15

bilhões de dólares é o aumento estimado das exportações em 2010

Exportação por fator agregado Básico

Operações especiais

Em US$ milhões (FOB – Free on Board)

Manufaturado

Semimanufaturado 2,1%

1,8%

3.189

1.306

10.944

39.653

2003

40,5%

21.179

54,3%

15%

44 %

61.958

67.349

2009

20.499 13,4%

Fontes: MDIC, Secomex

aos poucos. Este ano será muito parecido com 2009, ou seja, crescimento escasso, mas com uma melhoria importante: a ausência de pânico”, diz Isaac Barragan, diretor de Energia e Utilities da Indra, multinacional de tecnologia da informação presente em cem países. Ele acha que somente no segundo semestre de 2011 os efeitos da recessão estarão totalmente neutralizados. Também já está claro que o vigor da economia doméstica continuará sendo insuficiente para conter o estrago provocado pela forte queda na demanda externa, principalmente quando se trata de semimanufaturados e manufaturados.

2009, as exportações de produtos manufaturados tiveram redução de 36% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados oficiais. O ano fechou com um significativo aumento dessa participação (ver gráfico acima), alarmando os analistas. Ricupero ressalta que, entre os elementos fundamentais para uma melhora das exportações brasileiras – crescimento da economia mundial (em estimados 3,9%), do comércio mundial (5,7%), bem como o crescimento da China (10%), da Índia (7,7%) e da Ásia em geral (8,4%) e recuperação dos Estados Unidos –, alguns indicam, daqui para a frente, uma Março, 2010 AméricaEconomia 49


DEBATES COMÉRCIO EXTERIOR forte demanda por commodities, como soja e minério de ferro, entre outras. Para o economista e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria Internacional, Ricardo Sennes, a nova cara da pauta de exportações brasileiras não está relacionada a decisões de política interna, mas a uma dinâmica do mercado internacional que impõe restrições ao Brasil. O crescente peso da China e da Índia como compradoras e concorrentes desloca setores que estão no limiar da competitividade internacional e acentua a presença dos que alcançaram uma presença marcante.

REAL FORTE

investindo para levantar uma base industrial em território indiano. Além de aumentar nossos negócios mundo afora, buscamos mais inovação, redução de custos e melhoria da qualidade”, diz a diretora-geral da Fanem, Marlene Schmidt. É justamente a margem de política de fomento no Brasil que o governo deveria aperfeiçoar, sugere Sennes. “Uma política industrial mais agressiva, como vem sendo feito no segundo mandato do governo Lula, pode corrigir algumas distorções do mercado internacional e adaptar o Brasil a esse novo cenário”, argumenta o consultor. Nesse sentido, ele acha positivo o apoio oficial a fusões de gigantes como Sadia e Perdigão, que originou a Brasil Foods; Oi e Brasil Telecom; e Quattor e Braskem, todas visando reestruturar grupos que, fortalecidos, conseguem se manter competitivos dentro e fora do Brasil. “Esse movimento permite que o país se mantenha no jogo da competitividade internacional”, acrescenta. Mas o Bra-

“Outra variável é a valorização do real frente ao dólar e ao yuan, que tira a capacidade de competição de alguns segmentos industriais exportadores e aumenta as vantagens já acentuadas de algumas commodities”, explica Sennes. Exemplo dessa situação é o etanol brasileiro, que custa cerca de 50% do valor do produto americano. Mesmo com o problema cambial, o etanol feito aqui tem uma boa margem de competitividade e se sai bem lá fora. “Mas uma paulada do câmbio em um setor com limite de competitividade fica fora do preço internacional”, acrescenta. E, ao que tudo indica, os exportadores terão de se contentar com essa situação, buscando compensação no aumento da produtividade e em novos mercados. É o que algumas empresas estão fazendo. A expectativa para este ano é boa para a Fanem – indústria brasileira líder na fabricação de produtos de neonatologia e que exporta para mais de 90 países 1 –, porque fincou o pé na Índia. “EsRUBENS RICUPERO: SEM DESVALORIZAÇÃO DO REAL NÃO SE PODERÁ AGREGAR VALOR te ano será um marco. Estamos

Balança comercial brasileira Ano

Importações (em US$ bi)

Exportações (em US$ bi)

Saldo (em US$ bi)

Fechamento do dólar (R$*)

24,8

2,88

2003

48,2

2004

62,7

96,4

33,6

2,65

2005

73,5

118,3

44,7

2,34

73,8

2006

91,3

137,4

46,0

2,13

2007

120,6

160,6

40,0

1,77

2008

173,1

197,9

24,7

2,33

2009

127,6

152,9

25,3

Fontes: MDIC, Banco Central

50 AméricaEconomia Março, 2010

1,74 * referente a 31 de dezembro

Fotos: 1 - Fernando Silveira/FAAP; 2 - Mauricio Lima/AFP

do Governo Lula


2 FUSÃO DE PERDIGÃO E SADIA: GIGANTES FORTALECIDAS TORNAM-SE MUNDIALMENTE COMPETITIVAS

sil ainda precisa caminhar muito até chegar a um aumento adequado da capacidade inovadora. “Já temos diferencial em vários nichos, como biotecnologia, engenharia de motores, aviões, satélites. E temos de seguir nessa linha”, avalia. No entanto, analistas apontam que falta ainda a terceira perna, que é a área de serviços. “O problema é o Brasil ficar só nas commodities. Está na hora de descobrir que o mundo não se esgota entre agricultura e indústria”, diz o consultor da Prospectiva. Ele compara o PIB dos países de renda média para cima, apontando que nestes predomina a área de serviços, não a agricultura ou a indústria. “Para competir no mercado internacional, interessam serviços de alto valor agregado. E não temos uma estratégia agressiva na área de exportação de serviços em setores em que o Brasil já detém competitividade internacional razoável”, defende. Se, por um lado, prejudica as exportações, o câmbio estimula as importações. Ainda mais em um momento em que tudo está voltado ao aquecimento

da atividade econômica, é natural que o país saia às compras. “O cenário econômico do país impulsionará as importações. Essa é outra tendência que se aprofundará cada vez mais”, enfatiza André Saconnato, economista da Tendências Consultoria. “Não dá para dizer que isso é necessariamente ruim, afinal as importações melhoram a qualidade de vida e ajudam a segurar a inflação, por exemplo”, diz. “Mas, certamente, trará consequências à balança comercial.”

COMO FINANCIAR O DÉFICIT Pessoa, da LCA Consultores, concorda com essa opinião. Para ele, 2010 deverá ser marcado pelo incremento na importação de bens de capital, devido a projetos como o présal ou no âmbito da petroquímica. “A deterioração da balança comercial, se não for explosiva e for adequadamente fi nanciada, não torna o déficit na transação corrente necessariamente nocivo. O importante é saber como esse déficit será financiado”, ressalta.

1,5

bilhão de dólares foi embora do Brasil em dois dias em janeiro

Março, 2010 AméricaEconomia 51


DEBATES COMÉRCIO EXTERIOR

RICARDO SENNES (À DIREITA): DINÂMICA INTERNACIONAL ESTIMULA RESTRIÇÕES. ABAIXO, PRÉ-SAL PODE IMPULSIONAR IMPORTAÇÕES

Fotos: 1 - Edi Pereira; 2 - Agência Petrobras de Notícias

Se não é ruim o Brasil continuar como grande exportador de matérias-primas, também não é bom depender disso para fechar as contas externas. “O Brasil precisa agregar valor às suas exportações, mas isso não acontecerá enquanto a taxa de câmbio não mudar substancialmente”, afi rma Ricupero. Ele discorda dos que não veem problema no fi nanciamento do rombo das contas externas, porque o fluxo de capitais estrangeiros está bom. Para ele, não se deve esquecer episódios como o do fi nal de janeiro, quando, em apenas dois dias, os investidores externos tiraram do Brasil US$ 1,5 bilhão, aproveitando o câmbio favorável ao envio de remessas.

1 2

52 AméricaEconomia Março, 2010


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DEBATES TÊXTIL

SAIA JUSTA Não são poucos os problemas que tiram a competitividade da indústria têxtil latino-americana. No Brasil, o câmbio é apontado como o maior vilão

ALEXANDRA RAVINET, DE SANTIAGO, E ROBERTA PREGNACA, DE SÃO PAULO

N

a fábrica da Rawlings Sporting Goods Company Inc., localizada nos arredores do estádio de futebol de Turrialba, na Costa Rica, um pequeno exército de 600 pessoas trabalha com a precisão e a rapidez de uma máquina. São eles que produzem os 2 milhões de bolas de beisebol usadas por ano pelos jogadores das grandes ligas norte-americanas. Cada bola leva 108 pontos – nem mais, nem menos –, costurados à mão meticulosamente, para alimentar o esporte que é um dos ícones culturais dos Estados Unidos. Entretanto, a história nem sempre foi essa. Até pouco tempo atrás, os costureiros dessa fábrica, como muitos outros da América Latina, trabalhavam sob o esquema de maquilas, fabricando roupas a partir de matérias-primas importadas. Para se ter uma ideia, segundo o Departamento de Comércio dos Esta-

dos Unidos, em 2004, México, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica, República Dominicana e Colômbia, juntos, representavam mais de 90% das exportações latino-americanas de confecções para os EUA. O fi m de um sistema de cotas de importação de produtos têxteis pelos países ricos, que vigorou por 30 anos, por conta de um acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC), fi rmado em 2005, impactou duramente essa indústria na América Latina. Muitos fabricantes de roupas se viram obrigados a se reorganizar e criar novas estratégias frente à concorrência aberta da China, centradas na especialização em mercados de nicho e na busca de novos compradores internacionais.

