Vox 52

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Remendo novo, batina velha Luxúria, corrupção e escândalos sexuais desafiam o pontificado de Francisco

Eros Grau

Quando a vaidade toma o lugar da lei

Outubro/13 • Edição 52 • Ano V - Distribuição gratuita

Direito adquirido? - OS Casais homossexuais e a polêmica sobre a inseminação


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Olhar BH

No coração de Beagá Foto: Felipe Pereira


Editorial O conhecimento que ainda não temos

Carlos Viana Editor Executivo carlos.viana@voxobjetiva.com.br

“... O povo que conhece o seu Deus se tornará forte e ativo.” (Daniel 11:32)

A Vox Objetiva é uma publicação mensal da Vox Domini Editora Ltda. Rua Tupis, 204, sala 218, Centro, Belo Horizonte - MG CEP: 30190-060

O termo ‘indefinição’ se tornou parte constante de nossas vidas. No campo político ou nas crenças pessoais, não existem mais certezas absolutas. Reconhecer nossa incapacidade de produzir respostas para todas as questões é sinal de maturidade e conhecimento sobre onde começam nossas limitações. É engrenagem fundamental para a renovação do pensamento humano criativo. Duas matérias desta edição de Vox Objetiva deixam claras as consequências desse vazio produzido pelas indefinições em um mundo que muda rapidamente. No Judiciário, o relativismo das Leis tem provocado insatisfações até em meio a que milita e conhece de perto o parquet (expressão jurídica ligada às salas do judiciário francês cobertas por tacos coloridos de madeira) dos tribunais, especialmente do Supremo Tribunal Federal. O ex-ministro do STF Eros Grau fez críticas profundas aos colegas de toga, questionando as decisões recentes da Corte, especialmente as ligadas ao Mensalão. Crítico mordaz da vaidade que tomou conta de boa parte dos nossos juízes, Grau defende que crenças e visões pessoais de magistrados não devam ocupar o espaço do que diz e determinam as Leis. Com base em uma experiência de mais de quatro décadas, o ex-ministro é claro ao dizer que o conceito de Justiça positivista precisa ser redescoberto como forma de restabelecer a segurança jurídica. Para Grau, é preciso haver um Estado de Direito em que as decisões não mudem de acordo com a indicação de novos nomes e novos votos que levem a decisões contraditórias. Em situação mais difícil está o protagonista de outra reportagem. Eleito para conduzir a instituição religiosa mais antiga do Ocidente, o argentino Francisco tem pela frente o desafio de manter vivas as tradições e de renovar o conceito de fé e de religiosidade para milhões de católicos. Não será tarefa fácil. O homem de batina branca tem como grande opositor um mundo contemporâneo no qual dogmas ocupam cada vez menos espaço na vida das pessoas. Nada mais é mistério diante da Ciência e da tecnologia. O conhecimento que ainda não temos faz falta. Ele possibilitaria a redescoberta de ideias e crenças capazes de nos direcionar para um mundo melhor e mais equilibrado. Temos de aprender a conviver com poucas certezas para produzir grandes conclusões. Uma delas, a de que não podemos deixar de lado o novo. Nossas respostas precisam constantemente ser reavaliadas, repensadas; precisam mudar de acordo com o futuro que desejamos construir para os que vierem depois de nós.

Editor Adjunto: André Martins l Diagramação e arte: Felipe Pereira | Capa: Felipe Pereira | Fotos de capa: Tomaz Silva e Guilherme Kardel | Reportagem : André Martins, Cassio Teles, Érica Fernandes, Jáder Rezende, Lucas Alvarenga | Correspondentes: Greice Rodrigues - Estados Unidos, Ilana Rehavia - Reino Unido | Diretoria Comercial: Solange Viana | Anúncios: comercial@ voxobjetiva.com.br / (31) 2514-0990 | Atendimento: jornalismo@voxobjetiva.com.br (31) 2514-0990 | Revisão: Versão Final | Tiragem: 30 mil exemplares | voxobjetiva.com.br

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Sumário Guilherme Kardel

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Elza Fiúza

Nathália Turcherti

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Stock.xchng

Reprodução

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verbo

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EROS GRAU Ex-ministro do STF critica a Corte e as sessões midiáticas

CAPA

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MetrOpolis

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MINAS EM NÚMEROS A economia melhorou, mas desigualdade permanece

EM BUSCA DE UM CAMINHO Fiéis e teólogos discutem as reformas anunciadas pelo Papa Francisco

SALUTARIS

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TOQUE PELA SAÚDE

efeito marina

Aplicativos e redes sociais na internet atuam na prevenção de doenças e na conscientização de pacientes

União com Campos pode alterar eleições no Brasil e em Minas

KULTUR

SINAL DOS TEMPOS Casais gays têm o direito à inseminação artificial reconhecido

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VINIL: O RETORNO Na era das miniaturas, bolachões resgatam o prestígio e voltam a ser produzidos no Brasil


José Cruz/ ABr

Jáder Rezende

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Tânia Rego/ABr

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42

audiência na rede social

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A ARTE QUE NOS CERCA

Novelas na internet crescem a cada compartilhamento Fechadas ou a céu aberto, exposições movimentam BH

Artigos

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IMOBILIÁRIO • Kênio Pereira

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política • Paulo Filho

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justiça • Robson Sávio

Por que o comprador é desrespeitado pela construtora?

Mixórdia

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crônica • Laura Barreto Devidamente registrado

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PSICOLOGIA • Maria Angélica Falci

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Meteorologia • Ruibran dos Reis

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Cadê o conteúdo?

O papel da mídia na cobertura das mudanças climáticas

crônica • Joanita Gontijo Destino: o administrador de vidas

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RECEITA

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VINHOS • Danilo Schirmer

Filet Morais Transportando o seu vinho

O surpreendente papa Francisco |7


verbo

“Será que ainda é um tribunal?” Provocador, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau alfineta a Corte, mas se esquiva das polêmicas Carlos Viana A discussão em torno das decisões judiciais que proíbem a publicação de biografias não autorizadas no Brasil tem uma prima-irmã que é velha conhecida de jornalistas e pesquisadores. Diante de microfones e de plateias dispostas a aplaudir qualquer tipo de manifestação, sumidades jurídicas ou políticas acabam extrapolando o senso comum das falas corriqueiras e “soltam o verbo”. Da mesma forma que Caetano Veloso e Chico Buarque se esforçam para explicar o posicionamento favorável às censuras nas histórias de pessoas públicas, a incoerência entre o que se fala e o que se quer divulgado atinge muita gente famosa como a escritora global de novelas, Glória Perez. Na década de 90, Perez conseguiu impedir a publicação de um livro sobre o assassinato da filha, Daniella Perez. Atriz de novelas e dona de um dos rostos mais bonitos da televisão na época, Daniella foi morta pelo colega de trabalho, Guilherme de Pádua e pela mulher dele, Paula Thomaz. Questionada atualmente sobre as biografias autorizadas, Gloria Perez cai em contradição: agora ela é a favor das publicações mesmo sem a autorização do titular. O ex-presidente Lula é outro que serve como exemplo. Diante de uma claque petista ou de beneficiários de um dos vários programas de distribuição de dinheiro, o ex-presidente não esconde as críticas à imprensa e aos posicionamento contrários aos do PT. Diante dos microfones, entra em cena outro personagem que não se lembra de quase nada do que foi dito. As palavras se vão como vapores etílicos. Essa tendência ao “disse não disse” é velha co-

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nhecida dos repórteres que cobrem eventos públicos ou privados. A regra é gravar as falas diretamente nos sistemas de som oficiais e depois confrontar os entrevistados. Negando ou não, o que é notícia entre as críticas está garantido. Foi uma dessas experiências que marcou a participação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, no II Congresso Internacional de Direito do Estado. Aos 73 anos, ele foi convidado pelo Instituto Brasileiro de Direito Público para palestrar sobre as relações federativas e a insegurança jurídica. “Será que o STF ainda é um tribunal?”, questionou diante de dezenas de juristas que ouviram silenciosamente as palavras de um dos mais experientes nomes do Direito Constitucional brasileiro. Formado em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1963, Eros Grau exerceu a advocacia em São Paulo de 1963 até receber a nomeação para Ministro do Supremo Tribunal Federal, em 2004. Chegou ao Supremo em 15 de junho de 2004, sendo empossado no lugar do ministro Maurício Corrêa. Foi presidente do TSE em 2008, mas renunciou um ano depois. Membro do Partido Comunista Brasileiro, Grau foi preso e torturado em 1972. Apesar do passado de perseguido político, ele foi o voto de desempate para a decisão que não permitiu a revisão da Lei de Anistia. Diante da pressão de ex-companheiros de luta e da OAB, autora da ação, o ex-ministro foi claro ao dizer que “a lei, que não tem caráter de regra para o futuro, deveria ser interpretada conforme as conjunturas


Guilherme Kardel

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sociais e o momento histórico de sua produção”. Diante de uma corte em silêncio, Grau concluiu que a concessão de anistia bilateral, ampla e geral não implicou ofensa a nenhum dos preceitos fundamentais.

magistrados como a principal causa da insegurança jurídica no Brasil. “É preciso retomar o positivismo das leis. Elas nos indicam o caminho e evitam que as decisões mudem à medida que mudamos os representantes nos tribunais”, esclareceu.

Desde que aposentou, em agosto de 2010, o gaúcho de Santa Maria é pouco visto em público. Recluso em uma casa na histórica Tiradentes, ele se recusa a dar entrevistas e prefere as agendas entre os grupos do Direito.

Durante pouco mais de uma hora, Eros Grau evitou citar os nomes de ministros cujas decisões considerou fruto de visões particulares. Mas fez questão de citar votos importantes na história do Supremo. Aí, sim, ele citou nominalmente os que com ele conviveram. Nesse comedimento intuitivo, a ministra Carmem Lúcia foi uma das mais citadas entre os exemplos elogiados.

Crítico contumaz das transmissões públicas das sentenças judiciais, Eros Grau se mostrou surpreso e, em determinados momentos, até indignado com votos recentes no STF sobre causas polêmicas. “Os juízes votam de acordo com suas visões pessoais e crenças em vez de seguir o que está escrito na lei”, explicou. Ao mesmo tempo, o velho senhor de barbas e de bengala na mão definiu essa “visão pessoal” dos

Nomeado pelo ex-presidente Lula, Eros Grau afirmou ser favorável a um STF longe da política e cada vez mais independente. Quando questionado sobre a fala do ex-presidente favorável à mudança na forma de escolha dos membros do STF, |9


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Grau foi claro: “ele disse isso? Provavelmente está arrependido de alguma escolha. Eu fui nomeado pelo presidente da República”, finalizou. Ao término da apresentação no seminário do IBDP, Vox Objetiva conseguiu uma entrevista com Eros Grau. Apesar da idade, o jurista mostrou que sabe e usa com segurança o direito de escolher as falas onde quer e com quem quer.

Entre os profissionais de Direito há uma preocupação com a fundamentação jurídica nas decisões. Quais são os riscos que o país corre se não seguirmos essa linha no Direito? Que os juízes comecem a decidir conforme os seus valores, o que eles acham, não o que a Lei manda. É necessário ser positivista.

“ Se os tribunais

O STF está na berlinda, ministro? Está, é? Não sei... Olha, eu tenho ficado em Tiradentes bastante tempo e lá não chega jornal. Eu não tenho acompanhado o que acontece no Supremo. A internet lá funciona mal. Então eu fico sem condições de responder.

aplicarem a Lei, isso basta. Agora, que eles apliquem a Lei! Nada de vir com valores e princípios. Deve-se fazer como antigamente ”

É preciso ter um rumo pro Direito. É isso? O rumo é a Constituição e a Lei. E os juízes não podem se afastar dela. Eles não têm que fazer justiça. Justiça é com o padre, com o sacerdote,..., é lá em cima. Juiz não tem que ser justo?

E os caminhos da Justiça O juiz tem que ser justo brasileira? O que o senhor aplicando a Lei. Tanto é Eros Grau, ex-ministro do STF pode dizer? Estamos bem, que nós falamos em apliestamos gerando uma insecação e interpretação da gurança jurídica,... O que está acontecendo? Constituição e não em produção de justiça. Eu acho que se a Lei for cumprida e aplicada, se os tribunais aplicarem a Lei, isso basta. Agora, que eles apliquem a Lei! Nada de vir com valores e princípios. Deve-se fazer como antigamente. Os grandes juízes de antigamente aplicavam a Lei e a Constituição. Isso não está acontecendo hoje em dia? Se desse uma opinião a esse respeito, eu seria um pouco imprudente porque eu tenho lido pouco jornal ultimamente. A exposição dos juízes hoje em dia, essa transparência, não é importante para o país? O ministro Celso de Mello, por exemplo, reclamou que houve uma tentativa de subjugação do voto dele... O processo de decisão é extremamente importante. Como eu disse, é dramático. Então não tem sentido que isso seja televisionado. Ninguém é televisionado quando vai ao banheiro. Eu não quero que ninguém entre na minha intimidade, no drama da tomada de decisão. Não me parece inteiramente desproposital. 10 | www.voxobjetiva.com.br

O ex-presidente Lula disse que é preciso mudar a forma de escolher os ministros do Supremo Tribunal Federal. Não sei. Ele disse isso? Deve ser porque ele acha que não escolheu bem. A mim, quem escolheu não foi o presidente da República, não foi o Lula. Se o ministro for lá para o Tribunal dizendo: “Quem me mandou para aqui foi o Serra, o Fernando Henrique, o Lula”, não deve ir. Eu, por exemplo, fui indicado pelo presidente da República. Era o Lula na época? Quer dizer, não importa. Não é relevante. O senhor é favorável a um mandato para os ministros do Supremo; a um tempo determinado? Eu nunca pensei seriamente nisso. Precisaria pensar para responder isso. Traria algum benefício para o país? Não sei. Precisaria pensar. Eu nunca refleti seguidamente a respeito disso.


Artigo

Imobiliário

Por que o comprador é desrespeitado pela construtora?

Quando os condomínios não se organizam para defender seus interesses, vemos que tem se tornado vantajoso para a construtora se recusar a cumprir suas obrigações. Os compradores lesados pensam que pagar 2% do valor da unidade para que um advogado defenda todo o condomínio é muito, como se os defeitos na edificação ou a falta de documentação inviabilizasse a transação do bem e o desvalorizasse em torno de 30%. Com uma visão simplista, dezenas de compradores se esquecem do enorme tempo que o advogado terá que despender para atender clientes aflitos. Isso impossibilita que o profissional atenda a outros casos em que os honorários giram de 10% a 20% do valor da causa. Assim, vemos compradores mal-assessorados por principiantes, que aceitam o encargo a custo baixo, porque ignoram as complexidades de enfrentar um Departamento Jurídico de uma construtora. Ao final, o construtor fica feliz ao se livrar ou amenizar indenizações por atraso ou ao não se ver obrigado a consertar vícios de construção. Muitos ignoram que uma edificação deve ter uma vida útil de pelo menos 50 anos, ou seja, bem superior à de um automóvel. Consiste num atestado de incompetência e confissão de que a edificação é de má qualidade colocar no contrato de compra e venda ou no Manual do Comprador cláusula que estipule garantias de dois ou três anos da fachada, impermeabilização, de encanamentos. A redução do prazo de garantia de cinco anos não tem valor jurídico. Os compradores não dominam os códigos de Defesa do Consumidor, Civil, de Processo Civil, a Lei de Incorporação (4.591/64) nem as normas da ABNT aplicáveis ao caso. Então as construtoras optam por protelar a solução. Elas contam com o temor e a desinformação e assim lucram com o descumprimento da lei. Após analisar dezenas de casos no decorrer dos últimos 25 anos, constatei que é a própria vítima quem mais colabora para agravar os prejuízos que desvalorizam o imóvel e geram elevadas taxas extras de condomínio para consertar o edifício. A administração amadora e o individualismo dos condôminos também ajudam, quando pensam que a Justiça é cara, apesar de terem um prejuízo muito maior ao nada fazer. Eles ignoram que um vazamento oxida as ferragens, com o passar dos anos. E, ao dilatarem, essas ferragens rompem o concreto. Assim, passamos a entender por que os prédios caem. Demora, mas depois viram notícia, com os donos lamentando. Enfim, de quem é a culpa? Da construtora que tenta evitar despesas com reparos caríssimos? Ou do comprador que não valoriza um trabalho profissional?

