VOX OBJETIVA 51

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Setembro/13 • Edição 51 • Ano V - Distribuição gratuita

Tião Rocha — a cidadania pela educação

SESC Cia. de dança clássica e contemporânea

Pedala BH? Inseguras e polêmicas, ciclovias irritam motoristas e amantes da bicicleta. Para quem pedala, as faixas ‘ligam nada a lugar nenhum’ |1


MINAS GERAIS.

Acervo Setur-MG

UM CONVITE AO PALADAR.

Minas tem belezas que encantam e sabores que conquistam. Aqui, a culinária histórica se mistura com o novo. É o encontro da tradição com a modernidade, ingredientes únicos que fazem com que uma visita ao estado se torne ainda mais gostosa. Conheça todos os sabores de Minas e não deixe de oferecer este verdadeiro presente ao seu paladar.

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W W W. M I N A S G E R A I S. C O M . B R


Olhar BH

Cidade neoclรกssica - Praรงa da Liberdade Foto: Jรกder Rezende |3


Editorial Nós exigimos...

Carlos Viana Editor Executivo carlos.viana@voxobjetiva.com.br

“... O povo que conhece o seu Deus se tornará forte e ativo.” (Daniel 11:32)

A Vox Objetiva é uma publicação mensal da Vox Domini Editora Ltda. Rua Tupis, 204, sala 218, Centro, Belo Horizonte - MG CEP: 30190-060

Exigir tem sido um dos termos mais ouvidos nos últimos meses, quando o assunto são manifestações públicas ou representativas de qualquer movimento social. O discurso vazio usado por lideranças sindicais ultrapassadas se tornou ainda mais comum depois das manifestações de junho. Na ocasião, o sonho democrático foi sufocado pela baderna, pela destruição do patrimônio público e por ameaças feitas a quem fosse contra a opinião dominante entre a massa de mascarados fora da lei. Exigir é um direito, quando está previsto na legislação. Se não for cumprido, cabe prisão para quem não obedece. Na maioria das vezes em que tem sido usada recentemente, exigência se tornou uma forma de relação sem diálogo. Assim, desejos e vontades de uma das partes se transformam em resposta obrigatória da outra. Exigir sem ter o embasamento legal é sepultar o diálogo e as várias formas de exercício da democracia. Na mesma esteira da imposição ideológica surgem também os famosos “profetas midiáticos”. São figuras com mandato político ou supostos especialistas, muito comuns de serem encontrados em jornais, rádios e tevês. Chamados a opinar, falam o que as pessoas desejam ouvir. Não o que elas precisam escutar. O resultado dessa falta de diálogo, somada às palavras fáceis de quem deseja apenas se tornar conhecido ou ganhar votos, leva a uma passionalidade que coloca em risco as melhores decisões para um país. A matéria de capa deste mês de Vox Objetiva é um bom exemplo do impasse e das insatisfações que surgem, quando a relação de troca de ideias e de conhecimentos deixa de existir. De um lado estão os que desejam uma mobilidade mais voltada para o exercício físico e menos para os carros. Do outro, uma prefeitura que precisa garantir o espaço para que motoristas e ciclistas convivam pacificamente. A questão não passa apenas pela pista exclusiva para ciclismo planejada no entorno da Lagoa da Pampulha. Está no desentendimento sobre como tornar viável um estilo de vida que interessa a um número cada vez maior de pessoas. Sobram acusações. Falta diálogo. Esse é um exercício difícil em culturas heterogêneas e com pouca vivência de respeito ao espaço público, como a cultura brasileira. Diálogo também deve ser exigência para os homens públicos, que não podem mais arrogar para si os destinos de um país, de um estado, de uma capital. Governar não é fácil. Exige tolerância, organização, visão comunitária e disponibilidade para ouvir. Na mesma proporção, quem governa precisa ter coragem para decidir o que seja melhor para a maioria. São tempos novos os em que vivemos. Se são mais fáceis ou difíceis, não há como comparar. Cada época tem suas razões. Mas haverá sempre princípios básicos que nunca podem ser deixados de lado: tolerância, respeito e desejo de colaborar pelo bem comum. Essas são as melhores maneiras de convivência e de encontrar soluções. Em duas ou em quatro rodas.

Editor: Paulo Filho | Editor Adjunto: André Martins l Diagramação e arte: Felipe Pereira | Capa: Felipe Pereira | Fotos de capa: Felipe Pereira | Reportagem : André Martins, Ilson Lima, Jáder Rezende, Lucas Fernandes, Paulo Filho | Correspondentes: Greice Rodrigues - Estados Unidos, Ilana Rehavia - Reino Unido | Diretoria Comercial: Solange Viana | Anúncios: comercial@voxobjetiva.com.br / (31) 2514-0990 | Atendimento: jornalismo@voxobjetiva.com.br (31) 2514-0990 | Revisão: Versão Final | Tiragem: 30 mil exemplares | voxobjetiva.com.br | 4 | www.voxobjetiva.com.br


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Nos últimos 10 anos, a Cemig, uma empresa do Governo de Minas, vem diversificando sua área de atuação. Pensando no futuro, investiu em energias renováveis, como a solar e a eólica, em programas de eficiência energética, na distribuição de gás natural, nas telecomunicações e em soluções em TI. Hoje, a Cemig é o maior grupo integrado de energia do Brasil. Um grupo de alcance global, com acionistas em mais de 40 países e há 13 anos no Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Presente em 23 estados brasileiros, no Chile e no dia a dia de 30 milhões de consumidores. E o mais importante, presente na vida e no orgulho de quem mais precisa: com a isenção do imposto estadual, a Cemig e o Governo de Minas garantem a tarifa reduzida para metade das famílias mineiras – número recorde no Brasil. Porque, para a Cemig, crescer não é só ficar maior. Crescer é aproximar.

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Sumário Paulo Filho

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Felipe Pereira

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Simo

Alex Lanza

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verbo

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TIÃO ROCHA O educador que constrói cidadania, quando os não objetivos são a referência

CAPA

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Metropolis

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NO SILÊNCIO DE CASA

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QUEM JULGA?

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Metropolis

20

TOLERÂNCIA ZERO Ex-prefeito de Nova Iorque indica, em Belo Horizonte, soluções para a segurança pública no Brasil

STF: independente ou esteio de interesses?

Vanguarda

CICLOVIAS Ideia viável ou ação política fadada ao fracasso?

Enfrentamento à violência doméstica

PRAGA VIRTUAL Os prejuízos causados pelos spams

hORIZONTES

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NOVA IORQUE Os bares que agitam a vida noturna. na cidade mais desejada do mundo


28

40

on Stratford

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Divulgação

Valter Campanato/ ABr

Jáder Rezende

Minus5 Ice/ Divulgação

25

34

KULTUR

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política • Paulo Filho

36

SESC CIA. DE DANÇA

31

Meteorologia • Ruibran dos Reis

40

CONSUELO DE PAULA

35

psicologia • Maria Angélica Falci

Dedicação ao clássico e ao contemporâneo Cantora critica as leis de incentivo e o conhecido “jabá”

Artigos

13 19 24

crônica • Laura Barreto

50

Na vanguarda do atraso Os dez locais mais quentes do mundo

Irmãos amigos

crônica • Joanita Gontijo Que os mortos sejam sepultados

A era de extremos

IMOBILIÁRIO • Kênio Pereira Desapropriação: como agir?

justiça • Robson Sávio Novas possibilidades

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RECEITA

33

VINHOS • Danilo Schirmer

Gamberoni dei due golfi Uvas: qual a melhor escolha?


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Cidadania é aprender É sinal de evolução quando, na seara da educação, não objetivos são os objetivos, e a subversão da ordem arrasa com o pragmatismo de formar ajuntadores de letrinhas e decoradores de fatos históricos Ilson Lima e Paulo Filho

Tião Rocha, belo-horizontino de Santa Tereza, é cidadão do mundo, laureado e festejado aqui e acolá. Formou-se professor, mas, pela sua revolução pessoal e para a revolução na educação, transformou-se em educador — “aquele que aprende e ensina”. Defini-lo como um sonhador é justo, mas é pouco. Além de sonhar, ele põe a mão na massa, gasta sola de sapato, cria, inventa e compartilha. Na sua labuta com o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), criado há três décadas, ele gastou muita sola de sapato: esteve por todo lado no Brasil e até do outro lado do Atlântico. Se chamá-lo, ele vai — e cria, inventa e compartilha, tudo pela educação como nobre ferramenta de formar cidadãos. Como todo bom pensador, Tião é questionador e vai fundo nas críticas ao modelo educacional. Segundo afirma, todo mundo quer discutir a qualidade de ensino no país, “mas ninguém mexe nisso”. “Por que o menino tem que ter quatro aulas de gramática e nenhuma de poesia ou de música? E tem que decorar verbos. Qual é o interesse? Nós temos que aprender a ler, escrever e usar. Temos que discutir é a inutilidade da informação inútil”. Para ele, a melhor pedagogia é aquela que leva todos a aprender. “Se ficou menino para trás, o método está errado. Temos que criar tantos jeitos quantos forem as necessidades para o outro aprender”. Premiado em 2007 como Empreendedor Social do ano, Tião Rocha é um dos personagens que fazem acreditar que o Brasil pode dar certo — com inteligência, simplicidade e ação. E ele passa o recado nesta entrevista à Vox Objetiva: é curto e direto.

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“Educação não é só na escola. Educação é um fim. Viemos ao mundo preparados para quatro coisas: ser felizes, ser livres, ser educados e ter saúde.” Em algum momento, você deixou de ser professor para ser educador. Como e por que isso aconteceu? Nasci em Beagá, no bairro Santa Tereza, na rua Paraisópolis. Tenho 65 anos. Fui professor durante muitos anos. Dei aulas no ginásio, no científico ou segundo grau (ensino médio), depois na graduação e na pós-graduação. Em determinado momento (isso faz 32 anos), meu último estágio como professor foi na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Um belo dia, lá na Ufop, eu tive uma coisa que os norte-americanos chamam de insight, e nós mineiros chamamos de clarão mesmo. Eu falei: - chega! A partir de hoje, não quero ser mais professor; quero ser educador. As pessoas me diziam que ser educador e ser professor são a mesma coisa, que essas palavras são sinônimas. Eu disse que não. “Acabei de descobrir que são coisas completamente diferentes”. “- Como diferentes?”, perguntavam, e eu respondia: “- professor é aquele que ensina, e educador, aquele que aprende. Eu estou cansado de ficar nesse lugar, que é o lugar da “ensinagem”. Quero ir para o lugar da aprendizagem. Acho que nós daqui da universidade temos que fazer isso o mais urgente possível, porque nós estamos fechados entre quatro paredes. Há muito tempo que está faltando oxigênio neste lugar. Estamos aspirando gás carbônico. O único assunto que escuto aqui é: “eu te cito, tu me citas”. No fim do ano teremos mais uma tese que ninguém lê. Obviamente que essa minha falação acabou por in-


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Paulo Filho

comodar. Muita gente começou a falar. Em outro momento, descobri que eu estava no lugar errado; que a universidade não queria aprender. Ela queria ensinar e, portanto, quem estava errado era eu. Aí eu fui ao lugar certo, que era o departamento de pessoal, e pedi pra sair. O chefe do departamento de pessoal me disse que eu não podia sair porque nenhum professor jamais tinha feito isso. Eu lhe disse, então, que seria o primeiro. Perguntei-lhe como se fazia para sair daquela escola e ele me falou que só se saía com o pé na cova. Perguntei-lhe, então, como fazer para sair antes disso. Ele me respondeu: “- Não tem jeito porque eu não tenho nem formulário para mandar para o MEC. Não tem jeito de formalizar a sua saída”. “- Então, é muito simples: vou fazer um aqui e agora. Foi um prazer conhecê-los”. E isso já tem mais de 32 anos. Esse clarão, esse insight, pode-se dizer que está associado a uma frustração, a uma decepção com

o processo que você estava vivendo na época? Não é uma decepção. É um somatório de experiências e aprendizados que foram levando a este momento: à conclusão de que aquele caminho não me servia. Eu tive vários clarões na minha vida. O primeiro deles, o mais antigo, sim, acho que foi traumático. No primeiro dia que fui à Escola Sandoval de Azevedo, aos 7 anos de idade, aqui no bairro, a professora sentou todo mundo no chão e começou a ler o livro da Lúcia Casassanta, As mais belas histórias. “Era uma vez, num lugar muito distante, havia um rei e uma rainha”. Eu levantei a mão e disse: “- professora, eu tenho uma tia que é rainha”. A professora me respondia: “- tá bom, meu filho. Fica sentadinho aí e deixa eu terminar de contar”. E continuava a ler as histórias, e eu a interrompia novamente: “- professora, eu tenho uma tia que é rainha”. E ela respondia da mesma forma: “- tá bom, meu filho. Fica quieto”. Até que, na terceira vez, ela me pegou pelo braço e |9


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me levou para a diretora da escola. A diretora parecia um guarda-roupa, dona Andina. Ela nem me ouviu e mandou calar. “- Quer ser expulso da escola, menino?!” Por medo, calei-me. No ginásio, o professor falava dos reis portugueses. Levantei a mão: “- tenho uma tia que é rainha. Ele: “- cara, não enche o saco! Primeiro dia de aula e já começa assim...”. Como se chamava sua tia e como você conseguiu entender o significado dela na sua vida?

Essa é a história. Chego à escola e havia um movimento danado. Perguntei: “- qual é o problema?”. A resposta me chocou: “- o Álvaro morreu”. Como um menino morre? Não pode. No velório, os pais dele me falaram como. Álvaro subiu num prédio e pulou. Perguntei por quê, e eles disseram que tinham ficado a noite toda desesperados, vasculhando papéis, gavetas, à procura de uma pista, de uma resposta para o gesto dele, mas não acharam nada. O pai dele virou pra mim e disse: “- minha mulher falou que quem iria

Tia Etelvina. Nós a chamávamos de Tia Gorda. Fui fazer história porque um belo dia estava lendo A Um Deus Desconhecido, de Steinbeck, e me caiu a ficha que eu tinha perdido a memória da tia tão marcante na minha infância. Passei quatro anos estudando reis, dinastias e nunca tive uma aula sobre minha tia. Um professor falou: “-Vá mexer com antropologia, cultura popular. Quem sabe você encontra sua tia lá.” Virei folclorista. Minha Tia Gorda foi rainha perpétua do Congado, no bairro São Geraldo, aqui perto do Santa Tereza (Zona Leste de Belo Horizonte). Com o folclore, aprendi a importância da simbologia para as pessoas e por que minha tia foi rainha. Que outro clarão na sua vida você incorporou em seu método, em sua didática educadora? Quando cursava história, no último ano do curso, fui dar aula em um colégio particular de ponta, no qual estudavam filhos de ricos, classe A. Eu era bom professor. No colégio havia uns cento e poucos alunos e tinha congestionamento. Eram os seguranças que iam buscar os filhos do governador, do banqueiro. Tinha boa relação com os alunos, mas tinha de ludibriar as diretoras. Eu me formei e comecei a dar aula também na própria faculdade, na PUC. A aula que dava na faculdade, dava pros meninos da sétima e da oitava séries. Percebi que aqueles meninos tinham necessidade de aprender. Entre eles havia um que me instigava com suas perguntas e respostas: o Álvaro. Minha relação com ele mudou radicalmente minha vida. Eu falava pra mim mesmo: “- na oitava está o Álvaro. Tenho que preparar a aula”. Ele era um cara que me cobrava. Era bonito; tocava flauta. Ouvia música clássica, MPB, falava francês, jogava bola. Eu perguntava pra ele: “- Napoleão, posso considerar um símbolo da burguesia a Revolução Francesa?”. E o aluno discutia a fundo. Era um menino muito inteligente e de alta sensibilidade. E por que ele marcou tanto assim a sua vida, em especial, como professor-educador? 10 | www.voxobjetiva.com.br

ajudar era você. Ele só falava no professor”. E me devolveram a pergunta. Eu virei pra eles e respondi que não sabia. Até hoje não sei. Fizemos um livro com as poesias dele. Já li e reli. Comecei a me dar conta de que não devia estar escrito, mas que ele devia ter me “falado”. Onde foi que ele deve me ter dito? Quando caiu essa ficha, caíram todas as outras. Li num pé de página que o bom antropólogo diferencia piscadelas. Tem piscadela pro tique nervoso, pro cisco no olho, pro jogo de truco e aquela pra moça bonita. E concluí que


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o Álvaro deve ter dado tantas, e eu não percebi. E caiu a outra ficha. Esta é a ligação: por que estou ensinando essa história? Que sentido faz conhecer a Revolução Francesa, a história da burguesia, a Revolução Russa, a Segunda Guerra Mundial, se não consigo entender a história dos meninos? Lembrei a minha história, a da minha tia rainha, que nunca teve espaço. E me dei conta de que nunca mais iria conseguir ser professor desse modelo educacional que está aí até hoje; que está falido, dessa escola formal, formol.

