Projeto Literatura Nativa - Editora Kazuá

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Projeto Literatura Nativa A Editora Kazuá apresenta o projeto Literatura Nativa para a publicação de títulos de autores indígenas. A iniciativa pretende contribuir com a divulgação da literatura indígena, chamada pelos próprios escritores de literatura nativa, entendendo-a como um forte elo de identidade coletiva destes povos de origem e do próprio país, ao reconhecer na cultura das nações indígenas contribuições fundamentais para a formação da brasilidade. Obras que revigoram a tradição de contar histórias como parte da formação dos povos e da manutenção de suas crenças. Estas propostas estão direcionadas à publicação de livros, mas também contemplam a publicação de uma revista que aborde questões ligadas a produção literária e que sirva como espaço de divulgação destes textos. As obras literárias deste projeto tratam temáticas adultas e infantis. São quatorze projetos literários, sendo que quatro destas obras já estão finalizadas e em vias de lançamento. A Editora está à procura de parceiros para implementar a distribuição dos livros impressos, bem como para a publicação dos demais títulos do projeto. O projeto prevê o acompanhamento completo de cada publicação, desde o projeto literário até o processo de editoração: do original ao lançamento da obra. A intenção é se associar aos fundamentos do Nearin - Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas, que “nasceu a partir da necessidade de discutir temas relevantes sobre literatura indígena e direitos autorais, além de promover a qualificação de indígenas para o exercício profissional a partir da produção literária”, segundo a apresentação do movimento em seu endereço virtual. (http://escritoresindigenas.blogspot.com.br/)


Alguns estudiosos definem a escrita como parte do comportamento comunicativo humano de transmitir e trocar informações; ou seja, a escrita pode ser vista como uma forma de interação pela qual uma ação das mãos (com ou sem um instrumento) deixa traços numa superfície qualquer; nesse sentido, a escrita pode ser concebida como uma forma não apenas alfabética para representar ideias, valores ou eventos. Entendido assim, a escrita sempre esteve presente nas culturas indígenas no Brasil na forma de grafismos feitos em cerâmica, tecidos, utensílios de madeira, cestaria e tatuagens. Por outro lado, a escrita propriamente alfabética, registrando no papel a fala e o som, foi introduzida no Brasil pela colonização europeia, e desde o século XVI está presente de formas variadas nas comunidades indígenas; porém, foi apenas nas duas últimas décadas que surgiu o que pode ser chamado de fenômeno da escrita indígena no sentido do aparecimento de um conjunto de textos alfabéticos escritos por autores indígenas. Trecho do texto Uma outra história, a escrita indígena no Brasil. Lynn Mario T. Menezes de Souza, mestre em linguística aplicada da educação; doutor em comunicação e semiótica (PUC-SP). Livre-docente na USP.


A importância das narrativas orais e escritas Na complexa e dinâmica herança de transmitir ensinamentos a partir de narrativas orais, o observador mais atento percebe como as particularidades incluídas por cada novo contador, acrescentam à história a singularidade daquele momento em que acontece o encontro de quem narra e de quem escuta. Esta condição única, e efêmera, manteve a concepção de que a autoria pertence à comunidade, mesmo que os narradores se tornem protagonistas a cada nova contação de histórias, na qual oferecem gestos, sons, ênfases e silêncios próprios e individuais. Todavia, quem escuta e perpetua ainda é o conjunto que se une em torno dos relatos. Mesmo assim, e sem deméritos, a riqueza destas histórias ganha a cada dia versões escritas, por aqueles que tradicionalmente as receberam em oralidade, e no processo incorporam pessoalidades, além das características próprias do ato de escrever. Seguramente por compreender que para os não indígenas as histórias compostas por símbolos, especialmente por letras, são também uma forma de tradição, a cada dia há mais autores de literatura nativa imprimindo seus livros. O fazem também, por mensurarem a importância deste conhecimento específico na formação de uma consciência, que ajudará a eternizar as culturas dos povos de origem, com seus valores inerentes. Os autores indígenas reuniram as letras em torno dos relatos, a exemplo de como os ouvintes se dispunham em torno dos contadores de história e seus ecos ancestrais, ouvidos por gerações, e compuseram escritos. O atual projeto propõe a publicação destas obras e a publicação, em forma de revista, das discussões em