NOVA ORDEM “O que resta desde então são exemplos de fabricação de produtos que deman-

O preço do trabalho

Custo médio por hora de trabalho – a partir do valor nos EUA, em %

100

100

60

14

40

3

5

18

19

14

Argentina

Brasil

Colômbia

12

20 0

EUA

México

Fonte: Werner International, com dados de 2007

54 AméricaEconomia Março, 2010

China (interior)

China (costa)

Peru

Fotos: iStockphoto

80


Destino das exportações brasileiras de produtos têxteis 55 58

México

Origem das importações brasileiras de produtos têxteis

US$ milhões (exclui a fibra de algodão)

141

Uruguai

146

EUA

Argentina 64 307

Paraguai

Argentina

EUA

1 370

293

Indonésia

China

Índia 247 313 Fonte: Abit

dam especificações de qualidade muito estritas ou sofisticadas, em que os países latino-americanos ganham uma fatia do mercado”, diz Arturo Condo, reitor da escola de negócios Incae, na Costa Rica, e autor de um estudo sobre o setor têxtil exportador latino-americano depois da liberalização do comércio. “As empresas, ou se concentraram na busca de nichos, ou simplesmente saíram dessa indústria, aproveitando a mão-de-obra e o capital para explorar outro segmento.” Em Honduras, República Dominicana, Panamá e El Salvador, boa parte dessas empresas decidiu aproveitar as vantagens competitivas de sua mãode-obra migrando para a área de montagem de aparelhos eletrônicos e cabos para a indústria automobilística. Ainda que esses segmentos não envolvam têxteis, o processo implica a costura manual, que sairia muito mais cara se fosse contratada pelos preços praticados nos Estados Unidos.

“Hoje, o mapa dos players do mercado têxtil global mudou”, diz Pietra Rivoli, professora de Finanças e Negócios Internacionais da Universidade de Georgetown, em Washington, autora do livro As Viagens de uma Camisa na Economia Global. “Antes do fim das cotas, eram 80 países os que concorriam nesse mercado; agora, a briga é entre os cinco ou seis que dominarão essa indústria, cada um se diferenciando por segmento.” Para Pietra, no caso da América Central, a principal vantagem

que ainda pode colocar a região dentro do radar é sua proximidade com os Estados Unidos. “Da Guatemala, a viagem aos EUA dura quatro dias de navio, enquanto quem sai do leste da Ásia leva 13”, exemplifica. Em Honduras, por exemplo, as fábricas que sobreviveram ao furacão chinês concentram boa fatia do segmento de camisas e roupas esportivas de empresas norte-americanas, graças à redução dos custos de transporte desse tipo de produto. O Paquistão, por

92% da produção têxtil brasileira é absorvida pelo mercado interno

Março, 2010 AméricaEconomia 55


DEBATES TÊXTIL sua vez, atraiu o mercado de toalhas e roupas de cama, enquanto Bangladesh e México abocanharam parte do mercado de jeans.

IMPACTO DA CRISE Em países reconhecidos pelo tamanho de sua indústria têxtil, como Brasil, Argentina, Colômbia e Peru, o impacto nas exportações foi intensificado com a crise fi nanceira. No caso dos dois últimos, apesar de serem beneficiados pela lei de preferência comercial para a região andina (ATPA, na sigla em inglês), ambos registraram queda significativa nas vendas externas. Segundo a associação colombiana do setor, as exportações do país para os EUA caíram 32,8% em 2009 em relação ao ano anterior. As vendas destinadas à Venezuela, Equador e Peru sofreram queda menor, de 27%. Já no Peru, cuja exportação é concentrada em 41% para os EUA – o segundo lugar fica para a Venezuela, com 26% –, essa queda foi de 28%, segundo a federação de indústrias local. No Brasil, onde 92% da produção é absorvida pelo mercado interno, os analistas apontam a valorização do real como o grande entrave para o aumento das exportações. “A moeda chinesa está 30% desvalorizada em relação à nossa; o país fixou um câmbio exportador, competitivo, mas também predatório”, diz Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), com sede em São Paulo. Edson D’Aguano, diretor-presidente da consultoria Consultive Holding, compartilha da opinião de Diniz. Para

ele, mesmo buscando valor agregado, “enquanto a China trabalha com muito volume, qualidade regular, nada de conceito e nada de marca”, hoje, os empresários brasileiros não conseguem vislumbrar um lucro que compense a exportação. “Para valer a pena exportar, o câmbio deveria estar a R$ 2,50 por dólar (a moeda fechou janeiro valendo R$ 1,88), senão não temos preço”, afirma. Dessa forma, o Brasil, que é o sexto maior produtor têxtil do mundo e o se-

Principais exportações têxteis do Brasil em 2009 Produto

US$ mi FOB*

gundo maior produtor de denin (matéria-prima para a fabricação de produtos jeans) no ranking de maiores exportadores de têxtil e vestuário, não consegue estar nem entre os 40 primeiros. Do faturamento de US$ 47 bilhões registrado em 2009 por essa indústria, apenas 4% foram vendas ao mercado externo. E, ainda assim, a maior parte desse volume está concentrada em produtos de menor valor agregado (ver quadro). “Isso nos preocupa, mas, por outro

Principais importações têxteis do Brasil em 2009

Toneladas US$ por kg

Produto

US$ mi FOB*

Toneladas US$ por kg

Fibras têxteis

801.814

583.879

1,37

Fibras têxteis

160.216

87.196

1,84

Tecidos

237.749

33.744

7,05

Tecidos

852.126

191.791

4,44

Confecções

874.032

80.353

10,88

Outras manufaturas

452.024

92.979

4,86

Confecções

381.253

40.019

9,053

Outras manufaturas

355.475

113.599

3,13

Fonte: Abit

56 AméricaEconomia Março, 2010

* FOB (Free on Board)


CONFECÇÃO: INVESTIMENTO EM MODA E TECNOLOGIA PARA ENFRENTAR A FORTE CONCORRÊNCIA

lado, sabemos que temos um produto brasileiro de alto valor agregado, roupas que podem ser vendidas a US$ 32 o quilo, enquanto o preço médio das roupas que exportávamos para os Estados Unidos em 2003 não chegava a US$ 13,6 o quilo”, afirma Diniz. “A indústria brasileira está investindo muito em moda, tecnologia e recursos humanos, para enfrentar uma conjuntura que não está fácil, na qual o mercado interno é um dos grandes ativos do país.” Na opinião de Pietra, da Universidade de Georgetown, essa busca é fundamental, “pois, quando se tenta traçar o futuro da indústria têxtil mundial, pode-se identificar que não será um caminho simples”, diz. “Existirão ganhadores, dependendo de cada segmento, e, ainda que não vença em todos, a China – que hoje já é o maior exportador geral do mundo, desbancando Estados Unidos e Alemanha – certamente será vencedora em muitos deles.” Março, 2010 AméricaEconomia 57


DEBATES ARGENTINA

BRAÇO DE FERRO Por trás da destituição do presidente do Banco Central na Argentina existe uma luta pelo controle do poder político a médio prazo RODRIGO LARA SERRANO, DE BUENOS AIRES

“O

governo argentino é visto como um marido que trai sua mulher e, para disfarçar, começa a exagerar nas demonstrações de fidelidade perante os conhecidos.” É assim que a analista política Graciela Romer define a armadilha em que a presidente Cristina Kirchner caiu desde a destituição do presidente do Banco Central (BC) no final de janeiro, desembocando em uma batalha política que ainda está longe do final. A remoção de Martín Redrado e a entrada de Mercedes Marcó del Pont não aconteceram por capricho. Esses acontecimentos definem três coisas. Primeiro, como a Argentina voltará aos mercados voluntários de fi nanciamento internacional. Segundo, quais níveis de autonomia o Banco Central terá quanto à política econômica. E, por último, quanto poder mais o Congresso pode tirar da presidente.

A pressão para a saída de Redrado foi uma reação à demora do então presidente do BC em transferir US$ 6,57 bilhões do Banco Central ao Tesouro, para a criação do Fundo do Bicentenário. Esta é uma peça essencial nos planos do ministro da Economia, Amado Boudou, para chegar a um acordo com os credores da dívida pública que ainda restam do

58 AméricaEconomia Março, 2010

Foto: Miguel Candia

ANO DE DÍVIDAS


default de 2003 (holdouts) e com o Clube de Paris. “Calculamos que a dívida com os holdouts é de US$ 30 bilhões, mas os bancos a cargo dessa operação esperam obter 75% de isenção”, diz Carolina Schuff, economista especializada em questões fiscais da consultoria Abeceb. Sem considerar essas dívidas até agora repudiadas, neste ano o governo argentino tem vencimentos de US$ 22,65 bilhões. “Muitos podem ser refinanciados facilmente, porque são dívidas

CRISTINA (À ESQUERDA) E O EX-PRESIDENTE DO BC, MARTÍN REDRADO (ABAIXO): LUTA POLÍTICA QUE AINDA NÃO TERMINOU

com órgãos internos”, afirma Carolina. Quando se descontam esses refinanciamentos garantidos, sobram ainda US$ 7,1 bilhões. A presidente ainda poderia conseguir outros US$ 2,25 bilhões por outras vias, “o que deixa uma brecha de financiamento do Governo Federal de cerca de US$ 5 bilhões. E é aí que o montante do Fundo Bicentenário se torna fundamental”, diz. O mecanismo seria o seguinte: a Argentina reconhece cerca de US$ 7,5 bilhões da dívida com credores do default – acordo que implica receber cerca de US$ 1 bilhão em fundos frescos de bancos –, volta ao mercado de financia-

mento voluntário e se endivida em US$ 5 bilhões. Se a taxa de juros for de mais de dois dígitos, usa o Fundo do Bicentenário. Se não for, o Fundo passa a operar como garantia de solvência. O governo honra suas dívidas e o valor dos bônus se mantém.

ESPELHO DO BRASIL Aldo Abram, diretor do Centro de Investigações de Instituições e Mercados da Argentina (Ciima-Eseade), é do grupo dos economistas que considera esse processo muito negativo. Para ele, o fundo não é necessário. “Durante 2010, a receita do Estado deve aumentar, graças à recuperação das demandas interna e externa e ao aumento da inflação e dos preços internacionais”, diz. “Isso poderia permitir ao governo aumentar o superávit primário e enfrentar parte dessas dívidas com recursos genuínos.” Para Abram, essa alternativa parece estar descartada pelo governo, “cujo objetivo é o de gastar tudo o que puder, sem se importar se restarão recursos para pagar dívidas, contando antecipadamente com a ajuda do Fundo”. Para Carolina, apesar de o governo manter o gasto acima do nível da inflação, “não é o uso do Fundo o que preocupa, mas a incerteza futura”. O medo que se instala é o de que os governos se acostumem a usar dinheiro do BC para tapar buracos. As novas autoridades negam isso de pé junto. E dizem até que o objetivo é reformá-lo. “Virá um Banco Central diferente, mais parecido com o BC do Brasil”, diz Victoria Ghiarrizo, diretora do Centro de Estudos CERX. “O que faz todo o sentido: nenhum BC pode estar descoordenado da política econômica.” Mas fazê-lo não será tão fácil. “O Brasil tem outras características, tem um sistema de regulação das instituições financeiras muito mais forte.” É bom seguir esses passos, “mas a mudança não aconteceria de um dia para outro”, ressalta a executiva.