0,01 a R$ 1. Uma rodada: “- por que você é essa?” “- pareço um Real; eu sou único ou “- pareço com a de dez centavos; sou pequenininho”. Gerava uma catarse. “Agora entrega essa moeda pra quem você acha que vale a pena”. Isso era uma dinâmica de grupo a portas fechadas. A direção da escola ficou atordoada, perguntava o que estava acontecendo, por que os meninos saíam no intervalo com os rostos cheios de lágrimas. Uma vez, fiz no pátio uma sessão bonita, de se tocar, de abraçar. Falei pra eles: “- agora vamos falar uma palavra que todos gostariam de gritar” e uns 40 meninos gritaram um palavrão. A escola parou. “- Um palavrão?!”. “- Não. Nosso grito de glória”. Um diretor me disse: “- o senhor passou dos limites”. E respondi: “- passei e já estou saindo”. E fui embora. E seu contato com Paulo Freire, como se deu? Comecei a buscar alternativas fora dos livros didáticos, do programa oficial. Queria discutir os assuntos relacionados com o poder, as classes e os conflitos sociais. Queria discutir os preconceitos, as posturas, as visões de mundo, as perspectivas. Fui procurando e, ao mesmo tempo, desenvolvendo técnicas, dinâmicas, exercícios, mesclando e adaptando soluções para cada caso. E, principalmente, passei a experimentar mais exercícios de aprender mesmo e criar jogos. Assim fui entrando para a cultura popular, folclore, tradições, cantigas de ninar, histórias, brinquedos. E na sequência desse aprendizado todo?

Paulo Filho

Quantos anos você tinha e qual foi o seu rumo a partir dessa época? Tinha de 26 pra 27 anos. A partir do Álvaro, mudei radicalmente meu jeito de trabalhar. Eliminei inclusive as partes burocráticas, que não dizem nada. Nunca mais fiz chamada nem tive mais caderninho pra anotar. Saí dessa escola porque resolvi trabalhar a solidariedade, o afeto. Inventava jogos. Um deles: “cada um vai se associar a uma moeda”, de um R$

Após minha experiência na Ufop, passei por aquele estágio que falei no início. Não queria ser mais professor; queria ser educador. Com a coragem que precisava, fui para Curvelo. Queria ser um aprendiz; um educador. Em 1984 criei o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD). Estava desempregado e separado da mulher. Tinha 36 anos e a certeza de que estava fazendo a melhor coisa. Já era apaixonado por Guimarães Rosa e descobri um texto dele que diz: “Curvelo é a cidade-capital da minha literatura”. Eu disse: “- é lá que vou começar”. E comecei. Curvelo fica na entrada do sertão. Lá a prefeitura estava criando um departamento de educação e me convidou. Falei: “- só vou, se convidarem o CPCD”, que nessa época era só eu. Comecei o trabalho. Em Curvelo havia muitos meninos. Lá a taxa de natalidade era proporcional à safra de pequi. Os meninos não tinham muitas alternativas. Não havia escola, e quando havia, eles não fica| 11


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vam. O problema não era construir escola. Os discursos oficiais giravam em torno de mais verbas para a educação, mais prédios. Em um programa na Rádio Clube de Curvelo, levantei a bola: se era possível fazer educação sem escola ou embaixo do pé de manga, que muita árvore tinha em Curvelo.

Voltando aos não objetivos...

Muitas. As primeiras aulas foram debaixo do pé de manga ou da gameleira. A repórter da rádio me perguntou: “- e a resposta para a educação dos meninos?”. Falei: “- não sei, mas se os ouvintes quiserem participar, podemos marcar: segunda, 2h da tarde, no Departamento de Educação”. Apareceram 26 pessoas, desde curiosos, donas de casa, professores, gente à toa,... Fizemos uma roda e perguntei: “- será que dá pra fazer uma escola diferente, que não precise de verba? Vamos experimentar?” Nós nos encontrávamos todas as tardes. Eu ia anotando tudo. Tirei o sumo. Nenhuma daquelas pessoas falava de uma escola que gostaria de ter, mas da que gostaria de não ter tido.

Com os 26 voluntários, formando 13 duplas, íamos aos bairros, reuníamos as crianças e os pais debaixo das árvores e íamos aprendendo juntos. Era um exercício diário de aprendizagem. Criamos a experiência de desaprender - um processo de desconstrução do modelo existente, da lógica existente. Nasceu aí o projeto que chamamos de Sementinha. Foi quando saímos dos não objetivos e criamos os primeiros objetivos. É simples fazer um objetivo: pega um verbo, bota no infinitivo e enche linguiça: promover... o desenvolvimento integral; zelar... pelo patrimônio público; garantir... o acesso à saúde. Depois é só engavetar. Falei pra eles: “- vamos fazer um objetivo que a gente pega nele para não cair na vala comum”. Como é que um verbo vira ação? Tem que virar um substantivo; um objeto. Aí inventamos o nosso objetivo que se chama “paulofreirar”. Mas tem que conjugá-lo. É o único verbo que se conjuga no presente do indicativo. O que é paulofreirar? É aprender fazendo ― ação, reflexão e ação.

E como era essa escola que os curvelanos queriam? Seguia o mesmo modelo do que existe?

Em que lugares mais o CPCD implantou seus projetos?

Sim. Falavam de tudo que não tiveram jeito de mudar e não viam jeito de mudar para os filhos. Eu tinha alguma coisa em mãos, o não caminho a seguir, transformei em “não objetivos” educacionais. Criamos 14 não objetivos. Um deles é não pensar a criança como uma página em branco; não reproduzir a bobagem de que toda criança é uma página em branco onde devemos escrever um belo livro. Uma criança tem muita sabedoria. Todo mundo quer discutir a qualidade de ensino, mas ninguém mexe nisso. Por que o menino tem que ter quatro aulas de gramática e nenhuma de poesia ou de música? E tem que decorar verbos. Qual é o interesse? Nós temos que aprender a ler, escrever e usar. Temos que discutir é a inutilidade da informação inútil. Temos que mudar o método e o conteúdo. Qual é a melhor pedagogia? É aquela que leva todos a aprender. Se ficou menino para trás, o método está errado. A não ser que o menino seja um caso especial. Tenho que criar tantos jeitos quantas forem as necessidades do outro de aprender. E tenho que ser contemporâneo. A escola não se contemporaniza. Tem uma estrutura, no século 21, com lógica medieval: é a única instituição que tem uma função de servo. Tem servente, tem disciplinário, inspetor, delegado de ensino. Tem uma lógica autoritária e ninguém quer discutir isso.

Tivemos uma experiência riquíssima no Maranhão, quando conseguimos reduzir o índice de mortalidade infantil. Das 38 cidades listadas, 17 tinham os piores indicadores. Foi uma mudança radical na realidade daquele estado, na área de saúde, criando e aprendendo com a população como combater a mortalidade, aplicando simplesmente métodos práticos que a comunidade absorve com suas reflexões. Implantamos o Projeto Sementinha em Santo André, na época do prefeito Celso Daniel. Fizemos um trabalho em Araçuaí, com os mesmos métodos de aprender fazendo. E também em Moçambique.

E teve aula embaixo de pé de manga mesmo?

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E a escola de hoje, como você a vê? O modelo educacional que temos parece um hospício, uma fábrica. É modelo falido. Tem uma forma apodrecida, conservada no formol. Educação não é só na escola. Educação é um fim. Viemos ao mundo preparados para quatro coisas: ser felizes, ser livres, ser educados e ter saúde. Ser educado é desenvolver toda a potencialidade de aprendizagem. Antigamente as escolas reproduziam o modelo fabril, tipo fordismo. No Brasil, reproduziram durante muito tempo os interesses do aparelho ideológico do Estado, da ditadura. Hoje reproduzem o aparelho ideológico do mercado. A escola virou um balcão de negócios.


crônica

Crônica

A era de extremos Desde que o Merthiolate parou de fazer arder, que tudo virou politicamente incorreto e que qualquer brincadeira com os amigos é chamada de bullying, o “mimimi” e a falta de atitude aumentaram demais. Repare. Cheios de “não me toques”, pais e filhos se acham acima de tudo e de todos. Eles não sofrem as consequências de nada e podem tudo! Meninos e meninas superprotegidos vivem no mundo rosa e irreal da advogada Barbie. Vai chamar a atenção do filho de alguém pra você ver, vai! Os professores que o digam. Só falta apanhar, ou melhor, às vezes apanham mesmo! Vivemos uma era de extremos. Agora é tudo ou nada! Em contrapartida, no campo dos relacionamentos, Sodoma e Gomorra estão instauradas e instituídas. “Fast-food” total: pega, come e joga fora. O outro simplesmente não existe; só “eu, eu, eu”, e o resto que “se exploda”! Ah! E que fique claro: o comportamento não é mais uma prerrogativa machista como no meu tempo. As moças não querem nem saber! São vorazes devoradoras de homens! Assustados com a parada, os caras recorrem a misturas bombásticas de vodca, energético e Viagra para dar conta das poderosas e vazias “sex machines”. Todas são iguais, de cabelos esticados, vestidos curtíssimos e saltos altíssimos. Elas portam acessórios de marca que, ou são falsos ou os idiotas dos pais estão se matando para pagar de dez vezes no cartão de crédito. Assim como todos, o resto! E viva o hedonismo - o prazer pelo prazer! Livro? Coisa de nerd, ou melhor, de “loser”, porque “nerd tecnológico rico” pode! Estamos criando uma geração de cabeças e corações vazios com a enorme chance de se tornarem adultos frustrados em busca de uma felicidade inalcançável. Isso, se chegarem à maioridade. A vagabundagem não fica só na moçada não, viu? A turma que está se casando agora e os da minha geração (40 plus com corpinho de 39 e ½) também não querem nem saber. Na primeira briga, o casamento é desfeito. Que se danem os filhos e “bora” pra justiça negociar pensão. Disso sim, todo mundo entende! Trair é a coisa mais normal do mundo. Ninguém nem se espanta mais com isso. As conversas sobre o assunto acontecem nas mesas dos botecos ou em qualquer ambiente, em alto e bom tom, que é pra quem quiser ouvir. Roubar o namorado ou a paquera da amiga? Tá de brincadeira, né? Isso é a toda hora! Aí vem a novela das 9h e coloca tudo isso e um pouco mais em evidência, como se fossem as coisas mais simples do mundo… “Ah, traição, roubo, mentira, violência e vingança está pouco! Vamos matar alguém pra dar mais ibope” – parece ser assim que os autores decidem o roteiro. Para completar, vamos todos para o facebook e as demais redes sociais passar a vida lá, fingindo estar tuuudo bem, fazer piadinhas sobre os flagelos humanos e paquerar seja lá quem for! Se cair na “rede”, é peixe! Carnívoro, no caso. Confesso que estou achando difícil preparar as crianças para este mundo, viu? Não sou especialista no assunto. Muito pelo contrário: não entendo nada! Tampouco sou santa. Vixe! Melhor nem comentar... Mas, como mãe, acredito que o mínimo que podemos fazer seja dar bons exemplos… Abramos, portanto, nossos olhos e nossos corações. Sejamos mais presentes. Um pouco de “caretice” e de limites não faz mal a ninguém! Nem tanto ao céu nem tanto ao mar. Basta bom senso e equilíbrio.

Laura Barreto Autora do site ociodooficio. com.br laubarreto11@hotmail.com

“Estamos criando uma

geração de cabeças e corações vazios com a enorme chance de se tornarem adultos frustrados em busca de uma felicidade inalcançável. Isso, se chegarem à maioridade

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Felipe Pereira

Caminho livre ou “furada”? Polêmica entre prefeitura e ciclistas pode atrasar ou mesmo inviabilizar uma política pública importante para a mobilidade e a sustentabilidade em Belo Horizonte Ilson Lima No Brasil formou-se a cultura de que as boas ideias não saem do papel. E quando saem, são desgastadas pela inépcia do Poder Público. De forma irônica, a maledicência alheia chega a dizer que, se se quer estragar uma boa ideia, é só colocá-la nas mãos dos políticos. Se a afirmativa peca pela generalização, não faltam exemplos nas cidades que revelam a incompetência governamental. Estão aí, como fatos incontestáveis que cada vez desencantam mais os brasileiros. Quando são feitas, as várias, necessárias e urgentes intervenções na infraestrutura dos espaços urbanos são jogadas nas calendas ou já 14 | www.voxobjetiva.com.br

nascem defasadas. E o que é pior: na falta delas, as cidades se tornam cada vez mais insuportáveis para viver. A implantação das ciclovias é o assunto do momento em Belo Horizonte. O tema repercute em todas as mídias na cidade, o que revela a sua importância. A proposta é defendida por todos: cidadãos, agentes públicos e cúpulas dos governos em todos os níveis. Pelo lado da população, dos usuários de bicicletas, dos urbanistas e de quem usa as vias urbanas, a questão é vista de outra forma. Mais do que desconfianças e para além do apoio, sobram questionamentos fundamentados e perguntas que


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parece difícil de serem respondidas, pelo menos por enquanto. Mesmo com as justificativas por parte da BHTrans, só com muita vontade política e investimentos planejados se chega à meta final estabelecida — 380 quilômetros até 2020. Para a cidade, seria um avanço imenso. Mas a realidade é bem diferente. Por isso, as críticas por parte de vários segmentos da população ao projeto da BHTrans são duras. Uma política importante como a criação das ciclovias na cidade pode gerar uma resistência seguida de uma rejeição da população. Essa foi a crítica mais pesada ouvida durante a reportagem. Os reflexos do caos viário ocasionado por incompetência na gestão e da demagogia na implantação do projeto estão estampados diariamente no semblante dos cidadãos. Como consequência, esse sentimento pode inviabilizar uma boa ideia. Um exemplo dessa possibilidade é a “Escola Plural”. Divulgado como uma mudança radical no ensino e defendido maciçamente pelos educadores, o projeto acabou gerando um rebuliço na área de educação, nas escolas e nas famílias belo-horizontinas. A rejeição foi tanta que na disputa eleitoral de 2008, os candidatos a prefeito se comprometeram Paulo Filho

aponta que a política de implantação de ciclovias na cidade é capenga e demagoga, com viés eleitoral. “A cidade tem prioridades latentes a respeito da mobilidade e da segurança no trânsito, mas essas necessidades não são consideradas”, ressalta. “Não adianta implantar as ciclovias sem que essas prioridades sejam observadas”, alega a professora. “O que está sendo feito agora muito provavelmente será desfeito por outra gestão”, acredita. A assessora da direção da BHTrans, Eveline Trevisan, discorda e rebate as críticas da especialista. “O projeto das ciclovias em BH tem planejamento, sim, e tem compromisso nosso e deste governo com as metas de curto e longo prazos”, ressalta. Entretanto, Eveline admite falhas na implantação das ciclovias em alguns trechos da cidade. É o caso das ruas Rio de Janeiro, entre as avenidas Augusto de Lima e Álvares Cabral, e Fernandes Tourinho, na Região da Savassi. “Nesses casos, os trechos serão refeitos. O importante é demarcar os espaços das ciclovias para que se crie esse ambiente cultural favorável”, explica.