Kênio Pereira Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG keniopereira@caixaimobiliaria.com.br

Após analisar dezenas de casos no decorrer dos últimos 25 anos, constatei que é a própria vítima quem mais colabora para agravar os prejuízos que desvalorizam o imóvel e geram elevadas taxas extras de condomínio para consertar o edifício

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metrOpolis

Torturando os números Para o governo, PNAD mostra crescimento sustentável do país Para oposição pesquisa mascara problemas históricos Lucas Alvarenga Gil Leonardi - Imprensa MG

Os comentários que emanaram dos corredores de Brasília indicam o tom dos discursos pela disputa presidencial em 2014. Na visão dos governistas, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no fim de setembro, reflete a consolidação de avanços trabalhistas que tiveram a mais absoluta atenção durante os governos Lula e Dilma. “A pesquisa surpreende. Afinal, 2012 foi o ano do ‘pibinho’. O PIB cresceu 0,9%, mas a renda média dos brasileiros subiu 7,98%, já descontada a inflação”, declarou o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e secretário de Assuntos Estratégicos, ministro Marcelo Neri. A oposição, porém, entende que a pesquisa aponta para o esgotamento de algumas políticas, sobretudo as de transferência de renda. E o índice de Gini (mecanismo que mede a concentração de renda em determinado grupo) comprova. A desigualdade caiu apenas um ponto percentual entre 2011 e 2012 no Brasil. 12 | www.voxobjetiva.com.br

Se os dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a Pnad dividem opiniões, na terceira economia nacional eles relativizam certos resultados. A distribuição de renda se estabilizou em Minas Gerais, mas nem por isso o estado parou de avançar na inclusão. Assim como no país, subiu de 2003 a 2012 o número de mineiros com acesso à internet a partir dos 10 anos de idade. No Brasil, o ganho foi de 253,4%. Em Minas, ele atingiu 359%. O contingente de lares com internet se expandiu no mesmo período. Hoje, 40,3% deles podem navegar pela rede no país, contra 39,52% no estado – alta de 29,3% e 30,91%, respectivamente. “Esse crescimento se justifica pela popularização de celulares e computadores nos últimos anos. Mas a tendência é de que ele se arrefeça”, projeta Luciene Longo, supervisora estadual de Disseminação de Informações do IBGE. Indicadores, como o acesso quase universal à energia elétrica e a expansão da coleta de lixo, de esgoto e do


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abastecimento de água, ratificaram avanços nos serviços essenciais. A Pnad registrou 99,8% dos lares mineiros com eletricidade, 0,3% acima da média brasileira; 86,3% das residências com água tratada, quase um ponto percentual superior ao índice do país; e 89,5% dos domicílios com coleta de lixo, índice próximo à porcentagem nacional, de 89,3%. Mas nenhum desses números destoou tanto como o de lares com coleta de esgoto: 77,3% contra 57,1% apurados em todo o Brasil. “Os valores não me espantam. Minas Gerais, São Paulo e Paraná concentram 18 das 20 maiores cidades do país à frente nas questões de saneamento básico”, justifica Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil. Químico, Édison comanda a instituição responsável por ranquear as 100 maiores cidades do país a partir de dados sobre gestão das águas e do esgoto oferecidos pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). O executivo garante: os mineiros têm motivos de sobra para se orgulhar. Além de ser o estado mais avançado em saneamento, Minas Gerais encabeça, com Uberlândia, a última lista do Trata Brasil. Lá, 99% do esgoto urbano e 100% da água são tratados. Os investimentos no setor se tornaram constantes na cidade há algumas gestões, fazendo dela um raro modelo de continuidade administrativa. “Universalizar o saneamento depende de recursos, planejamento, vontade política e popular e eficiência por parte de quem faz as obras e de quem gere a água e o esgoto”, detalha Édison Carlos.

Para além do acesso Nem sempre, porém, os esforços para a promoção dos serviços básicos vêm acompanhados de qualidade. O governo estadual comemorou o salto no número de crianças que frequentam as escolas entre 4 e 5 anos, conforme a Pnad. De 2011 para 2012, o índice subiu de 73,8% para 79,3%, acumulando um índice 4,7% superior ao brasileiro. Nesse período, o analfabetismo despencou meio ponto percentual no estado, enquanto o Brasil assistia ao indicador subir 0,1%, ainda dentro da margem de erro da pesquisa. Gerente técnica do Movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco adverte para a obrigatoriedade do acesso das crianças de 4 a 5 anos à escola até 2016 e lembra: “para que a inclusão delas aconteça com qualidade, é preciso dar conta da falta de profissionais e da infraestrutura necessária para atender à demanda”. Os ligeiros avanços de escolarização na faixa dos 6 aos 17 anos, em Minas Gerais, também não escapam ao alerta de Alejandra. “Não basta que crianças e adolescentes frequentem a escola. É preciso que eles estejam nas séries adequadas à sua idade”, elucida. Segundo a gerente, a Pnad não aprofunda em aspectos fundamentais para o diagnóstico da qualidade do ensino, como a proficiência, o que pode mascarar o nível da educação no Brasil e nos estados. A situação se repete com as informações sobre saneamento, garante o presidente do Trata Brasil. Para Édison

Divulgação Trata Brasil

Divulgação Trata Brasil

Líder em saneamento básico no país, Minas Gerais ainda convive com quase dois terços do esgoto produzido sem nenhum tipo de tratamento | 13


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Carlos, mesmo estando um ano à frente, a Pnad não se mostra tão real quanto os dados do SNIS. Um em cada três litros de água distribuídos no estado se perde e apenas 28% do esgoto é tratado, conforme expõe o relatório de 2011 do SNIS. O déficit de qualidade não mensurado pela Pnad é o grande desafio do país e das unidades da federação, de acordo com os pesquisadores ouvidos. “Não faltam recursos para o saneamento. Resta má preparação para recebê-los e para fazer as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) avançarem”, alfineta Édison Carlos. No caso da educação, esse problema vai além. “São necessárias políticas que integrem setores, como a saúde e a assistência social, no combate às várias faces da exclusão”, argumenta Alejandra. Ações como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), baseado no Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) do Ceará, são passos importantes para o letramento nos primeiros três anos do ensino fundamental e o combate às desigualdades.

Diferenças que persistem As disparidades sociais presentes na vida de mineiros e brasileiros não se limitam à educação. Elas encontram no ensino uma das causas, que se juntam às questões de raça e de gênero. O último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com informações de 2010, enumera 7,2 milhões de empregados domésticos no Brasil,

sendo 6,7 milhões de mulheres (93,05%). A pesquisa registrou também que 17% das trabalhadoras brasileiras são domésticas. “As mulheres conquistaram gradativamente espaço no mercado de trabalho, mas continuam mais concentradas em serviços que remuneram menos”, ressalta Luciene Longo. De fato, o rendimento mensal das mulheres representa 72,9% dos ganhos de um brasileiro e 66,34% de um mineiro. Uma das justificativas apontadas pelo IBGE para a interrupção de dez anos de queda nas diferenças entre sexos está na elevação mensal da receita, que entre homens chegou a 6,2% e entre as mulheres não ultrapassou 5%. Mas este pode ter sido um ano fora da curva. Chama atenção outro índice, que no Brasil recuou 8,8%, mas que no estado subiu 55,81%. Trata-se do trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Conforme o Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (Fectipa), as meninas representam 95% dos pequenos trabalhadores domésticos, enquanto 64,66% dos menores que laboram são negros. “O IBGE eliminou a faixa etária de 5 a 9 anos do Censo, de modo que, para a comunidade internacional e para os Objetivos do Milênio, o Brasil erradicou o trabalho infantil nessa faixa etária”, atenta Elvira Mirian Veloso Consendey, coordenadora do Fectipa em Minas. Em 2010, o Censo encabeçava Minas Gerais como o estado líder em números absolutos de menores de 10 a 17 anos que enfrentavam o trabalho infantil doméstico, 34,7 mil no total.

AMOSTRAGEM MINEIRA Pesquisa do IBGE apurada em 2012 retrata envelhecimento e enraizamento da população do estado, além de redução no número de ricos e de gestações na adolescência e na juventude MAIS IDOSOS

AINDA PRECOCES

13% dos mineiros estavam com 60 anos ou mais ↑0,4% acima da média nacional

10,4% das grávidas mineiras tinham de 15 a 19 anos 4% inferior à média brasileira

POUCOS FORASTEIROS

QUEM RECEBIA MAIS DE 20 MÍNIMOS

8,7% moravam em Minas, mas não eram daqui ↓ 7% inferior à média nacional

Ricos eram 26 mil Atualmente são 25 mil

Pnad 2012, do IBGE

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artigo

Política

Mixórdia Tratada como “purinha” ou “santinha” por muitos, a ex-petista Marina Silva mostrou que de santa e pura ela não tem tanto assim. Confirmando o ditado popular, sua filiação no PSB, partido do governador de Pernambuco e pré-candidato à presidência Eduardo Campos, reafirmou mais uma vez que nessa zona que é a política nacional não existe virgem. Frustrada na sua tentativa de criação da Rede Sustentabilidade, o partido com fins de sustentar a sua, até então, bem-posta candidatura presidencial, Marina deu um show de pragmatismo político e, com algumas mágoas e rancores expostos, sacudiu, à esquerda e à direita, o insosso quadro sucessório que se desenhava para 2014 (tirando as manifestações de rua de junho passado, já “domadas”, nada de novo se configurava no cenário - a não ser que, além dos marqueteiros aecistas, outros acreditem que o “papo-reto” juvenil represente inovação). Abrigada em um nicho que carrega a palavra “socialista” no nome, tão cara aos que ainda acreditam em esquerda e direita no país, e que pode sempre se valer da figura de Miguel Arraes (aquele que foi arrastado pelas ruas de Recife pelos milicos golpistas de 1964 e avô de Campos), Marina não saiu do jogo sucessório. A princípio aceitando ser vice de Eduardo Campos, o jogo que ela joga é outro, e a inversão dos nomes pode ser bem mais natural do que muitos pensam. Se atentarmos ao passado recente, Campos jogou suas fichas para compor como vice de Dilma, em 2014, e candidato do lulismo, em 2018. Tratorado pelo PMDB, romper e ir para o sufrágio agora seria, sem dúvida, uma opção muito mais apropriada do que hibernar por quatros anos e chegar a 2018 sem nenhum lastro nacional. Vice por vice, com chances reais de vitória, se de Dilma ou Marina, muda pouco para ele. O espaço será o mesmo. Dizem até que um acordo entre ele e Marina, em caso de vitória, seja qual dos dois que encabece a chapa, prevê o envio de projeto de lei ao Congresso propondo o fim da reeleição. O abrigo que o PSB deu à Rede Sustentabilidade surpreendeu, de fato, todo mundo. Que o diga o marqueteiro dilmista, João Santana, que, afoito e arrogante, vaticinou que os “candidatos anões se comeriam”, enquanto Dilma, magnânima, seria reconduzida, em primeiro turno, à reeleição. Não é o que parece, observando a movimentação do ex-presidente Lula, o cabo eleitoral-mor da presidente. Despachando no Palácio do Planalto, em dia de semana, ele já orientou o isolamento do PSB nos estados e a ampliação, ainda mais indiscriminada, das alianças regionais do PT como forma de afetar a campanha PSB/Rede. É também visível a guerrilha —assim definida por Marina—, a campanha contra ela nas redes sociais na internet. Por outro lado, é também irônico observar que a aliança Marina/Campos atravessou as articulações (de anos) conduzidas pelo candidato tucano, senador Aécio Neves, para ter o apoio do PSB à sua candidatura. Outro fato que chama a atenção em toda essa mixórdia é o de que as primeiras pesquisas de intenção de voto para presidente, realizadas depois junção PSB/Rede, apontam que as chances de segundo turno na eleição de 2014 só existem com Serra e Marina na disputa.

Paulo Filho Jornalista e consultor de Comunicação Social paulo.filho@voxobjetiva.com.br

“ Abrigada em um nicho

que carrega a palavra “socialista” no nome, tão cara aos que ainda acreditam em esquerda e direita no país, e que pode sempre se valer da figura de Miguel Arraes (aquele que foi arrastado pelas ruas de Recife pelos milicos golpistas de 1964 e avô de Campos), Marina não saiu do jogo sucessório. A princípio aceitando ser vice de Eduardo Campos, o jogo que ela joga é outro, e a inversão dos nomes pode ser bem mais natural do que muitos pensam

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José Cruz/ ABr

O fator tempo Acordo fechado na surdina com Eduardo Campos estabelece candidatura da ex-senadora em 2018 Rodrigo Freitas “Política é como nuvem: você olha, e ela está de um jeito. Olha de novo, e ela já mudou”. A frase dita pelo ex-governador de Minas Magalhães Pinto faz todo o sentido diante das mudanças repentinas no cenário político promovidas recentemente por Marina Silva. A ex-senadora e ex-ministra do governo Lula era cotada para assumir candidatura própria, possivelmente pelo PPS. Depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou a criação da Rede Sustentabilidade, o partido presidido por Roberto Freire (SP) abriu as portas para a ex-senadora. Mas Marina Silva se filiou ao PSB do governador de Pernambuco Eduardo Campos. Petistas e tucanos admitiram terem ficado surpresos com essa decisão. 16 | www.voxobjetiva.com.br

De um lado, a ex-ministra do Meio Ambiente representa um discurso programático de terceira via, bem diferente do dicotômico PT - PSDB. Do outro, Marina foi bastante pragmática ao se unir a uma legenda que surge como uma novidade no palco político. Mas essa aparente incoerência tem uma explicação: Marina é obcecada pelo projeto pessoal de chegar à Presidência da República. Mesmo que ela tenha que sair como candidata a vice no ano que vem, a cabeça dela está em 2018. A revelação foi feita por aliados próximos dela ouvidos pela Vox Objetiva que preferiram não se identificar. “É dar um passo para trás agora e dois para a frente depois. Ela tem um acordo com Campos. Se ele chegar ao Planalto, apresenta uma emenda que acaba com a reeleição, e ela seria um nome natural para 2018, com a chancela do governo federal”, afirma um marineiro paulista.


