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Capítulo Três

Nenhumas das fotos que foram espalhadas na minha frente ou que estavam incluídas no álbum de foto mais bizarro que já vi tinham fotos dos homens que estavam no beco.

Estranhamente, eu me sentia como se tivesse falhado.

Eu queria ser possível de apontar para alguém e dizer que eram eles. Que os caras maus tinham sido encontrados e tudo isso teria acabado. Eu queria muito isso.

Mas não foi o que aconteceu.

Colton tinha sido chamado e, mesmo ele falando que voltaria, eu não o vi por um tempo enquanto saia da estação de policia e era guiada até meu carro pelo Detetive Hart.

Eles entrariam em contato.

Eu não tinha ideia do que isso significava e eu estava exausta demais para descobrir. O caminho do centro da cidade para a casa que eu comprei quando me mudei de volta não era rápido, mesmo perto das três da manhã. Mas por algum tipo de milagre, eu cheguei em casa, estacionei meu carro, subi os degraus e me deixei entrar. Foi só aí que me lembrei de que um dos meus saltos havia quebrado. Eu não me lembrava de como eu tinha pegado o sapato de volta. Talvez tenha sido o policial Hun?

Ou foi Colton?

Deus.

Que não tenha sido Colton.

Eu realmente não precisava que ele soubesse que tinha um pé do tamanho do de um homem das cavernas.

Ligando a luz, eu rapidamente fechei a porta atrás de mim e comecei a tirar meus sapatos, agora arruinados. Meus dedos doeram, aliviados, enquanto eu encarava a escadaria estreita, diretamente de frente para a porta. Mais que tudo, eu queria subir aqueles degraus e me jogar na cama, mas eu me sentia totalmente suja e minha garganta parecia o deserto Mojave3 .

Essa sessão de casas havia sido construída no começo dos anos noventa então o piso térreo tinha o conceito de ser todo aberto. A sala de estar era aconchegante com um sofá e uma poltrona, arrumados em torno da TV e de uma mesa de centro. O espaço aberto à direita dava em uma sala de jantar que eu, honestamente, nunca usei. A maioria dos meus jantares era feitos no sofá. Todos os eletrodomésticos na cozinha eram novos, e eu tinha me apaixonado pelos balcões de granito cinza no momento que eu os vi.

Eu liguei a luz da cozinha e fui direto para a geladeira. Que se fodam as dietas. Eu peguei uma lata de Coca, a abri e quase bebi tudo enquanto a porta da geladeira ainda estava aberta, exalando ar gelado.

“Deus,” eu sussurrei, abaixando a latinha devagar enquanto eu fechava a porta da geladeira. “Essa noite...” Não havia palavras.

Eu me virei e sai da cozinha, carregando a latinha de refrigerante e minha bolsa. Enquanto eu andava, passando a área de jantar, meu olhar foi para as fotos emolduradas que estavam na parede. Quando eu me mudei, eu tinha levado quase dois anos para pendurar aqueles retratos.

Alguns eram mais fáceis que os outros. Como as fotos minhas com as meninas da faculdade, na Times Square4, ou a foto horrível da formatura da faculdade. Por algum motivo, eu terminei parecendo vesga nela. A maioria das pessoas iriam querer esconder essa foto, mas ela me fazia rir.

3 Deserto de Mojave é o nome dado a parte mais elevada do Deserto da Califórnia, sendo que o Deserto de Sonora corresponde a sua parte baixa. 4 Famosa quadra em Nova York, repleta de comércios e onde é realizado a festa da virada de ano.

Ela fazia Kevin rir.

Meu olhar vagou até a foto dos meus pais. Ela tinha sido tirada na casa, na cozinha, em que cresci. Era a manhã de Thanksgiving 5e meu pai tinha assustado minha mãe, passando seus braços em volta da sua cintura por trás. Ambos estavam com um grande sorriso.

Eles morreram em um acidente de carro quando eu estava no segundo ano da faculdade. Isso foi um grande choque. Lidar com a morte de ambos os pais de uma vez foi algo quase impossível, mas egocentricamente, eu tinha acreditado que essa seria minha única perda. Quero dizer, vamos lá, quais as chances de se perder outra pessoa que você ama de um jeito injusto e sem aviso como em outro acidente de carro?

A única foto pendurada que eu tinha de Kevin era uma dele de pé, sozinho, no nosso casamento, vestindo um tuxedo que ele tinha alugado de uma loja barata na cidade. Era ao ar livre, no brilhante sol de Julho, e ele estava mais dourado do que loiro. Eu amava tanto essa foto porque ela capturou o calor em seus olhos castanhos.

Esse era o Kevin. Sempre caloroso. Sempre acolhedor. Ele era o tipo de pessoa que nunca conheceu algo estranho. Eu pressionei meus lábios juntos enquanto encarava seu lindo rosto de menino. Quando os meses se tornaram anos, era mais difícil conseguir lembrar suas feições. A mesma coisa era com meus pais. Havia dias que todos poderiam aparecer perfeitamente na minha cabeça, tão claros quanto o dia, enquanto outras vezes eles não eram nada mais que fantasmas.

Eu amava Kevin. Eu ainda amava. E eu sentia falta dele. Nós éramos um casal desde o colegial e ele foi o único homem que eu estive junto. Olhado para trás, eu sabia que não tínhamos o tipo de paixão que fazia meus dedos do pé se enrolarem ou que te fazia acordar no meio da noite, úmida e pronta, e que éramos simplesmente... familiares um com o outro, mas nós nos amávamos.