O projeto do governo O projeto do governo do prefeito Marcio Lacerda se baseia na proposta do seu antecessor, Fernando Pimentel - titular do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior (MDIC). O programa Pedala BH foi incluído no planejamento estratégico da BHTrans, em 2005, quando foram elaboradas as diretrizes para a sua concepção. Até 2010, Belo Horizonte contava com 28 quilômetros de ciclovias. Em 2011 foram implantados 11,4 quilômetros. A cidade passou a contar com 39,41 quilômetros de espaços reservados para a circulação de bicicletas.

Segundo a socióloga Andréia dos Santos, há falta de planejamento social e urbano no Brasil

a acabar com o projeto para ter chances de ganhar a disputa. “No Brasil, o que existe é a falta de planejamento social e urbano que inviabiliza os projetos”, afirma a socióloga Andréia dos Santos, especialista em segurança no trânsito e professora da PUC-MG. Ela

Em 2012 foram implantados 6,5 quilômetros de ciclovias. Somados aos 9,09 quilômetros construídos até maio deste ano, o espaço completa 55 quilômetros de ciclovias existentes na cidade. O planejamento é chegar ao fim deste ano com 100 quilômetros de rotas cicloviárias colocados à disposição dos usuários, segundo a assessora. A maior parte — 76,19 quilômetros — terá investimento da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), e 23,81 quilômetros serão financiados pelo Banco Mundial. | 15


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Foram identificados 380 quilômetros de rotas cicláveis na capital mineira, conforme garante Trevisan. “Nosso planejamento também projeta outras obras nessa área”, aponta a assessora. O Plano de Mobilidade da PBH trabalha para atingir a meta de implantação de 380 quilômetros de rotas cicloviárias estruturantes até 2020. “Com isso, espera-se que 6% de todos os deslocamentos da capital se deem por meio do uso da bicicleta”, analisa. Como papel e tela de computador aceitam tudo, o projeto é ambicioso. No planejamento das 12 áreas de resultado eleitas pela prefeitura, o item “Cidade com Mobilidade” traz “A cidade que queremos em 2030: a Belo Horizonte que queremos é uma cidade onde as pessoas se deslocam com rapidez, qualidade e conforto e onde a rede de transporte é integrada e eficiente, com prioridade para o transporte coletivo, o espaço e o respeito a pedestres e ciclistas. Uma cidade onde o trânsito é seguro e inteligente e que respeita a vida e o meio ambiente”. O subitem “Transporte Seguro e Sustentável” dos “Projetos Sustentadores” também assinala como um dos objetivos dessa administração a “ampliação das rotas cicloviárias na cidade, passando de 43,40 quilômetros (ref. 2012) para 200 quilômetros até 2016”. Independentemente da diferença entre os números mencionados, o desafio colocado para a administração é convencer os segmentos da população interessados na questão de que seu projeto é viável. Paulo Filho

Guilherme: “por que não implantá-las em vias planas e que ligam regiões da cidade?” 16 | www.voxobjetiva.com.br

Paulo Filho

Paulo Filho

Amanda e Ettyenne: “queremos a implantação de ciclovias, mas as que estão aí não atendem a quase ninguém”

O que pensam os ciclistas Reunidos na redação da Vox Objetiva, os ciclistas do grupo BH em Ciclo não pouparam críticas às ciclovias implantadas na capital. Ettyenne Junia Maia, estudante de arquitetura e urbanismo, Guilherme Tampieri, analista internacional, e Amanda Cristine Alves Corradi, arquiteta e urbanista ressalvaram apenas a boa intenção dos técnicos da BHTrans. Nesse pacote, a criação do grupo “Pedala BH” serviu para que os ciclistas pudessem ao menos manifestar suas opiniões e sugestões. O grupo tem caráter apenas consultivo. De forma geral, eles consideram o projeto de implantação de ciclovias da BHTrans como irrealizável e equivocado. Para eles, o espaço urbano é pensado e organizado para atender aos carros e seus proprietários. “Todo motorista é um assassino em potencial”, radicaliza Tampieri com base em literatura sobre o tema. Eles defendem a adoção da bicicleta não só como meio de transporte, mas como forma de a cidade se reorganizar. “Além de atacar problemas de mobilidade, o uso da bicicleta é preponderante para a busca de uma cidade e de uma sociedade sustentáveis”, creem. Logo no início da conversa, Tampieri acusou a BHTrans: “nem ao menos foi feito estudo de demanda para definir os locais das ciclovias implantadas”. Tampieri fez outra acusação reforçada por Ettyenne Maia: “a PBH dá a impressão de ter instalado as ciclovias sem ao menos ter tomado o cuidado de ler a lei normativa sobre o assunto, disponibilizada pelo Ministério das Cidades”. “Nem as prerrogativas da lei são observadas em BH”. Sobre essa crítica, a assessora da diretoria da BHTrans nem quis considerar. “Essa afirmação não mere-


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ce nem comentários”, observou, ressaltando que tudo o que é feito na área é discutido com todos os segmentos. “Nada é implantado sem que tenha o consenso do grupo Pedala BH, desde que ele foi criado, e com a participação dessas pessoas que estão criticando o projeto”, alega. Para o grupo BH em Ciclo, a PBH faz da implantação de ciclovias mais uma ação de marketing eleitoral e demagogia do que uma efetiva política pública voltada para a mobilidade e a sustentabilidade. Na condição de usuários das ruas e de equipamentos públicos na cidade, os integrantes do grupo são unânimes: “é bom que as ciclovias sejam feitas, mas a maioria das que estão aí não atendem quase ninguém, ligam pontos que vão do nada a lugar nenhum e são muito inseguras para usuários e pedestres”. Eles citam os trechos das ruas Rio de Janeiro, no Centro, São Paulo, no bairro de Lourdes, Fernandes Tourinho, na Savassi, e da avenida Olegário Maciel, entre os bairros de Lourdes e Santo Agostinho. Para Tampieri, existem áreas adequadas e disponíveis em outras vias da cidade que não foram consideradas no plano da BHTrans. “Por que não implantá-las em avenidas e ruas que estão em fundos de vales, que são planas e, por isso, ideais para as ciclovias?”, sugere. Ele menciona a ligação leste - oeste, que liga Sabará a Contagem e a Betim. As vias são as avenidas dos Andradas, do Contorno, Tereza Cristina e a Via Expressa. “Por que não implantá-las em regiões periféricas em que a bicicleta é um meio de transporte que leva trabalhadores a seus locais de trabalho e estudantes a escolas?”, questiona. Paulo Filho

Felipe Pereira

Ciclovia na Savassi: é mais fácil ver pedestres e veículos que bicicletas

A crítica deles se estende ao fato de que no plano estruturante proposto pela gestão Marcio Lacerda não existe nem rubrica nem orçamento para as ciclovias. “As ciclovias não estão no pacote de intervenções voltadas para a mobilidade. Estão embutidas sem dotação orçamentária na rubrica sustentabilidade”. De fato, isso confere com o que pode ser confirmado nos “Projetos Sustentadores do Transporte Seguro e Sustentável” do Plano Cidade com Mobilidade para o qual não há previsão orçamentária. A assessoria da BHTrans ficou de encaminhar à revista os valores gastos com a implantação dos trechos das ciclovias até o momento e a previsão orçamentária para os projetos do futuro. Até o fechamento desta edição, no entanto, a revista não havia recebido a documentação sobre esses gastos e as previsões.

Eveline Trevisan: “O projeto das ciclovias em BH tem planejamento e compromisso com as metas estabelecidas para o futuro”

Sempre unificados em críticas e propostas para a área, os ciclistas não acreditam que a meta esti| 17


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pulada para a implantação de ciclovias pela gestão Lacerda seja alcançada. “O que estão fazendo é demagogia política e eleitoral com uma questão muito séria para a cidade”, fuzilaram. Eles cobram campanhas educativas, de respeito e de incentivo ao uso da bicicleta como meio de transporte e não só de lazer. Cobram também que a BHTrans invista em outros equipamentos que favoreçam o uso da bicicleta: bicicletários, sistema de integração com outros meios de transporte, banheiros e espaços públicos nos quais os ciclistas possam trocar de roupa, dentre outros.

A especialista Andréia dos Santos observa que a questão das ciclovias no Brasil tem que ser analisada pela trajetória histórica que o país vem tendo desde a década de 50, quando o governo fez a opção pelo transporte individual, em detrimento do transporte público de massa. “Optamos por essa lógica individualista. É a solução brazuca”, brinca.

que exista nisso, a implantação das ciclovias está sendo um tiro na água. Em vez de investir em transporte público, o governo federal incentiva sobremaneira a venda de carros, mas não leva em conta os problemas causados às cidades”, conclui. Para a eficácia das ciclovias como política pública de Belo Horizonte, a implantação deve fazer parte de um pacote de intervenções de infraestrutura viária no entendimento da professora. Para ela, esses investimentos devem priorizar o uso do espaço público com ações integradas entre as diversas formas de transporte e as demandas da população.

Jáder Rezende

Ela critica também as propostas de implantação de ciclovias e a falta de planejamento estratégico no país. “A falta de planejamento de longo alcance sempre dá nisso que estamos vendo nos espaços urbanos: o estrangulamento total das cidades”, aponta. A professora chama a atenção para a realidade brasileira: “chegamos a um dilema curioso: em um trânsito que não anda, aumenta-se assustadoramente o número de carros nas ruas, de acidentes e de mortos”. A mobilidade e a segurança no trânsito exigem intervenções sérias em infraestrutura e investimentos pesados no transporte coletivo, incluindo o metrô, segundo a professora. “As ruas não estão comportando o volume de veículos e de pedestres. Além da forma extremamente insegura, a implantação das ciclovias na cidade está servindo mais para “espremer” e dificultar a fluidez de todo mundo do que propriamente para melhorar a mobilidade”, frisa. Andréia dos Santos é defensora do uso das bicicletas como política pública voltada para a mobilidade e a sustentabilidade das cidades. Para ela, é justa a reclamação de motoristas, pedestres e demais usuários de que as ciclovias estão retirando espaço nas ruas sem que sejam efetivamente usadas. “Ninguém na cidade está deixando o carro em casa para usar as ciclovias. E por mais boa vontade 18 | www.voxobjetiva.com.br

Sem bicicletas nem fiscalização, motociclistas usam o espaço


Artigo

Imobiliário

Desapropriação: como agir? Numa desapropriação, o Poder Público despoja a pessoa da sua propriedade e a toma para si a fim de atender a uma utilidade pública ou a um interesse social. A Constituição Federal prevê que seja paga à pessoa desapropriada uma indenização prévia, justa e em dinheiro. Mas isso nunca é respeitado porque a população não sabe se defender previamente. Na prática, vê-se o Poder Público pressionar o proprietário do imóvel para aceitar a desapropriação mediante o pagamento muito abaixo do valor de mercado. É comum o agente expropriante fazer terrorismo para intimidar e constranger as pessoas. O órgão responsável pelo processo de desapropriação ilude o proprietário ao alegar que vai pagar pelo imóvel o valor de mercado. Com isso, o proprietário não procura um advogado de maneira antecipada, o que poderia lhe garantir uma justa indenização e evitar que o proprietário viesse a receber precatórios como pagamento. Lamentavelmente as pessoas são ingênuas e se deixam pressionar. Contudo, elas descobrem que foram ludibriadas pelo Poder Público só depois que o processo é efetivado. O governo paga pela desapropriação menos de um terço do preço de mercado do imóvel.

Kênio Pereira Presidente da Comissão de Direito Imbiliário da OAB-MG keniopereira@caixamobiliaria.com.br

RECEBA O VALOR REAL DE MERCADO O proprietário precisa deixar de lado as credulidades e esperanças de que não será lesado pelo Poder Público. Assim que tomar conhecimento da notícia de desapropriação, ele deve resguardar seus direitos e tomar as providências cabíveis com urgência. Há advogados especialistas que sabem criar um processo que obrigue o Poder Público a pagar o valor correto de mercado do imóvel, antes de ser retirada a posse do proprietário, mas (mais uma vez) é preciso agir com rapidez. Depois que o Agente Expropriante entrar com o processo judicial, fica mais difícil evitar um prejuízo que será agravado pela forma de pagamento da indenização: com precatórios.

CADA UM DEFENDE O PRÓPRIO INTERESSE A pressão contra o proprietário funciona quando ele não está bem assessorado juridicamente, já que a lei é complexa. Ao ser ajuizada a ação de desapropriação, o Poder Público deposita um valor inferior em forma de indenização. Cabe ao proprietário levantar o valor correspondente a 80% do preço de mercado do imóvel, caso queira questionar a avaliação feita pelo Estado sem a sua participação. O proprietário v ai ter de sair da sua moradia de qualquer maneira. O pior é que o valor que ele recebe geralmente não possibilita a compra de um imóvel semelhante ao que perdeu. O proprietário só tem conhecimento de que o valor é muito inferior ao de mercado, depois de ser citado pelo juiz. E não adianta ir ao agente expropriante (prefeitura, Estado, órgão, etc.) “cobrar” as promessas que lhe foram feitas, pois nesse momento já existe uma ordem judicial. Normalmente as pessoas que persuadiram o proprietário a não tomar providências prévias desaparecem. Portanto, cabe a cada um cuidar do próprio interesse.

“NA PRÁTICA, VÊ-SE O

PODER PÚBLICO PRESSIONAR O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL PARA ACEITAR A DESAPROPRIAÇÃO MEDIANTE O PAGAMENTO MUITO ABAIXO DO VALOR DE MERCADO. é COMUM O AGENTE EXPROPRIANTE FAZER TERRORISMO PARA INTIMIDAR E CONSTRANGER AS PESSOAS

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Alex Lanza

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Rudolph Giuliani e a diretora-presidente do Instituto de Educação Superior Latino-Americano, Sara Bernardes

Sorriso linha-dura

Experiência bem-sucedida em Nova Iorque mostra que Brasil pode estar na contramão das cidades mais seguras André Martins Durante muitos anos, Nova Iorque sustentou a alcunha de “Capital do Crime” dos Estados Unidos. Brigas de gangues, ondas de assaltos e depredações eram ocorrências comuns que se multiplicavam no dia a dia da cidade mais populosa da América. Na década de 80, o governo iniciou um plano estratégico para a contenção da marcha da violência na metrópole. A engrenagem começou a rodar por meio de estudos e da aplicação da conhecida Teoria das Janelas Quebradas. Citada pela primeira vez em um artigo assinado pelos cientistas sociais James Q. Wilson e George L. Kelling, a teoria diz que a não repressão aos pequenos crimes e o abandono de espaços públicos pelas partes competentes estimulam a desordem, o vandalismo e os crimes de maior potencial ofensivo. Assim o poder público nova-iorquino passou a coibir os pequenos delitos para tentar recobrar o 20 | www.voxobjetiva.com.br

controle da situação. Entre as ações simples que dariam origem a resultados surpreendentes estava a limpeza das paredes das estações subterrâneas do metrô e a apreensão de quem tinha o hábito de pular a roleta para não pagar pelo transporte público. Com esse mecanismo de coerção, a prática foi sendo extinta aos poucos. Em 1993, o político americano com raízes italianas Rudolph William Louis Giuliani venceu a disputa pela prefeitura de Nova Iorque. A bandeira da campanha dele foi a segurança e o combate à criminalidade. Giuliani assumiu a cadeira meses depois, implantando o programa “Tolerância Zero”, que ficou conhecido mundialmente por dar continuidade ao conjunto de ações de segurança e torná-lo ainda mais robusto. Com o enrijecimento das leis e um policiamento ostensivo, o número de prisões na cidade aumen-


