TRAVESSIA PICI - Diário de Bordo

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DIARIO DE BORDO



Campus do Pici, Instituto de Cultura e Arte 29 de agosto, 2017


Equipe: AnA EdmĂŠa Elias Marcia de Lima Raul Soagi Rodrigo Lopes Sandra Lemos Silvia Roque



foto


SUMÁRIO

1. COMO SURGIU O TRABALHO?

2. AS VISITAS

3. REENCONTRO COM A COMUNIDADE

4. NOSSOS RELATOS

5. OS MAPAS



1. COMO SURGIU O TRABALHO?


OM TOSA

PARQU

foto

AM FUR

PICI

BELA VISTA PAN AMERICANO

CO FERNA


E

no nosso grupo não foi diferente: eu, a Silvia e o Raul queríamos fa-

zer algo mais próximo à arte (na verda-

T 31/08 Sobre a disciplina, nosso encontro e os desejos de cada um

de, desde o outro semestre que a gente

odo 6º semestre, a cadeira de Labo-

vinha conversando sobre). A Márcia, a

ratório de Publicidade traz um desa-

Ana e a Sandra também eram um gru-

fio pros novos alunos: fazer uma campa-

po, mas eu nunca tinha trabalhado com

nha publicitária ou outra ação que seja

elas. Então nossa formação acabou

diferente do que já foi feito por outras

sendo bem mista, algo que ficou mais

turmas. Eu, particularmente, não queria

evidente na reunião para debate dos

fazer campanha nos moldes tradicionai

possíveis temas.

e a Glícia (professora) já estava propondo outras formas de trabalhar publicidade pras turmas anteriores: já tinham rolado entrevistas com vendedores do

C

ada um tinha uma ideia distinta, mas com uma coisa em comum: a

gente queria mesmo era sair da univer-

Centro, discussão com alunos da escola

sidade pra conhecer pessoas e nada

Adauto Bezerra, entre outras atividades.

de campanha. Era isso. Ouvir o que elas

O problema é que todos chegam com

têm a dizer, falar sobre, conversar mais,

ideias diferentes pra fazer.

construir algo… enfim, muita coisa pra ser feita! Daí, resolvemos escolher um lugar pra visitar e conhecer mais, pra saber o que a gente podia criar lá. Daí que a gente pensou: como será se as pessoas daqui da comunidade do pici veem o campus? A gente estuda ao lado deles, mas nunca foi lá. Foi então que decidimos: vamos à comunidade do Pici! Mas... fazer o quê? Ou melhor, por onde começar?



04/09 As referências (visuais, artísticas, conceituais) para o trabalho

N

E

uma maneira bem diferente, pensando a

curso de Geografia, deu uma ideia que

acontecido em comunidades e como ti-

escrita com a luz e outros objetos e como

se encaixava com a questão dos co-

nha sido feita essa abordagem. Mas uma

ia ser incrível… mas aí, a Glícia, como boa

nhecimentos: mapear o bairro Pici para

coisa que não saia das nossas cabeças

desafiadora que é, colocou algumas

conhecê-lo e encontrar os lugares onde

eram as oficinas artísticas pra tentar

questões que não tinham surgido no

se guardam os saberes da comunidade.

perceber que pontos em comum poderí-

grupo ainda como, e se eles já souberem

E isso incluiria as mais variadas possibi-

amos encontrar entre os cursos do ICA e

tudo o que a gente quer ensinar? E se lá já

lidades como manifestações artísticas,

a comunidade.

rolarem cursos de fotografia e das outras

culturais, pontos gastronômicos, grupos

linguagens que estamos pensando? De

de dança, de teatro e o que mais a gente

que maneira nós, universitários, vamos

encontrasse. A partir disso, já tínhamos

chegar na comunidade? Questões sérias

uma direção para buscar referências de

que nos fizeram repensar o nosso lugar

projetos com comunidades nas platafor-

de privilégio e a maneira como ia aconte-

mas que achamos interessantes como

cer tudo, desde as primeiras visitas até às

Behance e Pinterest.

inguém entre a gente tinha trabalhado com essa proposta, então sa-

ímos procurando projetos que tivessem

u ficava imaginando como ia ser chegar lá e ensinar fotografia de

oficinas. Essa ideia da universidade como um lugar do saber e do conhecimento esconde uma série de problemas quando vemos, por exemplo, que os saberes que não são legitimados dentro dela são postos à margem.

A

Silvia, que estava fazendo uma cadeira de “Cartografia Social” no



05/09 Primeira apresentação da ideia para a turma

N

esse dia, assim como os demais, apresentamos nossa ideia pra tur-

ma e as referências que coletamos. Glícia nos passou ainda outras referências.

