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9. São Paulo metrópole (1970-2000

9. São Paulo metrópole (1970-2000)

No período em que São Paulo ganha dimensão metropolitana, a noção de centro histórico alterase. O que antes era conformado pelo distrito da Sé, e mais especificamente a colina histórica, a partir da década de 1970 acaba por englobar também o distrito da República - conformando uma área de 4,4 km² na cidade (NAKANO et al., 2004, p. 124). O termo “Centro Novo”, que durante o século XX nomeou a região República, agora identifica a região entre a Avenida Paulista e o baixio do Rio Pinheiros. Ao passo em que as elites desenvolvem financeiramente e territorialmente este quadrante sudoeste da cidade, o centro histórico acaba por perder a sua “singularidade funcional”, usando o termo de Nakano; Campos e Rolnik (2004, p. 126).

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A constituição dos pólos administrativos, de consumo e de serviços nas avenidas Paulista, Engenheiro Luís Carlos Berrini, Brigadeiro Faria Lima e em alguns trechos da via marginal ao rio Pinheiros (avenida das Nações Unidas) revela a reconfiguração econômica-territorial das atividades que apresentam grande dinamismo e capacidade de polarização. A expressão “centro expandido” é insuficiente para designar esse fenômeno, pois não se trata de uma simples expansão do centro abarcando algumas áreas do quadrante sudoeste. Trata-se de um processo de mudança na própria configuração espacial das atividades centrais, principalmente naquelas de cunho administrativo empresarial, de cultura e lazer e nas formas de territorialização. Estas novas formas edificadas ocorrem seja a partir da substituição do patrimônio edificado préexistente - a exemplo da avenida Paulista, cujos prédios de escritórios e apartamentos levantados nas décadas de 1970 e 1980 substituíram os palacetes dos tempos do café -, seja a partir do aproveitamento de áreas não ocupadas - a exemplo das operações imobiliárias conduzidas pela empresa BratkeCollet na avenida Luís Carlos Berrini nas duas últimas décadas. (NAKANO et al., 2004, p. 126)

A transformação da própria Avenida Paulista que iniciou seu percurso concomitantemente à realização do Centro Novo, a abertura das avenidas Faria Lima e Luiz Carlos Berrini criadas nas décadas seguintes e acompanhadas de inúmeros desdobramentos, não chegaram a organizar espaços urbanos com os mesmos predicados do Centro Novo. (MEYER et al., 2018, p. 14-15)

O desaparecimento da singularidade funcional do centro histórico acarreta no aparecimento de edifícios vazios. Estes edifícios vazios não estão abandonados, mas sim fechados ou vagos - em tese, sem uso. Ao analisarmos a vacância das edificações, O’Flaherty (1998, p. 109 apud BOMFIM, 2004, p. 30) nos explica que tal consequência pode estar relacionada às características do espaço urbano, como por exemplo deterioração do imóvel e região, variação de preços, nível de qualidade, demanda e segregação. E, desta forma, sendo catalisado pelo capital imobiliário. Quando observamos o desenvolvimento urbano das áreas centrais, é possível perceber que se comporta tal como um gráfico da função do 2º grau - quando o valor do coeficiente a for

menor que 0 -, dado que ascende e se desenvolve e, ao chegar no topo, muda de direção e vê-se o declínio. É neste momento de incerteza que pode ser estabelecido o processo especulativo e de experimentações, segundo Bomfim (2004, p. 31). Isto posto, avaliamos que o papel do poder público é de fundamental influência na concretização da recuperação, renovação ou requalificação urbana de áreas degradadas. Hoje, após a total concretização deste processo de abandono do centro por parte do polo financeiro, conseguimos observar na fisionomia urbana paulista que diversos edifícios continuam obsoletos.

Compreende-se, portanto, que os vazios construídos para o setor privado são indicadores que orientam os investimentos e as futuras aplicações. O acompanhamento dos vazios construídos permite o conhecimento da relação de oferta e demanda, permitindo assim previsão de riscos, retorno e lucratividade de investimentos imobiliários. O conhecimento dos vazios para o setor público permite a definição de aplicação de recursos para as políticas públicas. No caso das áreas centrais, são vazios intrínsecos aos processos de recuperação, requalificação, renovação ou reabilitação urbana. (BOMFIM, 2004, p. 3132)

Em grande expansão, aliado à São Paulo metrópole, corria também os planos do metrô paulista. A evolução da chamada Rede Básica do Metrô se desenvolveu entre os anos de 1968 e 1985, e foi a primeira rede concebida através do consórcio HMD21 para a nova Companhia do Metropolitano de São Paulo. Adjacente ao triângulo histórico, o plano básico propunha a estação D. Pedro II como uma estação de conexão, possibilitando a transferência das linhas Sudoeste Sudeste e Nordeste Noroeste (atuais 4-Amarela e 3-Vermelha).

Imagem 107: Evolução da rede básica do metrô e as estações de conexão. Fonte: OAKLEY, 2017.