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A ideia é segurar o anúncio das posições na chapa até a última hora, embora aliados de Marina revelem que o acordo esteja fechado oralmente. Essa dubiedade contribuiria para uma transferência de votos mais efetiva da ex-senadora para o governador

problemas nem tensões causados pela nova aliança. Para o PT, pouco muda. Esse é o mantra entoado pelas lideranças do partido. Pelo menos é a posição oficial. A última pesquisa Datafolha mostra uma vitória da presidente Dilma Rousseff no primeiro turno. A pesquisa

Para onde vão? Eleitores de Marina preferem Campos e Serra ao destinar os votos que seriam para a ex-senadora Primeiro cenário

Fonte: Datafolha

segundo cenário

Eduardo Campos (PSB) Dilma Rousseff (PT) Aécio Neves (PSDB)

Branco ou nulos Não souberam

Eduardo Campos (PSB) Dilma Rousseff (PT) José Serra (PSDB)

Branco ou nulos Não souberam

de pernambucano. Marina sempre apareceu em segundo lugar nas pesquisas. Mas oficialmente os seguidores dizem apenas que ela e Campos são possibilidades para a legenda.

considerou o cenário mais provável, com o embate direto com Campos e o senador Aécio Neves (PSDB-MG). O resultado animou os petistas e criou um tipo de onda de otimismo na legenda.

“A questão da candidatura ainda vai ser discutida. Marina e o governador Eduardo Campos são possibilidades para 2014. Mas vamos discutir isso em 2014”, afirma o ex-deputado federal Zé Fernando Aparecido. Em 2010, Aparecido abdicou do mandato na Câmara para concorrer ao governo de Minas e abrir um palanque para a então candidata ao Planalto. Na época, ambos estavam no Partido Verde. Seguidor da acriana, ele também se filiou ao PSB, mas faz questão de afirmar que a adesão aos socialistas é uma ‘coligação’. “Enquanto nosso partido estiver na clandestinidade (vamos dizer assim), o programa da Rede estará nos pilares do PSB”, garante.

“Essa aliança nos favorece porque vai haver uma disputa pra definir quem será o verdadeiro candidato de oposição. O PSDB tinha esse candidato nato: o senador Aécio. Agora passa a ter o PSB como adversário. Mas Campos pode querer adotar uma postura de terceira via. A questão é que ele será naturalmente liderado pelos setores conservadores da sociedade e pela grande mídia. Assim ele vai assumir esse papel de oposição ao campo da presidenta Dilma”. O posicionamento é do deputado federal Reginaldo Lopes, presidente estadual do PT. E Lopes complementa: “Há um enfraquecimento das oposições, em especial do PSB, e falta projeto a eles. Dilma continua bem para ganhar no primeiro turno, mesmo depois dessa superexposição de Marina, Campos e Aécio. Ela teria uma disputa mais acirrada, caso Marina fosse mesmo candidata”.

O reflexo nacional Petistas e tucanos confessaram estar surpresos com a aliança entre Marina e Campos. Mas eles não admitem

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Tomaz Silva/ ABr

Dilma Rousseff tem sido acusada de antecipar a campanha eleitoral para a presidência em 2014. Recentemente a petista se defendeu, afirmando que as atribuições de presidente requerem muito tempo dela

Na primeira quinzena de outubro, a presidente mandou um recado aos postulantes ao seu cargo: “As pessoas que pretendem se candidatar ao cargo têm que estudar muito. Eleição não é problema para mim agora. Vai ser uma questão que vou tratar oportunamente”, completou. A declaração foi dada durante uma viagem feita a Itajubá, no Sul de Minas. Dilma afirmou que não tem “salto alto” e que as tarefas de presidente da República tomam as 24 horas de seu dia. Do lado tucano da história, a união Marina - Campos é considerada uma resposta às ações autoritárias do PT na visão de Aécio Neves. Até então, o senador tucano era tido protocolarmente como a referência da oposição. Aécio direcionou a crítica para um grupo em especial: “os membros do partido [dos Trabalhadores] que chegaram a comemorar antecipadamente a exclusão da ex-senadora do quadro eleitoral do próximo ano, com a impossibilidade de criação da Rede”. Por um lado, Aécio elogia a aliança. Por outro, ele tem motivos para se preocupar. Essa é a opinião de analistas. “Pelo visto, o Aécio é uma promessa que não vai vingar. Se eu fosse ele, deixaria a candidatura”, aconselha o cientista político Rudá Ricci. Para o especialista, o tucano mineiro não está preparado para sair do papel de protagonismo e assumir um papel secundário. “Ele vai se sentir humilhado. Aécio nunca entrou em bola dividida e nunca 18 | www.voxobjetiva.com.br

foi coadjuvante como agora. Desde quando foi presidente da Câmara, ele nunca mais deixou de ser protagonista. Vamos ver como ele se porta na eventualidade de sair atrás no placar”, avalia Rudá. Nos bastidores, alguns tucanos até admitem as dificuldades que o senador Aécio vai enfrentar, diante da nova configuração da disputa. Sem conseguir dar musculatura a seu pleito, Aécio começa a correr contra o tempo. Essa é a opinião de alguns aliados. “É uma tarefa árdua, e a coisa ficou mais difícil, sim. Porém, não é hora de desanimar. As pesquisas mostram que há espaço no Brasil para as candidaturas de oposição”, diz um aecista, ao av nalisar o cenário.

O reflexo local A parceria entre Marina Silva e Eduardo Campos também pode mudar completamente o panorama eleitoral em Minas. A ex-senadora afirmou que não abre mão de que o PSB tenha palanques fortes nos principais estados brasileiros. Então os socialistas iniciaram contatos com o deputado Walter Feldman (PSB/SP) para uma eventual disputa ao governo paulista e com Miro Teixeira, recentemente filiado ao Partido Republicano da Ordem Social (Pros). Em Minas, o candidato dos sonhos é o prefeito da capital, Marcio Lacerda. O chefe do executivo de Belo Horizonte anda relutando em admitir a possibi-


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lidade de deixar a prefeitura. Ele está focado nas obras para a Copa e vem afirmando frequentemente que pretende terminar o seu mandato na capital mineira. As pressões, porém, vêm aumentando dia após dia... Nesta fase, a candidatura de Lacerda teria duas funções: bater de frente com a do ministro de Desenvolvimento Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, e naufragar a possível candidatura do ex-ministro Pimenta da Veiga. Pimentel vem liderando as pesquisas, e Pimenta pode disputar o pleito pelo PSDB. Uma coisa é certa: o nome de Lacerda é o que mais arranca suspiros de preocupação dos adversários. “O prefeito de Belo Horizonte é mesmo um candidato de respeito. Com ele como candidato e um tucano em outra chapa, a eleição seria mesmo mais disputada. Mas não acho que seja nada que tire a vantagem que o Fernando (Pimentel) tem hoje”, acredita Reginaldo Lopes. O presidente do PT mineiro faz um alerta: “Toda candidatura de prefeito que se usou da prefeitura até hoje para tentar chegar ao Palácio da Liberdade acabou naufragando”, provoca. Reginaldo relembra a derrota de Pimenta da Veiga, em 1990, que deixou o comando da capital para disputar o Palácio da Liberdade. Caso Lacerda continue refutando a ideia de disputar o governo de Minas, o PSB tem duas alternativas para dar palanque a Campos e a Marina no estado: o presidente estadual da legenda, deputado federal Júlio Delgado, e Zé

Fernando, que não confirma nem desmente a empreitada. “Vamos aguardar. Ainda não estamos discutindo isso”, desconversa o ex-deputado federal e ex-candidato a governador na última disputa. No campo de Aécio, uma eventual candidatura lacerdista pode aumentar ainda mais o nível das tensões. Os tucanos não têm um nome natural. Pimenta da Veiga tem sido construído pelo senador. Então a situação começa a ficar mais complicada, caso o senador tenha que engolir a eventual terceira posição. “Se ele fica em terceiro no plano nacional, em Minas também vai haver um revés porque não tem um nome natural. Aécio sumiria na política ou hibernaria. Ele ficaria com a imagem de que é um blefe e que o PSDB de São Paulo é genial: cedeu para ele morrer na praia. O risco para ele é muito alto. E se as pesquisas mostrarem que ele não vai crescer, os pequenos aliados começam a sair do governo”, avalia Rudá Ricci. Esse quadro pode até mesmo apressar a definição do nome aecista ao governo de Minas. Da mesma forma, a pressão para que o governador Antonio Anastasia dispute o Senado deve aumentar para fortalecer o palanque de Aécio, segundo informam aliados. Se dependesse de Anastasia, ele não disputaria o senado. Mas o governador tem a plena consciência de que é “um soldado do projeto de Aécio”, segundo ele mesmo confidenciou a alguns auxiliares. Se o efeito Marina será mesmo capaz de mudar completamente os destinos da eleição de 2014, o tempo dirá. Quem viver verá.

Wellington Pedro/ Imprensa MG

Enquanto a candidatura de Aécio à presidência está consolidada, espera-se que o governador Antonio Anastasia concorra a uma vaga no Senado. Analistas políticos acreditam que Marcio Lacerda possa sair candidato a governador de Minas, hipótese sempre desconversada pelo prefeito | 19


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Passo a frente, passo atrás Conselho Federal de Medicina reconhece direito à fertilização in vitro para casais homossexuais, mas paternidade e maternidade compartilhadas continuam sendo um dilema que esbarra na Justiça André Martins

No início da década de 90, as TVs de tubo pareciam exercer certo magnetismo sobre o olhar de boa parte dos brasileiros em determinado momento do dia. De segunda a sábado, por volta das 18h, a maioria dos televisores ligados estavam sintonizados na novela “Barriga de Aluguel”, da Rede Globo. A atração trazia uma discussão nova, tanto no campo social quanto no da medicina. É por isso que chamava tanta a atenção. Por US$ 20 mil, Clara (Cláudia Abreu), uma jovem pobre, era contratada para gestar o filho de um casal com problemas de fertilidade. Depois de 23 anos, a novela Amor à Vida, exibida em horário nobre na TV brasileira, volta a apostar no tema. Na obra escrita por Walcyr Carrasco, o casal homossexual Eron (Marcello Antony) e Niko (Thiago Fragoso) quer realizar o sonho da paterni20 | www.voxobjetiva.com.br

dade e convida a amiga Amarilys (Danielle Winits) para gestar o bebê. Inicialmente o casal oferece uma bonificação pela boa vontade da dermatologista de gerar um filho que geneticamente não seria dela. Mas a médica se recusa a receber qualquer quantia pelo favor, dizendo-se feliz por contribuir com a realização do maior sonho de Niko. Mais do que se possa imaginar, os brasileiros são influenciados pela teledramaturgia. Por meio dessas obras ficcionais que se estendem meses a fio com muitas reviravoltas, o brasileiro conhece a sua história e é convidado a uma reflexão sobre assuntos dos mais variados e polêmicos. Embora trate do mesmo tema de Barriga de Aluguel em uma das suas subtramas, Amor à Vida inova ao acrescentar uma pitada de `contemporaneida-


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de. A novela se favorece do refinamento do debate acerca dessa ramificação da reprodução assistida ao longo dos anos. Nesse contexto, surgem novos termos e demandas. A novela introduz a expressão barriga solidária em contraposição à barriga de aluguel, que, assim como o comércio de órgãos, é uma prática considerada crime no Brasil. O perfil dos personagens também foi alterado. Quem inicialmente recorreria a esse método não é um casal heterossexual impossibilitado de ter um filho de forma convencional, mas, sim, dois homens.

“Na resolução n˚ 1957/2010, a gente colocou que era permitida a reprodução assistida para resolver problemas de infertilidade, independentemente de gênero. Então ficou em aberto. Na última reforma, deixamos mais claro. Essa iniciativa também teve o propósito de conceder o direito constitucional que a pessoa tem de formar uma família. Queira ou não queira, houve uma mudança no conceito de família nos últimos anos. Então o Conselho se adaptou a esses novos conceitos de constituição familiar”, explica.

Depois de muito retratar o homossexualidade em suas novelas, essa é a primeira vez que a Globo levanta uma questão que até há pouco tempo parecia insolúvel: poderiam dois homens ou duas mulheres tornarem-se mães e pais biológicos de uma criança?

Antes de prever a possibilidade da reprodução assistida aos casais homossexuais, vigorava a lógica da produção independente. Os interessados compareciam às clínicas e se submetiam ao procedimento com o material genético de doadores anônimos.

Este ano, o Conselho Federal de Medicina promoveu uma reforma na resolução que trata da reprodução assistida. Ficou claro, em um item exclusivo, que a técnica era permitida para os casais homoafetivos. Uma elucidação que se fazia necessária na visão do presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Adelino Amaral.

De acordo com Amaral, após a reformulação da resolução, a demanda por parte de casais declaradamente homossexuais tem aumentado sensivelmente nas clínicas que realizam a técnica. As mulheres são a maioria nessa procura. São 20 casais femininos para apenas um masculino.

Globo/ Divulgação

Em Amor à Vida, Marcello Antony, Danielle Winits e Thiago Fragoso colocam em discussão a reprodução assistida para casais homoafetivos | 21


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Tais pais, tal filho A reprogramação celular e os futurísticos espermatozoides femininos e óvulos masculinos Parceiros homossexuais masculinos e femininos podem participar direta ou indiretamente do processo da fertilização in vitro ou da fertilização intrauterina. No entanto, as características genéticas de apenas um dos envolvidos pode ser transferida à prole. Quando unidas, essas frases parecem ter significação lógica. Mas seriam marcadas pela lógica por muito tempo? Desde que se descobriu a capacidade da reprogramação celular, a Ciência se vê diante de outro grande desafio. A técnica consistiria em forçar uma célula – componente básico para a formação de todo o organismo humano – a voltar ao estado embrionário. A partir desse procedimento, é possível transformá-la na célula sexual necessária para a manipulação de um embrião. Em tese, por meio de células-tronco, os cientistas conseguiriam gerar células que funcionassem como espermatozoides femininos e óvulos masculinos. Se um dia isso for possível, os casais homoafetivos vão continuar com limitações na condição de pares reprodutores. Ao contrário deles, elas vão poder gerar bebês sem a ajuda de um terceiro indivíduo, mas somente eles vão conseguir dar origem a bebês dos dois sexos. A explicação está na combinação de cromossomos sexuais. Por serem possuidores dos cromossomos X e Y, os homens seriam beneficiados em relação às mulheres, donas de dois cromossomos X. Além dessas limitações, há pontos que merecem destaque, como a perda de informações básicas quando se reprograma uma célula. Essas possibilidades têm uma base ainda experimental, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Adelino Amaral. O especialista alerta para o debate ético que certamente surgiria a partir de então. “O que a gente vai ter que ver são os limites éticos. Assim como a clonagem é proibida para pacientes reprodutivos, eu não tenho certeza se isso vai para frente. Mas é lógico que se você conseguir fazer com que um homem que tenha uma deficiência na formação de espermatozoides consiga os produzir a partir de outras células, a história é outra. Mas isso nem foi conseguido pela medicina ainda”, esclarece.

