História da psiquiatria

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A Psiquiatria nas culturas primitivas Perspectiva Histórica: Psiquiatria nas Culturas Primitivas A trepanação de crânios era feita com intenção de libertar o doente dos maus espíritos alojados na cabeça.

Os etnólogo Taylor e Morgan estudaram os costumes na perspectiva civilizações primitivas versus civilização ocidental, no entanto, os antropólogos actuais analisaram as manifestações psicológicas das culturas primitivas no contexto de uma teoria geral do comportamento humano. A medicina primitiva aparece influenciada pela crença universal dos fenómenos sobrenaturais e a doença mental é atribuída à influência dos espíritos de antepassados. A história da psiquiatria se inicia quase tão cedo como a história da psicoterapia. Os habitantes das cavernas, quando obrigados a tratar de algum dos seus doentes "esquisitos", portadores de doenças incompreensíveis, que, em sua ignorância atribuíam à acção perturbadora dos espíritos, frequentemente recorriam aos dois métodos: o exorcismo e a psico-cirurgia. Uma das teorias mais antigas defendia que as pessoas perturbadas se encontravam possuídas por espíritos malignos e a cura para a doença consistia em expulsar os demónios. Se o paciente tivesse sorte, os procedimentos de exorcismo eram brandos, os demónios perturbadores eram acalmados pela música ou afugentados por meio de orações e rituais religiosos.


Com alguma frequência, as técnicas utilizadas eram menos brandas. Uma das técnicas consistia em arranjar uma saída material para os demónios. Segundo alguns antropólogos, esta é a explicação para o facto de os homens da Idade da Pedra terem aberto, por vezes, grandes buracos nos crânios dos seus semelhantes. Encontram-se muitos destes crânios trepanados, frequentemente com sinais de que o paciente tinha conseguido sobreviver à operação. Ainda hoje, se pratica a trepanação em algumas tribos sem escrita, exactamente pelas mesmas razões. A trepanação de crânios, no Perú, em casos de provável epilepsia, era feita com intenção de libertar o doente dos maus espíritos alojados na cabeça. Uma outra ideia era a de tornar as coisas tão desagradáveis quanto possível ao diabo, para o levar a fugir. Assim, o paciente era acorrentado, submerso em água a ferver ou em banhos gelados ou ainda privado de comida, fustigado ou torturado. Não é de espantar que tais procedimentos levassem, com frequência, o paciente a estados progressivamente mais graves.

A doença mental é interpretada como um colapso do sistema mágico-religioso, por violação de um tabu, negligência das obrigações rituais ou possessão do demónio o seu tratamento é feito pelo “shaman”, um “médico” inspirado intermediário entre os espíritos e os doentes e seus familiares. Hoje em dia pensa-se que o “shaman” exercia simultaneamente uma função aliviadora do stress mental da comunidade e uma acção psicoterapêutica individual sobre os doentes através, nomeadamente, da confissão dos seus pecados diante de um grupo de pessoas escolhidas. O mundo do homem primitivo é povoado de forças anímicas que permanentemente o dominam e as quais invoca como entidades benfazejas para o proteger das tributações da existência. Está na lógica afectiva do sistema de magia, atribuir aos loucos agressivos que aterrorizam o homem, um espírito malfazejo que é esconjurado por rituais mágicos. O exorcismo era uma prática de expulsar os demónios


A psiquiatria na antiguidade Hipócrates, o pai da Medicina, foi quem mais contribuiu para a criação de uma psiquiatria físico-científica.