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tou quatro vezes nos primeiros anos do mandato de Giuliani. A taxa de homicídios despencou 65%, e os outros crimes foram reduzidos em 60%. Programas de combate à violência doméstica e ao tráfico de drogas ajudaram no processo. Os bons resultados tiveram desdobramentos vistosos também na gestão do sucessor de Giuliani, o atual prefeito Michael Bloomberg. Giuliani rodou o mundo mostrando o resultado da adoção das políticas de combate à criminalidade. A prática foi responsável por tornar a cidade uma das mais seguras dos Estados Unidos. Em agosto, o republicano esteve em Belo Horizonte para participar como palestrante no VI Congresso de Direito Penal e Criminologia. No evento, ele apontou caminhos e pôde conhecer um pouco mais a realidade brasileira. Apesar de o crime eventualmente ter particularidades, Giuliani disse que “existem formas similares de se aproximar das soluções”. Dentre as ferramentas que possibilitaram a redução dos crimes em Nova Iorque e que foram utilizadas na Cidade do México, está um programa de estatísticas de computador desenvolvido na gestão de Giuliani. O dispositivo tem a capacidade de mapear e identificar de forma criteriosa ocorrências pela cidade. “Em Nova Iorque havia 14 mil ocorrências por dia. Toda semana nós realizávamos um levantamento, separando o crime pelo tipo, horário e local da ocorrência, dentre outras variáveis. Jogávamos esses dados no computador e, por meio desse programa, tínhamos o mapa que mostrava onde o crime aconteceu, onde estavam os policiais e qual era a situação do momento”, esmiúça. Dessa forma, as autoridades perceberam que uma das pontas do problema estava na falta de policiais nas ruas. Em dois anos, Giuliani aumentou o efetivo em 5 mil homens. Eles foram dispostos em pontos estratégicos, de acordo com as áreas vulneráveis indicadas pelo programa. Crime comum na cidade e os assaltos de rua foram praticamente extintos com a comunicação entre os policiais de cavalaria e os homens à paisana infiltrados entre os civis. Além de mais policiais, o ex-prefeito nova-iorquino promoveu uma integração entre três departamentos de polícia diferentes: o que atuava na área

dos metrôs e ônibus, outro que respondia pelo policiamento nas casas e, por fim, o responsável pela cidade como um todo. Vista como uma das soluções para a aparentemente insolúvel questão da (in)segurança pública no Brasil, a não estratificação da polícia é tida como fundamental para Giuliani. A concentração de esforços dá origem a uma resposta mais eficiente, conforme aponta o político. “Eu percebo que a polícia é mais capaz quando se organiza em apenas uma corporação. Eu tinha um grande departamento de polícia e outros dois ‘competindo’ com ele. Foram necessários dois anos para que eles começassem a trabalhar de forma integrada. Nós tivemos de ir aos tribunais para que isso fosse possível. A concentração em uma só força ajudou bastante. Imagine uma situação em que o mesmo indivíduo comete assaltos em diferentes lugares da cidade. Eu tenho três departamentos à procura do mesmo homem; e essas corporações não se comunicam. Obviamente é mais fácil quando eu tenho apenas um departamento procurando a mesma pessoa. O criminoso não quer saber qual o departamento responsável por determinada área. Nós temos que ser mais organizados do que eles”, conta. Outro ponto abordado com insistência por Giuliani foi a necessidade de coibir o crime com o encarceramento, às vezes definitivo, do infrator. Ao longo de muito tempo, as coisas funcionaram de forma parecida com a que acontece no Brasil, conforme revela Giuliani. No Brasil, muitas vezes o criminoso é liberado pouco depois de ser pego pela polícia. “Havia 20 anos, talvez 30, os policiais prendiam. Mas em duas ou três horas, o criminoso estava livre. E aí nós estávamos prendendo a mesma pessoa de novo e de novo, e de novo. Nós mudamos. Enrijecemos a lei e nomeamos juízes mais severos. Isso precisava ser feito. Começamos a tirar os criminosos de carreira das ruas e, como aconteceu em rtque estabelecia a prisão perpétua para o indivíduo que cometesse três crimes graves. Isso teve um impacto muito grande”, revela. Segundo Giuliani, não são apenas as ações de policiamento e o aperfeiçoamento das leis que dão resultados efetivos no combate à criminalidade. Há que se investir também na área strtocial. “Tudo isso, nas entrelinhas, reduz o crime de maneira considerável em todos os setores”, arremata. | 21


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Temos muito o que aprender Quase uma década depois da lei Maria da Penha, agressões a mulheres ainda desafiam o Brasil André Martins

O casal norte-americano Valerie e Mark Wynn esteve no Brasil para uma série de palestras, treinamentos e discussões com representantes do poder público e da sociedade civil sobre o enfrentamento da violência doméstica. Eles passaram por algumas capitais brasileiras, incluindo Belo Horizonte. Aqui Mark palestrou na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) e ministrou um treinamento com policiais em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais. O pano de fundo da visita é o aniversário de 7 anos da Lei Maria da Penha, sancionada em setembro de 2006. Na visão de Valerie e Mark, a promulgação da lei foi crucial para o Brasil. “É uma declaração clara, forte e inspiradora de direitos civis para as vítimas de violência doméstica”. Em comparação com a experiência americana, o casal considera que o Brasil tem evoluído rápido, criando delegacias para o atendimento a mulheres, centros de referência e fazendo levantamentos acerca do tema. Os institutos Data Popular e Patrícia Galvão divulgaram dados recentes da pesquisa “Percepção da Sociedade Sobre Violência e Assassinatos de Mulheres” pouco antes da peregrinação dos especialistas por terras brasileiras. Para 86% dos entrevistados, as mulheres passaram a denunciar mais casos de violência doméstica após a promulgação da Lei Maria da Penha. Mas metade do grupo ouvido acredita que a forma como a Justiça pune não reduza a violência contra a mulher. Para os entrevistados, a Justiça é lenta demais. Dentre os entrevistados, 56% conhecem um homem que já agrediu a parceira. 22 | www.voxobjetiva.com.br

O casal de americanos tem ampla experiência no tema. Mark trabalhou por mais de 20 anos no Departamento de Polícia Metropolitana de Nashville e foi reconhecido com prêmios e certificados pelo combate a esse tipo de crime. Já Valerie tem experiência em treinamento e aconselhamento. Em 2011, ela montou uma ONG de assistência a vítimas de violência doméstica. Mas mais que bagagem curricular, os dois acumulam vivências. Valerie foi vítima do ex-marido, e Mark viveu durante muitos anos com um pai violento, que tinha a esposa como válvula de escape. Para eles, a violência doméstica está presente em todo o mundo. E ao contrário do que se pensa, a prática não tem relação com doença mental nem com o uso de álcool e drogas, nem com estresse por parte do violentador. “A maioria dos agressores não sofre de doença mental e eles são violentos mesmo quando não estão sob influência de substâncias químicas. A raiva e o estresse também não justificam a violência. Mesmo parecendo estar fora de controle, o agressor tem a capacidade de controlar suas ações. Estresse e


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raiva não explicam o fato de o indivíduo bater na parceira, mas não no chefe quando está estressado”, apontam. Os dois apontam que o melhor caminho para dar fim aos casos de violência doméstica é a redução das disparidades entre homens e mulheres e a alteração de modelos sociais e culturais que priorizam o homem. “Um dos nossos maiores desafios para acabar com a violência contra as mulheres tem sido reverter o costume do direito ou do privilégio masculino”. Na passagem por Belo Horizonte, o casal conversou com a Vox Objetiva. Confira abaixo alguns trechos da entrevista. É possível pontuar os fatores que favorecem esse tipo de prática e a perpetuação dela no ambiente familiar? Geralmente acredita-se que muitas mulheres agredidas permanecem em casa porque a elas não é permitido partir. Mulheres agredidas têm mais probabilidades de ser cada vez mais agredidas ou ser assassinadas, quando saem de casa ou decidem pelo término do relacionamento. Alguns fatores favorecem para o infrator controlar as vítimas. Eles mantêm as companheiras dependentes para que elas não partam. O criminoso impede a vítima de trabalhar, de ter acesso a oportunidades profissionais, de ir à escola ou de tomar qualquer ação independente. Ele pode também desativar o veículo da vítima ou não permitir que ela tenha acesso a um.

A violência doméstica tem alguma relação com o desenvolvimento econômico de uma sociedade ou isso é uma questão cultural e comportamental? O desenvolvimento econômico certamente desempenha um papel no comportamento do agressor. Assim ele mantém a vítima presa no abuso diário da violência. Essa violência é uma escolha. A escolha é feita pelo autor e pelo seu comportamento aprendido (geracional). Ele acredita que tenha o direito de usar da violência ou do abuso para controlar sua família. A sociedade tem uma escolha. Ou se tolera a violência, gerando a próxima geração de criminosos, ou diz ‘basta’ a essa prática. Atos, e não promessas, acompanhados por uma leve pressão implacavelmente aplicada mudam a cultura. Sabemos disso devido à nossa luta pelos direitos civis feita nos Estados Unidos. Qual a melhor forma para colocar fim a esse tipo de violência? Podemos começar por acreditar na vítima e manter o infrator punido. A sociedade deve entender que sair de um relacionamento violento não é um evento, é um processo. Em vez de perguntar, “por que ela fica no lar, se é violentada?” Devemos tentar chegar a uma conclusão sobre o que fazer quando essa mulher decidir ir embora.

Em milhões de casos, observa-se que o agressor tenta isolar a vítima e privá-la do contato com amigos e familiares. Para isso, desativam ou removem telefones e, às vezes, mantêm a vítima grávida, tornando difícil a sua locomoção.

Embaixada Ameri

Há um constrangimento por parte da vítima de relatar agressões? Muitas vezes, ela é constrangida por causa do estigma social de um relacionamento ou de um casamento fracassado. Isso pode levá-la a ver o relacionamento como um fracasso pessoal. Há constrangimento também, caso o homem pareça um “bom-partido”. As pessoas não sabem sobre o abuso, e a vítima tem vergonha de falar a respeito.

Para Valerie e Mark, a Lei Maria da Penha representa um avanço para o Brasil. Mas ainda há muito a ser feito no enfrentamento da violência doméstica no país | 23


Artigo

Justiça

Novas possibilidades

robson Sávio Reis de Souza Filósofo e cientista social robsonsavio@yahoo.com.br

“Assim a internet

vem se constituindo como um espaço mais democrático, horizontal e plural. A grande rede é capaz de suportar a diversidade criadora de cidadãos e cidadãs. Mais do que isso: a internet consegue vocalizar as preferências e as múltiplas vozes que são ocultadas pela grande mídia

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Conhecer a história da imprensa, os mecanismos, as relações e os jogos de interesses que permeiam a indústria da comunicação são ações fundamentais para o desenvolvimento de um senso crítico diante da mídia. É preciso conhecer os interesses daqueles que detêm o controle dos veículos de comunicação. O que é veiculado, seja pela imprensa oficial, seja por outros meios de comunicação, está sempre envolto por interesses. No início deste ano, a organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras denunciou a situação de concentração de poder midiático existente no Brasil. Definindo o quadro brasileiro como o “país dos 30 Berlusconi”, a ONG alerta para o perigo que sofre a independência da informação, em decorrência do poder concentrado nas mãos dos grandes grupos de mídia no Brasil. Segundo a ONG, um dos problemas endêmicos do setor da informação no Brasil é a figura do magnata da imprensa: “está na origem da grande dependência da mídia em relação aos centros [principalmente estrangeiros] de poder”. É notória a existência de um discurso quase hegemônico produzido principalmente por meio das grandes agências de notícias. Essa classe dominante da mídia dita normas de comportamento. Para contrapor esse discurso, é preciso criar espaços dialógicos, de contrainformação e que possibilitem a criação de canais para o cidadão poder dispor de novas opções de interação. Assim a internet vem se constituindo como um espaço mais democrático, horizontal e plural. A grande rede é capaz de suportar a diversidade criadora de cidadãos e cidadãs. Mais do que isso: a internet consegue vocalizar as preferências e as múltiplas vozes que são ocultadas pela grande mídia. Os blogs e as redes sociais podem se constituir, progressivamente, numa poderosa ferramenta. Esses espaços são capazes de levar informações diferenciadas daquelas produzidas pelos veículos tradicionais de comunicação. Ademais, as redes sociais podem problematizar, questionar e aprofundar as notícias veiculadas pelos grandes meios e mostrar os interesses ocultos na divulgação das informações. Assim criam-se condições para que a grande mídia se reposicione e reveja a postura histórica de se considerar a única fonte capaz de determinar verdades uníssonas. Para reforçar e ampliar as formas de embate à informação hegemônica, seria desejável que os novos comunicadores virtuais se associassem a grandes redes comunicacionais. As próprias redes sociais dariam suporte à criação de diversos canais para democratizar a produção e a difusão da informação. É claro que os canais de suporte das redes sociais e da internet estão nas mãos das grandes empresas de telecomunicação. Porém, é pouco provável a censura às várias formas de expressão no universo digital. Então há que se constituir uma cidadania ativa, responsável pela produção e pela distribuição da contrainformação, saindo do comodismo paralisante. É preciso sair do lugar de meros receptores da comunicação produzida pela grande mídia para um novo locus – o de comunicadores ativos, responsáveis, capazes de produzir outras formas de interpretar o mundo, a vida e as relações sociais e promover a leitura crítica para diferenciar opinião pública da opinião publicada.


Valter Campanato/ ABr

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Quem julga? Processo de composição da corte suprema compromete independência do órgão. Indicação exclusiva da presidência e critérios frouxos deixam dúvidas sobre competência e interesses subjetivos nas escolhas Paulo Filho Visto pelo lado puramente técnico, a votação no plenário do STF que aceitou a possibilidade dos embargos infringentes no julgamento do “mensalão” opôs os defensores do regimento interno da Corte aos defensores de uma Lei Federal de 1990 que trata dos processos no Tribunal e não menciona os embargos infringentes entre os recursos contra decisões do STF. Por seis votos a cinco, prevaleceu a visão de que o regimento interno tem força de Lei e garante o instrumento dos embargos infringentes em ações penais iniciadas ali. Saindo do campo da tecnicidade e ampliando o olhar para o desdobramento do processo e as repercussões da aceitação dos embargos infringentes, a primeira, e óbvia, conclusão é a de que o final do julgamento foi postergado às calendas. Há também o agravante de que as mais de 50 sessões já consumidas no processo perderam valor, já que a composição do plenário foi alterada com a recente nomeação de dois novos ministros — Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso. Os ministros recém-aposentados, Cezar Peluso e Ayres Britto, participaram de todo o processo do julgamento — análise de documentos, oitivas de réus e testemunhas, estudo das peças e memoriais da acusação e das defesas —, antes de

formarem opinião e proferirem seus votos que, agora nessa etapa, poderão ser reformados pelos dois juízes novatos, indicados pela presidente Dilma Rousseff e aprovados pelo Senado.

Os embargos infringentes e o processo Os embargos infringentes são recursos que possibilitam a réus condenados pelo plenário do STF, em decisões com pequena margem de votos, a reanálise do caso. No processo do mensalão, 12 réus com condenações nas quais obtiveram quatro votos favoráveis podem ter seus julgamentos refeitos. A previsão é de que esse “rejulgamento” dure pelo menos um ano, com novos relator e revisor. Por sorteio, foi definido como relator o ministro Luiz Fux e, até o fechamento desta edição, a definição do ministro revisor não tinha ocorrido. Além da protelação do fim processo, que pode beneficiar os réus com a prescrição de algumas penas imputadas (penas inferiores a dois anos já estão prescritas e, caso o processo tramite por mais oito anos, as penas de até quatro anos serão prescritas), alguns dos condenados podem conseguir a absolvição pelo crime de formação de quadrilha e escapar da prisão em regime fechado. | 25


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Para alguns juristas, existe até mesmo a possibilidade de que, com os embargos infringentes, o fim do julgamento do mensalão seja protelado indefinidamente, já que, em tese, cada acórdão do Tribunal pode ser alvo de embargos de declaração e, a cada decisão controversa, novos embargos infringentes podem ser impetrados, levando a novos julgamentos.