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A lei do descompasso O professor de Direito da Fumec e integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-MG, Antônio Marcos Nohmi, acredita que a extensão da reprodução assistida aos casais homossexuais esteja alinhada com os Direitos Humanos e a Constituição brasileira. Entretanto, o advogado explica que os Tribunais estão à frente do legislativo na questão que envolve “assegurar dignidade às pessoas”. Tratando-se de relações de cunho afetivo, é possível que uma criança tenha por pais ou mães duas pessoas do mesmo sexo. No entanto, o reconhecimento legal só é possível por meio de ações judiciais. Registrar uma criança ou requerer direitos sucessórios pode representar o enfrentamento de processos relativamente longos e desgastantes. “Esse reconhecimento vai ser uma construção jurisprudencial. Não existe legislação no Brasil que assegure a possibilidade de dois homens ou duas mulheres registrarem uma criança em seus nomes. Claro que, em razão de demandas judiciais, é possível que isso aconteça em Tribunais baseados no Princípio da Dignidade da Pessoa e no Princípio da Igualdade”, explica Nohmi.

Reprodução


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Logicamente, espera-se que questões aparentemente mais simples que o intrincado caminho da medicina reprodutiva, como as expostas acima, tenham soluções breves. É um caminho aparentemente espontâneo que a sociedade fará em breve. “Eu acho que se as mudanças não se iniciassem, jamais conseguiríamos mostrar às pessoas preconceituosas que o mais importante na educação de uma criança não é ter um pai e uma mãe, pura e simplesmente. Mas que essa criança receba amor. Isso é o fundamental. A sociedade ainda é preconceituosa. Agora acho que a própria televisão, por meio de novelas e debates, tende a contribuir com essa emancipação. Apesar disso, a sociedade brasileira ainda é muito preconceituosa pelo fato de estar arraigada a princípios religiosos. Isso acaba fazendo com que a razão não prevaleça no interesse da própria criança”, opina Nohmi.

Vida real

engravidaria duas vezes enquanto os dois contribuiriam com o sêmen. A primeira criança gerada seria filha dela e a segunda teria por pais Fernando e Alberto. Mas após dar a luz ao primeiro filho, a mulher desistiu do combinado.

“O mais importante na educação de uma criança não é ter um pai e uma mãe, pura e simplesmente. É PRECISO que essa criança receba amor. Isso é fundamental. A sociedade ainda é preconceituosa ”

Os meses seguintes foram difíceis. Além de lidar com a frustração da não concretização da tão almejada paternidade por parte dos dois, era preciso começar novamente e pensar em outra opção. No ano passado, veio a solução. Fernando fez um convite à irmã de Alberto, que logo aceitou doar a barriga e material genético. O sêmen, por razões óbvias, é de Fernando. Apesar de a gravidez envolver, ainda que indiretamente, dois irmãos, a família de Alberto encara o fato com naturalidade. No sétimo mês de gestação, tudo flui como o esperado: exames em dia, local de nascimento do bebê definido, quarto decorado e roupas compradas. Só resta mesmo esperar.

Embora nem sempre tenha a veracidade da vida comum, as noAntes de pensarem em ter filhos Antônio Marcos Nohmi, integrante da velas reconstroem situações cobiológicos, os futuros papais coComissão de Direito da Familia da OAB-MG tidianas. O desejo demonstrado gitaram a hipótese de adotar uma pelo casal de Amor à Vida é novicriança, mas optaram por invesdade na TV brasileira, mas existem casais que tiveram tir em um procedimento de fertilização. Adotar não seus filhos biológicos ou aguardam a chegada de um se tornou algo fora de questão, mas, segundo eles, é bebê. A reportagem da Vox Objetiva teve acesso a uma preciso permitir que as coisas se acomodem antes de dessas histórias. Os personagens terão a identidade tomar essa decisão. resguardada, sendo usados nomes fictícios para se referirem a eles. Em um mundo ainda muito intolerante, em que não seguir os modelos consolidados significa esPara as famílias de Fernando e Alberto, o fim de tar à margem, Fernando espera que o filho, com a 2013 está sendo marcado por grandes expectativas. experiência de uma criança que terá dois pais, tenha Em dezembro, o primeiro filho do casal chegará para sucesso na vida e contribua com as mudanças de que realizar um sonho antigo. “Tanto eu quanto Alberto o mundo precisa. sempre quisemos formar uma família. Mesmo sendo gay, acho normal desejar isso como qualquer pessoa. “Nós nunca esconderemos nada dele. Ele vai ter que Eu sabia que teria uma família. A forma é que não entender porque é essa a realidade. E na escolinha estava clara”, explica Fernando. – nesse mundo em que a gente sofre demais, sofre bullying e tudo que se possa imaginar – ele vai ter que Os passos iniciais para terem o primeiro filho colidar com as coisas, saber se proteger e saber convermeçaram a ser dados há três anos, quando o casal sar para poder abrir a cabeça dos próprios colegas. fez um acordo com uma amiga, também homossexuEm relação à aceitação, eu acho que a tendência do al. Após algumas conversas, ficou combinado que ela mundo é melhorar. Não tem como piorar não”, opina. | 23


Vicente Villamón

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Em crise de identidade Com um discurso em favor dos pobres e problemas de toda ordem, papa Francisco enfrenta um Vaticano acostumado à riqueza e ao luxo Lucas Alvarenga A senhora se senta num banco e dali assiste a uma série de rituais costurados por cânticos, leituras bíblicas e pela homilia. O sacerdote está no altar, local de onde os fiéis eventualmente se aproximam na hora da comunhão. Não há testemunhos. O andar das horas aflige o rapaz, que se levanta inquieto. A vida lá fora o espera. Assim como o aguarda seu companheiro, acolhido, mas não aceito naquele local. As tradições se confrontam com um mundo cada vez mais secularizado. A moça impoluta resolve não mais se guardar. A Igreja Católica está em crise. E é com a figura de Francisco que essa instituição milenar vai tentar se reerguer. Os primeiros sinais de questionamento da identidade católica surgiram durante o pontificado de Inocêncio III, estabelecido entre 1198 e 1216. Permeados por corrupção, nepotismo e súbita avidez, os anos desse pontífice à frente de Roma foram também de significativa aproximação da instituição em relação aos pobres. Tanto foi assim que Inocêncio III trouxe para o núcleo da Igreja a comunidade de Francisco de Assis para viver naquilo que o teólogo alemão Hans Küng coloca como “tipo conveniente de vida monacal”. Há o receio de que o outro Francisco, o papa, ceda à pressão da Cúria e não ponha em prática as reformas de que o catolicismo precisa. 24 | www.voxobjetiva.com.br

Andando em círculos | A escadaria do Museu do Vaticano serve de alegoria para explicar o momento da Igreja

Mas, afinal, que reformas seriam essas? Tudo começa por uma interpretação mais ampla do Concílio Vaticano II, como explica o professor Edward Guimarães. O Coordenador do Centro Superior de Estudos Teológicos e Pastorais (Cestep) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) lembra que 2013 é o ano do cinquentenário do Concílio. “Ao convocar o Concílio, o papa João XXIII reconheceu a necessidade de diálogo do catolicismo com a modernidade e as ciências. E o papa Paulo VI deu continuidade ao Concílio, mas foi questionado. Então Paulo VI soltou a encíclica ‘Humanae Vitae’, condenando os métodos anticoncepcionais e dificultando a acolhida aos casais que estavam em nova união”, aclara o ex-seminarista e mestre em Teologia Sistemática. Na leitura de Edward Guimarães, o carismático João Paulo II e o teórico Bento XVI interpretaram o Segundo Concílio diferentemente da maioria dos católicos. A posição controversa colocou a Igreja como detentora da verdade e da moral e adepta a uma espécie de monólogo que afastou inúmeros fiéis. “Cabia a eles segui-la ou deixá-la. Não havia espaço para a discussão de temas éticos e bioéticos”, ratifica o teólogo. Ao centra-


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lizarem as deliberações na figura papal, Karol Wojtyla e Joseph Ratzinger trataram internamente ou abafaram algo com desdobramentos públicos, como os escândalos sexuais e a corrupção no Banco do Vaticano.

O discurso do papa A esperança de renovação coube ao argentino Mario Jorge Bergoglio, cardeal de Buenos Aires. Aos 76 anos, o novo Bispo de Roma carrega mais do que o carisma de João Paulo II. “Bergoglio vivia entre os pobres e não apenas discursava em favor deles como faziam seus antecessores”, observa o coordenador do Cestep. Crítico da Teologia da Libertação, corrente católica de influência marxista importante no combate às ditaduras latino-americanas, Francisco reconhece hoje o papel dessa teoria na denúncia das injustiças e na promoção da inclusão. Daí nasce a esperança de diálogo de segmentos excluídos na Igreja, como a nova Cúria Romana.

Santos sim senhor

A princípio, o discurso direto do novo pontífice agrada a inúmeros fiéis, dentre eles a jornalista católica Monizy Amorim, de 23 anos. “A mensagem do papa Francisco não é a que o jovem quer ouvir, mas a que todos precisam ouvir. Ele cobra uma postura muito ativa não só da juventude, mas de toda a Igreja. É preciso viver aquilo que o evangelho e Cristo nos pedem para depois querer anunciar o Reino. É isso que o papa tem chamado toda a Igreja a fazer”, defende Monizy.

Com a tese própria sobre os caminhos da santidade contemporânea católica aberta, a socióloga Maria Cristina Leite Peixoto confirma: nenhum papa teve tanto êxito em “fabricar santos” como João Paulo II, prestes a ser canonizado após oito anos de sua morte. Foram 482 santos num total de 1.338 beatificados – mais do que todos reconhecidos até aquele momento.

É possível verificar o ideal de uma Igreja mais aberta ao diálogo e, consequentemente, mais pastoral do que doutrinal. Bergoglio sinalizava, de antemão, esse desejo de renovação no Documento de Aparecida, produzido por ele para a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho (Celam) em 2007. “Ainda é cedo para ratificarmos mudanças. Esperamos que ele consiga desvencilhar a Igreja desse pedestal que algumas pessoas a colocaram”, aguarda Guimarães.

Porém, a tentativa de perpetuar a moral católica por meio de modelos de santidade mais próximos das pessoas comuns e menos conectados ao sagrado teve seu preço. “Ao reduzir o número de milagres de quatro para dois, João Paulo II quase banalizou o significado dos santos no catolicismo pelo excesso de canonizações”, pondera a doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Doutora em Sociologia e coordenadora do setor de Relações Internacionais da Fumec, Maria Cristina Leite Peixoto pede pés no chão para falar de Francisco. “Só o discurso dele não será satisfatório, embora venha se mostrando mais eficiente do que o dos antecessores, sobretudo quando critica a riqueza do Vaticano”. Bergoglio terá dificuldades para conduzir a Igreja a uma reforma vigorosa, por se tratar de uma instituição milenar e conservadora na visão da socióloga. O teólogo da PUC Minas pensa o oposto, embora enfatize: “as mudanças devem ser profundas, mas colegiadas e processuais”. | 25


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Em pauta Antes de deliberar, Francisco convocou oito cardeais de cinco continentes para assessorá-lo. À frente do C8 – uma alusão ao G8 – está o Arcebispo de Tegucigalpa, em Honduras, Oscar Rodríguez Maradiaga. A favor de um recente golpe de Estado em seu país, o purpurado ainda mantém a fama de progressista conquistada no combate às ditaduras latino-americanas do século XX. “Francisco tenta reunir católicos de toda a aldeia global para tomar decisões. Mas já é possível perceber que ele vai exigir mais transparência aos membros da Igreja e que será firme em relação às punições das organizações econômicas do Vaticano”, avalia Guimarães. A medida mais provável e imediata de Francisco deve ser a renovação do Sínodo dos Bispos, reunião em que o papa escuta os sucessores dos apóstolos. Com João Paulo II e Bento XVI, o Sínodo perdeu gradativamente o caráter consultivo e deliberativo. Com Francisco, porém, os encontros devem se tornar permanentes, mediados, inclusive, pela internet. “O papa está atento a isso e quer uma Igreja mais dinâmica e próxima do povo”, salienta Edward. Há o caso dos tidos “cristãos de segunda ordem”, como padres que deixaram a batina para constituir uma família. Crítico da lei do celibato clerical, o teólogo Leonardo Boff lembra que Deus não criou o homem sozinho e que é danoso ao catolicismo arrebanhar uma mão de obra totalmente disponível e desenraizada. Boff é ex-frade franciscano desligado da Igreja há mais de 15 anos. Com Francisco à frente da Igreja, Boff projeta uma ruptura em relação ao celibato. “O catolicismo caminha para uma abertura, abrindo mão da lei do celibato como uma imposição e a deixando como uma opção”. Os cristãos de segunda categoria também englobam casamentos que não se constituíram como família, mas que podem ser anulados com facilidade por um tribunal eclesiástico, e de mulheres proibidas de participar do clero, como registra Maria Cristina Leite. “O lugar que a mulher ocupa na moral católica é o da pecadora, ideal forjado na concepção do cristianismo e que ainda permanece de forma mais branda”. No caso dos homossexuais, porém, a Igreja sinaliza que o limite está na acolhida, não na aceitação. “Então, se você gosta de alguém do mesmo sexo, deve apenas se apaixonar platonicamente por ela?”, questiona a socióloga. Grupos, como a Conferência das Católicas Lésbicas, nos Estados Unidos, e a Associação Rumos 26 | www.voxobjetiva.com.br

Novos, de Portugal, vão na contramão do que prega a Igreja Católica, mas sem deixá-la. A expectativa, no entanto, é de que pelo menos certas questões sejam debatidas. A Igreja é contrária ao aborto mesmo em casos absurdos, como o de Pernambuco, em que uma menina de 9 anos engravidou. O Arcebispo de Recife e Olinda, dom José Cardoso Sobrinho, quis excomungar o médico que realizou o procedimento. Além das questões bioéticas, é possível que Francisco mantenha diálogo com outras crenças, como o fez, sobretudo, João Paulo II. “O entendimento com as demais religiões deve avançar não pela doutrina, mas pela fraternidade e parceria no cuidado com o planeta. O futuro depende isso”, crê Edward. Enquanto a mudança institucional não vem, muitos fiéis fazem a sua parte. “Tenho buscado ser uma cristã mais ativa na sociedade. Tento ser a mudança que eu quero ver no mundo, em pequenas atitudes, a começar pela política. Acompanho a política cada dia mais, porque, como o nosso papa Francisco mesmo disse, é preciso que o cristão se envolva com a política, pois é uma das mais altas formas de caridade”, ilustra Monizy.


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Lucas Alvarenga

Catolicismo abalado O sociólogo Roberto DaMatta explicita, em sua obra, o quão arraigado o catolicismo está na sociedade brasileira. Experimente olhar as pessoas que o rodeiam. Dentre elas, há grandes chances de ter um dito ‘católico não praticante’: aquele que adere à religião por uma referência cultural ou familiar. No entanto, nem isso segura a queda do catolicismo no Brasil. Enquanto o índice de católicos caiu 1,8%, o de evangélicos subiu 61%, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurados em 2000 e 2010.