Nas civilizações de há 2000 anos a.C. existiu no Médio Oriente um elevado nível de conhecimentos científicos. A dificuldade que hoje em dia temos em estudar a medicina destas culturas deve-se ao facto de se misturarem os conceitos de saúde mental com conceitos religiosos. No Egipto, o tratamento das perturbações mentais incluía meios físicos, psíquicos e espirituais. O doente mental era tratado fazendo apelo a forças construtivas positivas e os sonhos eram já muito considerados pelos antigos orientais. Na Bíblia há várias referências à doença mental. Deuteronómio diz:”Deus punirá aqueles que violarem as suas determinações com loucura e cegueira e espanto de coração”. O mais famoso caso de loucura que surge na Bíblia é Saul, que manifesta uma psicose maníaco-depressiva. Já os Judeus, por seu lado, consideravam a loucura e a epilepsia como doenças bem definidas e não como fenómenos sobrenaturais e, embora o tratamento consistisse em encantamentos, era feito pelo médico e não pelo padre. Na Grécia antiga, no conceito popular, a “loucura” era uma doença mental causada por espíritos malignos personificados em duas deusas – Mania e Lyssa – os deuses é que enlouqueciam e tratavam as pessoas. As terapias utilizadas eram raras. Falava-se em curas por purificação, por participação nos mistérios e utilizavam-se, por vezes, certos animais e vegetais no tratamento da “loucura” e da epilepsia. Hipócrates, século IV a.C. tem uma concepção médica da doença e interessa-se pela estrutura de personalidade do doente. Em relação à doença mental, Hipócrates foi um inovador, provocando uma mudança radical no conceito de “loucura”.


Foi Hipócrates, o pai da Medicina, quem mais contribuiu para a criação de uma psiquiatria físico-científica, nos moldes da medicina moderna. Rindo-se dos que consideravam a epilepsia como "divina" e a chamavam de "doença sagrada", dizia que faziam isto para esconder sua ignorância sobre a natureza dela. O seu conceito era de que, nessa doença, quem estava doente era o próprio cérebro, que "é o órgão mais importante, como fonte de todos os nossos prazeres, alegrias, gracejos e risos, assim de todas as nossas tristezas, dores, pesares e lágrimas..." A psiquiatria, que teve tão bons fundamentos, ia seguir outros rumos, desencaminhando-se em especulações filosófico-psicológicas que a distanciam do empirismo hipocrático.Abandonados em parte os preconceitos mágicos primitivos, a psiquiatria na antiguidade, entrou a sofrer a influência da filosofia platónica. Platão ao separar o espírito da matéria, teve como consequência dissociar o composto humano em dois planos incompatíveis: a doença podia atingir a alma irracional que residia no corpo, mas não a alma racional. Esta doutrina serviu de apoio à ideia de que as doenças mentais tinham origem supranatural e, por conseguinte, saíam do domínio da medicina. A psicologia de Platão, como a sua filosofia, é idealista e mística. Parte do pressuposto da dualidade anímica do homem, e que só a alma irracional pode ser perturbada pela doença; a outra, a alma racional, está isenta de perturbações devidas a causas naturais. Quando se perturba, é pela interferência dos deuses. Platão considera que a loucura tem várias formas desde a profética, a teléstica ou ritual, a poética (estar possuído pelas Musas) até à erótica. É ainda Platão que atribui grande significado aos sonhos e estabelece um método para a sua interpretação. O sonho começou por ser considerado como parte da realidade, depois como um meio de comunicação com os deuses e, por fim, foi-lhe atribuído um significado simbólico.Com efeito, Platão, discípulo divulgador da doutrina de Sócrates considerava "os estados corporais como verdadeiros reflexos psicológicos". Afirmava, ainda, que o princípio vital do corpo era a alma vegetativa que é comum ao homem, aos animais e aos vegetais Aristóteles propõe empiricamente o tratamento da doença mental através da libertação das emoções reprimidas. Com a influência da filosofia platónica foi extraordinária, não admira que os preconceitos psiquiátricos a que serviu de suporte e justificação se prolongassem tanto tempo. Os Romanos têm um conceito popular de “loucura” influenciado por crenças etruscas e relacionado com as bacantes e fúrias, no quadro de práticas supersticiosas. No entanto, os médicos romanos sofreram a influência das ideias gregas e atribuíram valor importante aos sonhos. Os Romanos dedicaram-se ainda à Psiquiatria forense, definindo, na lei, os estados patológicos mentais e atribuindo-lhes um estatuto próprio, sem grau de culpabilidade civil. Em Roma, Cícero emite opiniões que se anteciparam brilhantemente a muitos conceitos da psicoterapia moderna. Assim, preludiando a actual medicina psicossomática, Cícero afirmou ousadamente que "as doenças corporais frequentemente eram o resultado de factores emocionais..." No século I a. C.Celso fala da relação médico-doente como factor importante para “animar os deprimidos” e “acalmar os agitados”. Há um conceito semelhante à psicoterapia moderna, com interesses nas actividades de grupo (leitura, música).


