PROCIV # 73 (abril de 2014)

Page 1

B O L E T I M M E N S A L DA A U TO R I DA D E N AC I O N A L D E P ROT E C Ç ÃO C I V I L / N .º 7 3 / A B R I L 2 014 / I S S N 16 4 6 – 9 5 4 2

O caso da sentença de L'Aquila

Responsabilidade na comunicação do risco

73 Abril de 2014

Distribuição gratuita. Para receber o boletim P RO C I V em formato digital inscreva-se em: www.prociv.pt

©Patricia Pires


EDITORIAL

Aproximar o conhecimento técnico e científico O Boletim PROCIV tem contado deste o seu início com a colaboração de vários elementos da própria estrutura da Autoridade Nacional de Protecção Civil, no desenvolvimento de temáticas que lhes são próximas, quer em termos de experiência dentro da instituição, quer fruto do seu particular conhecimento e saber. Não obstante ser nossa preocupação continuar a estimular esse diálogo internamente, a partilha de visões sobre os assuntos e a troca de experiências e contactos, a abertura desta publicação a outros interlocutores não pode deixar de ser igualmente um caminho, cuja aposta, tem um ganho e um retorno seguro e desafiante. Na edição de abril, temos o privilégio de contar com a colaboração de dois distintos professores catedráticos do nosso universo académico, Professor Betâmio de Almeida e Professor Sousa Oliveira, cuja grandeza e especial prestígio nas áreas das engenharias, do conhecimento, da ciência, não lhes retirou a humildade de virem ao nosso encontro e de entenderem que o espírito de colaboração entre organismos, passa também por estes níveis de cooperação e colaboração, dando visibilidade a assuntos, de interesse partilhado. A eficácia da missão da proteção civil não pode estar dissociada da informação e da comunicação, convictos que uma sociedade mais informada, é uma sociedade mais bem protegida e envolvida na solução dos seus problemas. Neste sentido, é cada vez mais decisivo aproximar o conhecimento técnico e científico, fundamentado e atualizado sobre os diferentes fatores de risco, no apoio às decisões das autoridades, quer em ações de planeamento, quer perante situações concretas de acidentes graves e catástrofes, em que é premente uma informação rigorosa e de qualidade às entidades parceiras e à população de um modo abrangente. Termino dando nota das várias iniciativas que foram acontecendo pelo país no mês de março, em torno do Dia da Proteção Civil, e do envolvimento dos nossos profissionais dos Comandos Distritais de Operações de Socorro, que entendem a necessidade de ligar as várias entidades e agentes que interagem num território, de envolver igualmente cidadãos e comunidades locais, trabalho de coesão e interconhecimento, determinante em contextos de turbulência e perturbação.

Manuel Mateus Couto Presidente da ANPC

" A eficácia da missão da proteção civil não pode estar dissociada da informação e da comunicação."

Manuel Mateus Couto

P U B LI C AÇ ÃO M E N S A L Edição e propriedade – Autoridade Nacional de Protecção Civil Diretor – Manuel Mateus Couto Redação e paginação – Núcleo de Sensibilização, Comunicação e Protocolo Fotos: Arquivo da Autoridade Nacional de Protecção Civil, exceto quando assinalado. Impressão – SILTIPO – Artes Gráficas Tiragem – 2000 exemplares ISSN – 1646–9542 Os artigos assinados traduzem a opinião dos seus autores. Os artigos publicados poderão ser transcritos com identificação da fonte. Autoridade Nacional de Protecção Civil Pessoa Coletiva n.º 600 082 490 Av. do Forte em Carnaxide / 2794–112 Carnaxide Telefone: 214 247 100 Fax: 214 247 180 nscp@prociv.pt www.prociv.pt

P. 2

.