Teólogo Edward Guimarães projeta pontificado mais pastoral e dialogal do papa Francisco Ministério da Defesa/ Divulgação

“As igrejas evangélicas reinserem indivíduos que, por algum motivo, perderam seus laços originais e tiveram que se adaptar a novos ambientes. Nelas, pessoas criam laços, convivem em uma rede de solidariedade muito forte e se sentem mais valorizadas ao dar testemunho de sua mudança”, analisa a socióloga Maria Cristina Leite Peixoto. A postura conservadoramente dogmática, o excesso de ritos e a perda de contato com o sobrenatural podem também justificar a retração do percentual de fiéis no Brasil, reduto do catolicismo. Vertentes com inspiração pentecostal, como a Renovação Carismática e seus padres cantores, vêm arrebanhando fiéis, mas não o suficiente para conter a queda. Os 123,2 milhões de católicos do país, 64,6% da população, podem se reduzir a 46% em 2030. A projeção é feita pelo demógrafo da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, José Eustáquio Diniz. O índice se aproxima dos atuais 45,81% de fluminenses católicos, menor percentual nacional. Apesar disso, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2013, no Rio de Janeiro, registrou o segundo maior público da história: 3,5 milhões de pessoas de diversas crenças, atrás apenas de 1995, em Manila, nas Filipinas, com mais de 4 milhões de jovens de todo o mundo.

Carisma do novo bispo de Roma não deve ser suficiente para frear a perda de fiéis da Igreja Católica no Brasi | 27


Artigo

Justiça

O surpreendente papa Francisco

robson Sávio Reis Souza Filósofo e cientista social robsonsavio@yahoo.com.br

“A viagem ao Brasil

ratificou as posições e as opções do papa: um pontífice próximo das pessoas, simples e capaz de dialogar com amplos segmentos sociais…

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O estilo surpreendentemente inovador que vem marcando os primeiros meses de pontificado do papa Francisco parece anunciar mudanças. Indica a possibilidade de ocorrer reformas profundas na Cúria Romana e na relação da Igreja com o mundo, numa retomada do Concílio Vaticano II (ocorrido na década de 60 e que possibilitou o diálogo da Igreja Católica com a modernidade). A viagem ao Brasil ratificou as posições e as opções do papa: um pontífice próximo das pessoas, simples e capaz de dialogar com amplos segmentos sociais. Ao mesmo tempo, mostrou-se um homem corajoso e destemido, que dispensa seguranças, carros blindados e se lança junto do povo sem reservas. Retornando ao Vaticano, Francisco nomeou um cardeal considerado novo e pouco influente na Cúria para substituir o todo-poderoso Tarcisio Bertoni no segundo cargo mais importante da Santa Sé. Numa homilia, Francisco admitiu sem reservas: “o papa é um pecador”. E numa missa campal no interior da Itália, ao ouvir o clamor de um desempregado, o papa aproveitou a ocasião para denunciar: “o sistema econômico global é sem ética, idólatra e nos faz tanto mal”. Em setembro, Francisco concedeu uma série de entrevistas. Uma delas foi à revista italiana Civiltà Cattolica. Sem meias-palavras, o papa afirmou que o centro da vida da Igreja (Católica) deve ser o amor e a misericórdia em vez da retórica de confronto ou de isolamento adotada por boa parte da hierarquia nas últimas décadas: “[A Igreja deve ser] um lar para todos, não uma pequena capela capaz de abrigar apenas um grupo seleto de pessoas”, declarou. Nessa entrevista ao periódico italiano, Francisco surpreendeu mais uma vez. Ele disse: “a Igreja não pode ser ela mesma, sem a mulher. Precisamos de uma profunda teologia da mulher”. Sobre esse ponto, o vaticanista Juan Arias, conceituado jornalista do El Pais, da Espanha, escreveu que o papa não fez apenas uma declaração. “É uma acusação. A frase também pode ser lida da seguinte forma: A Igreja ainda não está completa, pois lhe falta a mulher”. “Francisco acredita que a resolução da questão da mulher na Igreja seja urgente”, revela o vaticanista. “Como entrar na Igreja essa peça essencial, sem a qual a Igreja “não pode ser ela mesma”?, destaca. Mas qual gesto colocaria a mulher no centro da discussão sobre seu papel na hierarquia da Igreja? Segundo o vaticanista, seria a nomeação de um cardeal feminino. De acordo com o Direito Canônico - a Constituição da Igreja -, para que um católico receba o título de cardeal, basta ter recebido a ordem do diaconato. E não há nada que impeça uma mulher de ser admitida no diaconato. Homens casados já recebem essa ordem há tempos. Será que Francisco terá tanta ousadia?


Felipe Pereira

Salutaris

Salutaris

A pedido da Oncomed, o Pinkgame foi desenvolvido com o intuito de ressaltar a importância do autoexame das mamas

Saúde na palma da mão Como aplicativos e redes sociais na internet podem transformar a interação da medicina com a sociedade Cassio Teles De supercomputadores a smartphones, de raios lasers às redes wi-fi, das peles sintéticas aos corações de plástico, do GPS à nano e à telemedicina. São infinitos os recursos que potencializaram a comunicação, a geolocalização, a reestruturação de antigos sistemas, modernizando as relações do homem com o conhecimento. A saúde não poderia ficar de fora desse progresso. Especialistas em recursos tecnológicos a serviço da saúde avaliam que modelos eficazes para provê-la estão em gestação entre a comunidade médica brasileira. É o que afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), em Minas Gerais, João Henrique Penna Reis. “Trata-se de um processo evolutivo em que, num primeiro momento, essas tecnologias vão contemplar prin-

cipalmente as novas gerações de médicos, que naturalmente têm mais facilidades para lidar com recursos tecnológicos”. Criador da Life Rank, rede social na internet em que médicos e pacientes compartilham de informações sobre tratamentos, exames de rotina e dietas recomendadas, Reis avalia que os médicos não eram efetivos ao convencerem seus pacientes a mudarem hábitos. Segundo o mastologista, a literatura médica mostra que dois terços das doenças crônicas poderiam ser evitadas com mudanças no estilo de vida. A partir dessa percepção, ele pensou numa rede para a orientação dos pacientes. “Acredito que a saída para dilemas como o alto custo de manutenção dos sistemas de saúde público e | 29


Salutaris

privado seria um processo de mudança cultural, em que a população passe a preconizar os hábitos saudáveis e a prevenção”, analisa. Penna defende: é possível atingir essa meta por meio de tecnologias que facilitem a comunicação entre a comunidade médica e a sociedade, de forma mais próxima e frequente”. Para participar do Life Rank, médico e paciente devem se cadastrar. Cabe ao paciente solicitar ao médico que acesse o histórico dos tratamentos que fez ao longo da vida, os registros de quadros clínicos, os medicamentos utilizados e a evolução ou cura de doenças. A rede vem sendo desenvolvida há três anos e meio e tem ferramentas que consideram inúmeras variáveis para monitoramento de pacientes. Este ano, a novidade será a introdução de um algoritmo que vai mostrar ao médico um ranking sobre a evolução dos cuidados com a saúde do paciente e uma meta a ser atingida. O aplicativo para celular é gratuito e pode ser usado por médicos de todas as especialidades. Por meio da ferramenta, os médicos podem controlar os tratamentos dos pacientes a partir de um plano de atividades.

Aplicativos Outra ferramenta que vem se destacando no campo da endocrinologia é o GlicOnline. O software permite ao diabético receber acompanhamento clínico, controlar a glicose e seguir dieta programada. O principal recurso do programa é o auxílio no cálculo do rigoroso consumo de carboidratos para determinar a quantidade de insulina a ser aplicada em portadores do tipo 1 e 2 da doença. Foi em meio a um desses cálculos realizados com ajuda do marido, o empresário do ramo de tecnologia da informação Floro Dória, que Karla Melo criou com ele um aplicativo capaz de determinar o consumo diário de insulina. “Não é tarefa fácil contar carboidratos. Para cada 15 gramas é uma unidade de insulina. Temos que identificar o quanto ela vai reduzir os índices glicêmicos”, esclarece. Além de criadora e usuária do aplicativo, Karla é a chefe-fundadora do núcleo de Excelência em Atendimento ao Diabético do Hospital das Clínicas. O aplicativo foi testado no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, com o intuito de verificar se os portadores de diabetes teriam habilidade para usar o software. “A nota média que obtivemos da avaliação 30 | www.voxobjetiva.com.br

dos pacientes foi de 9,7. Todos que utilizaram tiveram uma melhora significativa no controle glicêmico” destaca a endocrinologista. O projeto começou em 2005, quando não existiam smartphones como os disponíveis hoje no mercado. Com apoio do marido e de um amigo de infância, Karla criou a Quasar Telemedicia, empresa incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), ligada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (SDECT) e à Universidade de São Paulo (USP). Somente em 2009, o GlicOnline foi concluído. Há um ano, o aplicativo está disponível para os smartphones com sistema Android. De acordo com o endocrinologista Laerte Damaceno, da Sociedade Brasileira de Diabetes, “os resultados dos estudos clínicos propiciados pelo uso do aplicativo ainda estão em análise”. Mas ele garante que os resultados têm sido satisfatórios. Para Karla, a telemedicina, assistência médica por meio de aplicativos e redes, surge como uma alternativa para intensificar as ações educativas com relação ao tratamento do diabetes. “Faltava um suporte portátil que possibilitasse o acompanhamento do paciente em tempo real. Ninguém leva um computador para um self-service com a intenção de fazer o cálculo da quantidade de carboidratos, mas o celular sim”, salienta. Iniciativa parecida lançada durante o Outubro Rosa, comemorado em todo o mundo como parte da campanha de prevenção do câncer de mama, foi o Pink Game. O jogo, desenvolvido para celulares e tabletes a pedido da Oncomed-BH, auxilia de forma lúdica as mulheres a fazerem o autoexame para a detecção do câncer de mama. “O aplicativo é uma forma de usar a tecnologia para chamar a atenção das mulheres quanto à necessidade do diagnóstico precoce e incentivar o monitoramento constante”, explica o oncologista Amandio Soares Fernandes Júnior. Ele coordena as ações de conscientização sobre o câncer de mama na instituição. Dados do Ministério da Saúde revelam que, só em 2011, 13,22 mil mulheres foram vítimas de câncer de mama no Brasil. A previsão é de que, em 2013, seja diagnosticado 1,66 milhão de casos em todo o mundo, de acordo com o relatório World Breast Cancer Report 2012, do Instituto Internacional de Pesquisa da Prevenção, em Lyon, na França.


crônica

Cotidiano

Devidamente registrado Relacionamentos superficiais, comunicação digital e um monte de gente dizendo nada. Faltam verdades, olhos nos olhos e valores reais. Vivemos em um mundo de egos inflados, de umbigos gigantes que contestam a teoria de Galileu e giram em torno de si. Fotos lindas, pessoas sorridentes e pratos perfeitos! Brindes, risadas, amores, tudo devidamente registrado e compartilhado. Momentos reais, perdidos em fotografias… Antes registrávamos para lembrar; agora lembramos só para registrar. A música parou de tocar. Não ouvimos mais nada além dos nossos desejos. Almejamos cada vez mais coisas e queremos ser outras pessoas, não para ser melhores, mas para nos mostrar para aquela pessoa ou para aquele grupo. Vivemos um eterno contar de horas, dia após dia, esperando as sextasfeiras, as férias, o fim de ano ou algum acontecimento que venha nos salvar de nossas vidinhas medíocres e nos traga a tão esperada felicidade. Então, nos poucos momentos em que a sentimos (a tal felicidade), ela fica ali, registrada, nas redes sociais, para rapidamente ser substituída (ou substituível)… Felicidade perecível, volátil, vazia. Pregamos a paz gritando aos quatro cantos valores que não cultivamos, fazendo guerra. Falamos sobre desapego como virtude maior quando não abrimos mão nem das pequenas coisas. Queremos amores verdadeiros, mas sem ter que renunciar a nada. Queremos que o outro nos aceite, mas, na verdade, preferiríamos que ele não existisse… Cada um no seu mundo, todo mundo on-line, conectado a milhares, porém, cada vez mais sozinhos, perdendo o que Deus, ou seja lá a força que for, deu de mais valioso: a vida.

Laura Barreto Autora do site ociodooficio. com.br laubarreto11@hotmail.com

Queremos amores verdadeiros, mas sem ter que renunciar a nada. Queremos que o outro nos aceite, mas, na verdade, preferiríamos que ele não existisse…

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femme

Coisas de madame Texto e fotos: Karina Novy A premiada bareMinerals, conhecida por seus produtos feitos 100% com minerais ricos em nutrientes e ótimos para a pele, chegou ao BH Shopping em abril. A loja traz uma linha completa de makes, além de pincéis e cremes de tratamento para o rosto.

Base Os produtos são os mesmos encontrados em outras partes do mundo. O “top top” da marca é, sem dúvidas, a base mineral que é bem leve e muito fina, podendo ser aplicada em diversas camadas. A cada aplicação, ela vai cobrindo as imperfeições do rosto. O resultado é uma pele uniformizada e iluminada. Além da versão original, existe a opção matte para quem tem a pele mais oleosa e quer evitar o brilho.

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femme

bareMinerals/divulgação

Sombras Na linha dos “meus favoritos” além da base estão essas sombras high-shine superpigmentadas, com excelente fixação e que não acumulam nas pálpebras. As que mais gostei foram estas três: Ice, Moonshine e Meteorite. Fiz o swatch delas.

Kits São ótimas opções! O Scene Stealer vem com primer , lápis à prova d´água Shimmering Black, demaquilante para a área dos olhos e batom líquido na cor Pizzazz (lindo, num tom rosa fechado). Já o Main Attraction vem com o demaquilante para a área dos olhos, um lápis à prova d´água Shimmering Black, um pincel, o gloss Diamond Shimmer (nude com brilhos) e a sombra Glazed Gold.

bareMinerals/divulgação

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MULHER VIRTUOSA AONDE A ENCONTRAR... PROVÉRBIOS 31

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Minas Trend: Parceria e Negócios a favor da moda mineira Texto: Tati Barros Fotos: Luiza Villarroel

De 8 a 11 de outubro, Belo Horizonte voltou a ser o centro da moda nacional. Isso, porque aconteceu a 13ª edição do Minas Trend no Expominas. Com o tema Parceria e Negócios, o evento retomou sua característica de preview, abrindo o calendário da moda brasileira e, assim, antecipou as apostas para o inverno 2014. O tradicional desfile de abertura do MW contou com a participação de algumas das grifes que expuseram suas apostas para a temporada no salão de negócios. Os looks apresentados na passarela seguiram uma linha dark, fazendo com que o preto reinasse absoluto em modelos poderosos. Responsável pela composição das produções, a stylist Mariana Sucupira reuniu tendências que se mostraram muito presentes na semana de moda. Além do famoso bordado mineiro, a transparência, o comprimento midi e o mood esportivo (esse, por sinal, merece destaque!) foram as apostas de diversas grifes. E a trilha sonora fez jus à bela apresentação: Wagner Tiso e orquestra, acompanhados da bateria da Escola de Samba Mangueira. Nem é preciso dizer que o som levantou os fashionistas. Nas páginas, a Vox Objetiva conta como foram os dias de desfiles do Minas Trend. Confira! 38 | próximas www.voxobjetiva.com.br


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Do Art Nouveau à cultura árabe

VICTOR DZENK Falar de Victor Dzenk implica pensar em estampas exuberantes. E para o inverno 2014, mais uma vez o estilista lançou mão de sua marca registrada. Mas, nesta coleção, Dzenk também inovou com modelos monocromáticos. A inspiração veio direto do exótico mundo árabe e de contrastes entre o antigo e o contemporâneo. A grife apostou em modelos casuais, mas manteve a moda-festa, com peças fluidas que refletem o universo mítico do mediterrâneo. A linha masculina foi uma novidade que agradou, com uma alfaiataria descolada e vibrante.