A

ideia ainda estava bem generica, mas uma coisa já sabiamos: vamos

trabalhar nas comunidades do Pici. Esse universo desconhecido, separado de nós por muros, poderia agora se tornar proximo. Após explicarmos nossas motivações chamamos dois voluntários da sala para uma pequena dinâmica. Monalisa e Gabriel se dispuseram a participar, foram à lousa e pedimos que eles desenhassem um mapa do Pici, com tudo o que eles conheciam do bairro.

O

resultado foi que ambos desenharam com detalhes o Campus da

UFC, enquanto as comunidades foram representadas por pequenas casas. Assim como eles, a grande maioria de nós, alunos, também não sabemos ao certo o que existe para além dos muros da UFC.



2. AS VISITAS


05/09 Visita ao Museu da Boneca de Pano (Liduína)

N

um pequeno alpendre onde fica a placa

veis e outras obras desenvolvidas por ele.

de madeira indicando o nome do lugar.

Infelizmente, o marido da Liduina está

A

pós a aula do dia 05, seguimos para

com alguns problemas de saúde e par-

o Museu da Boneca de Pano. O cui-

te da sua visão está comprometida, isso

dado que existe com a fachada do mu-

está impedindo a continuação do traba-

seu continua na parte de dentro,vimos

lho artístico dele no museu.

D

o dia 5 de outubro, conhecemos o

parte da coleção de bonecas, o pouco es-

Museu da Boneca de Pano, um pro-

paço não permite que todo o acervo seja

jeto voltado para a conservação da arte

exposto. Diante da coleção, nosso primei-

da boneca de pano. Lá, além da exposi-

ro instinto foi tocar nas bonecas, sentir a

oferecer uma oficina de boneca de pano,

ção do acervo, são oferecidas oficinas de

textura dos materiais que as compõe e

ministrada pela bonequeira Liduina. Du-

boneca de pano, percussão, mamulengo

dar uma volta pelo espaço. Depois desse

rante outras de nossas visitas, entramos

e perna de pau. Essas oficinas não são

momento, sentamos para conversar. Li-

num processo de aprimorar a ideia dessa

oferecidas constantemente, dependem

duina foi muito receptiva e falou bastante

oficina, planejar materiais e cronogra-

dos recursos disponíveis e da formação

sobre o funcionamento do espaço e dos

ma. No entanto, algumas mudanças ao

de um grupo interessado em participar.

prazeres e dificuldades de lutar pela exis-

longo do trabalho nos fizeram desistir da

em, no dia 05 de outubro foi a pri-

tência daquele espaço na comunidade.

realização dessa oficina, questões de or-

meira vez que entramos no museu,

Nossas perguntas eram muitas, é engra-

çamento também foram determinantes

mas uma semana antes já tínhamos feito

çado como a resposta para uma questão

para isso.

nosso primeiro contato com a Liduina Ro-

pode gerar mais perguntas.

B

drigues, que é a fundadora e responsável pelo museu. Nossa intenção, já nesse dia, era entrar e conversar sobre o projeto,

C

omo já disse, a arquitetura do museu

urante nossa conversa falamos do trabalho que planejávamos fazer na

comunidade e ficamos interessados em

A

pesar dessa mudança de percurso, o Museu da Boneca de Pano foi um

é muito interessante, logo pergunta-

dos lugares mais fascinantes que co-

mos quem era o responsável por planejar

nhecemos na comunidade, não dá para

mas o museu estava no final de uma re-

e desenvolver toda aquela estrutura. Sin-

esquecer a casa mais colorida da rua, a

forma e só tivemos a chance de conhecer

ceramente, pensei que aquilo era fruto de

casa onde vivem as bonecas. Liduina nos

o museu por dentro na semana seguinte,

uma parceria com algum arquiteto ou

indicou outros pontos de contato no bair-

no dia 05.

designer interessado pela singularidade

ro que ajudaram no desenvolvimento da

pesar de naquele dia só termos ido

do projeto, mas não, toda aquela arquite-

nossa travessia. Inclusive, ela nos indicou

até a porta, a fachada já prendeu a

tura era obra do marido da Liduina, que

a Maria de Jesus, professora da EJA que

nossa atenção por um bom tempo, era

não tem nenhuma formação acadêmica

foi fundamental para a nossa aproxima-

realmente a representação da entrada

nesse sentido. E a contribuição dele não

ção da Escola Adroaldo Castelo Teixeira.

de uma casa de boneca, colorida e com

é “só” essa, também vimos quadros, mó-

A




13/09 Visita à escola municipal Adroaldo Teixeira Castelo (Solange e cordenadores)