21 Consórcio formado por 3 empresas. Sendo composto por 2 empresas alemãs e 1 brasileira, respectivamente: Hotchief, Montreal e Deconsult.

No ano de 1975 a Rede Básica se formaliza como uma revisão dos estudos desenvolvidos em 1968 e propõe algumas alterações. No meio destas alterações, marcamos a substituição da linha Casa Verde-Vila Maria para a linha Lapa-Itaquera, em razão de influenciar fundamentalmente a configuração espacial definitiva da estação Sé, e consequentemente sua projeção de área ocupada do triângulo histórico, como nos explica Tiago Oakley (2017, p. 86). A estação da Sé caracteriza-se em ser o principal ponto nodal do transporte sobre trilhos na capital paulista. Entretanto, sua proposta original não coincide com sua conformação atual. No plano de 1968, havia sido proposta como Estação Clóvis Bevilácqua, ao passo em que localizava-se na praça de mesmo e defronte ao Palácio da Justiça. De imediato a proposta para a estação de metrô compreendia-se subterrânea e com uma grande claraboia alinhada ao eixo da praça e do edifício do Palácio da Justiça - neste momento, a Praça da Sé, vizinha à Praça Clóvis Bevilácqua, comportava um terminal de ônibus.

Imagem 108: Praça Clóvis Bevilácqua e Palácio da Justiça. Ao fundo, a construção da cúpula da Catedral da Sé. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 109: Terminal de ônibus em frente à Catedral da Sé. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 110: Estação Clóvis Bevilácqua (anteprojeto de Marcello Fragelli). Fonte: OAKLEY, 2017.

Incorporado no traçado inicial do Plano, previa-se uma segunda linha, também subterrânea, na região da Avenida Celso Garcia/ Baixada do Glicério. Contudo, por ser uma região de baixio - local antes do serpenteio do Rio Tamanduateí -, encontraram dificuldades para lidar construtivamente com o terreno pantanoso. Com isso, tem-se a revisão da configuração espacial do traçado e uma nova proposta, como explica o engenheiro Plinio Assmann:

“A evidência impôs. Mudar o projeto da Estação da Sé, ligar as duas praças Sé e Bevilácqua numa só e enorme praça e com isso abrir um grande espaço público no centro e reduzir as obras da estação para algo como a metade.” (ASSMANN, 2013, p. 203 apud OAKLEY, 2017, p 94)

Ao observarmos a organização atual da Praça da Sé, confirmamos que a proposta de aglutinar as duas praças existentes se concretizou. Para que esta grande obra pudesse ser realizada, foi necessário desapropriar e demolir edifícios que estavam no entremeio das praças. Como é o caso do Palacete Santa Helena e do Edifício Mendes Caldeira.

Imagem 111: Palacete Santa Helena, projeto de Giacomo Corbeli, José Sacchetti - demolido em 1971. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 112: Demolição do Edifício Mendes Caldeira em 1975, projeto de Jorge Zalszupin, Lucjan Korngold. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Os arquitetos da companhia já haviam proposto e conseguido a demolição de todo um quarteirão entre as praças da Sé e Clóvis Bevilácqua, para localizarem ali a enorme estação de transferência. Como cobertura desse espaço subterrâneo, propuseram uma grande praça pavimentada, com apenas uma estreita faixa ajardinada. Bem no meio e em forma de C projetaram uma passarela pesadíssima sobre pilotis, verdadeiro viaduto que, visto do limite inferior da praça, pareceria um embasamento do Palácio da Justiça. (...) pedi ao colega que conversasse com o autor do projeto e tentasse convencê-lo a criar uma praça verde sobre a estação, o que era tecnicamente muito possível. Pedi também que o convencesse da conveniência da abertura do subsolo no nível da rua, para que o céu pudesse ser visto de baixo. (FRAGELLI, 2010, p. 280 apud OAKLEY, 2017, p. 98)

Imagem 113: Praça da Sé. Plantas das configurações nos momentos históricos: 1889, 1954 e 1978. Fonte: OAKLEY, 2017.

A praça que marca literalmente o centro da cidade é dotada de uma forte carga simbólica e dominada por pedestres, que contam com um sistema de ruas exclusivas que se desenvolve em direção ao Anhangabaú. (OAKLEY, 2017, p 102)

É possível montarmos um paralelo de análise entre a constituição da Catedral da Sé e a grande Praça da Sé. Mesmo que pautada sob justificativas técnico-construtivas acerca do traçado metroviário, a constituição da Praça da Sé como a vemos hoje também foi um movimento de demarcação do sítio. Assim como a nova Catedral foi erguida como símbolo de progresso e modernidade na São Paulo do início do século e que resultou em grande área de demolições, da mesma maneira a construção da nova estação-praça, como símbolo de uma São Paulo do progresso, e sobretudo agora de dimensões metropolitanas, também resultou em demolições. Esta ação, dentre muitas outras demarcadas nesta pesquisa, reforça o sentido do centro histórico de São Paulo como um palimpsesto. Ou seja, de como projetos de modernidade são sobrepostos em camadas históricas. E, ao longo do século XX, observamos que as obras de cunho

viário implementadas, sobretudo a partir do Plano de Avenidas, tiveram como desfecho ilhar o centro histórico. Durante todo o período, foram constituídas vias arteriais expressas, elevados, pontes e viadutos, sinalizando e buscando uma dimensão metropolitana, do macro-acesso. Com isso, a acessibilidade na escala local do centro histórico foi prejudicada.