XADREZ DO PODER Na verdade, esse problema tem matizes mais políticas que econômicas, graças Março, 2010 AméricaEconomia 59


DEBATES ARGENTINA

à falta de tino na ação do governo. “A Casa Rosada costuma usar ferramentas desproporcionais ao conserto. É como querer tirar um prego com uma marreta, destruindo a parede desnecessariamente”, diz o analista político Ricardo Rouvier sobre a expulsão de Redrado por decreto, sem a consulta prévia ao Congresso. Alguns empresários concordam com esse ponto de vista. “O que se questiona não é o Fundo em si, mas a forma como isso foi feito, por meio de um Decreto de Necessidade e Urgência, quando o correto era consultar o Congresso e o Banco Central”, diz René Bollag, vicepresidente da Câmara de Instrumental e Aparelhos de Controle da Argentina. Para o empresário, “este governo está convencido de que os recursos do Estado são recursos do governo”. A oposição tem sua cota de respon-

60 AméricaEconomia Março, 2010

sabilidade. “O que há por trás de tudo isso é que o governo trata de usar recursos para manter a demanda ativa e restabelecer consensos políticos a seu favor, para que a economia caminhe bem”, diz Rouvier. “A oposição adverte sobre essa jogada e trata de evitá-la.” É uma aposta perigosa: nem Cristina Kirchner é um Chávez com saia, como a oposição insinua, nem os oposicionistas são uns protoditadores de direita, como o governo sugere. Entretanto, o fato de a Casa Rosada acertar na escolha de uma economista considerada honrada, capaz e eficiente para comandar o BC por si só não garante que o governo chegará a usar os US$ 6,57 bilhões. No começo de março, essa medida passará por votação no Congresso. Na Câmara dos Deputados, a derrota do governo é dada como certa. Já

MERCEDES MARCÓ: A INDICADA DE CRISTINA TEM BOAS CREDENCIAIS

no Senado, faltam ainda dois votos para que o governo garanta a aprovação. E basta o aval de uma das duas casas para que o Fundo passe a vigorar. Ironicamente, uma derrota poderia ser boa para as autoridades monetárias. E o motivo é o câmbio. “Trabalhamos bem com a flutuação ‘suja’”, diz Mark Kadee, diretor Comercial da AMS Foods, “mas não se pode manter isso por muito mais tempo”. Kadee acha que em um ano o câmbio passará “lentamente de 3,8 a 4 ou 4,5 pesos argentinos por dólar”. E, nessa transição, um Banco Central polpudo em reservas poderia servir a um governo com um Congresso de oposição, para dissuadir qualquer tentativa de ataque especulativo.


RECUPERAR O CRÉDITO N

o começo do ano, o economista Mario Blejer, vice-presidente do Banco Hipotecario da Argentina, esteve como nunca nas manchetes dos jornais. Foi cogitado como possível substituto de Martín Redrado na presidência do Banco Central do país, antes do anúncio do nome de Mercedes Marcó del Pont para o cargo, no começo de fevereiro. “Não cabe a mim comentar essa escolha”, disse à AméricaEconomia, aceitando, entretanto, conversar sobre o panorama latino-americano para 2010. FELIPE ALDUNATE, DE SANTIAGO

AméricaEconomia O debate sobre o futuro das regulações no sistema financeiro continua aquecido. Como o senhor avalia essas discussões? Mario Blejer A responsabilidade desse debate, inicialmente, ficou concentrada no G20, administrada a partir de uma visão global. Mas a lentidão em avançar gerou uma reação popular bastante negativa, o que levou os países a progredir de forma individual.

AE Isso faz sentido? Blejer Grande parte da reforma financeira tem de ser feita em nível local. O prestamista, em última instância, é fi nanciado por impostos locais. É preciso haver uma adaptação importante às necessidades de cada país.

AE A polêmica internacional ainda é grande... Blejer Há dois fenômenos interessantes. Um deles é que, nesse debate, ninguém se mostra conservador frente à posição do presidente Obama: se ele diz algo, todos buscam uma posição mais extrema. Outro é que todos os políticos e especialistas acham que deve existir uma mistura de trabalho de regulação local com consultas em nível internacional, e são os banqueiros que falam de multilateralidade. Acho que fazem isso porque sabem que é um mecanismo que não chegará a lugar nenhum. É uma forma de evitar, de dilatar a reforma. Os banqueiros querem uma solução internacional conciliada, e os reguladores buscam trabalhar em nível nacional.

AE Quais são os grandes temas financeiros para a América Latina neste ano? Blejer O principal é o aprofundamento da banca. O volume de crédito ainda é muito baixo. O México não conseguiu recuperá-lo desde a crise da tequila; o mesmo acontece com a Argentina. Assim, a recuperação do crédito e o aprofundamento do sistema financeiro são fundamentais. Para isso, é preciso aumentar a poupança de longo prazo, pois

hoje os latino-americanos têm prazos relativamente curtos. No Brasil, há mais volume de crédito e se fala em um sistema financeiro mais desenvolvido, mas também é preciso lembrar que o BNDES tem uma participação muito importante nessa oferta de financiamento.

AE Na opinião do senhor, qual será o futuro do dólar? Blejer Tudo está confuso, pois há muitas forças envolvidas. Acho que, no médio prazo, não há nenhuma alternativa à desvalorização. Um dos motivos mais importantes é que o equilíbrio final dessa crise será um em que o consumidor norte-americano consumirá menos, os consumidores na China e em outros países com superávit consumirão mais, com uma economia norte-americana que incrementa suas exportações para financiar o déficit estrutural externo.

AE E quanto à expectativa de aumento da inflação? Blejer Estou convencido de que a expansão monetária, o déficit fiscal e a dívida dos EUA culminarão em um processo inflacionário. Entretanto, não acredito em uma inflação de dois dígitos, mas em uma em que as taxas de longo prazo subam e o dólar se desvalorize.

Março, 2010 AméricaEconomia 61


RAIO X

DECOLAGEM TURBULENTA Argentina teme um aumento de gasto público insustentável RODRIGO LARA, DE BUENOS AIRES

O

s problemas da economia argentina parecem com os de sua seleção de futebol: jogadores de excelência, riqueza em recursos táticos, mas uma estratégia pouco efetiva no longo prazo. E até os superam em grau, por motivos extraeconômicos: sua sociedade ainda não consegue chegar a um acordo sobre como construir uma estratégia sólida e flexível e estabelecer políticas de Estado ligadas à economia. Essa é a origem de uma incerteza que deriva em “corridas psicológicas” regulares, com agentes econômicos que entram em pânico mesmo em épocas de prosperidade. Um exemplo disso foi a fuga de US$ 14,5 bilhões da poupança em 2009, que levou meses para ser controlada. Para a agenda de 2010, ainda não se chegou a um acordo sobre os efeitos da política fiscal. Os críticos temem que o governo mantenha um crescimento do gasto público que seja insustentável. Por um lado, espera-se um aumento vigoroso da receita do Estado, por conta da recuperação da demanda interna, da alta dos preços das exportações argentinas, de uma boa safra da soja e o do aumento da inflação inercial. A dúvida é o quanto desse superávit será usado para pagar a dívida externa e quanto incrementará o gasto público.

Alguns analistas acham que o polêmico Fundo do Bicentenário – uso de US$ 5,6 bilhões das reservas do Banco Central como garantia de pagamento para uma troca com detentores de bônus com os quais o governo ainda está em default – é sinal de que o gasto vai se acelerar. “Essa decisão confirma que a solvência fiscal não voltará tão cedo”, diz o economista Aldo Abram, do Centro de Investigações de Instituições e Mercados da Argentina (Ciima). A princípio, o auge das economias chinesa e brasileira ajudará a Argentina. Porém, o histrionismo das brigas entre os líderes políticos do país e o atraso na votação da tão necessária reforma fiscal continuam sendo temas pendentes, caso o país queira melhorar seus resultados e conquistar um crescimento sólido.

Contra o espelho Principais dados macroeconômicos da Argentina População (milhões)

2004

2005

2006

2007

2008

2009(e)

37,9

38,2

38,6

39,0

39,4

39,7

40,1

8,1

3,1

3,0

4,9

4,3

4,4

13,3

Desemprego %

16,8

13,6

11,6

10,2

8,5

7,9

9,1*

Inflação %

13,4

4,4

9,6

10,9

8,8

8,6

5,6

16.089,0

12.129,0

11.679,0

12.307,0

11.152,0

Balanço de conta-corrente (bilhões US$)

Saldo comercial (bilhões US$) Fontes: FMI e Banco Mundial / (e) = estimativa

62 AméricaEconomia Março, 2010

15.320,0

-

* referente a outubro de 2009

Ilustração: Samuel Casal

2003


CHEGOU A REVISTA

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DEBATES ENTREVISTA

CONTRA OS DESEQUILÍBRIOS C

omo secretário geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), José Ángel Gurría viaja o mundo propondo políticas públicas que tenham demonstrado bons resultados entre os 31 países membros da instituição. Desse clube, os latino-americanos são representados apenas por México e Chile. Em entrevista à AméricaEconomia, Gurría faz uma análise da crise global e afirma que os esforços empreendidos até o momento ainda não são suficientes para combater os riscos que a desencadearam.

FELIPE ALDUNATE M., DE SANTIAGO

AméricaEconomia Como o senhor avalia a resposta dos países da OCDE à crise global? José Ángel Gurría Tem havido uma coordenação e uma cooperação sem precedentes. Há uma resposta massiva em vários aspectos. Na política monetária, por exemplo, temos taxas praticamente zeradas e que, aparentemente, continuarão assim em 2010.