C

hegamos na escola através do con-

de cabelos claros. De relance ela pas-

sobre a proposta de oficinas e dos vários

tato que Liduina nos passou a pro-

sa os olhos por sobre a Ana que estava

objetivos que borbulhavam nas nossas

fessora Digé. Estávamos em cinco, só fal-

sentada no chão e pergunta: tu estudou

cabeças. Aline, uma das coordenadoras,

tou a Silvia que estava viajando. A escola

no Nossa Senhora das Graças? Ana res-

pensando em qual turma disponibilizar

fica próxima da saída da UFC, dentro de

ponde positivamente. Se reencontravam

pra nós, nos alertou para os cuidados em

um terreno enorme que segundo os mo-

ali, depois de mais de vinte anos, aluna e

se trabalhar com crianças caso esse fos-

radores pertence ao Dnocs. Quando

funcionária da escola.

se o público escolhido. E sinceramente,

chegamos ficamos sentados ali no pátio esperando alguém nos receber, naquele

A

desisti no momento que ela falou: fralda

primeira coincidência do encon-

suja de cocô. Restou a nós as turmas da

tro foi muito feliz, Solange agora é

EJA, idosos e adultos que trabalhavam

confusos quanto a definição do nosso

diretora recém empossada da escola

durante o dia e a noite estudavam. Muitos

objetivo principal. Havia um mundo de

Adroaldo e Ana uma universitária em

ainda em fase de alfabetização.

possibilidades se abrindo dentro daque-

fase final do curso. A segunda também

la comunidade e a gente queria agarrar

foi muito feliz e curiosa. Solange havia

tudo, porém, com o passar do tempo a

falado a poucos dias entre os coordena-

gente percebeu que não tínhamos per-

dores a vontade de trazer a universidade

nas pra isso.

para dentro da escola, e vejam só! Pouco

gação. Ser bem recebido em um lugar

tempo depois lá estava a gente, unindo

onde você é o estranho fez toda a dife-

entados no chão, ora observando o

a vontade da escola de criar um vínculo

rença nesse trabalho.

movimento dos alunos, ora discu-

e a nossa de estar mais próximo da co-

tindo os planos do trabalho, ficamos até

munidade. A empolgação da direção que

passar por nós uma senhora magra, alta

nos recebeu nos animou muito. Falamos

momento do trabalho ainda estávamos

S

E

sse foi o primeiro encontro de outros mais que tivemos com a escola, mas

que alimentou ainda mais nossa empol-


15/09 Reunião com as professoras e professores da EJA

H

oje foi uma noite importante para os rumos do nosso trabalho: nossa

primeira reunião com todas as professo-

A

reunião foi ótima. Os professores gostaram bastante da proposta, in-

clusive já trabalhavam atividades artísti-

ras e professores da EJA. Confesso que

cas com os estudantes, como releituras

estava bem nervoso para falar sobre as

de quadros, bordado e desenho. Entre-

nossas propostas, porque se elas e eles

tanto, a professora Maria de Jesus (Dejé)

não gostassem da ideia como a Solan-

alertou a gente pra uma peculiaridade

ge gostou, tudo ia mudar, né? Então, pra

da EJA: além do diploma, os estudantes

gente se acalmar, fomos beber no Pici.

tem várias outros motivos pra estar lá

A

caminho da escola, o Raul já vinha sugerindo que nosso processo não

se limitasse ao trajeto UFC-Escola, mas se expandisse pra conhecer o entorno do bairro. Juro que a gente tentou só comer um lanche numa padaria pertinho, mas acabamos na mesa de um bar (quase) vizinho da escola. Claro, nada de esticar muito pra não chegar com bafo e pegar mal pra gente. Só o suficiente pra se conhecer mais, saber como a semana tava sendo, falar de porres, festas…

como, tirar carteira de motorista, ler a bíblia, entrar na faculdade e conseguir um emprego melhor. Segundo ela, seria muito bom se as oficinas ministradas tivessem um viés mais profissionalizante, pra que eles pudessem ganhar alguma renda com o que fosse ensinado.

A

s demais professoras concordaram com a sugestão, o que nos

colocou numa situação delicada, já ninguém tinha pensado nessa possibilidade. Voltamos pra casa com a promessa de analisar se seria possível fazer isso. Mas como?



22/09 Visita ao GDFAM (Grupo de Desenvolvimento Familiar)

N

a manhã de uma sexta-feira estacionadas em frente ao Centro Ubuntu de Arte Negra, eu, Ana e Sandra

esperávamos pelo encontro com mais um representante do Planalto Pici. E lá vinha ele, de sol no rosto e bengala na mão lá vem o Francisco na Francisco, que é o santo e a rua ao mesmo tempo. Nos levou a uma casa duplex de portão largo, é onde funciona a biblioteca do GDFam (Grupo de Desenvolvimento Familiar). De paredes decoradas por artes de crianças e fotografias de todos que ali ajudaram e contribuíram, principalmente as irmãs que tanto sentimento de saudade causa ao nosso novo ami-


go, a biblioteca abriga algumas estantes

e umas fatias generosas de bolo mole.

mento de Cristo. E as estações simbolica-

com diversos livros doados. Ali durante

Brindamos com café e continuamos a

mente eram casas de famílias com mães

três dias da semana as crianças recebem

conversa. Seu Francisco conta sobre o

que tiveram seus filhos assassinados,

conhecimento através da arte educação

início da comunidade feita por ocupa-

alguns de forma muito violenta, eu diria

e lanche complementar.