FABIANA MILAZZO Mineira de Uberlândia, Fabiana Milazzo carregou a missão de abrir o line-up de desfiles do Minas Trend. E no dia 8, a estilista apresentou sua coleção inspirada no movimento Art Nouveau. Na passarela desfilaram modelos extremamente delicados e que carregam o DNA da moda mineira. O destaque foi para as peças esportivas que exalam feminilidade, como o moletom bordado, desfilado pela atriz Laura Neiva.

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PLURAL A Plural foi uma das marcas que apresentaram uma coleção com pegada esportiva urbana, investindo em tecidos, como o neoprene e o moletom. A saia midi é uma aposta da marca, assim como os casacos com mangas 7/8. As estampas em xadrez com forte efeito gráfico chamaram a atenção em meio a padronagens discretas. Para complementar as produções, a grife Vicenza investiu em modelos peep-toe nas cores P&B.

E. STORE A E. Store levou à passarela uma coleção em que prevaleceu o clássico P&B. Peças modernas marcam o inverno da grife, que apostou no polêmico umbigo de fora, contrastando com os “senhoris” comprimentos médios. Nas estampas, listras e xadrez reforçam a proposta urbana presente nos modelos.

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Desfiles comemorativos marcaram o segundo dia

VIVAZ O segundo dia do MW não poderia ter começado mais emocionante. Para apresentar o inverno 2014 e comemorar seus 15 anos, a Vivaz levou convidados à nova fábrica. O desfile com ares comemorativos contou com a presença dos funcionários da empresa, o que tornou a apresentação ainda mais especial. Com forte inspiração nos anos 20, os modelos exalam glamour em bordados de canutilhos de tirar o fôlego. Os belíssimos casaquinhos bomber prometem ser um hit da coleção. Foi um desfile que, sem exageros, arrancou lágrimas e muitos aplausos!

Agência Fotosite

AUREA pRATES Inspirada pelo movimento grunge, a Aurea Prates investiu no mix de texturas e apostou no shape esportivo. O xadrez, print que marcou os anos 90, esteve presente, assim como os casaquinhos amarrados na cintura - um recurso fashion típico dos jovens da época. O moletom e a lã foram bastante utilizados, assim como os tecidos transparentes.

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GIG Comemoração dos 10 anos da Gig foi embalada pelos dançantes anos 80. A década serviu de inspiração para uma coleção que prova a possibilidade de irreverência e muita sensualidade nos modelos de tricô. As estampas refletem essa atmosfera representada por desenhos étnicos, ópticos e gráficos. O destaque vai para os belos macacões ultradecotados que voltam a compor uma coleção da grife.

JOHN JOHN A John John fez sua estreia na passarela do Minas Trend com uma coleção extremamente comercial. O desfile foi marcado por peças femininas sensuais e looks masculinos mais contidos. A marca de jeanswear apresentou modelos que facilmente podem ser vistos nas ruas, em turmas de jovens descolados e que abusam da moda urbana.

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Jovens talentos encerram o Minas Trend

LLAS

JARDIN

A premiada LLas abriu a última noite de desfiles no Expominas. As irmãs Laura e Lorena Andrade foram as vencedoras do primeiro Concurso Ready to Go da edição passada do MW, além de terem vencido o Movimento Hotspot na categoria Moda. A estreia na passarela do Minas Trend foi marcada por modelos femininos com tendência minimalista. Os delicados bordados de flores e beija-flores demonstram uma construção cuidadosa que resultou em uma elegante coleção.

A talentosa estilista Bhárbara Renault fez uma viagem à China dos anos 60 para compor a coleção de inverno da Jardin. Inspirada pela fotografia do filme “Amor à flor da pele”, que se passa na Hong Kong de 1962, a estilista fugiu de qualquer obviedade e surpreendeu. De referência direta à sua inspiração ficaram apenas as estampas florais de porcelana chinesa presentes em modelos plissados que exalam leveza. O mix de texturas e shapes contrastantes conseguem atingir um equilíbrio perfeito. As elegantes peças em matelassê evidenciam o cuidadoso trabalho que resultou na melhor coleção da grife até hoje.

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LUCAS MAGALHÃES E quem encerrou o line-up do Minas Trend foi Lucas Magalhães - um dos vencedores da segunda edição do Concurso Ready to Go. Para desenvolver sua coleção, o jovem estilista buscou inspiração nas manifestações indígenas brasileiras. O desfile foi marcado por uma profusão de estampas, que apareceram em mix inusitados. O xadrez aparece como forte tendência para investir na próxima estação.

AMMIS Outra estreante no line-up do evento, a Ammis mostrou o trabalho em couro com uma pegada sensual. A grife foi mais uma a optar pelo P&B em modelos listrados com tiras transversais e na estampa de pied de poule. Lingeries à mostra deixaram a proposta de uma mulher forte e sexy ainda mais evidente.

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Artigo

Vinhos

Transportando o seu vinho Viajar para fora do país se tornou um hábito frequente na vida do brasileiro. Programas de milhagem, troca de pontos em programas de fidelidade por passagens aéreas e o aumento de ofertas favorecem esse cenário. Ao viajar para outros países, surgem interesses e demandas. No caso do vinho, a oportunidade de conhecer países tradicionalmente produtores abriu oportunidades para adquirir uma variedade de rótulos. O turista pode degustar exemplares de várias vinícolas. Inúmeras importadoras nos permitem encontrar no Brasil o vinho que degustamos lá fora. Mas isso não é regra. Há rótulos que não fazem parte do portfólio de nenhuma importadora. A oportunidade de adquirir uma garrafa de um grande vinho por um preço atrativo também aguça a vontade de levar algumas garrafas na mala diretamente para a nossa adega. Isso, sem contar a tentação do free shop... Mas existem algumas condições adversas que prejudicam esse desejo de consumo. Levar algumas garrafas na mala não garante que o vinho vá chegar com suas propriedades preservadas. E existe o risco de a garrafa quebrar... Outra adversidade é em relação à restrição do transporte de líquidos na bagagem de mão, nas viagens internacionais. A proibição se deve às novas regras de segurança da aviação. Atentas a essa demanda, algumas empresas oferecem maletas e até mesmo malas apropriadas para que o vinho possa ser despachado na hora do check-in. Essas maletas são desenvolvidas com material resistente que absorve qualquer tipo de impacto e trepidações, preservando assim a garrafa e o líquido. Internamente as malas são desenhadas para que as garrafas não fiquem soltas, proporcionando um repouso quase absoluto. Existem vários modelos e tamanhos de maletas no mercado. Algumas empresas também produzem maletas personalizadas, de acordo com a necessidade do cliente. Sem dúvida nenhuma, pagar excesso de bagagem agora vale a pena. Escolha a maleta ou a mala que melhor atenda a sua necessidade e boas compras!

Danilo Schirmer Sommelier daniloschirmer@hotmail.com

algumas empresas oferecem maletas e até mesmo malas apropriadas para que o vinho possa ser despachado na hora do check-in. Essas maletas são desenvolvidas com material resistente que absorve qualquer tipo de impacto e trepidações, preservando assim a garrafa e o líquido

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Kultur

Para sempre bolachão Saudosista, público jovem resgata o gosto pela música ‘ruidosa’ dos LPs e reaquece o mercado de vinis André Martins

Quem acompanhou o rápido processo de miniaturização dos suportes de reprodução de áudio nem em sonho poderia supor o panorama atual. Em pleno século 21, eis que bolachões, toca-discos e vitrolas curiosamente ressurgem das cinzas e resgatam o prestígio ‘perdido’ há anos. Esse fenômeno seria algo impossível de ser concebido nas décadas de 80 e de 90, quando o microsystem e o descolado discman pareciam ter condenado ao ostracismo perpétuo tudo o que envolvesse o LP.

e a estocar todo e qualquer álbum lançado no Brasil a partir de 1951 – ano que marca o início da produção de discos de dez polegadas por aqui.

Edu Pampini, criador da Discoteca Pública, viu acontecer todas essas transformações que modificaram sobremaneira a forma de apreciar música ao longo dos anos em todo o mundo. Mas, ao contrário de grande parte das pessoas, o fascínio dele pelo LP e por toca-discos se manteve intacto desde a infância. Para ele, um dos maiores prazeres da vida continua a ser colocar um disco para rodar e ter todas as experiências sensoriais possíveis com a agulha deslizando pelo disco.

“Os pedidos são diversos e vindos do mundo inteiro. É o cara cuja mulher está grávida e ele quer escutar determinado disco que marcou a vida; o outro que quer um disco que lembra o pai falecido; o pai que tem um menino autista que só fica escutando música pela internet”,... conta. “A música marca, né? Conta histórias, relembra fatos e pessoas”, enumera, justificando assim o interesse dos que o procuram.

Hoje Pampini é pesquisador da MPB. E a história dele com os bolachões é antiga. De 13 para 14 anos, ele começou uma coleção de discos que crescia mês a mês. Aos 26 anos, Pampini havia reunido mais de mil álbuns e abria a primeira loja com certa ‘dor no coração’. Por alguns anos, ele sobreviveu dessa atividade, mas em 1996 decidiu fechar definitivamente o negócio. Pampini começou, então, a se dedicar aos estudos

Luiza Pacheco, de 25 anos, é da geração dos CDs, mas eles não tiveram chances com ela por muito tempo. No início da adolescência, eram os discos as melhores companhias. Aos 15 anos, a designer de moda e estudante de Artes Visuais se apropriou da vitrola que o pai praticamente havia deixado de lado e começou a comprar discos. Hoje a coleção gira em torno dos 200 álbuns e só tende a crescer porque adquirir

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O acervo da Discoteca Pública tem mais de 15 mil discos, compreendendo todo o acervo de Pampini. É uma verdadeira preciosidade disponível para pesquisas e a apreciação popular em Belo Horizonte. Edu conta que já digitalizou mais de 4 mil discos e que recebe os mais inusitados pedidos pela internet.

Em alta


kultur

“Quando comecei a gostar de rock, a minha ficha caiu para o fato de que LP não era tão velho assim. Comecei a perceber que as bandas que eu gostava tinham discos e passei a comprar. Era uma coisa feita na época, o que para mim começou a fazer muita diferença. Inicialmente eu comprava também pelo fato de os discos serem baratos, mas depois virou um vício mesmo”, relembra. O interesse da estudante em apreciar música por meio dos chamados “bolachões” pode ser explicado por fatores que vão da sonoridade diferenciada ao saudosismo. “Hoje em dia é tudo tão rápido com a internet e o MP3 que escutar música ficou, de certa forma, banal. Com o disco não. Com o LP, você tem que trocar o lado, tem também a capa, que é enorme e linda. Tem essa coisa também do saudosismo, e o som é muito melhor. E olha que nem tenho uma vitrola tão boa”, revela. Luiza não está sozinha. Nas feiras mensais de vendas de LPs promovidas mensalmente em Beagá, o público é eclético, mas chama a atenção a faixa etária dos que mais comparecem. A maioria são jovens e adultos na casa dos 30 anos, fato que faz o vendedor independente William Belmonte arriscar explicações. Dentre muitas conjecturas, ele acredita em um plano que envolveria várias ramificações da indústria cultural. Ao rodar filmes como Alta Fidelidade e Quase Famosos, Hollywood teria mitificado os LPs e incutido o gosto pelos discos na juventude de hoje. “De repente, numa reunião anual desses Iluminatis da vida aí, eles falem: ‘As vendas de LPs estão caindo, e a gente tem que pensar em alguma coisa para comprar a consciência do pessoal e eles voltarem a consumir música de outra forma’”, defende a ideia entre risos. “Só que, paralelamente a isso, tem a coisa lógica: o CD matou o vinil, mas o MP3 matou o CD e ressuscitou o vinil, porque democratizou o acesso. Hoje só se compra o que se gosta. Atualmente é possível ouvir um álbum completo na internet e, por gostar tanto, decidir comprar algo físico; ter uma relação tátil com a obra”, completa. Há cinco anos, Belmonte faz parte do grupo de vendedores da Feira do Vinil e de Discos Independentes. Para ele, um dos maiores trunfos da feira é a possibilidade de encontrar de tudo em relação a estilos musicais e preços. “O legal daqui é que a coisa não é segmentada. As pessoas têm os mais variados gostos. Eu vendo de Balão Mágico a Heavy Metal. A maioria dos vendedores percebe esse ecletismo e traz de tudo.

Todos os vendedores geralmente têm uma caixa de promoção, com vinis girando em torno dos R$ 5, R$ 10”, aponta. Mas se engana quem pensa que, por serem antigos, todos os vinis vendidos em feiras sejam baratos. Alguns têm valores que ultrapassam facilmente a casa dos seis dígitos, extrapolando, e muito, o valor de LPs novos. Willian, assim como Luiza, é um aficionado por discos. Além de vender, ele tem uma coleção particular. São objetos que ele não negocia mais. Aprendeu a lição a duras penas ao perceber que nem sempre é fácil reencontrar o que um dia foi parar nas mãos de um cliente. “Quando eu trouxe a primeira leva de discos, alguns que foram vendidos eu nunca mais recuperei. Foi o caso de The Madcap Laughs, do Syd Barrett. Era uma prensagem nacional; o primeiro disco dele,..”, conta com certo ar de saudade e lamento. “É um disco que eu nunca mais vi. Eu me arrependo de ter vendido. A sorte é que eu sei com quem está. Um dia eu pretendo resgatar porque nunca mais apareceu”, completa bem-humorado.

Uma indústria revigorada O presidente da Polysom, única empresa produtora de vinis na América Latina, João Augusto, tem uma relação de extrema possessividade com os álbuns que compõem sua coleção. Ele não empresta seus discos a ninguém, mas o espírito cristão se revela nos convites que ele faz para os velhos amigos apreciarem um som na companhia dele. A empresa que João Augusto representa reabriu as portas em 2011 com capacidade instalada para a produção de 28 mil LPs por mês. Além vender para o Brasil, a empresa visa atender aos países da América do Sul e ao exigente mercado japonês. A empresa já disponibilizou em LP diversas vozes de peso da música brasileira. Algumas produções contam com tapes originais e com a preservação das artes dos álbuns na época de lançamento. Dentre outros artistas e grupos, a série Clássicos em Vinil traz discos de Ultraje a Rigor, Titãs, Jorge Bem, Tom Zé, Secos & Molhados, Rita Lee, Chico Science e Nação Zumbi. Com jeito, a Polysom expande os negócios, produzindo os primeiros discos internacionais. | 49

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LPs virou um tipo de vício, como ela mesma confessa.


kultur

Há uma interessante tendência de cantores e bandas lançarem trabalhos em LP. As razões parecem óbvias: além da crescente procura por parte dos fãs, o LP é um produto diferenciado e que, de acordo com Pampini, indica que quem o lançou atingiu um patamar elevado na carreira.