PROCIV

Número 73, abril de 2014


BREVES

Seminário “Operações aéreas de apoio ao combate a incêndios florestais”

ANPC Sessão técnica de análise dos Incêndios Florestais 2013

A Autoridade Nacional de Proteção Civil realizou no passado dia 11 março um seminário sobre “Operações aéreas de apoio ao combate a incêndios florestais”. A iniciativa contou com a participação de elementos da estrutura operacional da ANPC, da Força Especial de Bombeiros, do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da GNR, do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA) e da Empresa de Meios Aéreos (EMA). A realização do evento visou, o confronto de experiências e de perspectivas entre os diversos actores que intervêm nas várias fases das operações de combate a incêndios florestais com meios aéreos. Apesar de frequentemente esquecidos no debriefing de encerramento da época de incêndios florestais, os conhecimentos e experiências destes profissionais são uma fonte de ensinamentos susceptíveis de ser incorporados no desenho da directiva para o ano seguinte. Foi isso que a ANPC procurou alcançar com a promoção deste encontro, reconhecendo as virtudes do processo melhoria contínua (Plan-Do-Check-Act) na abordagem a esta problemática das operações aéreas de apoio ao combate a incêndios florestais de 2014.

A Autoridade Nacional de Proteção Civil e a Liga dos Bombeiros Portugueses promoveram no dia 22 de março, em Santarém, uma sessão técnica final de análise aos incêndios florestais 2013. O encontro teve como objetivo recolher o contributo de todos os corpos de bombeiros do país para o melhoramento, que se pretende sempre contínuo do Dispositivo de Combate aos Incêndios Florestais. Esta sessão contou com a presença do Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, Secretário de Estado da Administração Interna, João Pinho de Almeida, Diretor Nacional de Bombeiros da ANPC, Pedro Lopes, presidente da LBP, Jaime Marta Soares, presidente da ENB, José Ferreira, Comandante Operacional Nacional; José Manuel Moura, e mais de 700 representantes das Associações/ Corpos de Bombeiros de todo o País.

Plano Especial de Emergência da Barragem de Odelouca em consulta pública O Plano Especial de Emergência de Proteção Civil para o Risco de Rotura da Barragem de Odelouca está em consulta pública desde o dia 17 de março e durante 30 dias úteis. Até 29 de abril, os interessados podem consultar as componentes não reservadas do plano e apresentar os seus contributos. O plano está disponível para consulta no sítio da ANPC em www.prociv.pt e nas instalações do Comando Distrital de Operações de Socorro de Faro, nos dias úteis, das 9 às 12h30 horas e das 14 às 16 horas. As sugestões ou observações de melhoria sobre o conteúdo do PEE de Odelouca, deverão ser formuladas por escrito, devendo constar a identificação e endereço do seu autor, e entregues até ao final do período de consulta pública, nas instalações do CDOS de Faro, ou remetidas via postal ou correio eletrónico, através do endereço: cdos.faro@prociv.pt.

........................................................................................ PROCIV

.

P.3

Número 73, abril de 2014


BREVES

Projeto Floresta Segura 2014

Protocolo EPAL – Disponibiliza 12 pontos de água

Em 2012, a Escola Nacional de Bombeiros (ENB) desenvolveu, em parceria com o grupo Portucel Soporcel, o Projeto-piloto Floresta Segura com o objetivo de reduzir o número de ignições com origem em fogueiras ou queimas de sobrantes agrícolas. Este programa de sensibilização sobre os princípios básicos da utilização do fogo e da prevenção de incêndios foi implementado em 9 municípios-piloto com diferentes tipologias de incêndio: Alenquer, Góis, Gondomar, Lousã, Mafra, Paredes, Torres Vedras, Valongo e Vila Nova de Poiares.

A Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL) vai disponibilizar 12 pontos de água para facilitar a luta contra os incêndios florestais, uma iniciativa que foi objeto de um protocolo entre várias entidades. A assinatura do protocolo, que decorreu em Lisboa, reuniu, além da EPAL, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a Associação Nacional de Proteção Civil e a Guarda Nacional Republicana. A EPAL preparou os pontos de água para puderem ser utilizados pelos bombeiros em situações de combate a incêndios florestais. As infraestruturas, que já se encontram funcionais, localizam-se em Vila Franca de Xira, Asseiceira, Vale da Pedra, Cabeço da Rosa, Freixial, Vila Nova da Barquinha, Torres Novas, Cartaxo, Sardaçal, Madeiras, Azambuja e Guerreiros. Nos pontos de água da EPAL, foram instalados dispositivos para que os bombeiros possam abastecer mangueiras e autotanques a utilizar para o combate aos fogos nas florestas.

