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8.2.2. O Viaduto do Chá

8.2.2 O Viaduto do Chá

O primeiro Viaduto do Chá foi projetado no ano de 1877 por Jules Martin (1832-1906) e construído em estrutura metálica importada da Alemanha - como datado nesta pesquisa, sua inauguração ocorreu no ano de 1892. Inicialmente houve certa resistência com relação à construção do viaduto, principalmente da figura do Barão de Tatuí - proprietário da chácara que cultivava o chá. Com o crescimento financeiro, populacional e sobretudo espacial da cidade, o viaduto metálico não comportava mais a dinâmica urbana. A partir disso, na década de 1930, a prefeitura municipal decide demolir o viaduto e propor uma nova e maior estrutura em concreto armado, que se concretizou no ano de 1938. O arquiteto vencedor do concurso e responsável pelo novo projeto do viaduto foi o Elisiário Bahiana. Sua proposta foi de um viaduto com um arco central de 60 metros, justaposto de dois vãos de 17,5 metros. O projeto propõe o aproveitamento das áreas laterais abaixo das praças Ramos de Azevedo e do Patriarca, possibilitando a implantação da Galeria Prestes Maia, Escola Municipal de Bailado e Museu do Teatro Municipal.

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Imagem 61: Antigo Viaduto do Chá. Foto de B. J. Duarte, 1935. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 63: Vista da Praça do Patriarca do Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

Imagem 65: Projeto do Viaduto do Chá. Elisiário Bahiana. Fonte: OLIVEIRA, 2008.

As transformações urbanas não cessam, e os tradicionais edifícios coloniais dão lugar aos ícones da modernidade e, com eles, o automóvel. No ano de 1934, implanta-se na Praça da Sé o marco zero, reconhecido como coração da cidade, ainda que nos registros históricos esse papel pertença ao Pátio do Colégio. E, com a construção do novo Viaduto do Chá, a Praça da Sé começa a perder destaque na cena elitista paulistana. Os comércios de luxo transferem-se agora para o “centro novo” - além Anhangabaú.

Imagem 67: Inauguração do Marco Zero de São Paulo. Fonte: São Paulo Antiga, 2015.

Para preparação das comemorações do quarto centenário da cidade, em 1952 a Praça passou por uma nova reforma. Antes intrincada como um estacionamento, agora cede lugar a uma esplanada com mosaico em preto e branco modelado com pedras do tipo portuguesas dividindo espaço com palmeiras imperiais. Chegado o dia da comemoração, 25 de janeiro de 1954, inaugura-se a nova Catedral - ainda por finalizar sua obra, e a estátua de José de Anchieta. Mesmo com o término das obras da nova Catedral em 1969, o movimento de esquecimento da praça continua em voga. Com a nova dinâmica e transformações no espaço urbano, o local acaba por se tornar um “dejeto no presente em meio a novas sociabilidades surgidas” (FREHSE, 1996, p. 124). Nestes anos de construção do novo templo a cidade mudou e o paulistano também mudou.

Observando a Catedral, em eterna construção, o mais paulistano dos paulistanos, Mário de Andrade, já havia notado que é nas festas dos projetos de modernidade propostos para São Paulo desde o final do século XIX que germina a “minha alma” paulistana. Tal como “a catedral de São Paulo”, que “nunca se acaba”, a “alma” do poeta, do paulistano, não se acaba: está em eterna construção. Mesmo sendo “feita de pedras bonitas” o todo da Catedral é “horrível” - “como minha alma”. Perspicazmente, Mário sabe que o monumento surgiu “da necessidade” - das elites paulistanas, ávidas de símbolos que ilustrassem seu poderio? Sabe também que, mesmo contendo “pedras novas” e modernas, as “antigas” insistem em persistir, lembrando outros tempos, outros espaços - de um mais “sacro (...) edifício”? E prevê Mário o destino da Catedral - que é “de se acabar, mas que depois se destruirá” - e de tantos outros elementos do espaço físico paulistano que, “como o meu corpo” material, se transformam em pó (FREHSE, 1996, p. 146-147).

Imagem 68: Fotografia da primeira inauguração da Catedral da Sé. Fonte: VERMEERSCH, 2020.