A "Loucura"

A Psiquiatria e a Idade Média Os doentes mentais padeciam de tratamentos dolorosos, como por exemplo, serem introduzidos em água a ferver para expulsar o mal.

Na Idade Média predominam as ideias místicas e ocultistas. O doente mental e o seu tratamento voltam a ser encarados com mistério e magia, utilizando, mais do que outrora, a feitiçaria. Descrevem-se cerimónias noturnas, só com a presença de mulheres, em honra de deusas para cura de doentes. A mulher, a bruxa, a possessão pelo demónio são as constantes na explicação das perturbações mentais. São a causa e são a cura. Os tratamentos com eméticos, sangrias e unguentos, são envolvidos em práticas obscuras de feitiçaria. A exceção a este ambiente obscurantista, durante a Idade Média, só surge com os Árabes, portadores de uma civilização mais avançada nas ideias e nas técnicas. Os Árabes encaram a psiquiatria de uma forma mais humana e constroem hospitais psiquiátricos como o de Adrianópolis em 1500 d. C. Para os muçulmanos, o louco é amado por Deus e foi por Este escolhido para revelar a verdade. Assim, o doente mental é protegido por todos e, por vezes, considerado como santo.


Alguns filósofos da Idade Média escreveram sobre a alma humana e os seus males. S. Tomás de Aquino fala das “animas” - vegetativa, sensitiva e intelectiva; a alma não pode adoecer. A loucura seria uma perturbação somática quer num dos humores corporais (melancolia), quer dos vapores do cérebro (epilepsia). O tratamento era físico com banhos, dietas e sono abundante. Na Europa no início da Idade Média, os povos eram especialmente ligados à magia e bruxaria.

A Psiquiatria e o renascimento Charcot a fazer uma demonstração de como se aplica a hipnose a uma paciente.

No início desta época prevalecem ainda as ideias de feitiçaria e grande número de doentes são acusados de bruxaria e enviados para cruzadas, guerras e peregrinações. Muitos doentes são isolados em caves, sótãos e prisões ou, então, abandonados. Erasmo de Roterdão publica em 1509 “O Elogio da Loucura”. A partir do Século XIV começam a parecer várias instituições para doentes mentais na Europa (Espanha). Com o Humanismo, perde-se a noção de feitiçaria e dá-se maior valor à experiência clínica e descrição dos doentes. Joham Meyer é considerado como o primeiro psiquiatra. Descreve numerosas doenças mentais e aplica uma psicoterapia humana com base numa boa relação médico-doente. Começam-se a pôr em causa os métodos de julgamentos e castigos das “bruxas” e explicam-se muitos sinais ditos sobrenaturais numa base científica. Vesálio dedica-se à anatomia humana e muitos mistérios do corpo são descobertos. Leonardo da Vinci faz também estudos anatómicos em cadáveres, sobretudo do encéfalo.


No entanto, a nível popular, a doença mental, matem a mesma aceitação e interpretação dos tempos medievais. Até ao Século XIX, o doente mental é exibido na rua, nas férias ou é recolhido em instituições com carácter asilar. Nada é feito no sentido da sua cura ou reabilitação. Nos fins do Século XVIII, há duas escolas na Europa. A escola iniciada por Franz Josef Gall, com base em conceitos expressos na frenologia. Esta teoria assenta nas estruturas cerebrais anátomo-fisiológicas e descreve as faculdades mentais como produtos inatos de cada região. Gall foi mais tarde alvo de críticas por ter assumido esta posição.A outra doutrina defendida por Franz Anton Mesmer teoria conhecida por mesmerismo. Baseiase no magnetismo animal, que o homem também possui e é uma espécie de sexto sentido. Obteve “curas” por meio das suas magnetizações em doentes com conversões histéricas (cegueiras, paralisias). A partir do Século XIX, as correntes diferem em cada país da Europa. Os Franceses dedicam-se à clarificação dos sintomas, aos aspectos médico-legais da Psiquiatria e à relação entre Psiquiatria e Neurologia. Na Alemanha, a influência romântica leva a uma pouca objetividade científica, dando pouca importância à experiência clínica, fazendo interpretações de ordem sentimental. Quanto aos Inglese, a sua linha de atuação é essencialmente prática, com construção de hospitais bem desenhados e feitos no respeito pelo indivíduo, doente mental, são abolidos os métodos repressivos. Também nos EUA, surgem hospitais psiquiátricos onde os doentes vivem em regime de asilo, sem cuidados médicos. Fundaram-se hospitais por toda a Europa, contudo, até ao início só Século XIX e, nalguns casos até mais tarde, a maioria destes hospitais só o era de nome.