AE Mas as reduções de taxas têm um limite. O que mais tem sido feito? Gurría É verdade, não há muito mais o que fazer quando se está nesse limite. Mas há um estímulo à liquidez, para que o sistema bancário recupere sua normalidade. Além disso, os bancos se puseram a comprar dívidas nos mercados. Com baixas taxas, há maior propensão a gastar, já que a poupança está menos atrativa. Os bancos centrais atuaram até onde puderam e passaram a bola para o governo.

pacotes de estímulo fiscal que foram realmente massivos em algumas partes, como na China, na Índia e nos Estados Unidos. Em outros casos, como

64 AméricaEconomia Março, 2010

Foto: ©OCDE Photo

AE Essa coordenação funcionou? Gurría Sim. Os governos lançaram


na América Latina e em alguns países europeus, os pacotes foram menores, seja porque esses países não necessitavam de ajuda – por estarem sofrendo menos os efeitos da crise –, ou porque tinham menos espaço fiscal para fazêlo. Há ainda casos como o da Alemanha, que tem muito claro que o déficit fiscal levou à inflação e que esta, por sua vez, resultou em situações horríveis. Portanto, o país tem um motivo cultural e histórico para não mais estimular a economia por meio de pacotes fiscais. Existem, também, estímulos setoriais que apontaram para segmentos que, além de estarem deprimidos, envolvem alta geração de empregos. Tudo isso às custas de um grande aumento nas dívidas dos governos. Entre 2010 e 2011, a dívida pública dos países da OCDE vai superar o PIB da organização. Hoje, estamos chegando a 100%. O Japão está perto de 200%. Esse é o outro lado da moeda, o da consolidação fiscal.

AE Como o mundo pode resolver os riscos gerados pelos desequilíbrios dos países do G8? Gurría O desequilíbrio não é um tema de um grupo determinado. É do G20, do G8, do G2, do G5... de todos os “G”. A pergunta sobre o desequilíbrio é se tem sido feito o suficiente, na esteira da crise, para resolvê-lo. Eu acho que não. Eu acho que o efeito da crise mostrou muitos desses desequilíbrios. O déficit na contacorrente americana foi reduzido. Com a conta-corrente da China aconteceu o mesmo, porque a exportação para os países industriais se deteriorou e, com isso, o superávit chinês baixou. No entanto, uma vez que recuperemos a normalidade, continuaremos nesse caminho.

AE Como será essa normalidade? Gurría Será uma normalidade com um desemprego estrutural mais alto do que o de antes. Uma normalidade que terá um custo de capital mais alto do que o anterior à crise, pela aversão ao risco, e uma normalidade em que o po-

tencial de crescimento será mais baixo. Sentiremos o impacto da crise por um bom tempo, até muito depois de termos declarado a crise como terminada. Algo que não podemos fazer agora, porque o que terminou foi a recessão. A crise não terminou. Isso porque a expressão mais dolorosa dela, que é o desemprego, continua aumentando.

muito maior do que a chinesa. Quando o consumo norte-americano cai, tudo cai. Os consumidores dos Estados Unidos foram responsáveis por grande parte do crescimento produzido na bonança. Seu impacto sobre o preço das matériasprimas, do petróleo, de minerais e de alimentos ainda não acabou. E isso ajuda os países em desenvolvimento.

AE Nesse cenário de normalidade, qual será a posição das economias emergentes como a China, a Índia e a América Latina? Gurría Muitos desses países emergen-

AE Como está a América Latina na OCDE? Gurría Apesar de vulnerável a decisões

tes não deixaram de crescer. Além disso, eles têm uma capac idade de adaptação muito maior do que a de países industriais, por sua forma de tomar decisões. Lembro que, em março de 2009, estive na China e disse que o país cresceria, no máximo, 6%. E os chineses respond ia m: “Gu r r ía, vamos continuar dizendo que é 8%, ou, no mínimo, 7%”. Claro, logo vieram esses pacotes massivos de estímulo. Em 2008, o governo central da China havia tomado a decisão de aumentar o crédito por meio dos bancos, o que já vinha impulsionando a economia, e isso se somou ao incremento no gasto público. Como resultado, o país cresceu 8% em 2009 e crescerá 10% este ano. A Índia fechou 2009 com 6%, 7%, e, em 2010, crescerá 8%. Realmente, esses países estão ajudando não só a sua própria recuperação, como também a mundial.

e acidentes gerados em outras latitudes e ainda sofrendo impactos muito fortes, como a queda de 7% do PIB do México, eu vejo a América Latina mais bem preparada para resistir a imprevistos do que no passado. A região apresenta consequências muito diferentes, que são diretamente proporcionais ao grau de dependência dos EUA. Mas essa é uma boa oportunidade para a América Latina turbinar seu motor, incrementar sua produtividade, flexibilizar tanto sua economia quanto suas legislações trabalhistas. É uma chance também para que os mercados de produtos se abram mais aos investimentos estrangeiros e para que a região entenda que é preciso se mover na curva do valor agregado.

Esta é uma oportunidade para a América Latina incrementar sua produtividade, flexibilizar sua economia e entender que é preciso mover-se na curva do valor agregado

AE Os chineses poderão compensar a queda no consumo dos EUA? Gurría Não, pois a economia dos EUA é

AE Quando o Brasil deve se somar à OCDE? Gurría Temos conversas há muito tempo e cooperação em diversas áreas. O Brasil, bem como grandes países emergentes, é protagonista de muitos debates internacionais que são tratados dentro da OCDE.

Março, 2010 AméricaEconomia 65


OPINIÃO

MISSÃO: COOPERAR T

homas Shannon, ex-secretário adjunto de Estado para Assuntos Interamericanos e um dos diplomatas dos EUA de maior destaque entre os que trabalharam na América Latina nas últimas décadas, chegou a Brasília em fevereiro para apresentar suas credenciais de embaixador ao presidente Lula. O desembarque foi postergado por conta do bloqueio de sua nomeação feito por três senadores, para pressionar o governo Obama a favor da taxação do etanol e sobre as políticas dos EUA quanto a Honduras e Cuba. Agora, Shannon tem o desafio de construir uma cooperação coerente entre os dois países. O Brasil é um país que se mostra cada vez mais bem-sucedido e influente. Abriu a maior parte de sua economia, modernizou o setor agrícola, impulsionou indústrias competitivas em mercados continentais e até mundiais e ampliou a competitividade global de seus serviços técnicos e financeiros, entre outros. O país também fortaleceu, de forma lenta, mas constante, tanto suas instituições estatais quanto as não governamentais. Conquistou um certo grau de previsibilidade, ou seja, de estabilidade quanto às expectativas sobre as regras do jogo e sobre o processo por meio do qual estas poderiam ser alteradas. E forjou um consenso de centro cada vez mais firme sobre as políticas macroeconômicas e sociais, incluindo a necessidade de expandir sua ampla e já crescente classe média e melhorar a qualidade da educação e o acesso a ela em todos os níveis. O Brasil tem papel cada vez mais influente nas negociações internacionais sobre comércio, mudanças climáticas, saúde pública, segurança alimentar e propriedade intelectual. Trabalha em estreita colaboração com a China, a Índia e a África do Sul. Faz parte do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo preferido pelos investidores internacionais e pelos analistas geopolíticos. Cria vínculos com outros países e mostra-se cada vez mais ativo nas Nações Unidas, no G-20 e em outros fóruns multilaterais. Não faltam comentários sobre a existência de fraturas no relacionamento entre Brasil e EUA. De fato, nos últimos anos, os governos dos dois países demonstraram ter diferenças importantes. Defenderam perspectivas antagônicas sobre como manejar a situação de Honduras, já que o Brasil interpretou que a posição de Washington de aceitar como legítimos os resultados das eleições conduzidas pelo regime de fato de Roberto Micheletti era equivalente a aceitar o golpe de Estado. O governo brasileiro também questionou e deu declarações críticas sobre o acordo para o estabelecimento de bases milita-

66 AméricaEconomia Março, 2010

res norte-americanas na Colômbia e foi anfitrião do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, enquanto a posição dos EUA foi de isolá-lo. Algumas divergências são previsíveis entre países grandes com interesses diversos e complexos, nos quais a política exterior é inevitavelmente afetada por imperativos da política interna. Pode ser que as diferenças sejam pequenas, talvez até menos importantes do que antigos conflitos, como o das taxas de exportação do suco de laranja, das restrições à transferência tecnológica e dos subsídios aos produtores norte-americanos de milho e algodão. Mas todos esses assuntos devem ser administrados com certa sensibilidade, de forma a garantir a comunicação contínua e superar o legado da presunção paternalista, que pode interferir na cooperação em assuntos mais importantes. O desafio das relações entre Brasil e EUA é consolidar certa sinergia para enfrentar os desafios relevantes, como o fortalecimento dos regimes mundiais de comércio, das finanças e do investimento; o desenvolvimento e a aplicação de medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas; a união para frear a proliferação nuclear; e o incentivo à reforma dos acordos de governança internacional. Brasil e EUA têm muito em jogo. Seus interesses não são idênticos, mas são potencialmente compatíveis. Agora que o embaixador Shannon chegou no Brasil, é sua missão forjar o caminho para uma relação estratégica que reconheça e respeite o papel e as aspirações ao Brasil, iniba os confl itos desnecessários e se centre na forma de fortalecer a cooperação. E o Brasil, por sua vez, também tem de dedicar-se à mesma missão.

ABRAHAM F. LOWENTHAL é professor de Relações

Ilustração: Samuel Casal

Os interesses de Brasil e EUA não são idênticos, mas são compatíveis

Internacionais da Univ. de Southern California e presidente emérito do Pacific Council on International Policy.