Foram claras as vantagens do projeto para os participantes – as populações rurais que puderam esclarecer questões de legalidade e do uso do fogo. As entidades locais – autarquias, bombeiros, entre outras – também aproveitaram a oportunidade para alertar diretamente as populações sobre a problemática dos incêndios florestais na sua localidade. (Resultados do Projeto-Piloto Floresta Segura 2012). Em 2014, o Projeto Floresta Segura vai voltar ao terreno com 15 ações de sensibilização a realizar, entre março e maio, nas áreas dos distritos de Santarém, Viseu e Porto com mais problemas relacionados com as más práticas do uso do fogo. Em Viseu, foi selecionado o município de S. Pedro do Sul que registou, em 2013, um aumento de ignições por ações negligentes. No distrito de Santarém, as ações destinam-se às populações residentes no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, uma área da responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Como forma de verificação dos resultados, será mantido o município de Paredes, do distrito do Porto, onde se realizaram ações em 2012 (projeto-piloto). A Floresta Segura não está limitada aos municípios onde decorrem as ações. Qualquer autarquia pode, em parceria com o corpo de bombeiros local, sensibilizar a sua comunidade com recurso aos materiais disponíveis desenvolvidos pela ENB. Em 2014, o Projeto Floresta Segura conta com novos parceiros institucionais: a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) e a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) que se juntam à Autoridade Nacional de Proteção Civil e ICNF neste projeto da ENB, entidades que se uniram para dar um contributo na prevenção de incêndios florestais, preservação do património natural e segurança das populações.

P. 4

.

......................................................................................... PROCIV

Número 73, abril de 2014


BREVES / CDOS

Sessão de trabalho com juntas de freguesia do Algarve Face ao início de um novo ciclo eleitoral no patamar local, que originou alterações nos representantes dos órgãos das autarquias, o Comando Distrital de Operações de Socorro de Faro, em pareceria com a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) e os Serviços Municipais de Proteção Civil (SMPC) do Algarve, promoveu uma sessão de trabalho sobre o Sistema de Proteção Civil, direcionada aos membros eleitos para os órgãos de Freguesia na Região do Algarve. Esta sessão, visou enquadrar e integrar, em particular, os presidentes de Junta de Freguesia, no contexto da atividade/missão da proteção civil, dos mecanismos de planeamento e resposta, bem como, dar a conhecer as responsabilidades das Autoridades, Serviços e Agentes de Proteção Civil (APC) e demais Entidades Cooperantes (EC), nas várias dimensões e níveis de atuação. A iniciativa contou com mais de uma centena de participantes, destacando-se a adesão expressiva dos Presidentes das Juntas de Freguesia da Região.

CDOS de Aveiro associa-se às iniciativas do Dia da Defesa Nacional 2014 O CDOS de Aveiro associou-se às iniciativas da 10ª edição do Dia da Defesa Nacional através de ações de divulgação que decorreram, numa primeira fase, de 20 de janeiro de 2014 a 6 de março, no Aeródromo de Manobra 1, em Maceda, em Ovar, abrangendo 9059 cidadãos. Para esta atividade, o CDOS contou com o apoio dos corpos de bombeiros do distrito que realizarem uma demonstração de uso do equipamento de proteção individual e a apresentação das valências de uma viatura operacional. A segunda fase da iniciativa decorrerá de 16 de setembro a 31 de outubro.

Comemorações do Dia da Proteção Civil 2014 no Porto

Comandantes dos Corpos de Bombeiros do distrito de Setúbal reúnem com Presidente da ENB Numa iniciativa da Federação dos Bombeiros do Distrito de Setúbal, os Comandantes dos Corpos de Bombeiros do distrito reuniram no dia 3 de março, no Quartel-sede da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Sul e Sueste, com o Presidente da Escola Nacional de Bombeiros, José Ferreira, e com a Comandante Operacional Distrital de Setúbal, Patrícia Gaspar. A reunião foi dedicada à apresentação do Plano Estratégico de Formação dos Bombeiros Portugueses para o período 2014-2016, bem assim como à apresentação da estatística de formação realizada no distrito de Setúbal em 2013 e perspetivas para 2014.