torno da literatura nativa, incorporando também pequenos escritos literários destes autores. Agradecemos a oportunidade de expor estes projetos e o interesse em nossas ações de incentivo à leitura e criação literária. Aproveitamos para convidá-los a visitar o portal da Editora Kazuá no endereço eletrônico: http://editorakazua.com.br/ Atenciosamente, Equipe Editora Kazuá


MAKURIKANÃ Uma prece pela sua existência As jaçanãs vão no coaia Se erguendo em bando em revoada Entre a val. Pela apaia que banzeira a tinga mara As jaçanãs voam em bando no coaia E pousam quirrá nos paus. Quirrá! Suas vidas, seus ninhos – seus amores. Os japus, japiim, entre os verdores No outro lado da val. Que bem suas vidas! – Morato para tristeza São livres! E lá despontam natureza Sem haver nenhum mal. Todas cantantes, gritantes como rindo. As jaçanãs são felizes num bem lindo Pela alvorada da koêma. E enquanto lá, eu aqui vendo a miragem Da bela val que bubuia na estiagem E admiro tudo, tudo aqui da pema. Tamares altas de galhos entrelaçados pelos cipós que se descem engalharados E dão orquídeas porãgas em buquês. Se o tempo nato aqui volta às origens Também eu voltarei ao meu princípio Mas não perguntem porquê? Sou ativista nativo, o que importa. Filho da selva Amazônia – a mãe querida De todos os índios e de todos os que a protegem Pense no quanto de ajuda ela precisa De ti, de mim, de todos – entenda a prece Que faço aqui em prol de sua volta Aos corações da boa humanidade. Selva Amazônia – mundo nativo – meu paraíso. Trecho de Kawrê Guiry’bo, Nossas lembranças especiais, de Yaguarê Yamã


Edição original: 2014 Editor: Evandro Rhoden Capa e Projeto gráfico: Osvaldo Piva Revisão: Claudia Aguiyrre e Claudia Reis Formato: 21 x 14cm


O Temor ao Protetor da Floresta Talvez por medo de serem castigados pelo Curupira, muitos moradores da Amazônia, principalmente aqueles de origem indígena, não costumam capturar animais além do necessário, pois a floresta está ali e os animais também. Suas famílias vivem de acordo com o que o meio lhes oferece e seus filhos crescem respeitando a natureza e sua “mãe”. Porém, há caçadores que matam animais indiscriminadamente e sem necessidade. Coitado desses! Quando caem nas garras do grande Curupira... Trecho de Curupira e sua casa - Um conto amazônico, de Aurélio Sousa da Silva

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Edição original: 2014 Editor: Evandro Rhoden Capa e Projeto gráfico: Osvaldo Piva Revisão: Claudia Aguiyrre e Claudia Reis Formato: 14 x 21cm