ESPECIAL FINANCIAMENTO ABERTURA DE CAPITAL DA ALIANSCE: RESULTADO AQUÉM DO ESPERADO

BOM, MAS NADA

68 AméricaEconomia Março, 2010


Apesar de a economia brasileira ir de vento em popa, financiar empresas e decidir investimentos demandará mais trabalho ANA BORGES, DE SÃO PAULO

N

o meio do furacão, fica difícil imaginar quando o tempo irá melhorar. O mercado acionário mundial amanheceu, em 2010, com fortes ventos adversos, provenientes da Europa, que contaminaram o otimismo no Brasil. Mas analistas garantem: mesmo com a realização de lucros vivida em janeiro e a turbulência das primeiras semanas de fevereiro, a tendência é positiva. A projeção é de que o principal índice do mercado brasileiro, o Ibovespa, deverá atingir, até o fim do ano, entre 80 mil e 90 mil pontos. A alta não será tão expressiva como em 2009, porém ainda há espaço para ganhos dos investidores e para o fi nanciamento das empresas. “É difícil dizer que a volatilidade das ações será uma tendência para o ano. Estamos no olho do furacão”, ressalta Alberto Kiraly, vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). No ano passado, o Ibovespa mostrou a alta mais expressiva entre as bolsas do mundo e superou, inclusive, a chinesa, com uma valorização acima de 80%. De volta à realidade, 2010 começou mais complicado e nem um pouco óbvio. A volatilidade e a saída dos estrangeiros significaram um balde de água fria para investidores e travaram os planos de algumas companhias que precisavam acessar o mercado. Recentemente, a maior fabricante de equipamentos de refrigeração comercial da América Latina, a Metalfrio, e a fabricante de massas M. Dias Branco cancelaram suas ofertas públicas de ações, alegando razões adversas de mercado. O frigorífico JBS também anunciou o adiamento da oferta pública de ações da JBS USA, que pretendia levantar US$ 2 bilhões. Em comunicado, a empresa afirma que irá monitorar as condições de mercado, para determinar o melhor momento da operação. O banco Cruzeiro do Sul foi outro a adiar sua oferta primária e secundária, de cerca de R$ 400 milhões. “Mercado em alta é bom para que as empresas se capitalizem por meio do lançamento de ações. Em baixa, significa exatamente o contrário”, diz Henrique Campos, sócio-

Foto: Luiz Prado/BM&FBOVESPA

80%

FÁCIL

foi a valorização do Ibovespa em 2009, superando inclusive a chinesa

Março, 2010 AméricaEconomia 69


ESPECIAL FINANCIAMENTO MAÍLSON HYKAVEI, DA FINPLAN: CERTEZA DE QUE AS AÇÕES NÃO VÃO SUBIR POR TEMPO INDETERMINADO

SE NÃO DÁ PARA ADIAR... A primeira abertura de capital do ano saiu mais cara para a companhia do que o projetado. No dia 27 de janeiro, a Aliansce Shopping Center previa captar R$ 845 milhões, mas obteve R$ 585 milhões. O preço de venda foi fi xado em R$ 9 por ação, abaixo do valor estimado pela empresa, que oscilava entre R$ 10 e R$ 13. “Continuo acreditando que ocorrerão ofertas de ações, tanto primárias quanto secundárias, mas serão de empresas que não têm como adiar seus projetos, mesmo que o custo do dinheiro seja maior. O boom de 2007, no entanto, não vai mais existir”, diz Campos. Ele espera que, mesmo assim, a maior parte das operações esteja concentrada nos primeiros meses do ano, mas serão menos numerosas do que seriam em um cenário normal. “Isso acontecerá porque, como o ano de 2009 começou sob o pesado véu da crise fi nanceira mundial, muitos optaram por adiar o projeto”, destaca. Um dos fatos que levaram ao menor apetite pelas novas ações é a saída dos estrangeiros. Pela primeira vez desde junho do ano passado, eles retiraram dinheiro do mercado acionário brasileiro. O saque de janeiro somou R$ 2,099 bilhões e foi o maior desde outubro de 2008, quando a crise financeira resultou na perda de R$ 4,68 bilhões. A mudança acompanhou a piora do quadro externo ao longo do mês. O plano do governo norte-americano de impor novas restrições à exposição dos bancos minou o apetite dos agentes por ativos de risco, o que acelerou a saída de capital estrangeiro da Bovespa. “A saída de janeiro foi uma realização de lucros, e o Brasil ainda está entre as melhores opções de investimento”, afi rma o vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais de São Paulo (Apimec São Paulo), Ricardo Tadeu Martins, que ainda não vê uma debandada do capital estrangeiro como tendência de longo prazo. Assim, nem tudo está perdido como parece. A tendência é a de que, no médio prazo, essa aversão ao risco caia e os estrangeiros estejam mais propensos a investir. O estrategista-chefe para a América Latina do WestLB, Roberto Padovani, calcula que, do patamar atual da Bolsa, próximo dos 66 mil pontos, há espaço para uma alta de 30%. “Os preços das commodities tendem a subir diante da expectativa de recuperação mundial, e o mercado interno brasileiro está aquecido. As empresas terão essa fonte de captação”, afirma.

2,09

diretor da BDO, quinta maior empresa do Brasil e do mundo em auditoria, tax e advisory. Já as empresas que precisam de recursos para fazer frente aos planos de expansão mantêm as ofertas, mesmo que isso signifique captar recursos a um custo mais elevado. A Multiplus, subsidiária da TAM e responsável pela rede de fidelização de clientes e pelos programas de milhagem da companhia aérea, estreou com queda. Cada papel da Multiplus foi fi xado em R$ 16,00, abaixo da estimativa de R$ 18 a R$ 24. Com isso, a empresa captou menos que o esperado, R$ 723,85 milhões.

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Fotos: Divulgação

bilhões de reais foi a retirada de estrangeiros somente em janeiro


RISCO DE GAVETA No curto prazo, como as ações brasileiras valorizaram muito no ano passado, Padovani enxerga que há espaço para arbitragem. “O Brasil está mais caro. Assim, os estrangeiros podem buscar oportunidades em outros países, como México e Argentina, mas essa não é uma tendência”, explica. No entanto, as opções são reduzidas. Vários países da Europa exibem problemas fiscais, causados pelos desembolsos para ajudar o sistema financeiro. “Os investidores buscam opções, mas a bolsa chinesa também está cara, e não há segurança para colocar recursos nas ações europeias e norte-americanas. Meu medo é que o dinheiro fique engavetado”, declara Campos, da BDO. O fato é que os investidores estão mais seletivos e, para a companhia chegar à Bolsa, é preciso ter um bom projeto. Acabou a fase em que qualquer empresa acessava o mercado acionário, mesmo que fosse para colocar o dinheiro no caixa, ou sem projeto viável. “Quem financia a abertura de capital, seja o estrangeiro ou o investidor institucional brasileiro, está mais exigente e analisa a coerência do projeto”, explica ALBERTO KIRALY, DA ANBIMA: POSSIBILIDADE DE CONCENTRAÇÃO DA CAPTAÇÃO DE RECURSOS

Marcelo Pereira Freitas, sócio do setor Societário do escritório Siqueira Castro Advogados. O escritório tem registrado consultas esporádicas de empresas que desejam acessar a Bolsa. Segundo Freitas, o mercado de fusões e aquisições e para operações de private equity (atividade fi nanceira realizada por instituições que investem essencialmente em empresas que ainda não são listadas em bolsa de valores, com o objetivo de alavancar seu desenvolvimento) tem ganhado destaque. Outra saída é a captação via renda fi xa, com a emissão de debêntures. Segundo Kiraly, está havendo um interesse crescente em captações de renda fi xa, e pode ocorrer uma concentração das operações de captação de recursos tanto no mercado acionário quanto via debêntures no primeiro semestre. São dois os motivos que sustentam essa perspectiva: a corrida eleitoral para a Presidência e a tendência de aumento da taxa de juros. A conclusão do cenário é que 2010 não será fácil nem para as empresas, nem para os investidores, apesar de a economia brasileira estar de vento em popa, com crescimento projetado de 5%. A possibilidade restrita de ganhos leva os investidores a manter a cautela e fazer as escolhas de forma mais selecionada possível. “A questão é aproveitar as fortes realizações e fazer posições de curto prazo. Entrar após as quedas bruscas e se desfazer das posições em momentos de alta”, afirma o analista da Brava Investimentos, Peter Ping Ho. Ele explica que o primeiro semestre ainda terá viés positivo e poderá atingir o recorde de máxima. Mailson Hykavei, sócio-diretor da FinPlan, observa que o ano de 2010 não será tão tranquilo para o investidor. “Ficou claro que as ações não vão subir por tempo indeterminado”, explica. A recomendação é alocar apenas um percentual dos recursos totais em ações e o restante em renda fi xa, de acordo com o apetite ao risco. Se o investidor estiver disposto a ter, por exemplo, 10% do seu patrimônio na Bolsa, pode comprar os papéis gradualmente e sempre buscar balancear a carteira em momentos de queda ou alta dos papéis. Desta forma, quando os papéis caírem, ele precisará comprar mais para manter os mesmos 10%. O contrário também vale, sempre tendo em mente que investir em ações é uma estratégia de longo prazo. Março, 2010 AméricaEconomia 71


ESPECIAL FINANCIAMENTO

EM BUSCA DO CAPITAL

Apesar dos sinais contraditórios do início do ano, 2010 pode ser generoso para o financiamento das empresas latino-americanas AMÉRICAECONOMIA

O

estampido da crise na Grécia e na Islândia, bem como a incerteza sobre a recuperação da economia dos EUA e da Europa, mostrou que, em 2010, a volatilidade continuará dando o tom nos indicadores financeiros mundialmente. Mesmo assim, analistas estão confiantes na disponibilidade de dinheiro para financiar o projeto de empresas na América Latina, e a um custo moderado. Para eles, a tendência é a de que investidores de todo o mundo não eliminem a

região de seu mapa, e o poupador local volte ao mercado de renda variável. “Os mercados latino-americanos voltarão a crescer, talvez não ao ritmo de 2003-2007, que foi muito forte, mas se verificará uma recuperação considerável”, diz Gabriel Torres, vice-presidente e analista sênior do Grupo de Risco Soberano da Moody’s. Essa opinião é compartilhada por muitos CFOs (chief financial officers) e diretores de Finanças que monitoram as estratégias de financiamento de suas companhias para este

2

1

MARTÍN MIGOYA, COFUNDADOR GLOBANT, ARGENTINA

ALMIR GUILHERME BARBASSA DIRETOR FINANCEIRO E DE RELAÇÕES COM INVESTIDORES DA PETROBRAS, BRASIL

EDUARDO VELE CFO SAP, MÉXICO E AMÉRICA CENTRAL

“No ano passado, o mercado financeiro estava generoso para os bônus brasileiros, e aproveitamos para captar dinheiro, que, agora, estamos injetando em muitas de nossas operações. Neste ano, todavia, apostaremos na emissão de ações. Os motivos são equilibrar o balanço e compensar o nível de dívida com o de patrimônio. O Brasil, neste momento, apresenta um grande atrativo para os investidores, e os mercados internacionais estão generosos com as emissões brasileiras, inclusive para ações.”