No âmbito das comemorações do Dia da Proteção Civil, os diversos Municípios do Distrito do Porto, Corpos de Bombeiros e estabelecimentos de ensino dinamizaram diferentes atividades de sensibilização pública, celebrando localmente esta efeméride. As atividades tiveram o seu início a 21 de fevereiro e realizadas nos concelhos de Gondomar, Matosinhos, Marco de Canaveses, Paços de Ferreira, Porto, Santo Tirso, Valongo e Vila do Conde. Outros Municípios estão/ irão continuar comemorar esta data durante os próximos meses. Foram inúmeras as atividades dinamizadas em colaboração com os diferentes agentes de proteção civil locais: palestras e workshops e conferências, exposições de trabalhos dos clubes de proteção civil, demonstração de meios e equipamentos, exercícios e simulacros, peças de teatro, entre outras. O sucesso das iniciativas e a envolvência dos diversos agentes de proteção civil demonstram a concretização de uma séria e renovada aposta na política de prevenção.

........................................................................................ PROCIV

.

P.5

Número 73, abril de 2014


TT EE MM AA

O Caso da Sentença de L'Aquila Prevenção e Comunicação do Risco: Responsabilidades dos Cientistas

Direção de Comando e Conrolo. L’Aquila 2009 (DI.COMA.C)

Em 2012, sete cientistas italianos foram condenados a pesadas penas de prisão por terem sido considerados responsáveis pela morte de 27 pessoas no sismo que ocorreu na cidade italiana de L'Aquila, em 2009. O presente artigo tem os seguintes objectivos principais: Apresentar sucintamente o designado processo de L'Aquila e proceder a uma análise sumária do mesmo e identificar problemas relevantes motivadores de eventuais mudanças em procedimentos a seguir na comunicação do risco. 1 – Intróito Em Outubro de 2012, um tribunal italiano condenou sete cientistas a seis anos de prisão por terem sido considerados responsáveis pela morte e ferimentos de pessoas no sismo que ocorreu na cidade de L'Aquila no dia 6 de abril de 2009. Recorda-se que este sismo provocou a morte de 309 pessoas e ferimentos a cerca de 1500 pessoas, 67500 deslocados e 100000 edifícios danificados ou destruídos, para além de avultados prejuízos materiais. O Procurador (Ministério Público) pediu penas de quatro anos de prisão mas o tribunal agravou a pena para seis anos, acrescida de outras medidas (e.g. 9 milhões de euros de indemnizações). A defesa pediu recurso pelo que há que aguardar a conclusão do processo. Todos os acusados eram membros de uma Comissão Nacional para a previsão e prevenção dos riscos mais importantes, a “Comissione sui Grandi Rischi”, que fazia parte do sistema de proteção civil italiano. Foram acusados de culpa, na forma de negligência, imprudência 1

e incompetência, pelo seu comportamento associado à reunião extraordinária da Comissão que teve lugar, na cidade de L'Aquila, no dia 31 de março de 2009, com “...o objectivo de… fazer um exame cuidadoso dos aspetos científicos e de protecção civil relativos à sequência sísmica... na província de L'Aquila” 1. A população e as autoridades tinham duas preocupações principais: a persistente ocorrência de abalos sísmicos e as previsões feitas por um cidadão na comunicação social. De acordo com o Procurador, as declarações a órgãos da comunicação social foram incompletas, imprecisas e contraditórias tendo modificado a perceção dos cidadãos e das autoridades locais sobre o risco sísmico: as vítimas teriam alterado o modo habitual de se autoprotegerem em resultado das declarações provenientes da referida Comissão. A sentença provocou uma reação muito forte por parte de organizações científicas internacionais bem como na opinião pública. Pensa-se que esta reação terá surgido de informação incompleta ou de segundas fontes sobre o fundamento da acusação. 2 – Análise sumária do processo 2.1 – O fundamento da acusação O ponto fulcral do processo é a referida reunião da Comissione sui Grandi Rischi e as declarações a orgãos de comunicação social. Um dos cientistas acusados, o

Transcrição do documento”Requisitória Scritta del Publico Ministero” (do Procurador Público da República) de 25 de setembro de 2012 (509

p.), designado por PM, 2012.. P.6

.