ção de terrenos que antes eram grandes

medieval como foi a morte de um adoles-

eu Francisco nos revelou ser um ho-

sítios e do início do GDFam que surgiu

cente por apedrejamento. Ali meus olhos

S

mem de luta, um morador da perife-

graças ao trabalho das irmãs religiosas

marejaram, imaginei a forte emoção da-

ria preocupado com a questão das ZEIS

missionárias de Nossa Senhora. Naquela

quele momento quando Seu Francisco

(Zonas Especiais de Interesse Social) da

tarde ouvimos muitas histórias, mas uma

falou que a mãe chorava desesperada-

cidade, e do deslocamento do posto de

que me emocionou muito foi a história da

mente relembrando o fato. Acho que ali

saúde do Pici em que a Prefeitura preten-

Via Sacra. Feita pela CEB (Comunidades

no sofrimento ela era o próprio Cristo.

de instalar um novo Cuca (Centros Urba-

Eclesiais de Base) em uma comunidade

nos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte)

diferente a cada ano, o Planalto Pici foi

sem dialogar com a comunidade.

o escolhido do ano de 2016. A Via Sagra

E

E

foi assim que eu conheci esse amigo, que eu agora admiro e foi tão gene-

roso em abrir suas portas pra um grupo

m um certo momento a conversa é

se dava pela passagem de um grupo em

de estudantes que nunca viu na vida e

interrompida por seu Leonor, o po-

celebração por pontos que significassem

que me transmitiu tanta fé na humani-

eta, que nos traz uma garrafa de café

naquele momento as estações do sofri-

dade.

divulga, encontramos um grupo de seis

assunto que reuniria representantes das

adolescente discutindo política. Sim, eles

comunidades de Fortaleza.

22/09 Visita ao MEP (Movimento de Engajamento Político)

discutem e questionam o cenário político nacional e local e tentam passar esse conhecimento para os moradores de uma

A

pedido do Seu Francisco fomos conhecer um grupo de adolescen-

tes que naquele mesmo dia da visita ao GDFam estavam reunidos em sua sede. Há duas ruas de onde estávamos ficava a casa que acolhe o MEP (Movimento de Engajamento Político). E olha só que coisa rica, dentro de uma periferia tão estigmatizada pela violência que a mídia

S

enti na voz daqueles jovens, cada um de uma comunidade diferente de

Fortaleza, a força e a vontade de mudar

forma acessível, com uma linguagem em

o mundo. Me senti culpada por não ter

que aqueles que pouco estudaram consi-

tido aquela vontade de lutar como eu

gam entender.

via neles. Alguns vinham de lugares tão

O

rientados por um membro da or-

longe, andando a pé ou de transporte pú-

ganização O Pequeno Nazareno o

blico, poderiam como adolescente que

MEP estava ali naquele momento envol-

são estarem gastando seu tempo com

vido com a causa da ZEIS (Zonas Espe-

diversão. Mas não, eles estavam ali lutan-

ciais de Interesse Social) que em poucos

do pra defender o direito e o bem do seu

dias haveria uma grande reunião sobre o

lugar.


28/09 Visita ao Centro Ubuntu de Arte Negra (Leonor)

N

a tarde do dia 28, 14h, mais uma visita estava marcada. Chegamos na

casa do Sr. Leonor e o acompanhamos até o Centro Ubuntu de Arte Negra, que fica próximo da casa dele.

N

onde nasceu.

S

eu Leonor ficou emocionado quando leu esse poema, relembrou sua che-

gada aqui em Fortaleza há tantos anos atrás e também de alguns dos primeiros

ós já conhecíamos o Sr. Leonor, nos-

trabalhos na cidade. O desenvolvimento

so primeiro contato com ele aconte-

do seu trabalho comunitário foi outro as-

ceu na primeira visita ao GDFAM, através

sunto conversado, além das suas viagens

do Sr. Francisco.

para outros estados e suas poesias. Uma

O

Sr.Leonor é poeta e também tra-

das poesias que o Sr. Leonor destaca é a

balha com a venda de merendas.

que fez sobre a vida do mártir Frei Tito,

Nunca deixa uma conversa parada, um

entre as suas poesias, a mais elogiada e

assunto sempre puxa o outro, ele com-

com maior repercussão.

partilha com orgulho sua grande vivência comunitária. O poeta nos convidou para conversar em sua sala, a qual ele chama

F

ilmamos alguns trechos da conversa e tiramos fotos. Ao final do nosso

encontro, o poeta Leonor gentilmente

de escritório, e mostrou seus diversos

nos ofereceu um lanche. Por fim, combi-

certificados e também um painel com o

namos uma outra visita ali e nos despe-

poema feito por ele mesmo sobre a casa

dimos.