“O impacto da crise foi muito profundo no México. Esperamos um recuperação em 2010, além dos resultados do pacote fiscal que será implementado pelo governo e que deverá se concentrar em projetos de infraestrutura e tecnologia. Isso pode significar esquemas de financiamento acessíveis e interessantes. Além disso, com a crise, aprendemos a gerar recursos sendo mais austeros nos gastos. As empresas que estão bem posicionadas continuarão tendo acesso a financiamento e ao mercado de capitais.”

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Fotos: 1 - Adriano Machado; 2, 3, 4, 5 e 6 - Divulgação

“A melhor opção de financiamento para quem não tem dívida é buscar contraí-la, porque não deverá ter custo alto. Para as empresas que já estão endividadas, o caminho indicado é buscar financiamento por meio de grupos de investidores. Nós queremos fazer um IPO, em dois ou três anos, na Nasdaq.”


ano, ouvidos por AméricaEconomia. E não estão sós. “Conheço muitos investidores institucionais globais que estão considerando a América Latina pela primeira vez; há expectativa e interesse”, diz Cate Ambrose, presidente da Latin America Venture Capital Association. Cate acha que 2010 será um ano com emissões iniciais e secundárias com bons resultados no Brasil. Espera-se um número considerável de emissões secundárias ainda no primeiro semestre, evitando, dessa forma, a incerteza do clima eleitoral. Já nos outros países, é possível que a aposta em emissão de ações não seja a preferida. No México, por exemplo, houve apenas um IPO em 2009, e não se espera um grande aumento para este ano. Já os mercados de dívida pública para emissões estruturadas se apresentam como boas alternativas. Outro fator lembrado pelos CFOs é que muitas empresas aproveitaram a crise para reduzir custos, ajudando na capacidade de gerar recursos internos, e mostrar-se mais atraentes para os mercados de capitais. Mais um sinal de que, apesar da volatilidade, as empresas podem esperar uma boa colheita nos mercados nos próximos meses.

ALEXANDRE CARVALHAL CFO LENOVO, BRASIL “As perspectivas para o mercado de capitais para este ano são bastante positivas. Várias empresas sinalizaram intenções de IPOs e outros 4 tipos de colocações domésticas. Nós, da Lenovo, temos uma estratégia de investimento e crescimento no Brasil para os próximos três anos. Nos últimos 12 meses, a operação brasileira da empresa passou por um processo de reestruturação muito importante. Atualmente temos nossa operação 100% financiada com capital próprio, em virtude da constante melhoria dos custos e processos.”

RAFAEL MATUTE CFO WALMART, MÉXICO “Desde o começo, fomos agressivos no setor comercial e conservadores no financeiro. Há anos estamos dedicando mais de 90% do lucro de um ano ao plano de investimentos do ano seguinte. Isso significou mais de US$ 4,5 bilhões nos últimos cinco anos. Em 2010, continuaremos com essa estratégia, investindo US$ 900 milhões na construção de 300 lojas.”

VITOR FABIANO DIRETOR FINANCEIRO MAGAZINE LUIZA, BRASIL “O mercado de capitais no Brasil continua oferecendo oportunidades para boas empresas em setores com claro potencial de crescimento, 3 como varejo, energia e mineração. A maioria dos recursos ainda é proveniente do mercado externo, como tem se observado nos recentes IPOs de empresas brasileiras, mas também se nota um aumento da participação de investidores nacionais, institucionais e pessoas físicas, atraídas pela renda variável, pelo fortalecimento do mercado de capitais brasileiros e pelas taxas de juros menos atraentes oferecidas nas tradicionais operações de renda fixa. A emissão de títulos, se corretamente estruturada, pode oferecer uma boa oportunidade de redução de custos financeiros. Os empréstimos bancários de longo prazo continuam sendo uma opção viável, se obtidos a custos competitivos e com garantias simples de operacionalizar.”

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DAVID SAETTONE GERENTE GERAL PACÍFICO SEGUROS, PERU “Há uma situação de liquidez favorável, que mantém as taxas de juros baixas, fazendo com que a alternativa de obter financiamento no sistema bancário seja uma boa opção. Já a conveniência de emitir dívida dependerá muito do tamanho da companhia e de sua qualificação de risco.”

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ALEJANDRO GONZÁLEZ DALE GERENTE FINANCEIRO SACI FALABELLA, CHILE “É fundamental uma melhora contínua no rendimento das operações, que permita maior geração de caixa para apoiar as necessidades de financiamento. Também há que se contar com um acesso aberto aos mercados de financiamento locais e internacionais, tanto bancário, quanto de instrumentos de oferta pública de dívida, de forma a eleger a melhor opção. O mercado de bônus no Chile, com os atuais níveis das suas taxas, é uma alternativa interessante.”

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OPINIÃO

CONTRASTE MARCADO E

ntre os políticos, há um velho ditado: “Nunca desperdice uma boa crise”. Sempre é bom lembrar essa frase, sobretudo agora que os líderes mundiais lutam para consertar as instituições que fracassaram. Neste período, as reformas são derrubadas na mesma velocidade com que são propostas, e os prudentes devem manter um alto grau de ceticismo. Pode ser que uma onda de reformas triunfe no futuro, mas, por enquanto, é útil monitorar esse processo e tomar nota dos países e regiões que estão fazendo o melhor. No início da crise, parecia que o Reino Unido sofreria uma recessão mais longa e mais profunda do que o restante da Europa, pelo fato de Londres ter sido um dos epicentros da crise e de sua economia estar impulsionada sobretudo por serviços financeiros. No entanto, foi a Europa Continental quem deu sinais de sofrer uma recaída. Suas instituições fi nanceiras demoraram para aderir aos planos de expansão do crédito, e muitos países no continente estão atentos à possibilidade de uma segunda crise. Eles são como um doente crônico que contrai uma nova doença, e esta estimula o fortalecimento das antigas doenças persistentes. Um efeito colateral das dificuldades da Europa é o fato de o dólar norte-americano ter se fortalecido novamente. Esse deve ser o efeito mais irônico e perverso da crise. Quando há más notícias econômicas, os investidores vendem moeda para comprar o dólar. O país, que foi o vilão dessa história, cujos excessos provocaram a crise fi nanceira mundial, colhe uma recompensa sem mérito. Enquanto isso, os bancos centrais latino-americanos enfrentam novos desafios diariamente. Seus presidentes costumavam depender do humor do dólar norte-americano, mas agora também têm de olhar para o euro e o real, além de ter cuidado com mudanças bruscas no consenso sobre a taxa de crescimento da China. Se lhes sobra um minuto de folga, eles têm de tentar descobrir os próximos passos do governo neófito do Japão. E, claro, se preocupar com a possibilidade de suas cabeças estarem a prêmio.

Em um período tão turbulento, é fácil não perceber dois fatos importantes. Em primeiro lugar, a moeda brasileira tornou-se referência para as moedas fortes da América do Sul. Isso porque as reformas financeiras do Brasil têm sido bem-sucedidas, e porque, antes delas, o sistema financeiro do país estava freando esse enorme despertar econômico. O segundo fato é que o sistema financeiro do Brasil está trabalhando de maneira proativa. Não está apenas resistindo aos choques externos. Aloca capital em um ritmo mais rápido do que o do antigo sistema brasileiro, e está destinando o capital a um grupo de usuários mais produtivo. Os números relativos à emissão primária de ações brasileiras, bônus, notas promissórias e cotas de fundos se recuperaram rapidamente dos níveis do último trimestre de 2008 e primeiro trimestre de 2009. De agosto de 2008 a maio de 2009, ocorreu apenas uma oferta inicial de ações (IPO) no Brasil. De julho de 2009 em diante, entretanto, a quantidade de dinheiro atraído por IPOs foi proporcional aos montantes angariados durante o ano de 2007. A emissão de bônus corporativos e notas promissórias também recuperou rapidamente seu melhor nível. O sucesso do Brasil refletiu-se em um maior interesse pelos sistemas fi nanceiros do Peru e da Colômbia. Os dois países, agora, não se importam de serem comparados pelos investidores com o Brasil e o Chile; estão felizes por seus sistemas terem um desenho semelhante aos desses dois países. Se antes o contraste se concentrava entre países ricos e pobres, agora ele se foca entre os países prudentes e os gastadores, pois muitos países ricos estão presos em esteiras de dívida. Depois de toda crise, sempre há países que surgem fortes e outros que nunca recuperam o prestígio de antes.

74 AméricaEconomia Março, 2010

JOHN C. EDMUNDS é doutor em Administração pela Universidade de Harvard, professor do Babson College e coautor de Wealth by Association.

Ilustração: Samuel Casal

O sistema financeiro do Brasil trabalha de maneira proativa


Wednesday, April 7th Cartagena, Colombia The Excellence Awards of AméricaEconomía are given each year to business men and women from Latin America who have constructed business models that have global potential. The winners, who were presented in the September Edition in 2009 of AméricaEconomía, will received their awards in this ceremony in April. * Event held during the World Economic Forum and by-invitation-only.