......................................................................................... PROCIV

Número 73, abril de 2014


T ET ME AMA

professor Enzo Boschi, é co-autor de um artigo científico publicado em 19952 no qual declarava que a probabilidade de ocorrência de um sismo com magnitude igual ou superior a 5,9, nos cinco anos seguintes, teria o valor de um (seria “certo” que iria ocorrer!). Decorrente destas características regionais, existia uma cultura tradicional de proteção da população face aos abalos sísmicos, nomeadamente sair de casa. Desde junho de 2008 registava-se, na região, uma sequência quase contínua de abalos sísmicos que provocaram um clima de pânico social: desde o início de 2009, o número e intensidade dos abalos estavam a intensificar-se e a memória coletiva tinha presente a ocorrência de grandes terramotos temendo-se a repetição de um destes grandes eventos históricos. Um outro factor perturbador consistia nas previsões de ocorrência de um sismo violento, por parte de um técnico com base em medições de concentração do gás radon. As declarações da Comissão Grandi Rischi tentaram transmitir uma ideia de relativa tranquilidade que foi considerada pelo Procurador como excessiva ou inapropriada. A acusação considerou que as afirmações proferidas foram incompletas, imprecisas e contraditórias. Os familiares declararam que, face às afirmações dos especialistas da Comissão, as vítimas resolveram permanecer em casa em vez de se protegerem como era hábito em situações semelhantes. Nesta conformidade, o Procurador afirmou que o processo tinha por objetivo “verificar a adequação e correção dos acusados... na qualidade de componentes da Comissão referida e verificar se a violação do dever cautelar da avaliação do risco e da informação correta...teria causado, ou contribuído a provocar, a morte e lesões a vítimas” (PM, 2012 p. 81).

fundamentada mas influenciou o público e os cientistas que responderam a apelos de protesto. O Procurador salientou que a acusação não se dirigia à atividade científica dos acusados no domínio da previsão de sismos e o promotor do processo, declarou: ”Ninguém aqui quer colocar a ciência na barra do tribunal... tudo o que queríamos era uma informação sobre os riscos mais clara por forma a fazermos as nossas escolhas”. Exigiu a responsabilidade dos cientistas que fazem recomendações à comunidade, em situações de crise ou de emergência, e defendeu que os responsáveis pela gestão e comunicação de riscos estão sujeitos a uma responsabilização social e judicial. A sentença é, contudo, muito desproporcionada e injusta. Com efeito, não se afigura ser possível demonstrar que, se a comunicação da Comissão tivesse sido mais completa e menos ambígua, as vítimas em causa no processo teriam tido outra sorte.

2.2 – Apreciação geral do processo Uma crítica geral ao processo consiste em considerar que a acusação foi a de que os cientistas teriam falhado a previsão do terramoto. Esta interpretação não parece ser

Equipas de avaliação de danos em edifícios, ajudam na consulta dos mapas de acessos condicionados dos residentes ao Centro Histórico, fortemente afetados após o sismo. 2

Boschi, E., Gasparini, P., Mulargia, F., 1995, “Forecasting Where Larger Crustal Earthquake are Likely to Occur in Italy in the Near Future”.

Bulletin of the Seismological Society of America, Vol. 85, nº5. pp.1475-1482.

....................................................................................... PROCIV

.