29/09 Encontro com a professora Luciana sobre Arte e Educação

N

a sala mais legal que eu já vi dentro

feitos com folhas de árvores, sementes,

do Pici, o Pici dentro da cidade e a cidade

dessa UFC, na Faculdade de edu-

linhas, tintas e outros materiais que não

no mundo.

cação, foi o nosso encontro com Luciane Goldberg, a professora Lu. Com um jeitinho agitado, cabelo colorido e piercings que não lembro mais onde. Foi assim que

lembro.

N

os falou sobre mapas afetivos, de experiências com crianças mape-

L

u nos abriu os olhos para trabalhar com o que a gente tem, com o que é

viável. Ela notou que nós estávamos um

ando espaços, dos espaços vazios, do

pouco perdidos, tentando abraçar tudo

conhecemos a arte educadora que nos

espaço UFC, falou da cidade e de como

mas por sua experiência nos mandou a

daria uma luz na caminhada do que seria

nós não conhecemos nosso próprio lu-

real de que deveríamos reduzir a quan-

mais tarde a Travessia Pici.

gar. E dos mapas a orientação foi que

tidade de oficinas. E ela estava certa, no

spalhados por cima da mesa, produ-

nas oficinas tentasse-mos passar para

final conseguimos realizar a oficina para

E

tos de uma disciplina ministrada por

os alunos o que é um mapa, pra quê ele

duas turmas mas que nos proporcionou

ela. Eram retratos dos alunos feitos com

serve, os diferentes tipos, os trajetos den-

uma experiência maravilhosa.

materiais alternativos. Traços dos rostos

tro dele. Localizar a comunidade dentro


29/09 visita ao ESCUTA (Espaรงo Cultural Frei Tito de Alencar)



03/10 Reunião para debater sobre as visitas feitas (Glícia)

A

pós o almoço nos encontramos com a professora Glícia na cantina

da Geologia. Nesse momento, todos os membros da equipe estavam presentes e esclarecemos como estava o processo de mapeamento dos pontos culturais e de saber da comunidade.

A

té aqui, nosso objetivo era selecionar moradores do bairro para mi-

nistrar as oficinas para os alunos da EJA. Uma das oficineiras seria a Liduina, ela inclusive já tinha nos passado uma lista de materiais necessários e quanto cobraria. O orçamento da primeira oficina já estava além do valor que planejávamos gastar em todo o projeto, e queríamos realizar quatro oficinas diferentes



11/10 ReuniĂŁo sobre o video-mapping (David LeĂŁo)


20/10 Apresentação da Identidade Visual do projeto para a turma

C

aminhar, bordar, escrever à mão,

foi bordando coração paraum continuar. mapa. Que não à toa se

desenhar mapas... o que tem em

parece a um coração humano.

comum essas ações é que todas essas provem das linhas, porém não são linhas retas, elas podem derivar sobre a sua su-

N

ossa logo tem esse ousado objetivo de refletir o que o bairro de Pici é, um

coração vivo, que enquanto mais você

perfície. Foi assim que a gente descobriu

pode se aproximar, mais pode dar conta

qual seria base da nossa identidade visu-

da grandeza da sua gente, da vontade de

al. Linhas.

ser feliz. E digo ousado porque essa imen-

Q

uando pedíamos que as pessoas

sidade de coração e calor humano difi-

traçassem seus próprios mapas,

cilmente pode ser enxergada e resumida

deparava na diversidade de linhas que

numa logo ou numa simples paleta de cor

eram feitas à mão, traços grossos, finos,

ou numa tipografia.

arredondados, emaranhados, leves, duvidosos, firmes, carinhosos, audaciosos... enfim cada pessoa tinha um estilo para

M

ais do que explicar um manual de identidade visual, acho que escre-

vo para expressar a quantidade de sen-

inscrever a forma dos seus territórios. Foi

timento que foi inscrito nesse mapa, por

essa a inspiração do nosso mapa das

parte de todos os integrantes da equipe,

comunidades, que embora as linhas não

que entrou no jogo com altas doses de

aparecem para delimitar exatamente

paixão por querer fazer alguma coisa que

cada espaço, elas aparecem para dar

além de apresentar um produto na disci-

sinal que existem mais nomes do que Pici

plina. Ainda tem muitas ações que tivés-

no mapa.

