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8. São Paulo moderna (1920-1960

8. São Paulo moderna (1920-1960)

Apesar de a historiografia destacar o caráter eclético da arquitetura dos primeiros anos do século 20, as intervenções urbanas realizadas em São Paulo nesse período produziram uma cidade servida por um sistema de transporte coletivo sobre trilhos através de concessão para a empresa canadense Light desde 1901. O crescimento da cidade para além do Triângulo Histórico Central impunha a transposição dos dois rios que cercam lateralmente a colina (Anhangabaú e Tamanduateí), resultando em projetos marcantes para o período. Além dos parques associados ao vale do Anhangabaú e à Várzea do Tamanduateí, esses projetos apresentavam novos padrões de viários, com seus viadutos e novas configurações para as antigas ruas do centro colonial. (ANELLI, 2007, p. 03)

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Outrora influenciada pela cultura francesa, nos primeiros anos do século XX a influência teria atravessado o Atlântico e aterrissado na América do Norte, pois com advento do concreto armado, o estilo formal dos edifícios passa a ser referenciado nos Art Decó nova-iorquinos. Com essa postura, a altura das edificações ganha representação de modernidade e isto induz proprietários a colocarem abaixo seus edifícios - muitos até que recém construídos - para respirarem este novo ar. Sinais concretos da verticalização e o “culto do automóvel” (ANELLI, 2007, p.05) também eram sinais da modernidade na paulicéia em constante transformação. Para Anelli (2007, p. 05), o rodoviarismo desponta como transcendente na forma de organização do território, como diretriz econômica e política - neste contexto tem-se a recusa de projeto de metrô da Companhia Light em detrimento do Plano de Avenidas de Prestes Maia14, concebido em 1930 e efetivado em 1938.

Imagem 48: Versão final perímetro de irradiação, São Paulo. Fonte: ANELLI, 2007.

Tratava-se de um excelente negócio para os proprietários construírem imóveis cada vez mais verticalizados e multifuncionais, pois havia demanda, mas as obras foram feitas com projetos assinados pelos melhores profissionais da época, edificados em conformidade com uma legislação urbanística e sanitária que zelava pela qualidade do produto (garantindo pé-direito generoso, aberturas fartas, materiais construtivos

14 Plano de Avenidas desenhado nas décadas de 1920 e 1930 por Prestes Mais e Ulhôa Cintra - influenciou o crescimento da cidade nas décadas seguintes.

de primeira). Os memoriais e projetos arquitetônicos hoje reunidos na Série Obras Particulares do Arquivo Histórico de São Paulo alicerçam tais afirmações. O resultado hoje é um importante patrimônio em vias de dilapidação que resiste ao tempo galhardamente a despeito de tanto descaso. Resiste porque foi feito sólido mesmo no âmbito de um efervescente mercado imobiliário rentista. (BUENO, 2016, p. 128)

O movimento urbano da verticalização sofreu intensificação a partir da década de 1920, apoiada em uma legislação urbanística orquestrada a corresponder às demandas do mercado imobiliário estabelecido. Dessa forma, o mercado imobiliário adquire cada vez mais espaço, seja nas negociações ou propriamente na fisionomia urbana. Nesta década podemos encontrar a gênese da arquitetura racional modernista, em razão de começar a surgir na paisagem urbana espécimes deste novo gênero de arquitetos como Rino Levi, Vital Brazil, Jacques Pilon, Elisiário Bahiana, dentre outros. Acerca do campo artístico no geral, destacamos a forte influência que bradou na realização da Semana de Arte Moderna, que não se limitou aos ateliês artísticos, mas transformou o centro histórico de São Paulo em palco para o evento-manifesto15 - cabe ressaltar que o desenvolvimento desta pesquisa precede

15 O Theatro Municipal foi palco para o evento, pois nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, em seu interior ocorrem conferências e concertos e, no saguão, exposições de trabalhos de artistas e arquitetos. e está às portas da celebração de 100 anos da Semana. O evento foi realizado entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922 - ano de comemoração do centenário da independência -, foi um encontro que reuniu escritores, músicos, artistas e arquitetos a fim de traçar um novo projeto cultural para o país. Aconteceu sob o contexto que emerge após a Primeira Grande Guerra Mundial, em concordância com a formação do pensamento europeu, entretanto podemos incitar uma diferença um tanto quanto grande para o que se desenvolve no Brasil. Enquanto a vanguarda europeia eleva o pensamento moderno ao universalismo, a formação do pensamento moderno no país evoca as questões nacionalistas e nativistas16 - dessa forma, decidido à exuberância dos assuntos típicos brasileiros, como temáticas indígenas e folclóricas, na ação de explorar e encontrar o que é genuinamente nacional.

“[...] o objetivo da Semana é renovar o estagnado ambiente artístico e cultural de São Paulo e do país. Acentua-se a necessidade de “descobrir” ou “redescobrir” o Brasil, repensando-o de modo a desvinculálo, esteticamente, das amarras que ainda o prendem à Europa” (AJZENBERG, 2012, p. 26).