EXCELLENCE AWARD WINNERS: ARGENTINA: Martín Migiya, Globant ARGENTINA: Pablo Devoto, Nestlé Argentina BRAZIL: Roberto Setubal, Banco Itaú BRAZIL: Ricardo Nunes, Ricardo Eltro BRAZIL: Edson Bueno, Grupo Amil CHILE: Fernando Larraín y Leonidas Vial, LarrainVial CHILE: Fernando Fischmann, Crystal Lagoons COLOMBIA: José Francisco Arata y Ronald Pantin, PacificRubiales COLOMBIA: Catalina Crane, Procafecol ECUADOR: Guillermo Lasso, Banco de Guayaquil ECUADOR: Carlos Cueva, Difare GUATEMALA: Juan Paiz, Panifresh MEXICO: Luis Berrondo, Grupo Mabe MEXICO: Eduardo Tricio, Grupo Lala MEXICO: Alejandro Ramirez, Cinépolis PANAMA: Stanley Motta, Motta International PERU: Luis Felipe Derteano, Grupo ACP PERU: Pedro y Mario Brescia, Grupo Brescia USA: Steven Dussek, NII Holdings

www.americaeconomia.com excelencia@americaeconomia.com


I-BIZ

ÁTOMOS DE TROIA Laboratórios universitários e empresariais levam a nanotecnologia à indústria farmacêutica regional, posicionando a região na vanguarda tecnológica e prometendo reduzir enfermidades e custos sanitários JUAN PABLO DALMASSO, DE CÓRDOBA

J

á faz dez anos que a argentina Eder Romero concluiu seu pós-doutorado no exterior e se instalou na Universidade Nacional de Quilmes, na Grande Buenos Aires. Lá, aproveitou sua prática em transferência tecnológica para pesquisar o transporte de remédios com base na nanotecnologia. Ou seja, introduzir medicamentos no corpo humano trabalhando em uma escala equivalente à milionésima parte de um milímetro. Se a escala era pequena, a aposta era grande. No ano 2000, a nanotecnologia sequer tinha alcançado o status de emergente. Mundialmente, registravam-se mais papers do que pesquisas de fato, e os grandes laboratórios acabavam de fazer seus primeiros anúncios, com mais prospectivas do que produtos. Mesmo assim, Eder Romero e a Universidade de Quilmes criaram o Laboratório de Projeto de Transporte de Remédios, o LDTD. Sabiam da importância de conseguir trabalhar nessas dimensões, possibilitando colocar mais remédio em um mesmo volume e simplificar a absorção pelas células. O maior desafio era fazer com que o medicamento chegasse ao ponto de uma infecção, realizando uma segunda melhoria em relação à farmacologia tradicional. Isso porque, geralmente, a droga é apenas liberada na corrente sanguínea. Já o LDTD projetaria um contêiner com o material e a geometria indicados para, primeiro, aproveitar as variações vasculares provocadas pelas doenças e, dessa forma, usar a corrente sanguínea para deixar o contêiner no ponto desejado. Depois, como um Cavalo de Troia, ele seria absorvido naturalmente pela célula, localizando-se junto ao parasita para liberar a droga.

Eder e seu grupo escolheram atacar o Trypanosoma cruzi, causador do Mal de Chagas. Sua particularidade é a de que, quando provoca sintomas, já está alojado dentro das células do coração. Essa localização é inalcançável pelas drogas conhecidas. A doença é uma endemia latino-americana que, apesar de atingir 90 milhões de pessoas, não está entre as prioridades da indústria farmacêutica. O trabalho foi árduo: em resumo, envolveu estudar como a doença altera os tecidos e os vasos sanguíneos, desenvolver

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Foto: Ezequiel Pontoriero

A VÍTIMA


uma estrutura de transportador com base em polímeros biodegradáveis e descobrir que droga conhecida poderia funcionar melhor. As provas in vitro mostraram que, com uma dose 200 vezes inferior à habitual, era possível eliminar 100% da colônia de parasitas. Na experiência com ratos, Eder e sua equipe tiveram 80% de erradicação do Trypanosoma sem que se registrassem efeitos colaterais nos animais. Hoje, com esses resultados em mãos, a cientista comemora. “Isso vai além do sucesso terapêutico: mudará a forma de tratamento e todos os custos de saúde”, diz Eder. “Não

somente as doses serão menores, mas os tratamentos prolongados serão reduzidos, com menor demanda de serviços. Além disso, os efeitos colaterais, que, em algumas doenças, são tão severos como a própria enfermidade, poderiam ser evitados.” Alguns estudos da Organização Panamericana da Saúde sobre o tratamento do Mal de Chagas ilustram a magnitude do impacto. Somente a Bolívia tem de gastar mais de US$ 30 milhões anuais para atender aos infectados por esse mal; no Brasil, o custo é estimado em US$ 1 mil por doente, considerando somente medicamentos e 20 dias de internação anuais. Se forem somados a isso os custos com marcapassos e outros intangíveis, como a invalidez parcial, os números pioram. Cálculos como esse contagiaram vários cientistas. Em 2007, a Universidade de Quilmes decidiu subir a aposta e lançar o Programa de Nanomedicina, que, além de oferecer pós-graduação, reúne pesquisas de novos sistemas de transportes, partículas de controle de distribuição e novas formas de tratamento para trocar produtos injetáveis por outros administrados por via oral ou por pomadas. Segundo Eder, isso tem a dupla vantagem de facilitar o tratamento para os pacientes e permitir a economia com pessoal capacitado. Já o governo argentino tomou o LDTD como referência para seu programa nanotecnológico, e as primeiras consultas do setor privado começaram a chegar, com transferências em sistemas de transportes, inclusive em nível internacional. A LDTD foi convocada a formar a Rede Iberoamericana de Pesquisa em Desenvolvimento e Inovação de Medicamentos Antichagas, que tem entre seus patrocinadores o Laboratorios Silanes, do México.

FUTURO SEM MEDIDA Com estudos como esse, na última década, as aplicações nanotecnológicas na medicina passaram de uma potencialidade teórica para uma promessa tangível. O Instituto de Nanotecnologia britânico estimou que somente o mercado de transporte de remédios representava US$ 109 bilhões, em 2008, com cerca de 4 mil empresas em todo o mundo disputando uma fatia. As expectativas no velho continente são grandes. A Plataforma Tecnológica Europeia considerou a nanomedicina um ponto-chave para manter sua competitiA CIENTISTA EDER ROMERO: NANOTECNOLOGIA REDUZ CUSTOS DOS TRATAMENTOS

Março, 2010 AméricaEconomia 77


I-BIZ MEDICINA EM ESCALA NUCLEAR

Os nanofármacos em ação

A nanotecnologia é a habilidade de fabricar materiais e máquinas a partir do reordenamento de átomos e moléculas

COMO AGE?

O TAMANHO

1 Um nanotransportador feito

A nanomedicina trabalha com partículas menores que 100 nanômetros, ou seja, a bilionésima parte de 1 metro

de polímeros biodegradáveis, de material nobre ou cristalizado encapsula uma droga, um reativo ou uma carga genética

Pela mucosa nasal Via oral

1 cabelo

100 nanômetros

2

3 O remédio chega

Para localizar seu alvo, são aproveitados os princípios da hidrodinâmica e de modificações vasculares que as doenças produzem

ao interior da célula

Administração pela pele

Administração endovenosa

4

A droga é liberada na parte desejada da célula

TRATAMENTO CONVENCIONAL O nanoveículo se aloja no segmento desejado da célula e libera a droga

TRATAMENTO REGENERATIVO A droga libera uma carga genética no núcleo da célula

DIAGNOSE Sua concentração é identificada pelos equipamentos de leitura e indica a presença de um problema

Já em 1959, Richard Feynman, prêmio Nobel de Física, considerado o pai da nanotecnologia, propôs fabricar produtos com base no reordenamento de átomos e moléculas, ou seja, o mesmo que a natureza faz, por exemplo, com o carbono (transformação do carbono em diamante), mas, neste caso, de acordo com os interesses do cientista.

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vidade, atribuindo um orçamento de mais de US$ 1,7 bilhão em pesquisa. Na reunião organizada pela NanoSpain, em 2009, em Zaragoza, Espanha, que atraiu 270 grupos de pesquisa públicos e privados, concluiuse que, para 2014, 80% das inovações farmacêuticas virão em formato nano. “Sem dúvida, a nanotecnologia é um dos campos mais promissores, atualmente”, diz Jurron Bradley, analista sênior da Lux Research, consultoria de Nova York especializada em prospectivas tecnológicas. “Em 2009, os investidores de risco desembolsaram US$ 404 milhões em empresas desse segmento, 42% mais que em 2008, e estimamos um mercado de US$ 54 bilhões, em 2010, para todo esse setor, que, em 2015, saltará para US$ 328 bilhões”, afirma.

se reparar as fibras nervosas danificadas nas lesões da medula espinhal. E, por último, está a capacidade de desenvolver novos mecanismos de diagnóstico e controle de doenças por meio de marcadores transportados em nanopartículas. Ainda que, para analistas europeus e norte-americanos, a América Latina não esteja nos radares da nanotecnologia aplicada à saúde, e talvez até no de nenhuma nanotecnologia, o LDTD não está sozinho nessa batalha por reconhecimento. Só na Argentina, os centros de pesquisa ligados à área de saúde chegam a 13, e quatro empresas lideradas por um laboratório produtor de genéricos oncológicos, o Eriochem, já têm quatro patentes, segundo a Fundação de Nanotecnologia da Argentina. O Brasil é o líder da região e produtor de mais de 3% dos papers mundiais no campo. Soma 48 institutos de pesquisa e 82 empresas com competências nano, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia. Alguns exemplos são empresas como Laboratórios Biosintética, Excellion Serviços Biomédicos, Biocancer e BioGenetics, que fazem parte de um grupo de 20 empresas que trabalham no campo da biotecnologia e saúde, destacando-se na luta contra as endemias regionais e aplicações em oncologia. O México é o segundo país latinoamericano a desenvolver a nanotecnologia, tendo em conta a escala de produção científica e suas 51 instituições de pesquisa no campo. Os representantes na Rede Latino-americana de Nanotecnologia garantem que cinco empresas mexicanas já desenvolvem aplicações de saúde, e outras três na área de biotecnologia. Segundo a mesma rede, infelizmente, os demais países da região não têm atividade significativa. Para a argentina Eder Romero, agora é o momento de buscar aplicações mais fáceis de ganhar escala, como no campo veterinário. Outros analistas, por sua vez, acham que os nanomedicamentos e a nanomedicina continuam a ser mais uma promessa do que uma realidade vigente no mercado. Até o ano passado, a Plataforma Tecnológica Europeia contava com 130 produtos no mercado e maior dinamismo dentro dos centros de pesquisa do que as empresas que, cautelosas, ainda preferiam esperar os resultados das pesquisas acadêmicas. “Até agora, os laboratórios têm focado em produtos biotecnológicos derivados de proteínas, que têm um custo por dose muitíssimo maior”, diz Samuel Brauer, principal executivo da Nanotech Plus, empresa de consultoria em nanotecnologia com sede em Stanford. “Na indústria, não basta garantir a aprovação de um remédio: é preciso provar também que ele será lucrativo.” Para os perseverantes como Eder, a chegada da nanotecnologia ao mercado da saúde é só uma questão de tempo.