P.7

Número 73, abril de 2014


TEMA

3 – Aspectos relevantes colocados pelo processo de L'Aquila A sentença e o processo de L'Aquila suscitam a reflexão sobre algumas questões relevantes para uma gestão de emergências mais eficaz e sobre as potenciais responsabilidades dos intervenientes. A American Geophysical Union realizou, em dezembro de 2012, uma sessão especial na qual foram apresentados e discutidos os desafios colocados por este caso3. Foram considerados relevantes os aspetos científicos e técnicos, relativos à previsão a curto prazo de acontecimentos sísmicos, os aspetos operacionais associados à comunicação do risco em situação de crise, em particular a necessidade de melhorar as formas de comunicar nesse contexto, os aspetos jurídicos associados à eventual responsabilização penal dos cientistas ou especialistas relativamente a afirmações ligadas à previsão e comunicação de riscos, nomeadamente em situação de crise e os aspetos éticos e políticos associados à actuação de cientistas, na qualidade de especialistas, em grupos de trabalho ou comissões oficiais de apoio a autoridades oficiais. O Governo de Itália, consciente da importância de alguns aspetos associados ao sismo de 2009, promoveu (maio de 2009) a constituição de um grupo internacional de 10 especialistas em sismologia (Comissão Internacional de Previsão de Terramotos para a Proteção Civil – ICEF). Este grupo tinha como missão a avaliação do conhecimento científico atual relativo à previsão de curto prazo de sismos tectónicos e elaborar recomendações na utilização de potenciais sinais precursores de grandes sismos para orientação da proteção civil. O relatório final, publicado em 20114, apresenta um conjunto de recomendações práticas: a comissão de especialistas deveria reportar diretamente às autoridades (e não à comunicação social); a comunicação deveria ser baseada em princípios da ciência social e em previsões probabilísticas. Com efeito, a comunicação de incertezas exige um cuidado especial. Por exemplo, o facto de ter existido a sequência de abalos anteriores na região pode ter aumentado a probabilidade de ocorrência de um sismo muito intenso de um factor de 100 ou 1000 num caso de probabilidade diária de 10-7. Estarão os especialistas bem preparados para comunicarem, em direto, através de um canal de televisão ou num programa de rádio, este tipo de informação? Por seu turno, não estão bem definidas as responsabilidades dos diferentes intervenientes na comunicação ao público de riscos. De entre os aspetos a considerar, destaca-se a eventual responsabilização por previsões de situações com elevada incerteza, amplificadas pela comunicação social, e que podem vir a condicionar a perceção e a resposta do público. 3

AGU Fall Meeting, 3-7 Dezembro de 2012, São Francisco (E.U.A.), Sessão Especial sobre L´Aquila (“Communicating Geohazard Risk

Assessments: Lessons Learned From the Verdicts in the L'Aquila Earthquake Case”) na qual foram oradores Thomas Jordan, Max Wyss e Stephen Sparks (existe um vídeo da sessão na Internet). 4

P. 8

.

ICEF, 2011, “Operational Earthquake Forecasting of Knowledge and Guidelines for Utilization”. Annals of Geophysics, 54, 4, 391 p.

......................................................................................... PROCIV

Número 73, abril de 2014


D E S TA Q U E

Acontece que os cientistas podem ficar envolvidos em situações de duvidosa legitimidade ética por várias razões. A responsabilidade da exposição pública institucional deve ser atribuída a quem tem essa competência específica. Em todos os casos, caberá aos cientistas envolvidos o dever de denunciar alguma situação que seja incompatível com a sua consciência cívica ou profissional e que considerem ser perigosa para o público. O apoio dos cientistas é fundamental, mas a relação comunicacional com o público (sobretudo em momentos cruciais) deve ser mediada pela entidade apropriada ou sujeita a uma preparação muito cuidada, sem prejuízo da posterior avaliação de decisões consideradas controversas. No caso do processo de L'Aquila, há a referir que os cientistas podem ter sido (foram) vítimas do sucesso da ciência, do prestígio social adquirido e do reconhecimento deste estatuto por parte da sociedade e dos políticos: uma mensagem transmitida pessoalmente por um cientista especialista na situação é muito mais convincente do que por um funcionário ou por um político local ou nacional. 4 – Desafios e considerações finais A análise e a reflexão suscitadas pelo processo colocam alguns desafios com interesse para a comunidade científica e os serviços de proteção civil: – Em situação de crise, quais são os modos aconselháveis de comunicar situações de risco associadas a uma forte incerteza científica? Quando é que é pertinente e aconselhável utilizar um discurso baseado em probabilidades? De que modo a informação probabilística deve ser elaborada para ser entendida por leigos e proporcionar uma percepção “correta” da situação? – Que tipo de “protocolo” deve ser seguido em situações de crise (emergência), a nível nacional, para proporcionar uma comunicação científica mais eficaz e segura para o público? – Quais são as recomendações genéricas que devem ser transmitidas aos especialistas e técnicos no que respeita a responsabilidade (pessoal, civil e institucional) resultante de afirmações públicas no contexto da comunicação do risco?