semos gostado de fazer mas sinto que

A

diferença de uma linha reta, com um

esse projeto foi uma provocação para os

início e fim bem definido, a gente co-

membros das comunidades também, de

meçou esse projeto com uma linha à deri-

lembrar quanto rico é seu bairro, que ape-

va, que queria costurar dois espaços que

sar das dificuldades o grupo de maraca-

até agora estavam muito distantes: O ICA

tu continua, o seu Leoma ainda escreve

e o Pici. Deste modo este diário de bordo,

poesia, a dona Lucia ainda organiza o

queria representar esse nosso percurso

reisado... A linha de bordado não termi-

dia por dia, que pontada traz pontada

nou, e acredito que eles têm o suficiente


Agora vocĂŞ esta aqui

e ud Aç de a mi no ro Ag

Campus

do Pici

Travessia Pici Cartografias do outro

como enxergavamos antes

trata-se de pintar um mapa

Naming - Id. Visual A forma de do mapa se asemelha a um coraçao

Baseado no mapa do pici



3. REENCONTRO COM A COMUNIDADE


26/10 Entrevista com Seu Leonor (poeta)

S

eu Leonor foi nosso primeiro entrevis-

da comunidade Margarida Alves e muito

onde acontecem as reuniões da comu-

tado. Falante como sempre o poeta

mais.

nidade e revela não ter nem ele, nem a

da comunidade, sempre acolhedor, preparou antes da nossa chegada o seu “escritório”. Com todo cuidado espalhou por cima de uma bandeira enorme do Grito

O

poeta que assina Aleoma, diz que

comunidade uma relação mais próxima

estudou pouco, mas se dedicou

com sua vizinha, a universidade.

muito, superou as dificuldades de quem veio do interior sem muita instrução. Tem

É

um senhor de riso fácil, gosta de cantar suas composições e chama

a gente pra roda, de mãos dadas, canta-

dos Excluídos seus diplomas como ele

orgulho do livro que escreve, com o apoio

mesmo chama das diversas atividades e

de uma pessoa, sobre sua própria histó-

mos juntos com ele. Nunca nos recebeu

cursos que fez na vida.

ria. Dá conselhos e diz que o jovem não

sem nos oferecer uma merendinha, seja

ua fala é comprida, quando começa

deve sair de casa, deve se aquietar e ficar

um suco ou “bate gute” com bolacha. E

a falar não acaba mais, ainda mais

em casa que é mais tranquilo do que ficar

sempre se despediu com achando que

quando tem quem o escute. Fala do seu

na rua. Pra ele a violência está em todo

foi pouco o tempo pra conversar.

livro, da CEB, das viagens e andanças,

lugar. Demonstra afeto por aquele salão

S


26/10 Entrevista com Seu Franscisco (GDFAM)

J

á era tardezinha quando começamos

e até parece que perde a hora quando

a gravar a entrevista com o Seu Fran-

começa a falar para quem se interessa

cisco. Sempre solicito e acolhedor com a

sobre o seu lugar. Ele não quis só contri-

gente, se desculpa pela voz fanha mas se

buir com sua fala, quis também compar-

sai muito bem na câmera. Homem com-

tilhar as inúmeras fotos que a história do

promissado com as causas sociais, nos-

GDFam tem, quis ver o resultado e quer

so personagem sempre tem outras reu-

ainda continuar essa Travessia que não

niões mas nunca nos deixou de atender

para aqui com a gente.



28/10 Entrevista com Carlos Brito (Maracatu Nação Pici)

N

ada de dormir até tarde no sábado. Depois de duas tentativas, finalmen-

te conseguimos marcar com o Carlos

N

ão demorou muito e o Carlos chegou pra nossa entrevista. Foi in-

crível ouvir aquele artista falar sobre a

Brito, fundador do Maracatu Nação Pici,

importância do Maracatu na vida dos

num dia que várias pessoas podiam ir. A

estudantes que passavam pelo projeto,

Márcia e a Ana já tinham feito várias en-

sobre um processo de empoderamen-

trevistas, mas essa era a minha primeira.

to que não se limita à gírias e bordões,

Chegamos na escola cedinho de manhã

mas que transforma as pessoas através

e como não vimos o Carlos, ficamos es-

das histórias de luta e resistência das

perando ele perto do ateliê, que fica den-

negras e negros do nosso país. E não

tro da escola.