Hospitais que eram prisões: O seu tratamento era bárbaro. O maior hospital de Paris para mulheres, tratava as mulheres loucas com ataques de violência, acorrentando-as como cães às portas das celas e isoladas do pessoal. Os chamados “loucos” eram considerados como animais perigosos e como tal deviam ser enjaulados. No hospital de Bethlehem, em Londres, os pacientes eram exibidos a quem fosse curioso e pagasse dinheiro pela visita. O médico Francês Philippe Pinel (1745-1826) nomeado responsável pelo sistema hospital parisiense. Pinel removeu as correntes dos doentes mentais. Pinel e outros reformadores afinavam pelo mesmo diapasão – a loucura é uma doença. Partindo deste princípio, fizeram com que os internados deixassem de ser prisioneiros e passassem a ser doentes para quem era necessário encontrar uma cura. Já no Século XIX, a psiquiatria assenta em conceitos orgânicos, isto é, as doenças mentais são explicadas pelas alterações físicas do sistema nervoso. Charcot, com quem Freud estagiou, desenvolveu o método da hipnose em três fases sucessivas: letargia, catalepsia e sonambulismo – como terapêutica da histeria. Esta terapêutica tem grande popularidade, na época, e é aplicada também por Freud – “método catártico” na tentativa de melhorar os doentes neuróticos. Posteriormente,


Freud substituiu o método catártico pela técnica do método psicanalítico (associação livre de ideias, interpretação dos sonhos, análise dos atos falhados e processos de transferência). O médico Francês Philippe Pinel (1745-1826) nomeado responsável pelo sistema hospital parisiense, removeu as correntes dos doentes mentais

Psiquiatria contemporânea Freud, o fundador da psicanálise, continua na atualidade a marcar as práticas psicoterapêuticas

A psiquiatria dita contemporânea faz-se com os continuadores de Freud – colaboradores e discípulos, como Jung, Adler, Reich, Abraham, Stekel, Rank. Surgem depois os estruturalistas com Wundt e Fitchener; os funcionalistas com Dewer e Angell; os associacionistas; os behaviouristas com Watson, Meyer, Weiss, entre outros; os gestaltistas com Wertheimer, Kofka, Koller; os organicistas e, mais proximamente, as escolas neo-freudianas com nomes como o de Erich Fromm. Jung continua a investigação iniciada por Freud, dedicando-se, sobretudo, ao estudo das associações de palavras, simbologia do material dos sonhos e conceitos de inconsciente coletivo, arquétipos e individuação. Propõe o conceito de dois tipos psicológicos: introvertido e extrovertido. Adler preocupa-se com as repercussões da psicanálise na educação, política e sociedade em geral. Tem uma influência importante na psiquiatria infantil.


Reich faz estudos sobre análise caraterial que são um contributo para toda a teoria psicanalítica. Abraham estuda o desenvolvimento do funcionamento psicológico, pondo a tónica no estado pré-edipiano. No final da década de 30, com o desenvolvimento do nazismo, há um êxodo de cientistas europeus para a América. Muitos psicanalistas abandonam a Europa e vão instalar-se nos E.U.A., onde fundam institutos em várias cidades. Aumenta a importância atribuída à psiquiatria infantil e à medicina psicossomática, e os métodos psicoterapêuticos utilizados são na base dos conceitos clássicos de Freud. A psicanálise é aplicada no tratamento de doentes neuróticos, com êxito. Os movimentos neo-freudianos são uma aplicação de certos conceitos psicanalíticos clássicos aos problemas sociais da atualidade, como a alienação coletiva, falta de individualidade, urbanização, automatização, procura de valores e a relação do homem com o ambiente ecológico. No filme "O método perigoso" é retratada a relação de Freud com o seu discípulo Carl Jung.


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