Arquivo Pessoal

A escolha dos ministros do STF A prerrogativa de indicação dos membros da mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro é exclusiva do presidente da República, seguida de aprovação pelo Senado Federal. Os juízes do STF permanecem no cargo até a aposentadoria compulsória, aos 70 anos. Como critérios para a escolha, a Constituição de 1988 estipula apenas que o(a) Indicado(a) deva ter entre 35 e 65 anos e preencha os requisitos de notável saber jurídico e reputação ilibada. No livro clássico sobre o tema, “Espírito das Leis”, do jurista e filósofo francês Charles de Secondat (Barão de Montesquieu), no capítulo que trata sobre a tripartição dos poderes, o autor defende: “se o poder de julgar estiver unido ao Poder Executivo, o juiz terá a força de um opressor”. Em um país no qual a indicação para o mais alto nível da magistratura depende exclusivamente do chefe do Poder Executivo e da aceitação de uma casa política, é bastante claro que a afirmação do filósofo faz sentido. Propostas de mudanças na forma de composição do STF sempre existiram, mas sempre foram rechaçadas. O julgamento do “mensalão”, ainda em curso e com desdobramentos que mostram claramente a “influência” das indicações (o ministro José Antônio Dias Toffoli, por exemplo, indicado pelo ex-presidente Lula, teve toda a sua carreira ligada ao PT e ao governo petista, tendo trabalhado diretamente com o ex-ministro José Dirceu, um dos réus no processo), mais do que condenar ou absolver réus, pode ser o fato específico que leve a sociedade brasileira a se inteirar sobre como o STF é composto e discutir a forma como isso é feito. Para o historiador Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, o processo é de fato falho, mas ele não identifica, pelo menos no momento, outro modo para as indicações ao STF. Ele defende que imprescindível é “melhorar o que já existe” e aponta a sabatina no senado como um ponto até então extremamente negativo. “A sabatina no senado funciona como uma sessão festiva, de congraçamento. Na maioria das vezes, os 26 | www.voxobjetiva.com.br

Para o historiador Marco Antônio Villa, o processo é de fato falho. “Temos que melhorar o que já existe, principalmente a sabatina no senado”.

senadores votam pensando em um salvo-conduto para o futuro, já que existe a possibilidade de que venham a ser julgados pelo STF”. Sobre as indicações de pessoas com vínculos e a proximidade latentes com seus indicadores ou com partidos políticos, ele acredita que “isso também acabe comprometendo a composição e a qualidade do plenário do Supremo”, mas que é papel do senado fazer o filtro necessário em todas as indicações. Nesse ponto, para Villa, o senado dos Estados Unidos, país que tem o mesmo sistema de indicação à Suprema Corte que o Brasil, é que faz a diferença. “Lá eles inquirem mesmo e, se for o caso, em várias sessões. Já houve casos nos quais o presidente americano retirou a indicação durante o processo de sabatina no senado, porque percebeu que não seria aprovada”. Como contribuição às discussões, o professor sugere três mudanças: como o judiciário e o próprio país não têm tradição meritocrática e prevalece a indicação, ele sugere a limitação dos mandatos. “A vitaliciedade é ruim porque pode levar a uma interpretação petrificada das leis”. “Limitar os mandatos em oito anos, por exemplo, possibilitaria que o STF fosse mais arejado e que os juízes tivessem menos vínculos”. Aqui ele ilustra com a indicação do ministro Toffoli, empossado na casa dos 40 anos e que, pela norma da vitaliciedade, poderá permanecer mais de 30 anos no Tribunal. Outra sugestão diz respeito a transformar o STF em um tribunal estritamente constitucional, repassando outros processos para o STJ, que teria seu número de juízes aumentado de 33 para 66. Por último, o professor acredita que seja imperativo acabar com a indústria de recursos que existe no Brasil e que causa uma enorme sobrecarga nos tribunais superiores.


Artigo

Política

Na vanguarda do atraso É bastante difícil traçar um paralelo, mas são bem grandes as chances de que Minas Gerais seja o estado, dentre os mais desenvolvidos, que menos avanços políticos conquistou desde a redemocratização do país. Com o fim dos “biônicos”, no início da década de 80, Minas iniciou a sua sina de governadores mais ou menos. Um “foi sem ter sido” (estava ocupado dedicando-se ao colégio eleitoral na Câmara); outro, ligado à direita, conservador e ruralista; outros com perfis de gangsters e corruptos com punhos de renda; histriônicos; opressores; e tecnicistas marqueteiros. Olhando para trás, entre contumazes denúncias de corrupção, já que nenhum deles passou em branco, pontua, na maioria dos mandatos, uma promíscua relação com veículos de comunicação. Jornalistas, editores de cadernos de política, chefes de redação e, em muitos casos, até redações inteiras, ocuparam cargos comissionados em governos (Hélio Garcia e Eduardo Azeredo são exemplos, noves fora o que gastaram com as tais “verbas de publicidade”). No quesito “parceria” com a imprensa merece registro a atitude do ex-governador Newton Cardoso: insatisfeito com a relação, ele rompeu com o mais tradicional grupo de comunicação do estado e criou o próprio, é claro que despejando dinheiro público na empreitada. Até hoje ele paga o preço por isso (não jurídico, esclareça-se): virou inimigo e alvo principal dos Diários Associados que, inclusive, na época, passou a tratá-lo como “eventual ocupante do Palácio da Liberdade”. Em outros casos, é provável que, no futuro, a história faça justiça a posturas que, se não representam nada no campo político, têm valor no campo comportamental, no que tange a eliminar hipocrisias e ajudar a sociedade mineira a perder o ranço do preconceito, a emancipar-se de comportamentos tacanhos. Visões estereotipadas e preconceituosas sobre hábitos e preferências pessoais, sejam elas nos campos do lazer ou de manifestações da libido, com certeza perderão força. Olhando para a eleição de 2014 e tendo como parâmetro o cenário atual, é difícil crer em avanços. Entre os nomes colocados, nenhum ressalta como “estadista” ou, vá lá, para não exigir muito, competente e sem máculas. Pelo lado do governo, os de deputados sem grande expressão, o do vice-governador filiado ao PP (partido que é uma dileta costela da Arena, a agremiação conservadora e de extrema direita que deu sustentação à Ditadura de 64) e, mais recentemente, o de Pimenta da Veiga, ex-prefeito da capital e ex-ministro de FHC, com ligações com a turma do Banco Rural e com Marcos Valério. Pelo PT, Fernando Pimentel, também ex-prefeito da capital. Para muitos do seu partido, é o mais tucano dos petistas. É alvo de várias denúncias: consultoria fantasma prestada à Fiemg, corrupção na implantação do Programa Olho Vivo e contratação de consultorias irregulares na PBH são algumas. Pimentel é um dos responsáveis por uma das maiores (se não for a maior) burrice política da história recente de Minas: a aliança que elegeu Márcio Lacerda na PBH. Fechando o pacote, pelo PMDB, o nome colocado é o do senador sem voto Clésio Andrade. Empresário muito bem-sucedido, ele já foi vice-governador de Aécio Neves. Também foi sócio de Marcos Valério e é um dos personagens centrais da criação do “mensalão” mineiro. Nesse passo, ao que tudo indica, mais uma vez a eleição em Minas Gerais será decidida na base do “menos pior”.

Paulo Filho Jornalista e consultor de comunicação social paulo.filho@voxobjetiva.com.br

para trás, ” Olhando entre contumazes

denúncias de corrupção, já que nenhum deles passou em branco, pontua, na maioria dos mandatos, uma promÍscua relação com veículos de comunicação. Jornalistas, editores de cadernos de política, chefes de redação e, em muitos casos, até redações inteiras, ocuparam cargos comissionados em governos

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Lucas Alvarenga

Vanguarda

Um mercado inconveniente Brasil se esforça para combater o envio de spams e reduzir o prejuízo de milhões de usuários da internet Lucas Alvarenga Gravações telefônicas povoam o cotidiano de milhares de pessoas com anúncios indesejados. Folhetos inundam de ofertas as caixas postais de casas e edifícios. E-mails buscam seduzir potenciais consumidores com promessas de ganhos fáceis e descontos nunca vistos. O Sending and Posting Advertisement in Mass ( spam ) poderia designar qualquer dessas tentativas de “enviar e postar publicidade em massa” comuns à reprodutibilidade técnica alcançada no século anterior. Mas é na internet que essa prática abusiva se constrói como mercado global de vendas e de furto de informações, com margem de lucro de US$ 100 para cada US$ 1 investido. De modo geral, os spams são indesejáveis quando levam a correntes ou à aquisição de produtos e serviços, e são nocivos quando propiciam ataques à segurança da internet e do usuário. Provedores de acesso e fabricantes de soluções para proteção de computadores creem que 85% das mensagens 28 | www.voxobjetiva.com.br

enviadas no mundo por correio eletrônico sejam spams . Esse volume gera mais do que transtornos. “Só nos Estados Unidos, o prejuízo chega a US$ 20 bilhões anuais com danos às máquinas e perda de energia e de tempo para filtrar e-mails”, ilustra o pesquisador e doutorando em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pedro Henrique Bragioni Las Casas. Os ambientes institucionais são os que mais perdem com a postagem em massa. Com mais de 3 mil endereços de e-mails, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) atua em diversas frentes para controlar o problema e evitar golpes que eventualmente ocorrem. As alternativas começam pela criação de filtros e camadas de defesa, com antivírus e antiphishings protegendo as máquinas e o acesso à internet e aos correios eletrônicos. Campanhas e portarias para conscientizar servidores e a detecção via software de quem envia o spam completam as medidas. “Infelizmente uns


Vanguarda

pagam pelo descuido dos outros. Muitos links úteis acabam sendo bloqueados”, pondera o analista de suporte técnico do órgão, Leonardo Humberto Liporati. Ao auxiliar o usuário, muitos provedores acabam filtrando por engano mensagens importantes como se fossem spams. Isso, quando não apagam e-mails sem sequer colocá-los em quarentena. “Os serviços de correio eletrônico se esforçam para separar o que é do que não é spam. Mas com o e-mail pautando a vida profissional, fica difícil dar conta do volume de informações transportadas”, alerta o professor do Mestrado em Informática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e doutor em Ciências da Computação pela UFMG, Humberto Torres Marques-Neto. O profissional e Las Casas, seu ex-aluno, são dois dos sete pesquisadores do Laboratório Nacional de Computação e Tecnologia da UFMG e da PUC Minas, que investigam a conduta dos spammers (pessoas que enviam os spams).

do e-mails duvidosos a partir da blacklist, uma lista de endereços de sites, correios e IPs reconhecidos como fontes de spam. Las Casas e o grupo de pesquisa do qual faz parte trabalham para desenvolver um sistema capaz de detectar o spammer ainda no provedor e em tempo real. O sistema se baseia na análise de comportamentos de rede maliciosos ou não. Dentre suas características estão o volume de mensagens enviadas no período, o intervalo de envio, o destino e o número de servidores acessados pelo remetente. “Nós já conseguimos identificar quem agiu de forma maliciosa no dia anterior, mas a quantidade de tráfego ainda dificulta implantar um sistema em tempo real”, expõe o doutorando. Lucas Alvarenga

Eu ganho, tu ganhas, eles perdem São os spammers que transformam o envio de mensagens em massa em negócio. Na estrutura organizacional dessa rede há sempre o cibercriminoso - responsável por desenvolver os códigos maliciosos, o spammer e o usuário, que muitas vezes se torna um coemissor de spams em uma rede zumbi, chamada de botnet. Para enviar grandes quantidades de mensagens indesejadas que visam capturar as senhas do usuário, popularmente conhecidas como phishings, remetentes de spams formam redes de computadores infectados que seguem comandos remotos do autor da praga digital, mesmo que estejam a milhares de quilômetros do cibercriminoso. A expansão da internet banda larga e a falta de proteção dos computadores favorecem a formação desse cenário. “Por causa dessas redes zumbis, um spammer pode infectar em minutos de 16 mil a 20 mil computadores com falsos e-mails de bancos, por exemplo. Isso dá um ganho de R$ 8 mil a R$ 10 mil”, quantifica o analista de malware da Kaspersky Lab, Fabio Assolini. Para combater essa invasão, são criados programas para proteção e coleta de dados que funcionam por meio de estatísticas anônimas e análise heurística. Essa análise avalia palavras-chave e links similares suspeitos. Segundo Assolini, esses softwares atuam nos servidores bloquean-

O professor Humberto Marques-Neto e o pesquisador Pedro Las Casas revelam que detectar o spammer na origem é o principal desafio para o combate aos e-mails indesejáveis

Atualmente os provedores de serviços de e-mail sofrem com o impacto no desempenho da banda. O volume de tráfego gerado pelos spams força as empresas a elevar a capacidade dos links de conexão com a internet, conforme explica a gerente de segurança do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (Cert. br), Cristine Hoepers. Com isso, os servidores de e-mail ficam mal utilizados, pois boa parte dos recursos, como tempo de processamento e espaço em disco, é consumida no tratamento de mensagens não solicitadas. Os provedores também perdem com a inclusão em listas de bloqueio. Eles precisam fazer investimento extra na aquisição de equipamentos, sistemas de filtragem e na contratação de especialistas. Isso acontece quando há muitos usuários envolvidos em casos de envio de spam. | 29


Vanguarda

JeffreyGroup/ Divulgação

a emissão de mensagens indesejáveis ou de links para phishing e códigos maliciosos. Segundo Cristine, os encurtadores de URLs, bastante difundidos nas redes sociais, sobretudo no twitter, criaram um cenário propício para os golpistas. Esse recurso dificulta a identificação do endereço do site. “Apesar disso, o conteúdo malicioso nas redes sociais pode ser facilmente removido pelo administrador, e o usuário pode ser bloqueado em pouco tempo”, lembra Assolini.

Marketing ou spam? O volume de mensagens, aliás, dificulta a diferenciação entre o e-mail marketing e o spam. E o problema começa com a difusão do endereço de correio eletrônico com o tempo. À medida que o e-mail fica popular, maior é a probabilidade de ser incluído em alguma lista de spam ou nas listas comerciais. “O e-mail marketing é uma ação importante. Mas quando você clica em uma mensagem confirmando que não deseja mais receber propagandas daquela empresa e ela continua enviando, aí sim, tem-se um caso claro de spam”, contextualiza Marques-Neto.

Analista de malware da Kaspersky Lab, Fabio Assolini, lembra que, em minutos, um spammer pode infectar milhares de computadores e ganhar R$ 0,50 por cada infecção

Redes “antissociais” Com as relações interpessoais contemporâneas também mediadas pelas redes sociais na internet, o problema do spam tomou novos contornos. Parte do conteúdo indesejável nas redes sociais vem do comportamento dos amigos e de solicitações de aplicativos de jogos por eles usados para que consigam “novas vidas” no jogo, conforme argumenta Cristine. Outras possibilidades advêm do excessivo compartilhamento de informações por meio de opções, como “curtir” e “compartilhar”. E perfis com grande quantidade de amigos, os chamados conectores, e aqueles patrocinados por empresas para que os produtos delas sejam recomendados completam a lista. Nas redes sociais há alguns tipos de golpes aplicados com o objetivo de enviar spam, como a criação de perfis falsos ou fakes , e a invasão de páginas com grande quantidade de amigos para 30 | www.voxobjetiva.com.br

Oficial da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Fábio Lustosa é autor de uma ação por danos morais movida em 2009 contra a Canal Executivo - empresa de qualificação profissional -, por envio de spam. Lustosa pediu por três vezes – por telefone, fax e e-mail – a exclusão do e-mail dele da lista de marketing daquela empresa. Mas a Canal Executivo chegou ao cúmulo de sugerir que Lustosa trocasse de e-mail. Para sustentar seu pedido na Justiça, Lustosa reuniu mais de 160 páginas de spams enviadas para o e-mail dele a partir do segundo semestre de 2009. “Mesmo depois de condenada judicialmente em 2010, a Canal Executivo continuou a me enviar dezenas de e-mails. A empresa só deixou de fazê-lo quando chegou a fatura do abuso: R$ 50 por spam, além de R$1,5 mil que havia ganhado pelo dano moral”, quantifica o servidor. Há uma proposição da Comissão de Trabalho Anti-Spam (CT-Spam) que normatizaria definitivamente a questão no Brasil: o código de autorregulamentação para a prática de e-mail marketing. É possível punir empresas que atuem como spammers , conscientemente ou não, com base na Constituição Federal, nos Códigos Civil, de Defesa do Consumidor e Penal e na Lei de Contravenções.