foi preciso vir alguém da academia tra-

O

zer esses “conceitos” pra ele: foi a vida

corredor que leva ao ateliê, que

que ensinou. Pra mim, isso desloca a

normalmente

trancado,

figura do universitário ou daquele que

estava aberto. Enquanto as meninas li-

“tem o saber” do lugar de certa “autori-

gavam pro Carlos pra saber se já estava

dade” pra um lugar mais horizontal, de

por lá, eu fui entrando pra ver se tinha al-

co-construção. Sinto que ler não basta

guém que pudesse dar essa informação:

pra aprender-ensinar alguma coisa e é

o corredor estava cheio de adereços,

preciso algo mais. Não sei bem o que é,

asas de pena, com direito à bastante bri-

mas suspeito que experimentar no cor-

lho, cores e o mais lindo: tudo feito com

po (com outros corpos) aquilo que leio é

muito tempo e cuidado, como falaram

um bom começo.

ficava

pra gente dois artistas do Maracatu Nação Pici que estavam lá. Eles começam o trabalho meses antes dos ensaios limpando o espaço e organizando as vestimentas (que não são poucas).


30/10 Entrevista com Dona LĂşcia (Escuta)




31/10 Dia 1 - Oficinas com os alunos da EJA

F

O

S

a turma dela. Todo mundo estava can-

rapazes, inclusive duas delas eram mãe

do num lugar propriamente dito como

sado das aulas e estágios, mas quando

e filha. Conversando sobre o tema, acor-

uma delegacia ou um posto policial,

a gente entrou na sala, a energia me-

damos de primeiramente listar os luga-

mas sim numa palavra-chave. Aprovei-

lhorou 100%. Fomos apresentados pela

res em papel pra depois imaginar onde

tei a deixa e perguntei a eles que signifi-

Maria de Jesus e em seguida, explica-

eles ficariam no bairro, mas logo me de-

cado tem “segurança” e o que recebi de

mos como ia ser a atividade: a sala seria

parei com um detalhe: dentro dos níveis

respostas foram histórias. As mulheres

dividida em três grupos, em que cada

de ensino da EJA, o segmento 3 é com-

logo falaram do quão perigoso pra elas

um preencheria seu mapa do Pici com

posto de pessoas que ainda estão em

é andar em certos lugares do bairro. Um

pontos relacionados à três eixos: lugares

processo de aprender a ler-escrever, ou

dos rapazes falou que tinha muito “va-

de cultura, lugares de fé e lugares que

seja, poucos sabiam como era a grafia

gabundo”, mas que polícia sempre “dá

queriam que existissem na comunidade.

“correta” das palavras, o que transfor-

um jeito” neles. Mas um outro falou que já

mou o exercício introspectivo da ativida-

foi abordado pelo Raio às 6h da manhã,

de numa conversa sobre letras e regras

saindo pra trabalhar: a moto estava do

da gramática e da vida. Relendo aqui as

lado de fora e só faltava trancar o cade-

respostas dadas por eles, percebo que

ado pra sair. Quando se virou, uma arma

muita coisa estava relacionada à servi-

apontada bem no rosto e uma ordem

ços básicos que deveriam ser promovi-

gritada fizeram ele colocar as mãos na

dos pelo Estado, como postos de saúde,

cabeça pra os policiais fazerem o “ba-

praças públicas e segurança.

culejo”, a revista rotineira. E isso não

inalmente, o primeiro dia da oficina! Como a gente tinha um contato

mais próximo com a Dejé, a primeira foi

grupo que fiquei guiando pontuou os lugares que eles queriam que

tivessem. Na mesa, tinham mulheres e

egurança é com S ou com C?” perguntaram. Respondi e fiquei pen-

sando o porquê de não estarem pensan-

aconteceu só uma vez. Pesou perceber o lugar de privilégio que eu e muitos outros estudantes da UFC temos em fazer nossos rolês, beber e fumar sem sermos interceptados

gratuitamente

aquelas pessoas.

como


01/11 Dia 2 - Oficinas com os alunos da EJA




07/12 Apresentação do “Travessia Pici” para à escola Adroaldo Teixeira Castelo


12/12




4. NOSSOS RELATOS



Ana Edméa



Márcia de Lima

D

uas palavras pra mim definem o Pici nessa imersão: receptividade e luta.

Receptividade por ter sido tão carinhosamente recebida por pessoas antes desconhecidas. Me fizeram sentir como se eu fosse um parente que quando chega de longe a gente serve aquele cafezinho e puxa uma cadeira pra conversar. E a conversa foi boa, as surpresas melhores ainda. Eu nunca que esperava ver tamanha diversidade de expressões naquele lugar. Gente, o que é aquele maracatu lindo de encher os olhos? E esse povo tão consciente de si, do outro e do seu lugar? É por isso que eu os considero de luta. Porque não abaixam a cabeça e não sentem medo.

Q

uanta esperança eu vejo nos olhos de D.Lúcia pedindo com insistência

para não esquecê-los.