– Como deveremos encarar a responsabilidade social e política de comissões consultivas de especialistas (cientistas), de apoio a autoridades políticas ou administrativas, em particular no caso de comunicações num contexto de riscos públicos e de situações de crise? Independentemente do resultado dos recursos para instâncias superiores, considera-se que o processo de L'Aquila merece uma reflexão, aprofundada, por parte da comunidade científica e, em particular, pelos cientistas e especialistas portugueses. Em L'Aquila, cidade muito antiga, a “sombra” de referência era o grande terramoto de 1703; em Lisboa é o de 1755. Salienta-se que, não obstante a sismicidade do território italiano ser mais intensa, Portugal tem também zonas de alto risco sísmico pelo que este processo judicial deve merecer a melhor atenção por parte das entidades nacionais. Deve fazer-se notar que o processo decisório que L'Aquila trouxe para a discussão aplica-se a outros tipos de processos que envolvem incertezas difíceis de quantificar como é o caso de diversos riscos naturais ou provocados pela intervenção humana. A. Betâmio de Almeida, Professor Catedrático Emérito (UL/IST) C. Sousa Oliveira, Professor Catedrático (UL/IST)

Fotos Tema: Patrícia Pires

......................................................................................... PROCIV

.

P.9

Número 73, abril de 2014


TQ EM D E S TA UA E

“Plano Estratégico de Formação dos Bombeiros Portugueses 2014-2016” A Escola Nacional de Bombeiros apresentou, no passado dia 12 de março, o “Plano Estratégico de Formação dos Bombeiros Portugueses 2014-2016” com objetivos bem definidos para "melhorar o acesso, garantir a qualidade e fomentar a inovação".

© R. Santos

No acesso ao saber, destaca-se o desígnio primordial de que a formação se realize "maioritariamente" nos corpos dos bombeiros e nas unidades locais de formação, ficando os centros de formação reservados a elementos do quadro de comando, oficiais bombeiros, graduados da carreira de bombeiro e formadores. Nesse sentido, vai ser reforçada a certificação de formadores externos para aumentar a cobertura de todo o território nacional. A Escola vai também produzir fichas de instrução/manobra para suportar a intensificação do treino e da instrução desenvolvidos nos quartéis já que são considerados fundamentais para a assimilação de saberes e competências. Os bombeiros vão ter mais cursos disponibilizados por B-Learning (Blended Learning), um modelo já utilizado pela ENB e que conjuga a formação a distância com a componente presencial. Esta flexibilização do acesso vai ser, igualmente, adotada na duração e nos horários dos programas de formação, adequando-os à disponibilidade dos bombeiros, em particular dos voluntários. A qualidade, outras das linhas-mestras do Plano, vai ser garantida por um mecanismo de auditorias internas ao processo formativo e fomentada através da aposta na especialização dos formadores e da colaboração de especialistas nacionais e estrangeiros nas diferentes áreas de conhecimento. No domínio da inovação, a ENB vai dar continuidade à conceção de novos programas formativos, tendo como ponto de partida uma análise permanente das competências que se revelem necessárias aos desafios operacionais dos Bombeiros. As novas tecnologias de simulação virtual serão também adotadas, já em 2014,

P.1 0

.