Artigo

Meteorologia

Os dez locais mais quentes do mundo O tempo muda diariamente, e o clima de uma região pode mudar em períodos superiores a décadas. Se você mora numa região quente, não pense que o clima vai ficar ameno nos próximos anos. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a tendência é que as temperaturas subam nos próximos anos em boa parte do planeta. São vários os fatores que influenciam o clima de um local. A latitude é um fator climático. Próximo à Linha do Equador, o clima é mais quente e mais úmido do que nas regiões polares. A altitude é outro fator climático. Quanto maior a altitude, mais baixa a temperatura do ar. A quantidade de oxigênio também diminui com a altitude. Por essa razão, as mulheres têm maiores probabilidades de darem à luz crianças menos sadias, quando estão em regiões com mais de 5 mil metros de altitude. São diversos os fatores que influenciam e determinam o clima de uma região. Portanto, antes de viajar ou de se mudar, procure saber o que pode influenciar o clima local. Há fatores que não modificam com o tempo, como movimentos da Terra, altitude, latitude, massas de ar, etc. Em algumas localidades do mundo, o clima é extremamente quente. Isso se deve, principalmente, à latitude, à altitude e às massas de ar que normalmente são quentes e secas. As dez cidades mais quentes do mundo, por ordem crescente da temperatura do ar, são Wadi Halfa (Sudão), Aghajari (Irã), Ahvaz (Irã), Tirat Zvi (Israel), Araouane (Mali), Timbuktu (Mali), Kebili (Tunísia), Ghadames (Líbia), Al’Aziziya (Líbia) e Vale da Morte (Estados Unidos). As temperaturas nessas localidades variam entre 52ºC e 56ºC. Em Minas Gerais, os principais fatores responsáveis para que as cidades apresentem um clima quente são a altitude, as massas de ar (predominante) e a continentalidade. Cidades com altitude menor do que 200 metros são normalmente muito quentes. Governador Valadares, Muriaé, Araçuaí, Almenara, Manga, Espinosa são exemplos. Os municípios do Triângulo e da Região Noroeste apresentam temperaturas altas devido à continentalidade. É que, quanto mais distante o local é do oceano, maior é a variabilidade diária da temperatura do ar. Arinos é a cidade onde foi registrada a temperatura do ar mais quente de Minas Gerais: 41,6ºC. O registro ocorreu no dia 19 de outubro de 1987.

Ruibran dos Reis Diretor Regional do Climatempo Professor da PUC Minas ruibrandosreis@gmail.com

“SÃO DIVERSOS

OS FATORES QUE INFLUENCIAM E DETERMINAM O CLIMA DE UMA REGIÃO. PORTANTO, ANTES DE VIAJAR OU DE SE MUDAR, PROCURE SABER O QUE PODE INFLUENCIAR O CLIMA LOCAL

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BHZ

receita

Saatore/ Divulgação

Gamberoni dei due golfi

Você descansa e não cansa ninguém. Partidas a cada 15, 20 e 30 minutos. Valor da passagem: R$ 19,70.

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Panqueca

12 unidades de camarão rosa V.G. 200 ml de creme de leite fresco 200 gramas de salmão 80 ml vinho branco 50 ml de whisky 2 cebolas 80 ml de azeite extravirgem 200 gramas de farinha 1 ovo 200 ml de leite 1 colher de manteiga sem sal Ervas finas

Junte a farinha, a manteiga, o ovo, o leite e uma pitada de sal. Misture. Faça as panquecas em panelas teflon.

recheio Coloque o azeite e a cebola ralada em uma frigideira e deixe dourar. Junte o salmão cozido e desfiado, acrescente o vinho e as ervas finas e coloque uma pitada de sal.

Camarão Coloque o azeite e a cebola ralada e deixe dourar. Junte os camarões e flambe com whisky

Montagem Faça as panquecas com o creme de salmão e leve ao forno para gratinar com o queijo ralado.


Artigo

Psicologia

Uvas: qual a melhor escolha? Muitas vezes ficamos na dúvida sobre qual tipo de vinho escolher. Conhecer rótulos e os produtores que mais nos agradam é importante, mas não é o fundamental. Acredito que conhecer as características básicas dos tipos de uva seja o início para determinar a nossa escolha. Aromas, acidez, doçura e adstringência são algumas das características a serem observadas na hora da escolha do rótulo. Cada uva tem características próprias. Saber a região em que a uva foi cultivada também ajuda bastante, pois a uva traz informações e características únicas de cada região. Também deve-se considerar se o vinho estagiou em barricas de carvalho. O recipiente agrega nas características aromáticas e gustativas do vinho. Existem milhares de espécies de uva. Entretanto, algumas se destacam por terem mais expressão. Abaixo cito algumas delas com uma breve descrição. Espero que vocês possam fazer boas escolhas!

Danilo Schirmer Sommelier daniloschirmer@hotmail.com

Cabernet Sauvignon: originária da região de Bordeaux, essa uva tem boa presença de taninos, sugerindo-se uma passagem na barrica de carvalho e um tempo de envelhecimento pelo produtor. Produz vinhos aromáticos, saborosos e de bom corpo. Cabernet Franc: originária da região de Bordeaux, produz vinhos robustos e aromáticos. Tem grande presença de taninos e tende a ter uma acidez mais acentuada. Muito utilizada em vinhos de corte. Merlot: originária da região de Bordeaux, tem taninos e aromas maduros. Produz vinhos macios e com bom equilíbrio entre acidez e álcool. Ao lado da Cabernet Sauvignon, a uva Merlot é considerada uma das grandes do mundo. Malbec: originária da região de Bordeaux, tem características semelhantes às da Merlot. Tem taninos redondos e macios, o que proporciona um leve adocicado. Se o vinho for envelhecido por pelo menos dois anos, vai apresentar maior equilíbrio entre álcool, acidez e taninos. Chardonnay: originária da região de Borgonha, produz vinhos frutados com moderada acidez e corpo leve. Apresenta um sabor frutado. Seus aromas têm frutas tropicais. Sem dúvida, a Chardonnay é uma das grandes uvas do mundo. Sauvignon Blanc: originária das regiões de Bordeaux e Loire, produz vinhos aromáticos com predomínio de frutas tropicais e um leve floral. Na boca, confirma-se o sabor frutado. Seus vinhos são elegantes, macios e agradáveis. Gewurztraminer: originária da região da Alsácia, produz um vinho frutado com sabor complexo. Apresenta especiarias no aroma e no paladar, além de uma baixa acidez e um bom açúcar residual. Vale a pena degustar.

“SABER A REGIÃO

EM QUE A UVA FOI CULTIVADA TAMBÉM AJUDA BASTANTE, POIS A UVA TRAZ INFORMAÇÕES E CARACTERÍSTICAS ÚNICAS DE CADA REGIÃO

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horizontes

Minus5 Ice/ Divulgação

Boemia nova-iorquina Greice Rodrigues, de Nova York Nova Iorque dispensa apresentações. Mas quando o assunto é lazer, é sempre bom saber o que fazer e aonde ir, principalmente, quando não se conhecem os atrativos noturnos que agitam a nightlife nova-iorquina. E nesse quesito, a cidade que nunca dorme oferece opções para todos os gostos e bolsos. Apenas como aperitivo, selecionamos alguns desses lugares que merecem ser visitados para uma noite especial ou simplesmente para um drinque com amigos. São ambientes descolados, curiosos e até inusitados. Nesta edição, apresentamos o Minus5 Ice - um bar completamente gelado. É um frio que não é causado por nenhum potente sistema de refrigeração. O bar é todo feito de gelo. Paredes, cadeiras, balcão, bar, enfim, toda a arquitetura foi projetada e construída no gelo. A temperatura ambiente, como o próprio nome diz, é de cinco graus negativos. O estabelecimento é tão gelado que, antes de entrar, o 34 | www.voxobjetiva.com.br

cliente recebe um kit com luvas, tocas, botas e casacos de pele. Dentro do bar, a decoração surpreende. Lustres e esculturas feitos em gelo dão a sensação de que se está em outro planeta. Cobertos com mantas feitas com peles artificiais, os sofás amenizam o frio tornando o bar, digamos, mais aconchegante. Os drinques são outra atração do Minus5. Os coquetéis, com preços a partir de US$ 15, são servidos em taças também feitas de gelo. “As pessoas vêm por curiosidade e ficam fascinadas com o ambiente. Essa peculiaridade fez do Minus5 uma opção diferente para festas e encontros de amigos”, diz Robert Sobes. Apesar desse “clima”, é a atração mais quente do momento. Localizado no subsolo do Hilton Hotel, de uma das avenidas mais movimentadas de Manhattan, o Minus5 merece ser visitado mesmo que seja por poucos minutos. Vale lembrar que não é permitido o uso de nenhum eletrônico. Os clientes são convidados a deixar seus aparelhos em um armário fora do bar.


Artigo

Psicologia

Irmãos amigos Falar sobre esse tema é prazeroso. A amizade entre irmãos é mesmo muito bonita. Consideramos uma imagem agradável aos olhos e ao coração assim que percebemos uma relação saudável entre irmãos. Sabemos que os laços potentes parecem ter nascido prontos em algumas pessoas. E em sintonia fina, singular e natural. Mas, infelizmente, o que observamos, em geral, são as rivalizações. Não seria falta de amor nem inimizade. Tem a ver com as relações subjetivas entre eles, com a construção da personalidade e com os estímulos familiares. Tem ligação direta com o relacionamento dos pais na posição de casal e com os exemplos dados por eles como cuidadores das crianças. Sabemos que “pais equilibrados” geram crianças emocionalmente saudáveis. Esse é um tema muito complexo que envolve uma constelação de fatores. Mas vou me ater à discussão de que é no ambiente familiar que se formam pessoas saudáveis ou massacradas por rótulos negativos. As relações familiares podem salvar e adoecer as emoções de seus membros. Perceber atitudes e jogos emocionais latentes pode amenizar sentimentos diversos entre os filhos. Dentre eles estão inferiorização, despredileção, ações extravagantes para obter o olhar e o zelo dos pais, depressões, sentimentos de menos-valia, competição acirrada, etc. Todos esses sentimentos são estimulados conscientemente ou não pelos próprios pais. Muitos relatam que gostariam que os filhos fossem unidos, mas acabam por estimular sentimentos nocivos entre eles. Muitas vezes, trata-se de uma corrente constante do que viveram anteriormente e que cai na repetição. Mas sempre é tempo para refletir e mudar o caminho... É muito importante que os irmãos sejam estimulados, desde a primeira infância, a sentir a importância um do outro. Sentimentos como a cumplicidade podem, sim, ser desenvolvidos e ampliados ao longo da vida. A amizade é um terreno fértil e é espelhada pelas ações dos pais. É importante que existam ações de confiança, de ajustes, mesmo com os desentendimentos, pois é na vida familiar que se formam os maiores treinos para a vida social, amorosa e profissional. O bom exemplo vem das vivências inconscientes. Caso se perceba que as coisas não estão seguindo por um bom caminho, sugere-se buscar orientação para a melhor condução.

Maria Angélica Falci Psicóloga clínica e especialista em Sáude Mental angelfalci@hotmail.com

É muito importante que os irmãos sejam estimulados, desde a primeira infância, a sentir a importância um do outro. Sentimentos como a cumplicidade podem, sim, ser desenvolvidos e ampliados ao longo da vida

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Kultur

Sapatilha nova em Minas Com o primeiro ato de La Bayedère e uma coreografia feita sob medida, a Sesc Cia. de Dança fez sua estreia no palco do Grande Teatro do Palladium. O grupo chega para reforçar a já reconhecida tradição da capital mineira no campo da dança Texto: André Martins Fotos de Jáder Rezende

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kultur

Uma observação, que no primeiro momento poderia ser interpretada como uma brincadeira ou um desafio, foi o passo inicial para que, em janeiro de 2012, a Sesc Cia. de Dança começasse a ser esboçada. “O diretor (do Sesc-MG) tinha ido a um evento e comentou comigo: ‘- Olha, tal organização, parecida com a nossa, tem uma companhia de dança’”. “Para mim, esse foi o sinal para que trabalhássemos na montagem da nossa companhia”, lembra a coordenadora-geral do grupo, Maria Elisa Medeiros. As semanas seguintes foram marcadas por noites maldormidas, embora muito produtivas, para a assessora de cultura do Sesc. Formada em Artes Cênicas pela UFMG e bailarina “rodada”, com experiência em grupos, como Primeiro Ato e Sarandeiros, Maria Elisa elaborou um projeto de companhia que contemplasse não apenas o balé contemporâneo, mas o clássico também. “O Palladium, por exemplo, ficava lotado quando tinha apresentação de dança clássica. Existe essa demanda. Então eu pensei em propor um projeto de companhia que dançasse o balé clássico e o contemporâneo, porque é importante a gente tentar dialogar com a maior parte do público”, revela.

Três meses depois, em abril, o projeto recebeu a chancela da direção do Sesc Minas, e o período de contratações foi iniciado. Primeiro, foram admitidos uma coordenadora artística e professores de dança para que a seleção dos bailarinos pudesse ser realizada. As primeiras audições receberam inscrições de todo o Brasil. Para Maria Elisa, esse fato evidenciou, mais uma vez, como o país é carente de companhias de dança. Em novembro de 2012, os primeiros sete bailarinos chegaram a Belo Horizonte. Outras audições foram realizadas até a companhia fechar com o número de 22 bailarinos dos quatro cantos do Brasil: Maranhão, Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais,... “Alguns vieram de grandes companhias, como Deborah Colker e Cisne Negro. Outros se formaram em escolas, como a do Bolshoi, e nunca passaram por uma companhia. Para esses, trata-se da primeira experiência profissional”, revela a coordenadora, que destaca a diversidade como um dos trunfos do grupo. Há até uma artista circense no grupo. A troca de experiências tem ajudado a moldar e a enriquecer o lado artístico de todos.

Paulo Filho

Os bailarinos da companhia ladeados pela coordenadora artística Carla Michelle Coelho e a professora e ensaiadora de ballet clássico Renata Araújo, à esquerda; e a coordenadora-geral Maria Elisa Medeiros, à direita.

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Kultur

Jovem, a Sesc Cia. de Dança enfrenta alguns problemas e situações que o chamado “tempo de chão” acaba influenciando. Na noite de estreia, o grupo apresentou apenas o primeiro ato de La Bayedère. Somente o segundo ato do espetáculo demandaria 30 bailarinas, algo possível apenas para as grandes e já consolidadas companhias de dança. Até poder contar integralmente com bailarinos próprios, o grupo deve fazer convites a dançarinos de outras companhias. O número de bailarinos não chega a ser um problema como o que está na ordem do dia: o espaço físico. A companhia ensaia em um local improvisado, nos fundos de uma academia de ginástica no bairro Buritis. O Sesc tem feito sondagens e está procurado um imóvel adequado na cidade. “Nesse primeiro momento, a gente teve que encontrar alternativas para tirar o projeto do papel. Então o espaço que usamos é provisório. Para determinar o local, a gente precisava definir algumas coisas, como a quantidade de bailarinos, e definir as necessidades que teríamos. Hoje eu já sei, por exemplo, que eu preciso de um espaço para a fisioterapia, para o pilates,... São coisas que a gente começa a delinear somente a partir do momento que a companhia começa a funcionar”. Como organização que preza pelo bem-estar e pelo desenvolvimento social, o Sesc vislumbra algo mais do que apenas a formação de um corpo de dança profissional. O projeto também prevê a organização de um curso profissionalizante de cunho social. A etapa deve ser trabalhada a partir da consolidação da companhia. Mesmo com muitos planos, Maria Elisa revela que o projeto foi além do que ela imaginava. Na posição de primeira companhia do estado que dança clássico, a Sesc Cia. de Dança tem recebido convites para participação em eventos culturais. Todos os chamados estão guardados a sete chaves. Com os espetáculos “La Bayedère” e “São Como Palavras”, o balé vai seguir em turnê pelas cidades do Interior de Minas Gerais. “O que a gente mais quer é democratizar o acesso à cultura e à arte. Queremos dançar nas cidades em que as pessoas não têm oportunidade de ver balé clássico nem contemporâneo. Obviamente queremos formar público e educar por meio da arte. Eu acho que é uma forma lúdica de criar um espírito crítico nas pessoas. A arte tem esse papel também”, ressalta a coordenadora. Assim como aconteceu na estreia, a ideia da companhia é dividir os espetáculos, dançando um balé clássico de repertório e um contemporâneo. Não haverá coreógrafos 38 | www.voxobjetiva.com.br

fixos. Dessa forma, profissionais serão convidados para as montagens contemporâneas e neoclássicas.