Raul Soares


Rodrigo Lopes

D

esde o começo, senti a proposta como um grande processo: não im-

portava tanto o produto final desde que,

T

udo bem porque fracassar faz parte do processo e nos leva a lugares que

a gente não imagina, porque vi pessoas

O

cenário político brasileiro atual é grave e me assusta pelos seus

retrocessos em várias áreas, principal-

ao longo do caminho, algo mudasse.

conhecerem lugares do seu bairro que

mente da educação. O projeto político

Não só em mim, porque seria muito pou-

não sabiam que existiam, porque vi que

da Escola Sem Partido, a criminalização

co, mas também nas pessoas do meu

o bairro Pici é muito mais que o que a vio-

de posicionamentos ideológicos dos

grupo, nos alunos da EJA, nas profes-

lência que os programas de TV não can-

professores, as falsas acusações contra

soras enfim, se pelo menos uma pessoa

sam de replicar, assim como acontece

artistas, o reitor da UFSC que foi “encon-

sentisse algo que mudasse sua maneira

em outros bairros periféricos, confirmei

trado morto” com um bilhete… aqueles

de ver o bairro, já seria tudo. E pra isso,

que o tratamento que a polícia dá pra

que temem a construção da nossa auto-

pensamos em alguns meios como, fazer

quem mora nas comunidades não é o

nomia estão usando de sujas e espertas

uma exposição no ICA com as criações

mesmo que dão a quem anda pelo Ben-

estratégias para nos intimidar, mas não

dos estudantes e nossas, instalação de

fica e conheci muita gente que faz um

podemos voltar atrás naquilo que acre-

videomapping com as entrevistas, pa-

trabalho árduo, sem holofotes, nesses

ditamos, no que aprendemos quando

lestra com o pessoal da escola… mas

lugares por não se contentarem com a

abrimos mão do poder sobre o outro, co-

nada disso aconteceu. E tudo bem.

realidade que tentam impor a eles. Gen-

-construindo uma visão de mundo para

te de muita garra como a dona Lúcia que

todos, assim como esse livro escrito com

está há quase vinte anos fazendo arte-

várias vozes, com várias mãos. Esteja-

-educação quase que sem apoio algum

mos atentos e unidos, apoiados uns nos

do governo, mas com ajuda de quem

outros. É isso que me dá forças para se-

chega junto, que não são muitos. O que

guir acreditando na educação.

me importa é quem esse trabalho pode ajudar. É aproximar a universidade da comunidade até onde meus braços podem ir, convidando outros a se juntarem nessa jornada.




Sandra Lemos



Silvia Roque

Resumir em letras o que foi meu encon-

É importante por isso que nós desenhe-

Com várias dificuldades acho que con-

tro com a equipe de trabalho e com a

mos e abramos nosso mapa além do

seguimos desenhar com eles, o mapa

comunidade do Pici, é apenas pouco,

território conhecido. Como estudante de

tomou forma através das falas deles, do

para o todo o meximento emocional

publicidade e comunicação acho vital

que mais foi relatado. Cada um aportou

que experimentei. Nunca antes havia me

esta experiência para humanizar as pes-

com sua pontada no bordado no mapa.

aproximado num bairro, aonde a violên-

soas. Porque n vezes escutei a palavra

Apesar da frustação que as vezes sentia,

cia era uma realidade na cara. Ouvir nas

público alvo, nível socioeconômico, que

posso dizer que estou feliz, talvez não

oficinas, que os estudantes não podem

embora podem ser utilizadas como indi-

vamos a mudar toda a situação das

ficar muito tarde porque podem levar um

cadores só de ponto de partida, na sua

problemáticas do Pici, porem as grandes

tiro, nas zonas de enfretamentos... Foi

maioria são utilizadas para classificar

afeções foram entre nós, no gesto de

muito além do que conseguiria explicar.

as pessoas e congela-las e não assumir

conhecer ao outro e acho que isso vai

Conhecer ao outro me levou muitas

outras qualidades das subjetividades

ressoar na minha vida. Para mim foi um

vezes a um estado de frustração e foi

delas. A gente não queria continuar essa

presente todo este caminho e fico grata

complicado lidar com essas situações.

metodologia, é por isso que no inicio foi

com todos os membros da equipe e

Porem acho que também senti amizade,

difícil definir um objetivo, porque não

cada uma das pessoas que conheci na

carinho, gratidão e admiração. Nas co-

queríamos que o objetivo provenha de

comunidade de Planalto Pici.

munidades de Pici existem mais contos

nós, mas que fosse uma construção com

do que falar, a violência é só uma e a his-

eles. Queríamos muito saber como é que

tória desse bairro não pode ser reduzida

nós podíamos ajudar e complementar

a esse discurso de medo.

do que levar uma imposição.



5. MAPAS













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