Sendo grande local de concentração dos transportes públicos, desde os anos 1940 com a substituição dos bondes, a região do centro histórico sofreu forte popularização. Este fator aumenta quando inaugura-se o modal do transporte metropolitano sobre trilhos. O transporte feito por linhas de ônibus começa a se multiplicar e, a partir da década de 1960, são improvisados terminais urbanos nas regiões do Parque Dom Pedro II, Praça da Bandeira e Princesa Isabel. Um marco que chamamos atenção é o movimento de pedestrianização que ocorreu nas ruas do centro histórico, transformando-as em calçadões entre 1975 e 1978 - efeito possibilitado após a criação da CET22 em 1976. Com isso, as elites longe e a intensa popularização, o centro histórico passa a comportar comércios e serviços de caráter popular. Tal fenômeno solidifica-se na década de 1980 (NAKANO et al., 2004, p. 138).

Imagem 116: Perímetro da contra-rótula e calçadões (azul). Fonte: PMSP, 2021.

O centro passa, então, a ser utilizado por uma população de menor poder aquisitivo e seus espaços, ocupados pelas estratégias de sobrevivência dos segmentos empobrecidos - sem-teto, ambulantes, desempregados, moradores de rua e demais setores excluídos dos circuitos produtivos formais. A macro e a micro-organização do sistema de transporte coletivo condiciona os fluxos de pedestres no centro histórico e induz à ocupação da economia informal nos espaços públicos. Isso, por sua vez, acentua a fuga das camadas dominantes e a desvalorização imobiliária, realimentando o processo. (NAKANO et al., 2004, p. 138)

As transformações ocorridas no centro histórico sempre tiveram como plano de fundo legislações urbanas. Não diferente, nas décadas de 1970 e 1980, o poder público utiliza-se do zoneamento como principal meio para as regulações urbanas. O histórico de normas e leis do passado reforçaram o perfil elitista do território, assim como por meio dos Códigos de Obras - entre as décadas de 1920 e 1930 -, viabilizou-se a verticalização das edificações. A partir do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1971), foi concebida a legislação de zoneamento e ocupação do solo no ano de 1972. Esta legislação foi baseada nos planos norte-americanos e se debruçou nos detalhes para a região central. Como exemplo, na zona de maior densidade de ocupação e variedade de usos, o coeficiente de aproveitamento máximo permitido era de 3,5 vezes a área do lote, com taxa de ocupação de 80%. Na segunda metade do século XX o Vale do Anhangabaú ganha novo significado para a sociedade. Em seu histórico carrega consigo a marca de ter sido “fundo” da cidade até meados do século XIX e com o advento da ferrovia, tornouse a “porta de entrada” da cidade. Ao se tornar extensão da porta de entrada, novas funções passaram a integrar a dinâmica espacial do vale. Grandes empreendimentos, residências e centro financeiro e de negócios passaram a tomar as bordas do local - o que resultou em projetos de embelezamento para a área. Entretanto, como consequência do Plano de Avenidas, vê-se uma remodelação do Anhangabaú para atender aos interesses do mercado imobiliário e da indústria automobilística (ROLNIK, 1997 apud TONTI, 2017, p.4). Projeto que se concretiza na década de 1950, transformando o vale em uma grande avenida, fazendo a ligação norte-sul da cidade.

Após a transferência do centro econômico e cultural da cidade para o quadrante sudoeste, o declínio e a deterioração do espaço central também abrangeu a área do Vale. Com isso, na década de 1980, a Prefeitura Municipal através da EMURB23, realiza o Concurso Público Nacional para a Elaboração de Plano de Reurbanização do Vale do Anhangabaú em parceria com com o Instituto de Arquitetos do Brasil, o qual tem como vencedor o projeto do arquiteto Jorge Wilheim em parceria com a arquiteta paisagista Rosa Kliass.

Imagem 118: Projeto vencedor do concurso. Perspectiva com a “Praça para comícios e eventos públicos” em primeiro plano. Fonte: TONTI, 2017. Imagem 119: Vista do Vale do Anhangabaú, anos 2000. Fonte: Archdaily Brasil, 2020.

O projeto se desenvolve por cobrir as vias com uma laje - transformando a ligação nortesul em um túnel - que abriga recintos ajardinados e espaços abertos, uma grande esplanada. O espaço converte-se em palco para vivências culturais, manifestações e convívio. No ano de 1991 é tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo (CONPRESP), por seu “valor histórico, social e urbanístico representado pelos vários modos de organização do espaço urbano” (RESOLUÇÃO N. 37/92 apud TONTI, 2017, p.8).

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