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8.2. O edifícios públicos

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quase despercebida em seu governo, não fosse a continuação das obras da Biblioteca Municipal na esquina da Rua da Consolação com a Avenida São Luiz.

“O urbanismo de paulista atravessa um período brilhante. Iniciados os primeiros trabalhos na administração Fábio Prado, coordenados e incrementados sob o governo passado, atingem presentemente, na Interventoria Fernando Costa, uma atividade inusitada. Depois da conclusão de obras importantes, como o Estádio, a Biblioteca Municipal, a Ponte Grande, as avenidas Ipiranga, Vieira de Carvalho e Senador Queiroz, têm lugar grandes empreendimentos novos, como as avenidas Anhangabaú Inferior, Duque de Caxias, as praças do Estádio, Carmo, Consolação e João Mendes, o prolongamento das avenidas Paulista, Pacaembu, Nove de Julho e Rebouças, o alargamento da Rua da Liberdade, os viadutos Jacareí, D. Paulina e Nove de Julho, as pontes Mercúrio, Indústrias e Pequena, a canalização do 3º e 4º trecho do Tietê e a do trecho final do Tamanduateí, numerosas praças e jardins de bairro, etc. Ainda não se acham estas concluídas, e já vão ser atacadas outras, como o Parque da Água Branca, o Monumento das Bandeiras, as avenidas Leste, Itororó, Rio Branco e Sumaré. Este acervo de concretas realizações comprova dum modo insofismável, no campo do municipalismo, a excelência do regime administrativo e das diretrizes implantadas pelo Presidente Vargas, pois não se conceberia no regime das disputas demagógicas, dos embaraços formalísticos e da incerteza financeira” (PRESTES MAIA, 1945, p. 05 apud OLIVEIRA, 2008, p. 61). 8.2 Os edifícios públicos

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Entre as décadas de administração que englobam os governos de Fábio Prado e Prestes Maia, a anatomia construtiva da cidade sofria forte influência da corrente chamada Art Déco - ainda que, segundo Oliveira (2008, p. 63), o termo tenha sido empregado apenas na década de 1960, a maturidade do estilo vinha em decorrência da Exposição de Artes Decorativas Industriais e Modernas de Paris em 192518. Como vimos, a entrada no século XX dotada do Ecletismo construtivo e, nas primeiras décadas do século começam a despontar influências do Art Déco e Modernismo. O Art Déco não era tido como um estilo efêmero e passageiro, mas sim um arauto da modernidade, de grande penetração na América Latina (CAMPOS, 2003, p. 02 apud OLIVEIRA, 2008, p. 63). A linguagem que nasce na França atinge rapidamente e de forma contundente o continente americano e pousa no centro histórico paulistano. Ainda que autores tenham divergência acerca dos componentes que identificam a linguagem arquitetônica do Art Déco, podemos mencionar alguns deles, como: tripartição

18 Entre o final do século XIX e início do século XX, a França era o âmago das artes mundiais. Após o final da Primeira Guerra Mundial e seus reflexos, o cenário da França artística altera-se - a Beaux Arts estava enfraquecida.

dos edifícios em base, corpo e coroamento; integração entre arquitetura, interiores e design; embasamentos revestidos em mármores e granitos e valorização das esquinas. Campos (2003, p. 03 apud OLIVEIRA, 2008, p. 66) nos explica que não se tratava de um estilo “rupturista”, pois tomava partido de elementos previamente consagrados para constituir uma linguagem artística que fosse rica em repertório e linguagem compositiva. Ainda fazendo uso dos ornamentos, gera debate entre os estudiosos acerca de seu posicionamento histórico. Enquanto alguns teóricos dizem ser a última versão do Ecletismo, outros dizem ser a transição entre este e o Modernismo.

Por outro lado, essa ruptura entre o Ecletismo e o racionalismo ortodoxo não se deu de maneira tão abrupta, como a corrente historiográfica sugere. No processo de consolidação do ideário moderno na arquitetura e urbanismo produzidos no início do século XX nas principais cidades latinoamericanas, ações mediadoras têm sido negadas, como é o caso do Art Déco. [...] A expansão do Art Déco na América Latina disseminou-se com grande rapidez, em função do desejo político de se conferir uma identidade moderna a um ideário político de caráter fortemente nacionalista. Não ficou restrito a setores internos da elite, sendo absorvido por amplos setores da sociedade. (OLIVEIRA, 2008, p. 68)