Uma vida atípica Com o Sarandeiros e o Primeiro Ato, Maria Elisa rodou o mundo. Ainda muito jovem, a bailarina subiu em palcos da América Latina, Europa e do Canadá. Atualmente ela acompanha de perto o desenvolvimento dos bailarinos da Sesc Cia. de Dança, a maioria na faixa dos 24 anos de idade. Maria Elisa revive o passado e aproveita a experiência para aconselhar, lembrando que, mesmo com o prazer proporcionado pela dança, nada vem de maneira fácil. “Bailarino convive com dor. Isso faz parte do dia a dia. E eles não têm vida comum. No escritório, depois do trabalho, talvez você consiga fazer alguma coisa. Mas aqui, depois de horas de ensaio, no outro dia você tem que estar bem para subir no palco e dançar. Você tem que abrir mão de muitas coisas. O cuidado com o corpo tem que ser maior. Então, só o amor à dança não basta. É preciso esforço e dedicação”, adverte. Em suas mais diversas variações, a arte complementa a formação do bailarino. A constante procura pelo que Maria Elisa chama de “alimento” — ter contato com outras formas de arte —, é imprescindível na visão da coordenadora. “O diferencial do bailarino é justamente se apropriar da técnica para transcendê-la; é fazer com que a arte aconteça. É interessante quando se percebe que houve uma experiência diferente e que algo mudou internamente, ainda que seja pelo lado inconsciente. Às vezes, a pessoa não entendeu nada, mas quando sai do espetáculo, relata que aquilo mexeu com ela de alguma forma”, explica.


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Com o pé direito Até os últimos instantes que antecederam a estreia, na sexta-feira, 23 de agosto, a palavra de ordem para todos era “trabalho”, árduo e intenso. Até a data tão aguardada, muitas coisas aconteceram simultaneamente para convergir em apenas uma. Enquanto os 22 bailarinos ensaiavam exaustivamente, tecidos sofriam cortes, passavam por máquinas, tornavam-se peças. Ao mesmo tempo que movimentos eram criados, um balé original era pensado em aspectos de adaptação e remontagem. Enquanto a iluminação era ajustada, a equipe cenográfica tentava (re) construir certos detalhes da forma mais justa possível. O esforço originou um retorno codificado por meio de gritos e aplausos ao fim da apresentação de estreia de quase duas horas de duração. O Grande Teatro do Palladium foi completamente tomado por um público heterogêneo: crianças, jovens, adultos e idosos. O espetáculo de estreia foi dividido em dois momentos. Dedicada ao clássico, a primeira parte teve desfecho com o ato inicial de La Bayadère – balé russo dançado em diversos palcos mundo afora e que estreou em São Petesburgo,

na Rússia, em 1877. Orientados pela música original de Ludwig Minkus, os bailarinos usaram toda a sua expressividade para contar o primeiro ato da história sem fazer o uso de palavras. Movimentos explosivos masculinos se opunham à leveza e à sensualidade das bailarinas. Após uma pausa, os bailarinos retornaram para a apresentação de “São Como Palavras”, espetáculo pensado e coreografado pelo experiente Henrique Rodovalho. Com uma música suja, mixada e urbana, o espetáculo ressaltou a versatilidade e a elasticidade do corpo. Os diferentes movimentos do balé explicitaram que, como meio de expressão artística, o corpo tem linguagem própria. E tal como a linguagem falada, a expressão corporal tem o poder de dar origem a incontáveis significados. Em La Bayedère, tudo é muito colorido e bem-acabado como manda o figurino indiano. O cenário cumpre função própria. Mas por motivos óbvios, não é tão ostentador como foi feito por companhias experientes. Já em “São Como Palavras”, a prevalência da sobriedade de cores e a iluminação cirúrgica chamam a atenção. Há que se destacar também a ótima performance dos bailarinos.

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Asa cintilante

Festejada por Maria Bethânia, por japoneses e europeus, Consuelo de Paula finaliza a produção de novos projetos e rasga o verbo ao se posicionar contra a política cultural e o famigerado jabá Jáder Rezende

Há 15 anos, a música brasileira passou a ficar mais colorida e cintilante. Uma menina de Pratápolis, no Sudoeste de Minas, surpreendeu todos com o lançamento de seu primeiro disco. “Samba, Seresta e Baião” arrebatou elogios da crítica, que não resistiu à magia de um canto refinado e singelo. O primeiro CD foi de intérprete. Depois vieram outros quatro autorais, o DVD e o primeiro livro, tudo produzido à própria custa e com o mais fino trato. A arte de Consuelo tocou em cheio o coração de Maria Bethânia, dos brasileiros, dos hermanos argentinos, espanhóis e o de um povo que prima pela delicadeza e sensibilidade: os japoneses. 40 | www.voxobjetiva.com.br

Na terra do sol nascente, Consuelo de Paula foi contemplada com “Patchwork”, coletânea de seus primeiros trabalhos, e foi alvo de elogios poéticos da crítica especializada. Em entrevista à Vox Objetiva, a artista fala de seus novos projetos com muita poesia, mas endurece o verbo ao falar da política cultural e do famigerado “show business” nacional, cada vez mais dominado pelo jabá. “A maioria da população só conhece o que o jabá permite”, brada Consuelo. A artista se ressente de mudanças reais que atuam na base de tudo, mas deixa claro que esmorecer jamais: “Nos espaços em que a arte, com toda a sua inteireza, o radicalismo e a profun-


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didade existem e onde ela pode acontecer, eu estive e sempre estarei”. Sua infância em Pratápolis foi embalada pelos sons dos tambores, dos versos e das cores vivas do congado mineiro. Essa experiência foi importante para a sua formação musical e o seu trabalho? A poesia presente nesses cortejos, em suas imagens, nos bailados e nos versos é a matéria e a alma da minha arte. É com essa admiração que eu expresso a minha música e o meu silêncio; o meu movimento e a minha pausa; a festa popular, a rua, o sentimento de liberdade que isso provoca; a profundidade e a complexidade dessas manifestações; a riqueza, a simbologia, as cores, o jeito de corpo dos congadeiros, a maneira de respirar entre os compassos; a força presente nas danças e nas músicas de rua: moçambiques, congados, blocos de carnaval, fanfarras, folias, procissões, desafios, serestas; a força e a delicadeza da arte mineira; o sorriso e a timidez; os rios, as montanhas, os quintais, a ponte; o interior. Tudo isso está presente em meu trabalho de forma central, mas é expressado de acordo com a estética do instante presente, que conversa com o passado e aponta para o futuro. Essas experiências estão em minha forma de interpretar os cânticos de domínio público, as canções de outros autores e as de minha autoria. Minhas composições também fazem sempre referência a essas experiências gravadas na retina e na alma. E quando admiramos algo em profundidade, podemos criar infinitamente. Há 15 anos, você lançou seu primeiro CD “Samba, Seresta e Baião”. O trabalho projetou você no cenário nacional. Qual o balanço que você faz da sua carreira? Há mais conquistas a serem comemoradas? Nossa! Eu não me lembrava que podemos comemorar agora uma data tão bonita: 15 anos! Sinceramente, às vezes parece tão pouco... Mas, pensando bem, realizei tudo o que eu poderia desejar como artista: cantei em teatros que nem ousei sonhar, como o Theatro Municipal de São Paulo e o Teatro Gran Rex de Buenos Aires; participei dos programas de TV que sempre admirei; produzi, de forma independente, cinco CDs, um DVD e um livro; recebi palavras maravilhosas de tantos escritores, críticos e artistas que também admiro. Para um artista independente é muito, muito mesmo. Construí

uma carreira de forma absolutamente verdadeira, teimosa, mas a serviço da arte que acredito e que gostaria de receber como ouvinte. Foram incontáveis shows, momentos inesquecíveis e o melhor de tudo: um público que respira comigo. O mundo poderia ter muito mais espaço para a arte, mas nos espaços em que a arte existe com toda a sua inteireza, radicalismo e profundidade. Fale um pouco da sua trajetória. Quando criança, eu era inquieta em relação à arte. Chorava porque queria aprender piano e não tinha professor na cidade. Participava de tudo que podia: teatrinhos na escola, fanfarra, carnaval, festivais, serestas e bailes. Era oradora, compunha, cantava, tocava violão, batucava, escrevia textos. Mas não tinha consciência de que somente na arte eu encontraria o meu ofício. Fui fazer farmácia em Ouro Preto. Depois de formada, fui pra São Paulo, pois sabia que era onde eu poderia, aos poucos, desenvolver minha arte. Levei pra São Paulo minhas vivências do interior mineiro e a experiência de viver em Ouro Preto. E entrei em contato com um amplo universo de expressões artísticas. Acho que isso foi fundamental para a minha formação: ser do interior de Minas, ter estudado em Ouro Preto e ter construído minha carreira em São Paulo. Continuo sendo aquela menina de Pratápolis, mas que tomou distância e, por isso mesmo, olha com ângulos novos e traçados distintos. Isso possibilitou a formação de uma linguagem própria. Ouvi de tudo, participei de muitos saraus, de tertúlias, cursos, laboratórios de arte, teatros, grupos culturais, assisti e assisto a milhares de filmes de arte, a peças, balés, encontros de cultura popular, concertos eruditos, rodas de samba e choro, discussões, bares e botecos e encontros. Tudo isso foi e ainda é muito importante; tudo isso me formou e hoje me inspira. Mas vou fazendo minha obra dentro de determinado universo, até porque eu me sinto fazendo uma única obra. É como capítulos de um grande livro. Isso me faz escrava e é também o que me liberta. São meus pés e meus braços; é meu chão e meu céu. Ser cantora, compositora, poetisa, diretora artística e produtora musical dos próprios trabalhos não é para qualquer um. O que você nos reserva para este ano? Quais são os seus novos projetos? Quando terminei a minha primeira trilogia, com o CD Dança das Rosas, pensava que iria fazer um | 41


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CD de intérprete para recomeçar o ciclo. Mas vieram três obras autorais: o CD “Casa”, o DVD “Negra” e o CD “O Tempo e o Branco” (esse ainda não gravei). “O Tempo e o Branco” foi provocado pela leitura de versos da poetisa Cecília Meireles. Eu lia os poemas ou mesmo um verso e imediatamente escrevia uma canção. É um trabalho também fruto de minha parceria com o genial melodista Rubens Nogueira. Em breve, pretendo gravar esse CD. Depois disso, retomei a ideia de fazer o CD com canções de outros autores, mas, para a infelicidade de alguns (muitos fãs esperam o CD da intérprete), continuo compondo compulsivamente. Mas existe esse projeto em andamento. Você é bastante festejada no Japão, onde foi lançado o CD “Patchwork” - coletânea de seus primeiros três discos - e destaque na capa do Guia Japonês Brasilian Music (Massato Asso), que selecionou os 500 melhores CDs da música brasileira de todos os tempos. Há novos planos para conquistar outras terras, outros mares? Pois é... Preciso fazer um show no Japão. A receptividade à minha música lá é muito bacana! Outro país onde adoro cantar é a Argentina. Foi em Buenos Aires que tive a maior manifestação do público. Existe uma identidade e uma comunicação muito forte entre a minha música e os latinos. Em Portugal, apesar de não ter realizado shows lá ainda, recebo muitos e-mails de fãs e sei que algumas faixas, como “Lua Branca”, do CD “Samba, Seresta e Baião”, e de várias do CD “Tambor e flor”, são muito tocadas lá. Na Espanha, quando me apresentei, também foi incrível. Quero muito ampliar minhas cantorias nos países vizinhos e nas terras do além-mar. Sua veia literária também é latente e seu novo livro está prestes a ser publicado. Fazer livro é como fazer música e poesia? Sempre escrevo poemas e textos enquanto estou criando um CD. Isso completa e, às vezes, serve de condução para as canções. E escrevo poemas que conversam com minhas canções, mas com mais liberdade, podendo até sair um pouco do espaço da minha obra musical. Depois do lançamento do livro “A Poesia dos Descuidos”, fiquei com vontade de publicar 42 | www.voxobjetiva.com.br

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Maria Bethânia recebe Consuelo de Paula, de quem a cantora baiana gravou a música “Sete Trovas”

um livro só de poemas. Foi muito bom escrever para os cartões de arte de Lúcia Morales. Foi um livro que me deu imenso prazer. E fazer outro de poemas será um caminho natural da letrista, da cancioneira. Sua canção “Sete Trovas” foi gravada por Maria Bethânia. Para você e seus fãs foi um grande prêmio. Que outros intérpretes já gravaram suas músicas? Maria Bethânia vai gravar outras? Acho lindo você dizer em sua pergunta: “pra você e seus fãs foi um grande prêmio”! É assim que um artista como eu vai seguindo: comemorando com as pessoas que gostam do meu trabalho. Comemoramos muito essa gravação. Maria Bethânia é uma das maiores intérpretes da música brasileira de todos os tempos e cantou lindamente Sete Trovas! Já fui gravada pela Luzia Dvorek, Rita Gullo, Ana Cascardo, Cris Lemos, por José Luiz Mazziotti, Katya Teixeira, Pedro Antônio, Socorro Lira, Karine Telles e pelo Grupo Balaio. Todas essas interpretações me deram grande alegria. O que você tem ouvido? Que novas promessas você destacaria dessa dita nova geração? Alguma de Minas? Sempre procuro músicos e arranjadores que possam compreender bem o que as novas canções estão expressando. Foi assim com Mário Gil, Dino Barioni, Dante Ozzetti, João Egashira, Jardel Caetano, Chico Saraiva e tantos outros maravilhosos. Estou ouvindo muita coisa bonita. Esta semana mesmo ouvi o Grupo Conversa Ribeira, que traz


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uma harmonia da qual gosto muito. O Neymar Quarteto, a Heloísa Fernandes, a Patrícia Bastos, o CD da Orquestra À Base de Corda e o Grupo Capim Seco de Minas, que faz um som muito bom. De Minas ouvi também o bonito CD de Luiz Salgado, feito para crianças: Navegantes. Como você avalia o cenário da música independente e o cruel mercado fonográfico infelizmente ainda movido pelos famigerados jabás?

nando o mercado por meio de insistentes jabás. Claro que sempre haverá a música de massa, os investimentos e interesses, mas as pessoas não podem ter somente isso como expressão musical. A arte é muito mais do que imaginamos; é o que nos dá realmente a possibilidade de crescimento como seres humanos, pois chega a lugares que somente ela pode chegar. As diretrizes do Ministério da Cultura são propícias para os artistas que vivem à margem?