16 Segundo Ferreira Gullar (2014), em vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_sk-2TlyZSY&list =WL&index=143&t=44s>. Acesso em: 19 jul, 2021.

A germinação da Semana começou a brotar alguns anos antes, propriamente no ano de 1917 com a exposição das obras de Anita Malfatti (1889-1964) - realizada no número 111 da Rua Líbero Badaró no centro paulistano. A rua adquire prestígio a partir do plano de Bouvard, dado que é a via que faz limite entre o centro histórico e o Vale do Anhangabaú, local agora que é destino das novas e mais elegantes construções. A implantação da nova via se torna referência para as demais, pois em seu projeto já se incorporam os trilhos dos bondes, o desenho dos passeios públicos, da rede de drenagem, da iluminação pública e do mobiliário urbano. Ainda que agora o Vale do Anhangabaú figure com certo prestígio para a sociedade paulistana, não existe uma superação da relação com os fundos de vale - de forma mais clara, com o curso d’água. Esta relação mostra-se ambígua, pois da mesma maneira que grandes cidades do mundo tiveram seu crescimento guiado por eixos fluviais, a cidade de São Paulo também obteve seu crescimento. Se desenvolveu no curso do Tamanduateí e do Anhangabaú e muitas construções tinham seus materiais provenientes dos leitos dos rios, como no caso do primeiro arranha-céu paulistano, o Edifício Martinelli, erguido em 1929.

Imagem 49: Edifício Martinelli, projeto de William Fillinger. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Concomitante ao desenvolvimento da economia cafeicultora na década de 1920, tem-se também um crescimento das atividades industriais, a partir de uma implementação de indústria de base no país. O estado de São Paulo ganha destaque como principal polo industrial e econômico nos anos do governo Vargas. O desenvolvimento econômico da cidade aquecido pelo crescimento populacional refletiu no tecido urbano as políticas públicas engendradas pela administração pública. Já a partir da década de 1930, de acordo com Oliveira (2008, p. 41), podemos observar dois traços do modelo de organização espacial de São Paulo: (1) desenvolvimento extensivo - parcelamento e ocupação das periferias; autoconstrução e implantação de infraestrutura para sistema de veículos automotivos - e (2) verticalização - que neste momento se limitava ao centro da cidade. Na morfologia urbana do centro histórico, os lotes coloniais estreitos e profundos agora dão lugar aos primeiros edifícios. A atividade construtiva no centro mostra-se sempre aquecida, dado que em um período de 5 anos o valor de área construída na cidade dobra. O principal motor deste salto quantitativo é o setor privado, porém o setor público tem sua parcela de importância, principalmente quando percebemos as transformações urbanas entre 1930 e 1945 que tiveram como papel de fundo a justificativa, ou melhor, meta viária.

Imagem 50: Área construída na cidade de São Paulo por ano em metros quadrados. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 51: Evolução do número de automóveis licenciados na cidade de São Paulo. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Ainda na década de 1920 o rodoviarismo começa a ganhar palco nas discussões e decisões do poder público17. O congestionamento da região central mostrava-se como um problema a ser enfrentado. Desse modo, os engenheiros da prefeitura, Francisco Prestes Mais e João Florence de Ulhôa Cintra, entre os anos de 1924 e 1926 publicam artigos que apresentaram “Os Grandes Melhoramentos de São Paulo” - artigos estes que foram alicerces para as diretivas do Plano de Avenidas.

17 Deve-se lembrar que no ano de 1927 o governador do estado de São Paulo era Washington Luis e seu lema era: “governar é abrir estradas” (OLIVEIRA, 2008, p. 43).

Na perspectiva dos engenheiros, os alargamentos das ruas Líbero Badaró, Benjamin Constant e Boa Vista - realizados na década de 1910 sob a administração de Raymundo Duprat - já estariam superados e não refletiam mais aos anseios do crescimento da cidade e seu futuro grandioso (RICCA JUNIOR 2003, p. 176 apud OLIVEIRA, 2008, p. 44). No ano de 1925, Ulhôa Cintra apresentou o projeto da Avenida de Irradiação que, de forma simples, formava um anel viário no centro da cidade. No período, o brilho da cidade estava sob o triângulo histórico e a chamada cidade nova, e a proposta espacial da Avenida de Irradiação denota este caráter. Seu percurso parte da Praça da República, sobrepõe-se sobre o Vale, transpassa o triângulo histórico até a Ladeira do Carmo, circunda o Parque Dom Pedro II e retorna à Praça da República através das ruas Senador Queiroz e dos Timbiras. Este anel central estava circunscrito em um panorama maior, no qual desenhava-se dois anéis exteriores - Bulevar Exterior no raio do leito ferroviário e o Circuito Parkways, às margens do Tietê, Pinheiros e Tamanduateí.

Imagem 52: Projeto da Avenida de Irradiação, 1925. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 53: Diagrama lógico do sistema viário paulista (PRESTES MAIA, 1930). Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 54: Perspectiva o Vale do Anhangabaú no Plano de Avenidas (PRESTES MAIA, 1930). Fonte: OLIVEIRA, 2008.

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