Assim como tratamos sobre o centro histórico de São Paulo em seu movimento de transmutação, é possível elencarmos alguns exemplos de edifícios que passam por essas metamorfoses. Este é o caso do Edifício São Marcos, situado na Praça da Sé. O atual edifício de traços modernos desponta na paisagem urbana desde 1959, sob desenho do arquiteto alemão Adolf Franz Heep (1902-1978). Entretanto, como nos elucida Marília Oliveira (2020, p. 03), antes de ser estabelecido o edifício moderno, existia no mesmo lote e em mesma projeção, um edifício de características tradicionais ecléticas - o Edifício da “Previdência” Caixa Paulista de Pensões. Tal exemplar havia sido erguido no ano de 1912, com projeto do engenheiro-arquiteto italiano Julio Micheli - profissional que teve notável

produção arquitetônica e urbana entre 1888 (ano de sua chegada ao Brasil) e 1919 (ano de seu falecimento). Dentre seus principais exemplares estão: o Viaduto Santa Ifigênia (inaugurado em 1913, elaborado em estrutura metálica belga com desenho Art Nouveau que compõe a cena do Vale do Anhangabaú) e a Santa Casa de Misericórdia (quando se associa ao arquiteto Luigi Pucci).

Imagem 69: Viaduto Santa Ifigênia. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Ainda que a projeção do edifício não tenha sofrido intensa modificação, ao olharmos para sua volumetria, não chegamos a esta mesma conclusão. Alavancados por um processo intenso de verticalização, novos coeficientes de aproveitamento e normas para iluminação permitem a “extrusão” da forma do edifício.

Imagem 72: Vista da Rua Anchieta e 15 de Novembro, 1925. Fonte: OLIVEIRA, 2020.

Este período de tempo no século XX tem como demarcação o estabelecimento de São Paulo como uma cidade grande - a busca pela modernidade resultou em projetos de intervenção urbana. Percebemos uma nítida mudança na feição estética da cidade entre as duas décadas do século e após as administrações públicas da década de 1920 e seguintes. Um grande marco que este período nos traz é o início do declínio do triângulo histórico na vida social do paulistano. Ou seja, como o movimento da elite em valorizar a cidade nova acaba por refletir negativamente o núcleo histórico urbano da cidade.

As grandes intervenções municipais realizadas por Fábio Prado e Prestes Maia apagaram o cenário harmônico e pacato que caracterizava São Paulo antes de suas gestões e abriram caminhos para deixar a cidade como a conhecemos hoje. A ornamentação dos edifícios, o cuidado com os detalhes nas fachadas, as alamedas tranquilas e os jardins bem cuidados da região central abriram espaço para a cidade veloz, de grandes avenidas, industrial, envergonhada de seu passado provinciano.” (OLIVEIRA, 2008, p. 123)

Imagem 75: Edifício Clube Comercial, localizado no Vale do Anhangabaú e demolido em 1969. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 76: Panorama do Centro Novo de São Paulo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Entre as décadas de 1930 e 1960, com o estabelecimento de uma arquitetura moderna, o Centro Novo, região conhecida como cidade nova, ganha diversos exemplares das chamadas galerias - edifícios que abrigam comércios, restaurantes, bares, entre muitos outros comércios e serviços, e sua maior característica é a de conectar duas ou mais vias por um percurso interno à quadra. Estes edifícios trazem consigo espaços de sociabilidade, a relação dos largos do passado agora introjetam o térreo como continuação do passeio público (que, por vezes, se estende à mezaninos) borrando as fronteiras entre o público e privado.

Imagem 77: Permeabilidade e espaços públicos no Centro Novo: (1) Praça da República; (2) Praça Dom José Gaspar; (3) Praça Ramos de Azevedo e (4) Largo do Paissandu. Fonte: COSTA, 2010.

Imagem 78: Um exemplar das galerias comerciais existentes no Centro Novo, A Galeria Nova Barão (1962) de Maria Bardelli e Ermano Siffredi. Fonte: MEYER et al., 2018. Imagem 79: Croqui Edifício Esther Adhemar Marinho e Álvaro Vital Brazil, via Revista Acrópole. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Ainda na década de 1930 nasce na Praça da República o prenúncio de edifícios que surgiriam na região. O Edifício Esther foi o primeiro edifício de preceitos completos modernistas e que, além da galeria no térreo, em seus andares, comparecem escritórios e moradias. Projetado pelos arquitetos Álvaro Vital Brazil (1909-1997) e Adhemar Marinho (1911-2000) em 1935 e inaugurado em 1938, foi palco para a vida do pintor Di Cavalcanti (18971976) e também para a primeira sede do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).