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Consuelo e sua trupe no lançamento do CD Casa em Curitiba. O espetáculo será apresentado em Uberlândia no dia 9 de novembro

É na música independente que habitam os melhores trabalhos. E as possibilidades profissionais diminuem ao invés de crescerem, pois o mundo do jabá vai tomando conta de espaços que antes eram dos independentes. Existe um crime cultural seriíssimo. A maioria da população só conhece o que o jabá permite. As rádios e TVs de audiência maciça nem sequer informam que existe um mundo de música e arte, além das músicas divulgadas nas grandes gravadoras internacionais. Eu quero ouvir de tudo. Na virada do século, por exemplo, fazíamos milhares de shows nos Sescs, nos espaços públicos, e nunca vi uma nota sobre isso nas grandes redes. Era uma revolução cultural. Só as rádios públicas, as TVs públicas e os jornais acompanhavam. Isso se deu com uma geração anterior à minha e acontece também com novas gerações. Mas, para a considerada grande mídia, é como se não existisse relação entre música e arte nem entre música e cultura. O espaço é apenas para o que já está domi-

O mundo cultural, com o passar do tempo, ficou mais parecido com o mundo do mercado. Estou falando aqui deste grande mercado em que só importa o lucro; de um mercado em que, por exemplo, qualquer imitação pode ser mais valiosa do que o original. Antes o jabá era só pra Rádio e TV. Hoje ele atua para expor o produto na vitrine, tocar nas lojas e se destacar na internet, para shows, etc. Claro que há exceções e que existem projetos legais e um circuito acontecendo, e há muitos artistas fazendo coisas incríveis, mas não senti nenhum avanço em políticas culturais, desde quando comecei a trabalhar. E hoje, no mundo cultural, quem decide os maiores patrocínios são as empresas. Não vejo nada em direção à essência; não vejo ações profundas. Não vejo mudanças reais que teriam que atuar na base de tudo. Se a lei maior é somente mercado, quanto vale a arte? Quanto vale a arte que serve apenas à poesia? Quanto vale a arte dos que estão a serviço dela de forma plena? Eu não vejo diretrizes que realmente propiciem condições para o crescimento do trabalho artístico e o exercício pleno dessa profissão ainda pouco compreendida. | 43


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Jáder Rezende Jornalista da área de cultura jader.rezende@voxobjetiva.com.br

Novas trilhas Depois de bombar com o álbum de estreia, Flúor, gravado há cinco anos em BH, arregimentando mais de 30 músicos e indicado so 21º Prêmio da Música Brasileira, a banda Escambo volta a atacar com Neon, que mescla floresta amazônica a guitarras distorcidas e ironia pós-tropicalista. A banda surgiu em 2006 e da formação original permanecem os comositores cariocas Renato Frazão, graduado em em música popular pela UniRIO, e Thiago Thiago de Melo, filho do poeta amazonense Thiago de Melo e irmão caçula de Manduka, verdadeiro tesouro encoberto da MPB. O Escambo já rodou o país e também a Espanha, em uma elogiada turnê em 2009, com sucesso de público em diversas casas de shows. Thiago Thiago de Melo concluiu, ao longo deste período, um Doutorado em Antropologia pela UERJ, estudando os discursos de renovação da MPB, com foco específico numa geração da qual fazem parte Pedro Moraes, Thiago Amud, Armando Lôbo, Edu Kneip, Mauro Aguiar… Através desta pesquisa, que mapeava a obra e o pensamento destes artistas, realizou-se a aproximação com os membros do que viria a se tornar o Coletivo Chama. Em sua primeira fase, o Escambo chamou a atenção pela sonoridade marcante, a presença da percussão brasileira e da tradição cancionista da MPB dos anos 60 e 70. Agora ataca com uma vertente mais roqueira, ao mesmo tempo em que revela uma maturidade artística alcançada neste intervalo de tempo. “De forma rara na história recente da MPB, empreende-se uma tropicalização do tropicalismo, uma relativização do relativismo, uma provocação que pode abrir novas trilhas para a música brasileira, e mesmo para a canção como forma de compreender (ou inventar) um país”, diz Pedro Moraes, padrinho da banda.

Todas as tribos Mais glogrurea a l i -

perfeita tradução da balização cultural, o po paulista Mawaca torna este mês para China para lançar discografia digitazada pela gravadora A-Peer Synergy, braço d a Sony chinesa. De quebra, o grupo vai fazer cinco shows na histórica Hangzhou, perto de Shangai. No retorno ao Brasil, a missão (nada difícil) será conquistar o público-mirim, conforme revela a líder do grupo, Magda Pucci. A concretização do projeto “Mawaca Pelo Mundo” inclui shows, CD e DVD. E a trupe vai dar continuidade aos encontros com os indígenas da Amazônia iniciado em 2010. Formado por sete cantoras e seis músicos, o Mawaca interpreta canções em mais de 15 idiomas, acompanhadas por instrumentos acústicos, entre acordeon, violoncelo, flauta e sax soprano, contrabaixo e instrumentos de percussão, como tablas indianas, derbak árabe, djembés africanos, berimbau, vibrafone e pandeirões do Maranhão. Na estrada há 18 anos, o Mawaca lançou seis CDs e quatro DVDs. A produção mais recente é o CD-DVD Inquilinos do Mundo produzido pelo finlandês Pehka Lehti. O álbum traz cantos nômades de povos do Leste Europeu. Com poucas palavras, Magda explica de onde vem o gás para tanta diversidade: “Somos camaleoas e nos divertimos em ser assim. E os instrumentos embarcam nessas viagens sonoras que propomos”, conclui.

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kultur Boca suja Carlos Careqa está em estúdio finalizando sua mais nova cria: um disco infantil iconoclasta que promete revirar as estruturas vigentes sobre fazer música para crianças adultas. Para emplacar a produção de Palavrão Cantado, o cantor e compositor curitibano recorreu ao site Catarse - a maior comunidade de financiamento coletivo brasileira. O artista vem ganhando cada vez mais apoiadores que já garantiram mais da metade da verba necessária para o projeto. Para gravar o CD, o artista convocou Marcio Nigro e Mário Manga. Abusando do palavrão, Careqa vai brindar seu público com um repertório pra lá de escatológico. “Nós temos que viver conforme o nosso tempo. Estamos no século 21, mas ainda tratamos nossas crianças adultas como se estivéssemos no século 19. As crianças adultas cresceram. Elas acessam a internet, veem televisão abertamente e certamente sabem sobre tudo. Porém fingimos que não vemos. Elas gostam de falar bobagem sem culpa nem medo. Querem ouvir falar sobre peito, arroto, morte, masturbação, etc., etc.”, pondera o desbocado. Assim Careqa resume a proposta do CD de 11 canções de sua autoria. “Sou um cinquentão que mantém viva dentro de mim uma Grande Criança. Aliás, este é o objetivo secundário do CD: avivar a chama da criança que existe em todos nós e que, em muitos casos, foi perdida ou trocada por um cargo, uma ocupação ou simplesmente soterrada no meio de tanta preocupação do cotidiano”, adverte.

Contracultura Referência na dança contemporânea mineira, o bailarino Tuca Pinheiro segue para o Leste Europeu em busca de curiosidades do período do holocausto nazista. A pesquisa vai embasar seu próximo trabalho solo, “Yenna – não deforma, não tem cheiro e não solta as tiras”. Segundo o artista, o trabalho é “um grito de protesto contra os tortuosos e pouco ousados rumos da dança brasileira contemporânea e contra as condições subumanas latentes nesse cenário”. O espetáculo vai ter sua pré-estreia no Festival Internacional de Dança (FID), em novembro.

Reprodução Reprodução

DISCOTECA BÁSICA Baú do Raul Gravado em 1971 e desprezado pelo público e pela crítica, “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10” merece ser garimpado nos sebos. Além de Raul Seixas, integravam a estranha “agremiação” o cantor, ator, dançarino, produtor teatral e artista plástico Edy Star, Míriam Batucada e Sérgio Sampaio. A ideia de Raul Seixas era dar vida à versão tupiniquim de Freak Out (1966), de Frank Zappa, e Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles. Raul era o produtor, mas a ideia não convenceu os demais integrantes do grupo. As dez faixas são parceria de Raul e Sampaio, e os estilos vão da seresta ao chorinho. A cereja do bolo é “Aos Trancos e Barrancos”, único samba composto e gravado pelo maluco-beleza.

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Caetano Veloso

Black Sabbath

Vanessa da Matta

No próximo dia 5, Caetano desembarga em Beagá para dar o seu “Abraçaço” nos mineiros. O disco, que nomeia também a turnê de divulgação do CD, é o último da trilogia com a BandaCê, formada por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados) e Marcelo Callado (bateria e percussão). O novo trabalho de Caetano “conversa” com diversos estilos musicais, indo da bossa ao funk. Mas a batida do violão, tão característica na obra do cantor, está presente em grande parte das faixas que o compõe. A apresentação é única, e os ingressos já estão sendo vendidos, variando de R$ 50 a R$ 120 (inteira).

Os amantes do bom rock certamente vivem momentos de grande expectativa. Não é para menos. Pela primeira e única vez juntos no país, Ozzy Osbourne (vocal), Tony Iommi (guitarra) e Geezer Butler (baixo) incluíram Belo Horizonte na rota da turnê mundial “Reunion”. A lendária banda de heavy metal, que já vendeu mais de 70 milhões de álbuns no mundo, fará quatro shows que prometem fazer história no Brasil. Em Minas Gerais, o palco será o grandioso templo do futebol mineiro, o Mineirão. Na ocasião, o público poderá conferir os clássicos da carreira do Black Sabbath e as novas canções do aclamado álbum “13”.

Nos últimos meses, Vanessa da Mata esteve completamente absorvida pela música do maestro, compositor e arranjador Tom Jobim. Ela participou da turnê Nívea Viva em homenagem a Tom, o cantor brasileiro mais gravado no exterior. Agora, a cantora mato-grossense-do-sul volta a peregrinar pelo Brasil cantando aquele que foi uma de suas maiores paixões e inspirações como artista. O set list do show conta com 24 canções escolhidas a dedo. Alguns dos maiores clássicos de Tom e da música brasileira estão incluídos: “Garota de Ipanema”, “Chega de Saudade” e “Desafinado”. Os ingressos variam de R$ 35 a R$ 100 (inteira).

Chevrolet Hall 5 de outubro Informações: chevrolethallbh.com.br

Mineirão 15 de outubro Informações: ticketsforfun.com.br

Chevrolet Hall 19 de outubro Informações: chevrolethallbh.com.br


A ASSEMBLEIA ESTÁ DE OLHO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS Políticas Públicas são as ações que o Estado executa para oferecer bens e serviços à população. Todo ano, a Assembleia Legislativa analisa essas ações para garantir que as prioridades dos mineiros sejam atendidas pelo Poder Público. Para isso, são realizadas diversas audiências públicas por todas as comissões permanentes, entre outros trabalhos. Este ano, a Assembleia lança uma novidade: o site Políticas Públicas ao Seu Alcance, que possibilitará a todos os cidadãos acompanhar a execução orçamentária do Estado, em cada um dos municípios de Minas. ABERTURA DO CALENDÁRIO DE ATIVIDADES DE MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 2013 21 de agosto de 2013 14h − Plenário Juscelino Kubitschek − ALMG

Acesse e conheça: www.almg.gov.br


otium

Roteiro do sabor

A favorita

ALGUIDARES

CAFÉ DE LA MUSIQUE

A Favorita é uma mistura de bar, restaurante e padaria. O local oferece serviços e comidas requintados. O estabelecimento tem um cardápio variado, assinado pelo chef espanhol Eric Marty e pelos proprietários Jorge Rattner e Fernando Areco. Os sofisticados pratos do menu seguem a cozinha italiana, com inovações de tendências francesas. A Favorita também oferece uma extensa carta de vinhos com mais de 300 rótulos. O ambiente aconchegante é marcado por uma varanda convidativa, ideal para um Happy Hour descontraído com os amigos.

O Alguidares de Belo Horizonte é um autêntico restaurante baiano, servindo acarajé, moqueca de camarão, casquinha de siri e muitos outros pratos típicos da Bahia. Garçons vestidos a caráter, música e decoração típicas completam o ambiente aconchegante do restaurante. Com uma boa localização, ótimo espaço para se acomodar e cardápio variado, a casa é uma ótima pedida durante a semana inteira. Para quem gosta de culinária regional, especialmente nordestina, vale a recomendação.

Sucesso em cidades como Porto Alegre e Floripa, o Café De La Musique tem um ambiente descolado, boa música e todo o glamour do mundo fashion. O dinning club reúne no mesmo lugar alta-gastronomia, música e moda. Entre os destaques da casa, estão as animadas noites comandadas por DJs de renome no cenário musical. Apesar de pouco tempo de existência (desde 2010), o local já se tornou um sofisticado point da capital mineira.

Rua Santa Catarina, 1235 - Lourdes Telefone: 3337-5542

Rua Piumhi, 1037 - Anchieta Telefone: 3221-8877

Rua Bárbara Heliodora, 123 Lourdes Telefone: 2512-3852

CHOPERIA ALBANOS ANCHIETA O Albanos foi eleito 12 vezes pela Revista Veja o melhor chope de BH. É a única choperia de Minas indicada no guia “101 bares para beber, antes de morrer”, da Revista Quatro Rodas. Rua Piumhi, 611 – Sion Telefone: 3281-2644 48 | www.voxobjetiva.com.br



crônica

Crônica

Que os mortos sejam sepultados... Esta semana terminei de assistir à série francesa Le Revenants. São oito episódios que se passam em uma pequena e isolada cidade do interior da França. Por motivo desconhecido, pessoas daquela localidade que morreram há poucos anos voltam à vida. Errou quem imaginou zumbis, fantasmas ou caveiras assustadoras. Os mortos-vivos deixam o cemitério sem nenhum adereço de terror. Chegam a suas casas à procura dos familiares e amigos com a mesma aparência que tinham antes da morte. O que poderia ser a realização de um sonho para aqueles que viveram perdas tão dolorosas se apresenta muito mais complexo. Há conflitos entre irmãos – o vivo e o morto-vivo –, entre namorados, pais e filhos... Impossível não assistir à série sem imaginar o que aconteceria se os nossos entes queridos que, a princípio, foram desta para a melhor, voltassem a viver entre nós. E não falo apenas dos que partiram pela via da morte física, mas dos que nos abandonaram ao longo do caminho por desejo ou pela falta dele. A ausência costuma ser bastante eficiente em apagar os defeitos e ressaltar as qualidades. Parece-me um mecanismo de defesa da alma e do coração. Lembrar momentos com saudade é quase como vivenciá-los novamente. Visitar as lembranças se assemelha a folhearmos um álbum de fotos. Todos estão sorrindo, felizes e em harmonia. O que nos escapa é que só vão para lá as melhores imagens. Ninguém guarda registros dos instantes de crise. Há alguns anos, muitos na verdade, rompi um relacionamento que me destruía em doses homeopáticas. Um tempo depois, a solidão deixou minha memória confusa e chorei como se tivesse perdido a pessoa mais fantástica do mundo e a única que seria capaz de me fazer feliz. Nas minhas lembranças apareciam apenas os momentos divinos, nenhuma traição, nenhum desrespeito, nenhum fracasso. Quando ele quis retomar a relação, ressurgi das cinzas e sucumbi ao que minha imaginação construiu na sua ausência. Foram breves e ilusórios dias que a realidade tratou logo de abortar. Precisei que aquele morto voltasse do túmulo para enterrá-lo definitivamente no meu passado já que, no meu presente, ele era apenas a ilusão de uma alegria transitória. Para mim, por razões de fé e religião, a morte não existe. Não é justo julgarmos quem não está mais entre nós pra nos defender. Mas hoje reservo minhas lágrimas para quem realmente faz falta. Queria muito ter de volta algumas pessoas queridas que se foram da minha vida por uma determinação do destino ou de qualquer mistério maior que conduza nosso viver e nosso morrer. Mas se o abandono e a perda não se encaixam nessa situação e a decisão de não estar mais ao meu lado foi voluntária, deixo que os mortos sigam seu caminho. Não perco tempo acendendo velas para quem me desprezou. Fantasmas só me provocam reações em filmes de terror, e esse nunca foi o meu estilo predileto.

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Joanita Gontijo Jornalista e autora da facenovela “Do Rivotril ao Red Bull” joanitagontijo@yahoo.com

Para mim, por razões de fé e religião, a morte não existe. Não é justo julgarmos quem não está mais entre nós pra nos defender. Mas hoje reservo minhas lágrimas para quem realmente faz falta



PA R C E R I A S GERAM ARTE, M O D A , M U N D O, NEGÓCIOS.

13 0 MINAS TREND / OUTONO-INVERNO 2014 Expominas / Av. Amazonas, 6030 / Belo Horizonte - MG

8 a 11/10


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