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De repente, o que já estava calmo ficou ainda mais. Então um som de maracá, quase imperceptível, anunciou a chegada do consagrado malyli. As pessoas viraram-se para olhar e acompanhar sua entrada triunfal. O velho entrou no círculo do Mõdagarãna bem devagar, chacoalhando sempre o maracá. Depois, pegou uma cuia contendo água e um raminho. Com o raminho, ele aspergia a água em todas as direções, pronunciando as seguintes palavras: – Yara é vida, Yara é vida, Yara é vida... Depois pegou outra cuia com água e desaguava uma na outra dizendo: – Yara é vida, Yara é vida, Yara é vida... Em seguida, deu boa noite a todos, e à maneira dos contadores de histórias, respirou fundo, olhou pausadamente para o público e então começou: – Yara, meus queridos ouvintes, é uma linda mulher que mora no fundo dos rios, das fontes de água, nos ygarapés. Ela está em todos os lugares em que exista água. Diferente de outras entidades, Yara é vida e, assim, ajuda os que precisam dela. Estou aqui a pedido dela. Ela me mandou trazer esse pouco de água nessas duas cuias para se fazer presente entre vocês. Espero que vocês a tenham recebido com amor. Em seguida, contou a história de Yara, de como ela passou a existir. O povo manteve-se atento a todas as palavras do velho. Depois, ele deu sábios conselhos aos que precisavam. Sentou-se no chão do terreiro e chamou um por um, até que terminou o encontro e todos saíram maravilhados pelas histórias e pelos conselhos do ancião. Guapêk, que havia prestado atenção principalmente na história de Yara, falou ao seu pai: – Depois que eu passar pelo ritual Wakarype vou buscar Yara para ser minha mulher. Trecho de Yara é vida, de Lia Minapoty


Edição original: 2014 Editor: Evandro Rhoden Ilustrações: Osvaldo Piva Projeto gráfico: VJ SCAN Revisão: Rafael Silvestre e Cláudia Aguiyrre Formato: 23 x 23cm


Certa vez, um índio guarani, chamado Tupã Mirin, estava andando pelo meio da floresta e avistou o ninho de um tukã. Subiu na árvore para dar uma olhada e viu que no ninho havia três filhotes. Eram lindos, mas estavam sozinhos, talvez sua mãe estivesse caçando algo para alimentar os filhotes. Antes de ir, notou que os tucaninhos estavam com fome, porém, ele sabia que a mãe tinha ido caçar e voltava logo. Por isso, Tupã Mirin desceu e voltou para a sua aldeia. Chegando em sua casa, contou para sua esposa, Jaxuka, o que tinha encontrado na floresta. - Ah, se pudesse trazer um deles para criar, seria bom, os danadinhos são lindos! No dia seguinte, Tupã resolveu voltar até o ninho, queria ver se os filhotes estavam bem. Chegando lá, teve uma triste notícia. Ao ver o ninho, percebeu que dois deles estavam mortos, e que só um havia sobrevivido. Ao ver aquilo, seu coração ficou triste. Tupã tocou no que estava vivo e sentiu que ele estava com muito frio. - Coitado, deve estar com muita fome, além do frio. Pensou consigo mesmo. E ficou imaginando que talvez a mãe deles tivesse sido morta ao ir caçar. Talvez outra ave maior tivesse surpreendido e caçado a mãe. Por isso não voltou e os pobres filhotes morreram de fome e de frio durante a noite. Tupã pegou o filhote e o levou para sua casa. Chegando lá, pegou uma caixa e colocou alguns panos velhos. Logo colocou o filhote lá dentro, com um pano por cima para esquentar o corpo da avezinha. Em seguida, saiu em direção a um pé de pitã carregado de frutas, pois era época. Pegou algumas e levou para o filhote. Estavam bem doces e o tukã gosta muito de pitã. Ao colocar as pitangas no bico, dava para notar que ele estava com muita fome. Os filhos de Tupã gostaram muito de ver o filhote. - Ele vai ficar com a gente agora? - Diziam, um que tinha cinco e outro que tinha seis anos. - Sim, ele vai ficar com a gente. - Disse Tupã. - Oba! Que bom, então vamos ensinar ele a falar nossa língua. Trecho de A Volta de Tukã, de Olívio Jekupé


Edição original: 2014 Editor: Evandro Rhoden Ilustrações: Osvaldo Piva Projeto gráfico: VJ SCAN Revisão: Rafael Silvestre, Igor Xanthopulo e Claudia Aguiyrre Formato: 23 x 23cm


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