Fernanda Carvalha

A reabertura da Polysom foi festejada pelos entusiastas do bolachão. Seria ainda mais comemorada, se não fossem tão ‘salgados’ os preços dos álbuns que acabaram de sair do forno, a maioria girando na casa dos R$ 80. De acordo com João Augusto, o maquinário e o material necessários para a produção oneram o valor final do disco, mas nada se equipara à carga tributária incidente – cerca de 66% – que puxa os preços para as alturas. “O que faz o vinil brasileiro ser tão caro é uma das mais selvagens malhas de impostos do mundo. De qualquer forma, conseguimos vender mais barato do que o importado, mas bem mais caro do que gostaríamos”, revela. Ele acredita que a desoneração de impostos nacionais, como o IPI, seria uma boa pedida e um estímulo importante por parte do governo. Luiza vê com bons olhos essa valorização e o reconhecimento da importância do vinil, mas acredita que o preço, geralmente alto, possa influir na democratização dos bolachões. “Eu acho superlegal eles estarem fazendo de novo porque público eles

A Discoteca Virtual, idealizada por Pampini, tem um robusto acervo de 15 mil álbuns à disposição para pesquisas

têm. Se eu tiver grana, quando eles relançarem um disco bacana, vou querer comprar. Eu acho que comprei apenas um disco novo e, ainda assim, foi quando estava em intercâmbio. Fora do país sai mais barato. Aqui no Brasil, o LP é muito caro”, opina.

Polysom/ Divulgação

Para João Augusto, presidente da única empresa produtora de vinis na América Latina, a Polysom, são os pesados encargos tributários que tornam o LP brasileiro tão caro 50 | www.voxobjetiva.com.br


Artigo

Psicologia

Cadê o conteúdo? O que ocorre nos dias atuais que não se discutem os conteúdos e sim os rótulos? Sabemos que, desde sempre, existem as segregações que se apoiam no tripé preconceito (rótulos), estereótipo e estigma. É um círculo vicioso como um vagão de trem que puxa o outro até a marca final chamada “estigma”. Uma pessoa estigmatizada tem inúmeras dificuldades em sua vida. Ocorre geralmente assim: nascemos num lar e, em pouco tempo, começam os famosos “rótulos”, principalmente referentes à parte evidente e mais conflituosa. Se os rótulos forem frequentes, vão se estabelecer até nascer o estigma. A pessoa pode até lutar para ser diferente e transformar alguns aspectos de sua vida, mas infelizmente as outras pessoas vão tender a vê-la sempre daquela forma. Para essa pessoa sobressair e mudar de lugar é necessário um tremendo esforço. Como consequência dessa situação, as pessoas estigmatizadas ficam marginalizadas, com características menos nobres e, para piorar, grande parte passa a acreditar que não vai conseguir mudar nem sair desse estágio. Elas perdem as forças para lutar contra rótulos primitivos e negativos. Uma criança precisa do ambiente familiar sadio para receber amor e orientações. Essa condição não é para ser colocada pra baixo com a força de uma âncora, como se não houvesse possibilidades na vida. Se o rótulo fica forte, diversos problemas vêm como uma rede, pois a própria criança foi estimulada a acreditar que ela é preguiçosa, bagunceira, insensível, egoísta, etc. Quando chegam à adolescência com esse estigma, geralmente essas pessoas tendem a ser mais tristes. E elas são fortemente lançadas no lugar em que foram colocadas, pois as pessoas não as observam como seres humanos que sentem, sofrem e desejam, mas como pessoas cobertas de características nocivas. O estigma sugere um rótulo fixo. Esse rótulo desqualifica as pessoas, que passam a ser vistas somente pelos aspectos negativos. Geralmente a pessoa não pediu que fosse assim e luta para rejeitar. As consequências são variadas. Os estigmatizados vivem com forte insegurança, angústia, dificuldades diversas para estudar, aprender, agir e se relacionar. Mas o pior visto em atendimento são os que, quando conseguem se desenvolver, tendem a repetir a forma com os filhos. Em vez de fortalecer o que não é considerado adequado, tente visualizar os pontos fortes para que eles fiquem ainda mais fortes em você, nas pessoas da sua família e nos seus filhos. Rejeite os rótulos negativos constantes e não subjugue as pessoas próximas e importantes para você. Podemos, sim, até ter bons rótulos com vinhos de boa safra e produtos de boa qualidade. Caso contrário, rejeite-os.

Maria Angélica Falci Psicóloga clínica e especialista em Sáude Mental angelfalci@hotmail.com

“Em vez de fortalecer o

que não é considerado adequado, tente visualizar os pontos fortes para que eles fiquem ainda mais fortes em você,nas pessoas da sua família e nos seus filhos

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Fotomontagem

Para curtir e compartilhar Duas jornalistas mineiras resolvem misturar literatura e interatividade em rede social Érica Fernandes Os burburinhos da mesa cinco de um dos botequins da cidade mais boêmia do país chamavam a atenção de alguns frequentadores do Bar do Zé. Dava para ouvir a conversa de longe. Mas, na verdade, as vozes eram de apenas duas jornalistas que haviam acabado de encerrar o expediente. Joanita Gontijo e Fernanda Moura estavam acostumadas a ouvir histórias engraçadas de amigos e compartilhar casos de separação, namoro, filhos e outros assuntos a perder de vista. Depois de tantos anos de amizade, ouvindo e contando casos cômicos, é claro que as duas jornalistas não podiam deixar essas histórias jogadas em um fundo de bar.

publicar as histórias? Havia muitas possibilidades. As autoras chegaram a receber, inclusive, propostas de jornais tradicionais do estado, mas resolveram ficar com a opção mais inusitada: o facebook. “O que nos atraiu na internet foi a interatividade. Ao mesmo tempo, tivemos receio de as pessoas não terem paciência para ler posts extensos. Geralmente vemos trechos pequenos nas mídias sociais. Então, inicialmente, resolvemos lançar a novela no facebook, paralelamente a um blog de apoio”, relata Joanita.

“Começamos a escrever os casos que ouvíamos e substituímos os personagens. Pensamos em colocar pessoas parecidas com a gente, que vivem em Belo Horizonte. Enviávamos, uma para a outra, aquilo que havíamos esboçado ou escrevíamos juntas. Dizemos que são casos redigidos a quatro mãos”, revela Fernanda.

Mesmo com os temores, a facenovela denominada Do Rivotril ao Redbull foi lançada no dia 13 de julho. E para a surpresa das duas, os internautas não ficaram impacientes nem enfastiados de ler textos um pouco maiores na internet. Pelo menos, é isso que indica o número de visualizações e curtidas de cada capítulo divulgado às terças e às quintas-feiras. O primeiro post recebeu 58 curtidas, 29 comentários e 12 compartilhamentos.

Com a ideia quase que completamente estruturada, restava responder a apenas uma pergunta: onde

A funcionária pública Isabel Basltaedt não perde um capítulo da história contada por Fernanda e

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Jáder Rezende

kultur

Joanita. “No início, elas falaram que só seria publicado um capítulo por semana. Mas eu reclamei porque a gente fica curiosa. Pedi que elas disponibilizassem capítulos, pelo menos, duas vezes na semana. A novela é muito boa e tem muita coisa na trama com a qual a gente se identifica”, opina. Embora seja classificada como uma facenovela, a narrativa publicada nas redes sociais talvez precise de mais tempo para ser mais bem definida. É o mestre em Comunicação Digital Interativa Alysson Neves quem alerta: “Ainda é muito cedo para definir o conceito desse tipo de narrativa publicada nas redes sociais. Afinal, não se sabe ainda do futuro na web nem mesmo se conhece o perfil do público das cibernarrativas, cada vez mais crescente e heterogêneo. Mesmo sem saber se facenovela de fato seja o nome permanente dessa narrativa virtual, uma coisa é certa: o gênero tem chamado a atenção de milhares de internautas devido à interatividade. O leitor virtual tem a opção de exercer influência e opinar nas histórias que se desenrolam na internet.

Cibernarrativa de sucesso Principal marca das novelas do facebook, a interatividade é o que define esses textos como cibernarrativas. Segundo o professor de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Car-

Sinopse | Do Rivotril ao Red Bull Ana, Val, Rafa G., Letícia e Marina são cinco amigos com histórias distintas. Moram em Belo Horizonte, têm idade entre 30 e 40 anos e contas bancárias que variam entre o vermelho e o azul-turquesa. Eles vivem casos hilários de namoro, casamento, sexo, paixões, separação, dinheiro e maternidade. A novela começa com o rompimento brusco do casamento de Ana, até então considerado um modelo de relacionamento para os amigos. O fato vai mexer com a vida de todos, cada um com suas personalidades inspiradas em um pouco de todos nós. A novela é baseada em fatos que Joanita Gontijo e Fernanda Moura ouviram em mesas de bar, no trabalho, na academia, no facebook e da amiga da amiga da amiga.

Reprodução

Sucesso editorial em todo o mundo, o erótico “Cinquenta tons de Cinza” iniciou a trajetória de sucesso na internet

los Falci, a cibernarrativa está diretamente associada à possibilidade de criar colaborativamente uma obra. Esse é o caso também das fanfictions – ficções elaboradas por fãs a partir de contos, romances ou de jogos criados por terceiros. Na fanfiction, o internauta faz sua colaboração não apenas com um simples comentário ou um recado inbox, como nas facenovelas. O participante dá continuidade à ficção por meio de textos que seguem uma história paralela à da obra original, tomando emprestadas algumas situações. Cada autor ou jogador controla um personagem e os rumos da história que serão discutidos em fóruns e e-mails. Um bom exemplo de obra que surgiu a partir de uma fanfiction é o livro “50 Tons de Cinza”. A história escrita por Erika Leonard James logo se tornou sucesso de vendas na internet, ganhando uma versão impressa, editada pela Vintage Books. Da Europa para o mundo, a obra já foi traduzida para 37 línguas e vendeu mais de 70 milhões de cópias. São comuns as migrações da internet para o impresso e outros espaços da mídia, de acordo com a professora e pesquisadora do Núcleo de Conexões Intermediáticas da UFMG, Joana Ziller. Há também a possibilidade de uma facenovela acabar parando nas telinhas. Fernanda concorda com a educadora. “A língua imagética das ficções publicadas no facebook pode ser o ingrediente ideal para uma possível dramaturgia”, acredita a autora da facenovela. | 53


Kultur

Respirando arte

Em salões fechados ou ao ar livre, Belo Horizonte se cerca de obras de expoentes das artes plásticas das mais diversas épocas

Texto e fotos: Jáder Rezende Belo Horizonte vem se firmando como importante polo de arte contemporânea. A cada temporada, grandes espaços são abertos e mostras intrigantes ganham as ruas. É como se a cidade fosse uma extensão de Inhotim: a maior galeria a céu aberto do mundo. Localizado em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o espaço abriga um acervo com mais de 500 obras de artistas mundialmente famosos, como Hélio Oiticica, Adriana Varejão, Janet Cardiff e Chris Burden. Exibições de obras de outros gênios formam filas que dobram quarteirões, como no recém-reaberto Cine Brasil. Até o dia 24 de novembro, uma das galerias do Cine Theatro Brasil Vallourec expõe os monumentais painéis Guerra e Paz, de Cândido Portinari. Eles foram concebidos pelo artista brasileiro para a sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, quando o pintor já não mais podia trabalhar com tintas a óleo – mais o fez nessa encomenda. 54 | www.voxobjetiva.com.br

Na grande Galeria do Palácio das Artes bate recorde de público a mostra do artista gráfico Maurits Cornelis Escher. As xilogravuras e litogravuras do holandês exploram as relações de dimensionalidade, a tensão entre o finito e o infinito e a oposição entre o negativo e o positivo. A exposição, aberta até 17 de novembro, tem impressionado os visitantes por seu aspecto lúdico, capaz de criar ilusões de óticas e redimensionar espaços. Outro impecável espaço que acaba de abrir as portas para a arte moderna é o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que passa a integrar o Circuito Cultural Praça da Liberdade. São cinco museus em funcionamento. Depois de quatro anos de obras orçadas em mais de R$ 37 milhões, o suntuoso prédio de 1926 foi reincorporado à rotina da cidade com a promessa de movimentar ainda mais a vida cultural de Belo Horizonte. A mostra de estreia foi “Elles: Mulheres Artistas na coleção do Centro Pompidou” visitada até o final de outubro. Esse é apenas um termômetro do que ainda está por vir.


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posição traz à mente os laços históricos entre Brasil e China. No século 17, os portugueses trouxeram artistas e artesãos chineses de Macau para Minas Gerais, onde eles ajudaram a construir as magníficas igrejas do período barroco”. A mostra BHÁsia tem a chancela do Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet. A atração é inspirada no projeto Outras Ideias para o Rio (OiR), iniciado no ano passado, na capital fluminense, e que será finalizado nas Olimpíadas de 2016, com a promoção de intervenções artísticas inéditas.

Na barragem Santa Lúcia, a ilha criada pela artista chinesa Wen Ma deu origem a um interessante contraste paisagístico

A céu aberto Nas ruas, as mais recentes intervenções são promovidas por quatro expoentes da arte asiática: os chineses Jennifer Wen Ma e Zhang Huan, o indiano Subodh Gupta e o japonês Tatzu Nishi. Zhang tem duas obras no acervo permanente de Inhotim: a instalação “Peace”, que é um grande sino de ferro, e a escultura Rubens.

Marcello Dantas lembra que Minas Gerais sempre manteve relações econômicas com países asiáticos, sobretudo com a China, principal consumidora de minério de ferro do estado. Porém esses laços nunca estabeleceram vínculos culturais. Para Dantas, a grande surpresa durante o processo foi a de que a união desses artistas resultou em uma metáfora de uma viagem entre lugares distantes e desconhecidos. “Cada artista tem o próprio trabalho como veículo para essa travessia”, opina. A canoa gigante do indiano Subodh Gupta atrai olhares e é um cenário a mais para belas fotografias com a Serra do Curral ao fundo

À exceção do chinês, todos vieram a BH para montar as obras. Wen Ma introduziu no centro da Barragem Santa Lúcia uma pequena ilha com folhagens pintadas de preto e com acesso por pedalinhos. O indiano Subodh Gupta instalou uma canoa gigante na Praça do Papa, e o japonês Tatzu Nishi, famoso por suas instalações inusitadas em monumentos públicos, mandou erguer chaminés no estacionamento do Terminal Rodoviário e apoiou uma casa sobre uma delas. Zhang Huan escolheu a Praça da Liberdade para exibir sua obra. Inaugurada no dia 12 de outubro, a mostra BHÁsia permanece na cidade até o dia 8 de dezembro. Para Jennifer Wen Ma, o tempo é insuficiente para a apreciação das obras. Mas o curador Marcello Dantas pondera que os quase dois meses compreendem o tempo possível para a exposição. Decorrido esse período, não haverá como manter as obras no espaço. O curador da Bienal de São Paulo, Alfons Hug, também está envolvido na mostra BHÁsia. Ele frisa: “a ex| 55


Kultur

Warner Bros./ Divulgação

Obra-prima? Aplaudido em todo o mundo, o intimista Gravidade aposta em alta tecnologia e em um roteiro inteligente. Sandra Bullock brilha como a astronauta Ryan à deriva no espaço André Martins

Em 1º de fevereiro de 2003, um grande invólucro em brasa cortou o céu do Texas deixando para trás um crescente risco de fumaça. A poucos minutos de atingir a superfície da Terra, o ônibus espacial Columbia se esfacelou no ar sob o olhar curioso do mundo. Na TV, a foto dos sete tripulantes, irmanados, era colocada no canto inferior direito da tela. O que teria se passado na cabeça de cada um deles, quando a comunicação com a Terra foi perdida e o destino começou a parecer ameaçador e irrevogável? A confrontação com a morte certamente é um momento emblemático, assim como o é nascer. Em exibição nos cinemas, Gravidade tem a capacidade de reforçar essas lembranças e despertar a imaginação ao apostar corajosamente em uma estupenda jornada de vida e morte,... no espaço. Embora seja maravilhosamente rodado e se favoreça das mais recentes tecnologias voltadas para o cinema, o filme não carrega a missão de detalhar os avanços do ho56 | www.voxobjetiva.com.br

mem no espaço nem de impressionar por impressionar. Com o novo trabalho, o diretor mexicano Alfonso Cuarón, também dono do roteiro, faz uma crônica intimista sobre o total desamparo de uma mulher que tenta desesperadamente se agarrar a qualquer fragmento material ou de esperança para sobreviver ou, enfim, encontrar descanso. São muitos os filmes de ficção científica rodados no espaço em toda a história do cinema. Embora alguns apresentem certas incoerências, como a presença de som no espaço, todos – ou boa parte das produções mais cuidadosas – retrataram o espaço como um lugar onde a vida é extremamente restritiva ou absolutamente impensável em condições normais, ao menos para os reles mortais. Nesse ambiente desafiador, a onda de detritos de um satélite destruído varre o espaço em Gravidade, atingindo e danificando permanentemente o ônibus espacial


kultur

o longa traz momentos belíssimos e ricos em significados: uma lágrima em suspensão que se aproxima da lente da câmera, a imagem da sobrevivente Ryan em posição fetal adormecendo em uma cápsula chinesa sem combustível e os primeiros e inseguros passos de um ser que nasce (ou renasce) como um mistério. O trabalho sonoro é imprescindível no filme. Ignoradas as imagens, talvez o som, por si só, seria suficiente para construir o cenário na cabeça do, nesse caso, ouvinte. Há uma interessante cumplicidade entre o que se vê e o que se ouve. A mixagem é realmente impressionante, e a trilha sonora potencializa a dramaticidade das cenas, levando-as a níveis estratosféricos e perturbadores. Não é uma nem são duas as vezes em que o espectador prende a respiração nos pouco mais de 90 minutos de filme.