empresas são especializadas em nanotecnologia no Brasil

PRECISÃO NO ATAQUE

Foto: iStockphoto

Tais prognósticos são factíveis. Em primeiro lugar, a capacidade de precisão com que cientistas da nanotecnologia trabalham é um argumento de peso. Hoje, há uma corrida para encontrar a bala que atingirá os tumores cancerígenos e os destruirá com absoluta precisão. No ano passado, pesquisadores do MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts) declararam ter eliminado o câncer de ovário em ratos graças à nanotecnologia. Em agosto de 2009, laboratórios da Universidade de Stanford, nos EUA, anunciaram que aplicar quimioterapia com nanotransportadores afetava apenas as células cancerígenas. Em segundo lugar, a nanotecnologia é vista como uma importante aliada nas terapias genéticas e de base biotecnológica, que, hoje, representam 50% das novas patentes farmacêuticas. Por causa de sua capacidade de escolher o destino dentro das próprias células, espera-se que essa seja a forma mais eficiente de enviar DNA às células que demandam tratamento para que modifiquem seu comportamento ou estimulem sua atividade, com a reconstituição de tecidos. Por exemplo, durante 2009, pesquisadores da Universidade de Purdue, também nos EUA, descobriram que, injetando nanoesferas por meio do sangue, podiam-

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INTERFACES

CÓDIGO DE BARRAS BIOLÓGICO Q

ue lhe pareceria se cachorros, gatos e vacas tivessem um código de barras, como o das embalagens, que os identificasse como cachorros, gatos e vacas autênticos? Absurdo, não? Depois de centenas de milhares de anos de convivência, basta olhá-los por alguns segundos para saber que são o que parece que são. De fato, quando observamos um ser vivo, o identificamos por seu corpo, sua morfologia, que é a expressão de um código que pode ser usado literalmente como um código de barras: o DNA, o código genético. Qual é o sentido, então, do projeto The Barcode of Life Data Systems (Bold, da Universidade de Guelph, em Ontário, Canadá), que registra sequências curtas dos segmentos de DNA que distinguem uma espécie de outra? Primeiro, poder saber que ser vivo é esse que temos diante de nós não pelo seu aspecto, mas comparando seu DNA com uma biblioteca de DNA de 65 mil espécies, à qual se pode acessar online. E, o mais curioso, poder descobrir o que estamos comendo na hora do almoço. Foi usando o Bold que Brenda Tan e Matt Cost, dois estudantes da Trinity School, de Manhattan, mantida pela Universidade Rockefeller, descobriram que 11 de 66 produtos comprados aleatoriamente enganavam os consumidores. De maneira preocupante, mas lógica, a fraude concentrou-se em produtos caros ou pouco comuns. Um deles foi o leite de ovelha, que na realidade era leite de vaca – troca que pode ser ainda mais grave se o consumidor for indiano, por exemplo. Ainda que, hoje, qualquer pessoa possa solicitar, em um laboratório, o isolamento do DNA encontrado em qualquer produto – para depois identificá-lo usando o Bold –, é bem provável que logo possamos ter um aparelho portátil que faça a leitura de DNA. Se isso ocorrer, a indústria alimentícia se verá em apuros. Em 2008, outros dois estudantes da Trinity

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descobriram que 25% dos peixes vendidos em restaurantes de comida japonesa não eram o que se anunciava. Não há como negar que, neste século 21, as surpresas – além das fontes de energia – virão da biologia e dos novos materiais. E, às vezes, o novo pode ser a combinação, inesperada, do que já existe. O ferropapel, ou papelferro, é um exemplo. Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Purdue, em Indiana (EUA), o anunciou há poucos dias. Trata-se de papel comum – poderia ser o desta revista – que leva uma solução de óleo mineral e nanopartículas magnéticas de óxido de ferro. Recobre-se o papel “molhado” com um filme plástico biocompatível que dá ao material mais força e elasticidade. Mas para que serve isso? É uma técnica acessível e única para construir robôs em miniaturas, motores, minialtofalantes estéreo, pinças destinadas a manipular células e até “dedos” para cirurgias invasivas brandas. Como mover todos esses dispositivos? Fácil, usando campos magnéticos. Como o ferropapel está carregado eletricamente, move-se em resposta aos giros do campo magnético. “É muito barato de fazer: você põe uma gota em um pedaço de papel, e ele se transforma em seu motor”, diz um dos criadores da tecnologia, Babak Ziaie, professor de Engenharia Elétrica e Engenharia Biomédica. “É cem vezes mais barato que os dispositivos equivalentes de sílica hoje disponíveis.” E, apesar de “todos os tipos de papel poderem ser usados, o de jornal e o lenço de papel são melhores, porque têm boa porosidade”. Tal desenvolvimento possui virtudes especiais para aplicações médicas, “porque o papel é muito suave e não prejudica células ou tecidos”. Desse modo, com as nanopartículas magnéticas já disponíveis comercialmente, a engenharia “origami” do ferropapel é uma possibilidade real até para uma pequena empresa latino-americana.

Ilustração: Samuel Casal

ADOLFO WATERHOUSE


CLICS & CHIPS NOVIDADE REVOLUCIONÁRIA A Apple lançou o iPad, dispositivo que permite ao usuário navegar na web, ler e enviar e-mails, assistir a vídeos, ouvir música, jogar, ler eBooks, além de outras atividades. O equipamento tem espessura de 1,27 centímetro e pesa 680 gramas – mais leve e mais fino do que qualquer laptop ou netbook do mercado, de acordo com a fabricante norte-americana. O iPad estará disponível no final de março e custará a partir de US$ 499.

www.apple.com/ipad/ MUITO ESPAÇO A Samsung Electronics apresentou o EcoGreenT F3EG, seu novo HD, com capacidade de 2 TB, o que possibilita o armazenamento de mais de 500 mil músicas em formato MP3 ou 880 horas de conteúdo audiovisual. O produto ainda não está disponível no Brasil, apenas nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, no Reino Unido, na China e na Coreia do Sul, onde o preço sugerido é de US$180.

www.samsung.com

ECOLOGICAMENTE CORRETO A Elgin Info Products, divisão de produtos de informática do grupo Elgin, lançou um carregador que funciona à base de energia solar. O usuário poderá carregar a bateria de celulares, iPods, MP3, fones bluetooth e outros eletrônicos. O aparelho também pode utilizar energia elétrica ou USB e é acompanhado por 11 diferentes conectores, para garantir a compatibilidade com qualquer aparelho eletrônico. O preço sugerido é de R$ 199.

Fotos: Divulgação

www.elgin.com.br

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LINHA DIRETA

OS HOTÉIS DE GALILEU EVELYN QUEZADA, DE SANTIAGO

U

ma das célebres descobertas de Galileu Galilei (15641642) foi demonstrar que algumas estrelas que vemos a olho nu são, na verdade, um acúmulo de estrelas. Hoje, faria bem ressuscitar o talento de Galileu para descobrir o que há por trás de outras estrelas: as que são usadas para medir a qualidade da hotelaria latino-americana. Esse sistema tradicional, que a indústria do turismo oferece aos usuários para indicar o nível das instalações de um hotel sem a necessidade de ter estado antes no lugar para comproválo, parece dizer muito pouco, quando se trata da América Latina. Ou seja, o que significa cinco estrelas em um país pode não ser o mesmo que em outro. A confusão pode começar antes mesmo de cruzar uma fronteira. Por exemplo: eu pesquisava o número de hotéis cinco estrelas presentes na Cidade do México, e cada fonte me sugeriu um nú me ro d i fe re nte: 40, 58 e 73. O mesmo aconteceu em outras capitais, dependendo se quem respondia era uma instituição governamental, a câmara ou associação do setor ou serviços privados que oferecem reservas de hotéis pela internet. Tudo dependia, em geral, se os hotéis estavam ou não associados a um desses organismos ou serviços. E, se a coisa já era complicada quando tratada a partir do número de estrelas, piorou ainda mais na hora de classificar hotéis butique, residenciais e outros. O que é um apart hotel na América Central pode ser considerado motel, se está no Cone Sul. Como nossa região não tem um órgão para classificar esse negócio, e tampouco há uma norma internacional que unifique critérios, o incauto que deseja ordenar essa oferta começa a se perguntar: um hotel cinco estrelas tem de oferecer

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TV a cabo? Banheiro azulejado? Secador de cabelo? Hoje, cada país tem sua própria regulamentação que, em muitos casos, é voluntária e que, por isso, tampouco é levada muito a sério pelos empresários do setor. Quem ganha com isso são as redes internacionais de hotéis que, com a força de sua marca, promovem a qualidade de serviço que o número de estrelas já não garante. Por isso, vale lembrar: a União Europeia conseguiu criar um sistema integrado de classificação de sua hotelaria. Graças a isso, o que é chamado de residencial na Espanha também o é na Alemanha. Em dezembro de 2009, as associações hoteleiras de sete países da Europa – Alemanha, Suíça, Holanda, Áustria, República Tcheca, Suécia e Hungria – adotaram um novo sistema de classificação, o “Hotelstars Un ion”. M a is u m esforço patrocinado pelo Hotrec (Hotels, Restaurants & Cafés in Europe) para oferecer aos hóspedes informações transparentes e fiáveis. Só para se ter uma ideia, esse sistema foi elaborado com base em 270 critérios, estabelecidos a partir de uma pesquisa sobre o que os clientes mais valorizavam em sua estadia. Dessa forma, oferecem informação sobre qualidade que é objetiva, passível de consulta e de comparação. Agora, espera-se que o mesmo sistema seja replicado em nossa região, iniciativa impulsionada sobretudo por representantes do setor que operam no Chile, na Colômbia e na Argentina. Enquanto não se avistam resultados concretos, entretanto, penso que até Galilei desistiria do exercício de adivinhar o que há por trás das estrelas de um hotel latino-americano.


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