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3. Patrimônio, Centro Histórico e Cidade Histórica

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Referências

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3. Patrimônio Urbano, Centro Histórico e Cidade Histórica

A ideia de cidade como palimpsesto, ou portadora de uma superposição de camadas históricas, evoca a importância de seus centros históricos que, se explorados, remontam ao traçado inicial, expressando as estruturas urbanas e arquitetônicas, bem como manifestações de cunho político, econômico, social, cultural e tecnológica, como descreve Salcedo et al. (2015, p. 227).

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Neste sentido, a vivência das áreas urbanas de valor patrimonial propicia o deslocamento da idéia de história da visão que reporta a coisas excepcionais realizadas no passado, em favor da idéia de história que corresponde a um processo marcado por continuidades e descontinuidades, no qual todos participam e onde o excepcional e o comum se articulam (MESENTIER, 2005, p. 173).

Configurando como uma visão integradora do patrimônio, defrontamo-nos com o artigo “Centros históricos de Bolonha e do Porto”, escrito por Andréa Sampaio (2017). Este texto ressalta que a reflexão sobre os centros históricos é potencializada quando se analisa do ponto de vista urbanístico, pois desta forma é capaz de reunir diversas circunstâncias - evitando enclausurar a análise apenas em questões isoladas arquitetônicas ou de políticas urbanas. No trato do patrimônio, a ausência da abordagem integrada pode acarretar na incapacidade de entendimento e articulação do objeto arquitetônico junto à escala urbana (SAMPAIO, 2017, p. 43). De acordo com Sampaio (2017, p.45), o patrimônio se desenvolve como um “ativo da cidade contemporânea”, consistindo em uma relação tempo-espaço no tecido urbano. E tendo como pressuposto a compreensão da cidade como um artefato produzido pelo Homem, esta relação tange três dimensões: I. dimensão do artefato - urbanização; II. dimensão do campo de forças - tensões políticas, econômicas, sociais e culturais; III. dimensão de significações - que dão sentido e inteligibilidade ao espaço.

A concepção de patrimônio como ativo na dinâmica da cidade possibilitou adotar a nomenclatura de patrimônio urbanístico, que consiste “no sistema de relações formais estáveis sobre o qual a urbe se cria e recria” (ROSSA, 2015 apud SAMPAIO, 2017, p.46). Isto é, a característica de patrimônio urbanístico se relaciona com valores materiais e imateriais, resultando na paisagem e identidade da cidade. Tendo o habitante como figura central da dimensão cultural, Sampaio (2017) discorre ser indissociável a estrutura física da estrutura social como parte do patrimônio cultural. Dito isso, recorda o nascimento do conceito de patrimônio urbano por Giovannoni no século XX, sobre a qual inicia a questão da “cidade integral” como a relação dos patrimônios não monumentais

com o planejamento urbano. Porém, estas práticas de pensamento somente foram evidenciadas na década de 1960 na Europa e no final da década seguinte aqui no Brasil. A partir destes pensamentos, Sampaio explica a alteração do entendimento de salvaguarda do patrimônio, pois passa da preservação - ou apenas congelamento de alterações - para “conservação dos atributos de significação cultural”, da qual surge pela UNESCO o conceito-ação de Paisagem Urbana Histórica (SAMPAIO, 2017, p.47-48). Neste artigo, Sampaio nos traz dois estudos de caso que são relevantes à esta pesquisa e à construção teórica desenvolvida. À frente, nos é apresentada a experiência da comuna italiana Bolonha, cujo estudo foi a partir da elaboração do Plano de Recuperação para seu centro histórico, datado de 1969 e elaborado pela equipe liderada pelo arquiteto urbanista Pier Luigi Cervellati. Sampaio explica que o ponto norteador do Plano foi identificar o principal catalisador da dinâmica existente no centro histórico - tanto do ponto de vista material como imaterial, e de acordo com Portas (2005 apud SAMPAIO, 2017, p.48), este catalisador central era a universidade. O Plano de Recuperação do centro histórico de Bolonha partiu de uma política territorial, do qual se propôs a frear o espraiamento da cidade para as periferias e recuperar o centro. Atua, portanto, nas esferas físicas, sociais, econômicas e culturais para resguardar a dimensão humana da cidade. Sua abrangência possui um caráter social, e isto é de suma importância para se implantar critérios históricos, explica a professora. Podemos destacar uma noção que é formulada a partir da visão do arquiteto urbanista Cervellati, de que a conservação do objeto arquitetônico não subsiste fora da conservação social (BRAVO, 2009 apud SAMPAIO, 2017, p.5152). Acrescido desta noção, o centro histórico é compreendido como um conteúdo complexo por possuir vitalidade e diversidade (GULLI e TALÒ, 2012 apud SAMPAIO, 2017, p.52) - a partir dessas conceituações, é importante destacar que o centro histórico de São Paulo possui tais características, em virtude de não se conformar como uma porção histórica abandonada, mas ao contrário, pulsa na dinâmica urbana dos paulistanos. Em suma, Sampaio explica que o Plano de Bolonha tem notoriedade pois parte da “significação cultural imanente da paisagem urbana histórica e da sociabilidade e urbanidade do centro histórico” (SAMPAIO, 2017, p.53) e por fazer parte das referências na construção dos planos brasileiros. Como segundo estudo, temos o caso da cidade portuguesa do Porto. As propostas iniciais do plano de reabilitação arquitetônica e urbanística da área da Ribeira-Barredo - área de

tecido urbano medieval, datam de 1969 e um dos propósitos foi conciliar valores históricos e artísticos com os valores sociais - “a mudança de imagem do centro histórico passa por estratégias de promoção de um centro cada vez mais “exclusivo” (SAMPAIO, 2017, p. 57). A autora relata que, a partir da mudança administrativa no plano, o qual deixou de existir no ano de 2003, foram iniciados procedimentos voltados para a turistificação do espaço, que foi tratado como uma cenografia e pastiche, resultando por produzir o processo de gentrificação. Assim dizendo, o resultado foi contrário aos anseios e legados da conservação integrada. As experiências históricas abordadas sobre as cidades de Bolonha e Porto contribuem para o entendimento do patrimônio urbanístico de áreas centrais como patrimônio vivo e atuante na cidade corrente. Sua reapropriação evita processos de musealização ou descaracterização (SAMPAIO, 2017, p. 59). A autora reforça a ideia de que a presença de moradia nestes espaços reconhece e valoriza a memória urbana, uma vez que partem da conjugação das dimensões social e urbanística, abraçando o morador e seus laços identitários com o lugar. Ao fim, Sampaio (2017, p.62) evoca as ideias de Françoise Choay e escreve que é necessário a participação coletiva na produção de um patrimônio vivo e que este patrimônio deve corresponder às demandas contemporâneas da dinâmica social, sempre tendo como base o respeito ao passado. Assim dizendo, ressaltando a ideia do patrimônio incorporado à dinâmica viva da cidade, deve-se ter como ponto de partida a associação dos bens patrimoniais com o planejamento urbano.

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