Explorer. Da tripulação, sobrevivem apenas dois astronautas, Ryan Stone (Sandra Bullock) e o experiente Matt Kowalski (George Clooney), que, no momento, faziam um pequeno reparo externo na nave. A partir daí, os dois peregrinam, com pouco oxigênio, pelo espaço à procura de refúgio e razões para desafiar o improvável, tendo uma boa história para contar no retorno à Terra. Gravidade tem certa aura de perfeição. Não é à toa. O filme contou com a consultoria da Nasa. O auxílio especializado possivelmente reduziu drasticamente a margem de equívocos na fita. O trabalho do maestro Cuarón beira a perfeição. Além das imagens cósmicas que quase suspendem o espectador do assento,

Em relação ao elenco, Clooney faz um trabalho muito bom. Mas o filme, qualquer um há de concordar, é quase que inteiramente de Bullock, que brilha como nunca. Um tour de force, com inteligência e uma emoção sutil no olhar marejado, nas palavras de voz trêmula, nos diálogos que ela estabelece com ela mesma. Sem sombra de dúvidas, um trabalho primoroso que merece reconhecimento urgente. No somatório, “Gravidade” é uma proeza cinematográfica com reflexões e imagens que dão uma força descomunal ao longa. Provavelmente a produção entra para o hall dos filmes mais humanos feitos até hoje. Se não foi reconhecido agora, o longa certamente será lembrado como um dos divisores de águas na cinematografia mundial.

Acostumada às comédias americanas, Bullock sai da zona de conforto em Gravidade e entrega a melhor atuação de sua bem-sucedida carreira Warner Bros./ Divulgação

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Artigo

Meteorologia

O papel da mídia na cobertura das mudanças climáticas

Ruibran dos Reis Diretor Regional do Climatempo Professor da PUC Minas ruibrandosreis@gmail.com

“Discutir o assunto é superimportante para qualquer área do conhecimento, desde que pessoas capacitadas estejam envolvidas no debate

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Se olharmos para as capas das principais revistas internacionais e nacionais publicadas desde 1970, podemos verificar que a mídia sempre esteve atenta às pesquisas sobre as possíveis mudanças no clima do planeta. No início da década de 70, os cientistas verificaram que ocorria uma ligeira queda da temperatura do ar na superfície da Terra. Desde a década de 40, e sem ter conhecimentos técnicos científicos para identificar o que estava acontecendo, alguns pesquisadores chegaram a afirmar que o planeta caminhava para uma nova era glacial. Essa informação foi divulgada nos principais meios de comunicação da época. Hoje se sabe o porquê dessa ligeira queda da temperatura entre as décadas de 40 e 70. A partir da década de 80, os meios de comunicação começaram a indicar que as mudanças climáticas eram realidade. As temperaturas estavam em elevação. Com base nas informações divulgadas pelas diferentes mídias no dia 4 de setembro, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU afirmava que 95% das atividades antrópicas (humanas) causavam a elevação da temperatura do planeta e as suas consequências para diversas áreas. Apesar de o relatório ser técnico, os veículos de comunicação tiveram um papel fundamental ao traduzirem a situação, fazendo uso de uma linguagem de fácil acesso. Algumas emissoras e publicações deram espaço tanto a cientistas que apresentam resultados técnicos sobre o assunto quanto a pesquisadores que eram contra a hipótese do aquecimento global, mesmo sem nenhum embasamento científico. Discutir o assunto é superimportante para qualquer área do conhecimento, desde que pessoas capacitadas estejam envolvidas no debate. A mídia não pode dar ouvidos a pessoas que gostam simplesmente de tumultuar e que só estão interessadas em levar vantagem ao se posicionarem contrárias. O aquecimento global é real. Nos últimos dez anos, a temperatura nunca esteve tão elevada no planeta. As consequências também: aumento do número de furacões, tornados, inundações, ondas de calor, elevação do nível do mar, etc. Lido com a mídia diariamente e espero que ela colabore para uma discussão técnica que nos permita tomar decisões, antes que seja tarde.


otium

Roteiro do sabor Divulgação

Divulgação

SPECIALI PIZZA BAR

DONA LUCINHA

Pizzaria

Restaurante

Em 2011, a Speciali propôs uma nova maneira de saborear pizza ao agregar novos sabores ao tradicional prato italiano. Incorporou em suas receitas ingredientes selecionados para desenvolver o menu, fazendo com que o preparo das pizzas fosse diferenciado. Com ambiente aconchegante e descolado e uma localização privilegiada, a Speciali propõe um conceito em gastronomia para pizzas.

Trazendo a marca da tradição familiar e o preparo artesanal, em ambiente que faz lembrar a arquitetura colonial mineira, o Dona Lucinha lhe permite encontrar inúmeras opções da mais típica cozinha de Minas. Rua Padre Odorico, 38 – São Pedro Telefone: 3227-0562

Rua Fernandes Tourinho, 805 – Lourdes Telefone: 3284-7060

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LORD PUB Casa noturna Lord Pub foi inaugurado em 2005, com a ideia de fazer um pub que unisse elementos medievais ao som do imortal rock in roll. Dois shows na noite, VJ, sinuca, sushi bar e espaço lounge. Lord Pub, ainda mais rock in roll. Rua Viçosa, 263 – São Pedro Telefones: 3223-5979 / 3223-0090

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terra brasilis

Leonardo Aversa

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Marisa Monte

Lana Del Rey

Marcelo Jeneci

Referência para dezenas de cantoras da nova Música Popular Brasileira (MPB) por dialogar tanto com gêneros tradicionais como o samba, quanto com o pop contemporâneo, Marisa Monte retorna à capital mineira com a turnê “Verdade uma Ilusão”. Sua base é o álbum O que você quer saber da verdade (2011), cantado em parte pela artista. Ambientado com diversos recursos multimídia, dispostos de forma a potencializar o sentido das canções, o espetáculo conta com mais de 30 pessoas no palco e nos bastidores e hits como “Ainda Bem” e “Depois”, temas de novelas globais.

Sucesso avassalador na internet com 75 milhões de visualizações em um só clipe, Lana Del Rey chega a Minas como uma das revelações da música mundial em 2012. Com visual vintage e um repertório que transita por hits sampleados e o hip-hop, a jovem nova-iorquina traz ao Brasil a turnê de estreia “Paradise Tour”, resultado do álbum Born To Die – Paradise Edition, que inclui sucessos de Born To Die e inéditas como “Ride”, trilha sonora da novela Salve Jorge. Lana ainda canta no Festival Planeta Terra, em São Paulo, dia 9 de novembro, e um dia depois, no Rio de Janeiro, no Citibank Hall.

Com um álbum mais solar e pop que o antecessor Feito Pra Acabar (2010), o compositor e multi-instrumentista paulista se prepara para a estreia nacional do CD De Graça, reedição da parceria vocálica com Laura Livieri. O músico define a produção, lançada em outubro pela Slap, braço indie da Som Livre, como “um disco menos fictício e mais dinâmico e autobiográfico”. No trabalho há parceiros, como Arnaldo Antunes, Luiz Tatit e Isabel Lenza, coautora da música do título do álbum, que versa com o cancioneiro de Caetano Veloso e o afropop baiano, sem abandonar a sofisticação própria de Jeneci.

Chevrolet Hall 1˚ e 2 de novembro, às 22h De R$ 120 a R$ 180 a inteira chevrolethall.com.br

Chevrolet Hall 7 de novembro, às 21h R$ 290 a inteira e R$ 145 a meia ticketsforfun.com.br

Sesc Palladium 15 de novembro, às 21h De R$ 60 a R$ 90 a inteira ingresso.com

Marcos Santos - UPS Imagens

FIQ 2013 A Serraria Souza Pinto vai abrigar o 8º Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), cujo homenageado será Laerte Coutinho, ex-colaborador de O Pasquim. O cartunista, que desde 2009 se veste como o sexo oposto, vem atraindo holofotes para algumas de suas criações adeptas à mesma prática, como Muriel. Com cem personagens icônicas inventadas por artistas mundiais de HQ, o FIQ trará aos aficionados por quadrinhos, oficinas, mesas, debates, lançamentos e atrações, como o norte-americano George Perez e os irmãos Vitor e Luciana Cafaggi, responsáveis por reinventar a Turma da Mônica em livro. Serraria Souza Pinto De 13 a 17 de novembro

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Entrada franca fiqbh.com.br


TERRA BRASILIS

Humberto Gessinger - Divulgação

Humberto Gessinger Primeira aventura solo de Gessinger, Insular não é um show de ruptura com as origens. Com uma forte presença da música regional gaúcha por meio do acordeon e da gaita de fole, muitas analogias e um rock dos anos 90 típico dos Engenheiros do Hawaii, o porto-alegrense vai apresentar ao público mineiro alguns clássicos e canções inéditas do álbum homônimo de 12 faixas. Acompanhado por Rodrigo Tavares (ex-Fresno) na guitarra e o gaúcho Rafael Bisogno na bateria, Gessinger vai mostrar trabalhos em parceria como “Tudo está parado”, letra dele e melodia de Rogério Flausino, do Jota Quest. Chevrolet Hall 22 de novembro, às 22h R$ 80 a inteira e R$ 40 a meia chevrolethall.com.br

Guto Muniz

FID 2013 Uma das maiores iniciativas para a promoção da dança contemporânea em Belo Horizonte e no Brasil, o Fórum Internacional de Dança (FID) chega à sua 17ª edição trazendo atrações internacionais. Este ano, sobem aos palcos da cidade grupos de Portugal, Cabo Verde, Moçambique, Israel, Canadá e Alemanha, além de companhias brasileiras. Uma das principais características do evento é oferecer informação de qualidade e formar plateias e artistas de forma profunda e democrática. O maior desdobramento do FID é o Território Minas, catalisador da produção emergente no estado, que divulga e dá suporte a grupos e artistas mineiros. Diversos pontos da cidade 1˚ a 10 de novembro De R$ 2 a R$ 4 a inteira www.2013.fid.com.br

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crônica

Comportamento

Destino: o administrador de vidas

Joanita Gontijo Jornalista e autora da facenovela Do Rivotril ao Redbull joanitagontijo@yahoo.com

“Encontramos pela

vida quem temos que encontrar. Não há coincidências. Muito menos, imprevistos. Por isso, recomendo apurar os sentidos e compartilhar sorrisos porque tudo que acontece tem uma razão

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Somos feitos de pedacinhos do destino. Cada pessoa que passa pela nossa vida deixa um pouco de si e leva outro tanto de nós. E como se dão esses encontros, senão pela força inexplicável que atrai duas pessoas a uma interseção de caminhos? De repente, duas linhas paralelas fazem curvas até se cruzarem... Fascina a minha mente imaginar quantos acontecimentos são necessários, quantas escolhas são feitas para que, de repente, duas pessoas estejam uma de frente para a outra. Definir a profissão ou a cidade onde morar, atrasarse por alguns ou muitos minutos num congestionamento de trânsito, voltar ao apartamento para pegar os óculos que esqueceu, engatar uma conversa com a empregada antes de sair são fatos cotidianos que podem alterar o tempo e o espaço predestinado para um encontro. E se a pessoa por quem você vai se apaixonar decidir subir pelas escadas e você for de elevador? E se o seu potencial melhor amigo for reprovado para aquela vaga de emprego na empresa onde você trabalha? E se a futura mãe dos seus filhos deixar o bar cinco minutos antes da sua chegada? Não há motivos para preocupações assim porque não há acasos. Somos mais de 7 bilhões de moradores do planeta Terra e estamos sempre no lugar certo e na hora certa, mesmo quando duvidamos disso. Vivemos interligados como os neurônios. Nossas conexões funcionam como uma equação matemática com resultados exatos e infalíveis. Duvida? Então resgate a memória da sua existência até aqui. Analise fatos que, se não tivessem ocorrido, não teriam levado você a determinada situação. Alguns podem até ter sido lamentados à época, mas eram fundamentais para o seu amanhã. Acredito numa força maior que cria encruzilhadas para sinalizar novas estradas. O controle sobre o que acontece ou vai acontecer é uma ilusão. Às vezes, essa ilusão nos faz resistentes demais e torna a viagem mais longa e sofrida do que o desejado. Encontramos pela vida quem temos que encontrar. Não há coincidências. Muito menos, imprevistos. Por isso, recomendo apurar os sentidos e compartilhar sorrisos porque tudo que acontece tem uma razão. Seja cauteloso ao abandonar suas companhias à beira da estrada. Afinal, o destino se esforçou muito para que esse encontro acontecesse. Não me sinto escrava das leis naturais nem recomendo a inércia a ninguém. Lute pelo que você deseja até onde aguentarem suas forças. Se nada funcionar como você espera, experimente confiar. O destino não tem a ansiedade que nos faz precipitados nem as paixões que nos tornam desastrados e, muito menos, a revolta que nos leva a perder a guerra. Lembre que o hoje é apenas uma fase de um jogo longo que demanda coragem. Acima de tudo, esse hoje exige fé em você e na vida.


ALGUMAS COISAS SÃO ESSENCIAIS NA VIDA DE TODA MULHER. PREVENÇÃO É UMA DELAS.

O câncer de mama é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres. Escolha viver bem. Faça a mamografia regularmente e previna-se. www.oncomedbh.com.br | facebook.com/oncomedbh | 63


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