5 Ação de Graças.

E eu não me arrependia de nenhum segundo que passei com ele.

Eu só me arrependia dos momentos depois disso porque eu sabia que Kevin iria querer que eu seguisse em frente, encontrar outra pessoa para amar. Ele não iria querer me ver sozinha.

Minha garganta foi inundada e eu fechei meus olhos para evitar o rio de lágrimas. Me recompondo, eu continuei, indo para o andar de cima. Haviam três quartos mas um deles mal cabia uma cama, então esse tinha virado meu escritório. O que era perfeito porque o cômodo era virado para o quintal que havia abaixo, me permitindo procrastinar por horas quando eu deveria estar trabalhando.

Eu passei pelo pequeno corredor e entrei no quarto principal na frente cada. O quarto era espaçoso, completo com seu closet e um banheiro conjugado. A jacuzzi tinha virado minha melhor amiga desde que eu me mudei.

Ligando o abajur, eu coloquei minha bolsa sobre a poltrona cinza perto da porta. Peguei meu celular e o liguei no carregador sobre o criado mudo. Tudo que eu queria era me jogar de cara na cama, mas eu fui para o banheiro e tirei minhas roupas. Eu comecei a colocá-las no cesto de roupas sujas, mas em vez disso, eu as enrolei, incluindo meu sutiã e calcinha, e coloquei de canto para jogá-las fora amanhã de manhã. Eu não queria usar essas roupas de novo, nem vê-las de novo.

Cansada, eu liguei a água e esperei, de costas para o espelho sobre a pia, até a agua esquentar-me um nível escaldante, do jeito que eu gostava.

Eu tentava não olhar para mim mesma no espelho quando eu estava completamente nua.

Eu não gostava de ver meu reflexo.

Eu não estava... confortável com ele.

Não eram os pequenos furos em certas partes do meu corpo que não me deixavam confortável. Não era nada físico. Ou talvez fosse, porque eu não me sentia... ligada a minha própria pele há um tempo. Eu sabia que isso parecia

loucura, mas era como se eu não conhecesse mais meu corpo. Ele era algo que eu usava. Eu não era intima com ele além de usar meu vibrador de sempre. Talvez eu tenha passado tempo demais sem intimidade.

E essa noite, pela primeira vez em anos, eu senti algo quando Colton tocou meu queixo. E o quão triste isso era? O cara tinha tocado meu queixo e essa foi à coisa mais próxima a uma atração física que eu senti depois de Kevin.

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, eu estava na cama, mas não conseguia dormir. Eu encarei o teto, para o ventilador silencioso, e eu não conseguia parar de pensar no homem que morreu hoje à noite. Ele tinha família? Uma mulher que iria receber essa batida horrível em sua porta? Ele tinha filhos? Seus pais ainda estavam vivos e iriam ter de enterrar o próprio filho? Eles pegariam o responsável?

Eu deveria temer algo?

Movendo-me, eu peguei o controle remoto e liguei a TV, mantendo o volume baixo, mas isso não ajudou a alinhar meus pensamentos.

Eu tinha visto alguém morrer.

Apertando meus olhos fechados, eu virei de lado e pela primeira vez em anos, eu chorei até dormir.

Na manhã seguinte, eu estava de pé, em frente a minha cafeteira, com meus olhos cansados e impaciente, enquanto esperava pela felicidade pura terminar de ser preparada. Tudo que eu tinha conseguido fazer foi prender meu cabelo em um coque bagunçado, mas as mechas mais curtas já tinham se soltado e estavam espalhadas em todas as direções.

Em outras palavras, eu estava com uma péssima aparência, mas eu realmente não me importava enquanto passava o café e o colocava em uma xicara cheia de açúcar, e ainda ficava ali de pé, tomando meu primeiro, então o segundo, e o terceiro gole enquanto friagem subia pelos meus pés descalços.

Eu tinha perdido a hora.

Bem, quando se dorme até depois das oito da manhã, nos dias de hoje, era perder a hora. Já eram quase nove antes que eu conseguisse sair da cama. Isso não era nada demais. A única coisa que eu tinha planejada para hoje era encontrar com Jillian Lima para um jantar.

Eu conheci Jillian em uma sessão de autógrafos na livraria da cidade. Ela quase dez anos mais nova que eu, mas a diferença de idade rapidamente evaporou. Jillian era dura na queda. Ela era incrivelmente tímida, mas seu amor pelos livros cruzava barreiras. Graças aos nossos atores e temas favoritos nós ficamos amigas e, uma vez que ela descobriu no que eu trabalhava, ela começou a se abrir.

Durante o ultimo ano, nós nos encontrávamos todo domingo à noite para discutir livros durante o jantar. Às vezes íamos assistir a um filme ou eu iria sentir sua falta. Na primavera, ela iria se transferir para uma faculdade em West Virginia. Eu ainda não sabia por que ela estava fazendo isso. Essa era uma pequena informação que eu não conseguia tirar dela.

Eu tinha acabado de tomar meu café quando a campainha tocou, me surpreendendo. Eu não estava esperando ninguém. Deixando a xicara sobre o balcão, eu andei pelo chão e espiei pela janela, mas como sempre haviam carros estacionados na frente que eu não conhecia, eu não dei importância. Revirando meus olhos, eu peguei a maçaneta da porta, xingando pelo fato que eu não tinha um olho mágico.

Minha boca caiu aberta e eu inalei, minha habilidade de formar pensamentos coesos sumindo.

Colton Anders, em toda sua glória de olhos azuis, estava na minha porta. “Bom dia Abby.”

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