Acerca das obras que carregam consigo o caráter Art Déco, chamamos atenção para a produção do arquiteto Elisiário Antônio da Cunha Bahiana, natural do Rio de Janeiro, mas que se transfere para São Paulo e projeta no centro o Edifício Saldanha Marinho (1929-1933), o Viaduto do Chá (1935-1938) e o Edifício João Brícola (Mappin Stores / 1936-1940). Importante salientar que estas três obras, ainda que inseridas no centro da cidade, estão no entorno do Vale do Anhangabaú, local de grande prestígio no período dos projetos. Logo após o aparecimento da corrente Art Déco, a paisagem urbana de São Paulo sofre influência dos traços da arquitetura fascista. Tal fato pode ser justificado pela presença do arquiteto italiano Marcello Piacentini19 (1881-1960) no Brasil, que ascendeu uma proposta de projeto para a Cidade Universitária no Rio de Janeiro e projetos para a família Matarazzo20. A linguagem de projeto adotada por Piacentini e, de certo modo o estilo fascista, era sinalizada pela monumentalidade. Esta linguagem foi incorporada por diversos projetos de edifícios no centro e também por residências nos chamados bairros-jardim, que começavam a

19 Piacentini compunha uma das duas vertentes existentes no campo arquitetônico fascista da Itália no início do século XX. Uma de suas alegações era a superação do Ecletismo, pós Primeira Guerra Mundial. No cenário italiano, conquistou grande prestígio na época, e pôde realizar diversos projetos de monumentos, edifícios vastos, palácios e até conjuntos urbanos. 20 Família de origem italiana que se estabelece em São Paulo e ganha notoriedade no cenário da elite paulistana ao compor o maior complexo industrial da América Latina entre os anos iniciais do século XX

despontar no quadrante da cidade entre a Avenida Paulista e o Rio Pinheiros. Dentre todos os projetos realizados por Piacentini, o que desponta em importância e que se mantém vivo e atuante na paisagem urbana paulistana, é o Edifício Sede das empresas do Conde Matarazzo. Localiza-se em um entroncamento no qual pode-se apontar a Praça do Patriarca, Rua Líbero Badaró, Viaduto do Chá e Vale do Anhangabaú. Não apenas por sua localização superposta no cenário urbano-financeiro da cidade, carrega consigo a monumentalidade de ser o maior edifício revestido em travertino romano do mundo. Alicerçado nos traços fascistas da arquitetura - imponente, robusto, dotado de uma plástica racionalista, que estabelece a dinâmica compositiva da forma, pelos ritmos e hierarquias (TOGNON, 1999, p. 32 apud OLIVEIRA, 2008, p. 72) -, transmitia a noção do poder da elite financeira. Hoje, como edifício sede da Prefeitura Municipal de São Paulo, de forma similar reproduz o poder.

Imagem 55: Palacete Prates I (1908-19011), projeto de Christiano Stockler das Neves e Samuel das Neves. Antiga Prefeitura e Câmara Municipal de São Paulo - demolido em 1970. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 56: Edifício Sede das empresas do Conde Matarazzo, atual Prefeitura de São Paulo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

A grande questão é que o fascismo “já tinha se feito sentir há tempo em São Paulo, no campo moral e político, e tinha se espalhado para o campo específico da arquitetura, por intermédio do conhecimento das obras do Regime”. Tanto as autoridades fascistas e alguns membros da elite paulistana já tinham desenvolvido uma obra de propaganda entre os compatrícios. Além disso, a imprensa de leitores de língua italiana em São Paulo, como o jornal ``Fanfulla’’, contribuiu para difundir os ideais do regime fascista na cidade.” (OLIVEIRA, 2008, p. 73)

A visão arquitetônica e artística fascista que despontava na paulicéia não regeu sobre os pensamentos de todos profissionais e críticos destas áreas. Apresentamos uma consideração de Mário de Andrade - personagem já citado nesta pesquisa e de grande relevância - que foi publicada em seu artigo para a Folha da Manhã em março de 1944. Em suma, o poeta registra sua aversão ao estilo fascista o classificando como “tumor” (OLIVEIRA, 2008, p. 73), especificamente direcionado ao edifício sede das empresas do Conde Matarazzo.

“Ninguém ignora que os ítalos-brasileiros miliardários de São Paulo se tomaram de pavor diante dos berros e ameaças do sr. Ex-Mussolini. Até a serem controlados se sujeitaram, dizem. De tudo isso, o edifício Matarazzo há de ficar (ficará?) como denúncia arquitetônica entre nós. Porque ele é berro e paura, música-de-pancadaria deslumbrante e deslumbrante subserviência. [...] O edifício Matarazzo deslumbra, também, pela estupidez grossalana da massa e pela maravilhosa beleza da pedra de revestimento. Que pedra sublime, cruz-credo! Dá vontade de comer! Mas nem comidas, nem revestimentos ainda são arquitetura.” (Mário de Andrade in: XAVIER, 2003, p. 178 apud OLIVEIRA, 2008, p. 74)

Imagem 57: Perspectiva do Edifício Conde Matarazzo com novo viaduto do Chá. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 58: Vale do Anhangabaú e Viaduto do Chá, com edifício de Marcello Piacentini. Postal de 1955. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

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