possibilitando recriar cenários e diferentes situações de emergência. Outra das linhas orientadoras expressas no Plano diz respeito ao estabelecimento de parcerias com Instituições de Ensino Superior e organizações internacionais congéneres, em áreas de estudo e investigação relevantes para a proteção e socorro. O“Plano Estratégico de Formação dos Bombeiros Portugueses 2014-2016” encontra-se disponível no sítio da ENB. http://www.enb. pt/outros/Planoestrategico2014-2016.pdf) Escola Nacional de Bombeiros

......................................................................................... PROCIV

Número 73, abril de 2014


DIVULGAÇÃO

©José Fernandes

....................................................................................... PROCIV

.

P.11

Número 73, abril de 2014


AGENDA

1 de abr i l, Ca r n a x ide, Li sboa 4 .ª EDIÇÃO “OLH A R E S SOBR E A PRO T EÇÃO CI V IL”

8 a 10 de abr i l, Ca r n a x ide, Li sboa 2 .º C U R SO DE E M ERGÊNCI A S R ADIOLÓGICA S

15 abr i l, Br u xe l as, Bé lg ica R EU N I ÃO DO GRU PO DE T R A BA LHO PROCI V

Decor re m a i s u m a sessão de “Ol h a res sobre a P roteção civ i l” com o tem a “Em bu sca d a f lorest a por t ug uesa”. Est a i n iciat iva, que s u rg iu em 2010, ser ve como fór u m de ref lex ão i nter no, per m it i ndo à A N PC e x plora r a d i sc u ssão sobre aspetos que são potenciadores de r i scos. O mode lo deste ciclo de debates assent a em sessões de â mbito rest r ito, onde os pa r t icipantes e oradores são escol h idos de ent re f ig u ras públ icas com con heci mentos e e x per iencias re l at ivos aos tem as em apreciação.

A Autor id ade Nacion a l de P roteção Civ i l orga n i za este c u rso com u m a componente prát ica, dest i n ado à operacion a l i zação d a Di ret iva O peracion a l Nacion a l n.º 3/2010 do d i sposit ivo operacion a l pa ra e ventos N R BQ e do conte údo do M a nu a l de I nter venção em Emergências Rad iológ icas (Cader no Téc n ico PROCI V n.º 8). O c u rso cont a com for m adores d a Autor id ade Nacion a l de P roteção Civ i l, Agência Por t ug uesa do A mbiente, Di reção-Gera l d a Saúde, Forças A r m ad as (Exército, Força Aérea e M a r i n h a), Gu a rd a Nacion a l Re publ i­c a n a, I n st it uto Nacion a l de Emergência Méd ica, I n st it uto Super ior Téc n ico e Pol ícia Jud iciá r ia.

Reu n ião do Gr upo de T raba l ho PROCI V, que tem como tem as cent ra is o P rojeto de Conclu sões do Con sel ho sobre módu los mu lt i n acion a is e operações de respost a i nteg rad a sob o Mecan ismo de P roteção Civ i l d a Un ião e a i nd a o debate sobre o projeto de tex to de Hyogo). Nest a reu n ião pa r t icipa u m represent ante d a A N PC.

7 a 11 de abr i l, Kuopio, Fi n l â nd ia EX ERCÍCIO EU COOR DEX 2 01 4 O EU COOR DE X 201 4, orga n i z ado pe l a Fi n l â nd ia e cof i n a nciado pe l a Un ião Eu ropeia, si mu l a u m a sit u ação de cheia com mobi l i z ação de ajud a i nter n acion a l. No e xercício pa r t icipa u m e lemento d a A N PC, per ito do Meca n i smo de P roteção Civ i l d a Un ião Eu ropeia.

Leia-nos através do http://issuu.com/anpc

1 2 e 13 de abr i l, Fa ro 13º CONGR E SSO NACIONA L DOS BOM BEIROS PROF ISSIONA IS Este a no o Cong resso tem como mote "Bombei ros prof i ssion a i s u n idos pe l a mud a nça no sector" e va i cont a r com a presença de bombei ros prof i ssion a i s de todo o pa í s.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.