O capítulo da história moderna paulistana conserva diversas edificações que são símbolos e estão inseridos na dinâmica urbana do paulistano. Situado em um período temporal no qual temse a profusão de correntes - trazidas do século XIX e aquelas alcançadas pela modernidade, observamos a pluralidade estilística e construtiva que representa este período. Para demarcar este momento e a quarta camada histórica, elencamos a divisão entre triângulo histórico e centro novo com as edificações: Palácio das Indústrias (1911-1924), Palácio da Justiça (1920-1933), Hotel Esplanada (1921-1923), Mercado Municipal (1922-1933), Edifício Sampaio Moreira (1922-1924), Edifício Alexandre Mackenzie (1924-1929), Edifício Rolim (1925), Edifício do Centro Cultural do Banco do Brasil (reformado e inaugurado em 1927), Faculdade de Direito (1930-1934), Edifício João Brícola/Mappin (1936-1939), Edifício Sede do Banco do Estado de São Paulo S.A. (1939-1947), Edifício Sede do Banco do Brasil (1942-1955), Edifício CBI Esplanada (1946-1951), Edifício do Banco Paulista do Comércio (1947-1950), Sede do IAB-SP (1947-1950), Edifício e Galeria Califórnia (1950-1955), Edifício Copan (1952-1966), Edifício Conde de Prates (1952-1957), Edifício Triângulo (1953-1955), Edifício Ordem dos Advogados (1955), Galeria Metrópole (1956-1964), Edifício Barão de Iguape (1956-1959), Edifício Itália (1960-1965), Edifício Mirante do Vale (1960-1966) e Hotel Hilton (1963-1971).

Imagem 82: Palácio das Indústrias, projeto de Domiziano Rossi. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 83: Palácio da Justiça, projeto de Felisberto Ranzini Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 84: Hotel Esplanada, projeto de Joseph Gire. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 85: Mercado Municipal, projeto de Felisberto Ranzini. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 86: Edifício Sampaio Moreira, projeto de Christiano Stockler das Neves e Samuel das Neves. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 87: Edifício Alexandre Mackenzie, projeto de John Pollock Curtis, William P. Preston. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 88: Centro Cultural Banco do Brasil. Fonte: Guia das Artes, 2021. Imagem 89: Edifício Rolim, projeto de Fred Reimann, Hippolyto Gustavo Pujol Júnior e Tito de Carvalho. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 90: Faculdade de Direito, projeto de Ricardo Severo Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 91: Edifício João Brícola/Mappin, projeto de Elisiário Bahiana. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 92: Edifício Sede do Banco do Estado de São Paulo S.A., projeto de José Camargo e Plínio Botelho do Amaral. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 93: Edifício Sede do Banco do Brasil, projeto de Caio Pedro Moacyr. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 94: Edifício CBI Esplanada, projeto de Lucjan Korngold. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 95: Edifício do Banco Paulista do Comércio, projeto de Rino Levi. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 96: Sede do IAB-SP, projeto de Abelardo de Souza, Galiano Ciampaglia, Hélio Duarte, Jacob Ruchti, Miguel Forte, Rino Levi, Roberto Cerqueira César, Zenon Lotufo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 97: Edifício e Galeria Califórnia, projeto de Oscar Niemeyer. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 98: Edifício Copan, projeto de Oscar Niemeyer. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 99: Edifício Conde de Prates, projeto de Alfredo Mathias, Giancarlo Palanti. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 100: Edifício Triângulo, projeto de Oscar Niemeyer. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 101: Edifício Ordem dos Advogados, projeto de Luiz Roberto Carvalho Franco, Rino Levi e Roberto Cerqueira César. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 102: Galeria Metrópole, projeto de Gian Carlo Gasperini, Salvador Candia. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 103: Edifício Barão de Iguape, projeto de Gian Carlo Gasperini, Jacques Pilon, John Ogden Merrill, Louis Skidmore, Nathaniel Owings. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 104: Edifício Mirante do Vale, projeto de Aron Kogan e Waldomiro Zarzur. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 105: Edifício Itália, projeto de Franz Heep. Fonte: Arquivo Arq, 2021. Imagem 106: Hotel Hilton, projeto de Ermano Siffredi, Maria Bardelli. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

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