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2. Cidade e Paisagem Cultural

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Referências

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paulista do SPHAN. E, na construção da ideia do Serviço, os ideais de Mário não foram opostos aos de Rodrigo, todavia os dois são “faces solidárias da mesma ação”, como descreve Santos (2012, p. 07). A cidade nos é apresentada como uma “produção humana e histórica” (FORTUNATO, 2015, p.112) portadora de múltiplos discursos, revelando identidades que convergem e divergem em meio à sua realidade diversa e complexa, transformando o cidadão ao mesmo tempo em leitor, escritor, agente e intérprete dos signos apresentados pelo conjunto urbano, podendo-o transformar por ele e se deixar ser transformado (MACIEL et al., 2016, p.3827). Conforme escreve Choay (2014, p.192), até o século XIX o espaço da cidade era lido através de seus monumentos e símbolos, mas ela se torna em si mesma um monumento e, ao mesmo tempo, um tecido vivo (CHOAY, 2014, p.210). Sobre esta mudança, a autora versa:

2. Cidade e Paisagem Cultural

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A conversão de cidade material em objeto do saber foi provocada pela transformação do espaço urbano consecutivo à revolução industrial: abalo traumático do meio tradicional, emergência de outras escalas variáveis e parcelares. É então, que, por efeito da diferença e, de acordo com a palavra de Pugin, por contraste, a cidade antiga se torna objeto de investigação. Os primeiros a perspectivá-la historicamente e a estudá-la segundo os mesmos critérios que as transformações urbanas contemporâneas são, antes de mais, os fundadores (arquitetos e engenheiros) da nova disciplina, à qual Cerdá dá o nome de urbanismo (CHOAY, 2014, p.193).

Este espaço construído transformado pelo homem, uma materialidade edificada, segundo Pesavento (2004, p.26) “se reveste de forma,

função e significado”. A cidade tem em si, ao se deparar no contexto urbano, marcas da passagem do tempo, uma vez que se busca sua história e memória (PESAVENTO, 2004, p.26). Assim sendo, dentre esses conceitos debatidos pelos autores, Pesavento (2004, p.26) traz uma definição de cidade pertinente a esta pesquisa, a autora apresenta a cidade como palimpsesto - “enigma a ser decifrado” - que sofre uma superposição de camadas de experiência da vida, ou seja, “a cidade é, sobretudo, exibição da marca do homem num universo mutável” (PESAVENTO, 2004, p.27).

Como referiu Ítalo Calvino, nas suas cidades invisíveis, é preciso entender que uma cidade abriga muitas outras cidades, e só a vontade e a atitude hermenêutica de enxergar para além daquilo que é visto é que permitirá chegar até as cidades soterradas, na História e na Memória. A cidade que se vê, a cidade onde vivemos, abriga as cidades mortas, soterradas ou fantasmáticas do passado, a partir de traços que nos permitirão fazê-las despertar. Despertar, revelar, expor, fazer lembrar, dizer como foi um dia são todos procedimentos que, articulando História e Memória, dão a ver o passado, no caso, a cidade de uma outra época (PESAVENTO, 2004, p.28).

Em uma linha de raciocínio evolutiva, a cidade carregada de significados patrimoniais e de memória, surge o termo paisagem cultural. O conceito propriamente dito surge em 1992 a partir de discussões promovidas pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e, aqui no Brasil, é incorporado pela portaria n. 127 do IPHAN no ano de 2009. A geógrafa Sandra Scifone (2016) define a paisagem cultural como uma porção espacial composta de elementos construídos que estão envolvidos numa dinâmica morfológica e natural, vinculada a uma significação social. Em outros termos, expressa os vestígios deixados pela dinâmica historicamente construída na vivência da sociedade e natureza. Isto posto, trata-se de um conceito amplo, o qual compreende patrimônios materiais e imateriais, envolvendo as práticas culturais em suas relações com os espaços e artefatos construídos. Scifoni acrescenta que a inserção do termo paisagem evoca uma discussão acerca de seu significado. De acordo com a autora, este conceito advém da geografia tradicional alemã, entre o final do século XIX e início do século XX, e se refere estritamente aos elementos naturais (relevo, solo e vegetação), enquanto que o termo paisagem cultural não necessariamente precisa abranger elementos naturais. Dessa maneira, Simone Scifoni traz uma noção integradora da paisagem a partir da produção do geógrafo americano Carl Sauer. Sauer escreve que as duas dimensões (paisagem - elementos naturais; paisagem cultural - cultura humana) são construções do único termo paisagem. Para a autora, a utilização do termo paisagem cultural pela Unesco se restringe unicamente à

identificação das áreas com valor patrimonial, um mecanismo de diferenciação das demais áreas. Em linhas gerais, a transformação da cidade em objeto do saber, ou de investigação, e a estruturação do termo paisagem cultural gera um movimento de compreensão do espaço urbano patrimonial, que engloba não apenas as edificações isoladas de valor patrimonial, mas também o conjunto de manifestações oriundas da dinâmica urbana. Isto proporciona uma visão integradora do espaço urbano patrimonial, e movese além das práticas burocráticas de tombamento de edificações. A partir disto, constitui-se um novo mecanismo, chamado de chancela da paisagem cultural. No Brasil, este mecanismo é formalizado a partir de estudos realizados entre 2003 e 2004 em municípios do estado de Santa Catarina e da formulação da proposta Roteiros Nacionais de Imigração (IPHAN, 2011). Chegou-se a conclusão que devido a abrangência e complexidade da ação, era necessário articulação com diferentes esferas do poder público, a fim de possibilitar a subsistência social e econômica. Segundo Scifoni, é a partir desse experimento que surge o conceito de rede de proteção, descrito por Dalmo Vieira Filho em 2011, que sugere a gestão compartilhada do patrimônio. Levando em consideração a ação e vivência dos grupos sociais, tradições, costumes e manifestações no espaço.

Os espaços urbanos e rurais que, em todo o território nacional, podem ser chancelados como paisagem cultural, são aqueles em que a vivência ou a ciência humana imprimiu marcas ou reconheceu valores, tornando-as suporte dos cenários, conhecimentos e das realizações que exemplificam, singularizam ou excepcionalizam a interação do homem como o meio natural. (IPHAN/Depam/2007, p. 3)

No Decreto-Lei 25 de 1937 havia mecanismo de tombamento relacionado a paisagem, porém com enfoque natural de notáveis feições, este termo ficou conhecido como tombamento de sítio paisagístico. De acordo com Simone Scifoni, esta experiência não deve ser confundida com o termo de paisagem cultural.

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