17 minute read

7. O avesso do avesso do avesso (século XIX e início do século XX

Next Article
Referências

Referências

7. O avesso do avesso do avesso (século XIX e início do século XX)

Mais do que um palimpsesto, a paisagem é um precioso instrumento de trabalho, na medida em que, como salienta Fernand Braudel, é como nossa pele condenada a conservar a cicatriz das feridas antigas. Como acumulação desigual de tempos, as rugosidades dos sucessivos passados amalgamados na paisagem atual permitem supor cada etapa do processo social, cumprindo-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam tal como a sociedade a escreveu de momento em momento. (BUENO, 2016, p. 100-101)

Advertisement

O verso de Caetano Veloso em Sampa (1978) - Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso - nos ilustra de forma certeira o que se desenvolve por século XIX na cidade de São Paulo. Consiste em ser o século de caráter mais peculiar, marcado por transformações rápidas e sucessivas. Dentro de um período de 100 anos podemos observar três avessos, ou melhor, cidades se configurando: a cidade colonial, a cidade imperial e a cidade republicana. São Paulo adentra ao século XIX sendo nomeada como “cidade de taipa” e no decorrer do século recebe o título de “metrópole do café”. Nos é retratado como o século das viradas, da transição entre o estado formal de vila para o prenúncio de grande cidade, sendo neste período a designação da metáfora do professor Benedito Lima de Toledo: “três cidades em um século”. O crescimento da cidade no quesito espacial acompanhou o crescimento populacional. Em 1808, a cidade de São Paulo contava apenas com cerca de 7 mil habitantes. Em contraponto, no ano de 1872, este número saltou para 26.040 habitantes, em razão da crescente economia cafeeira e também como consequência da imigração. De forma crescente, o número de habitantes varia consideravelmente de acordo com os anos: 1886: 47.697 habitantes; 1890: 64.934 habitantes; 1905: 300.569 habitantes; 1913: 460.261 habitantes; 1920: 579.000 habitantes; 1930: 900.000 habitantes e em 1940: 1.326.261 habitantes. No século XIX, as vias da cidade ainda possuíam desenho irregular, tortuoso e estreito. De maneira geral, desde o século anterior as vias e pontes da cidade eram dotadas de um aspecto desagradável, visto que possuíam calçamentos danificados e dejetos de animais. Esta condição começa a ser alterada no início do século XIX com as atividades do engenheiro João da Costa Ferreira - responsável pelo calçamento da cidade. A atuação do engenheiro englobou também questões como alinhamento e abertura de ruas, da mesma maneira que tratava da limpeza e desobstrução das vias, caminhos, estradas e praças, dando importância para a salubridade pública. As ruas irregulares de São Paulo eram palco de manifestações culturais diversas, como congadas, batuques, encontros, venda de alimentos, entre outras coisas (ASSUNÇÃO, 2006, p. 03). Grande parte das renovações ocorridas no

século XIX partiu da junção entre as iniciativas privadas e a ordenação e indução pelo poder público. Deste período até a Lei do Inquilinato8 (1942), cerca de 50% do tecido urbano da cidade era composto por imóveis com destinação à locação - prática que atraiu investidores imobiliários e permanece como uma marca no tecido urbano hoje, visto que alguns dos edifícios do triângulo histórico ainda pertencem às famílias destes investidores oitocentistas. De acordo com Bueno (2016, p. 113), no século XIX, os maiores proprietários de imóveis de aluguel eram as ordens religiosas, comerciantes vinculados aos negócios internacionais, para além de tropeiros e senhores de engenho de açúcar. Entre as décadas de 1840 e 1850, com a substituição da cultura da cana-de-açúcar pelo café, gerando mais riqueza e densidade demográfica, foi possível o investimento em obras de infraestrutura. Com a solidificação da economia cafeicultora e, como resultado, uma acumulação do capital nas mãos dos grandes produtores, nasce um novo modelo de relação entre Estado e o mercado (CARVALHO, 2013, p. 12). As alterações urbanas foram fomentadas

8 Lei que propôs o congelamento dos preços dos aluguéis e a regulamentação nas relações entre inquilinos e locadores. A lei resultou em grandes consequências na produção e consumo de moradias populares; foi anunciada como uma lei em prol da classe trabalhadora, porém, desviou o grande capital para outras áreas. sobretudo através de investimentos privados, com suporte no fortalecimento dos negócios comerciais na cidade. Edificações de uso misto começam a apoderar-se da cena nas principais vias centrais da acrópole - como por exemplo a Rua Direita - escritórios, restaurantes, consultórios, lojas, cafés, charutarias e etc… todas essas funções compartilhando o edifício com moradias nas ruas centrais da cidade. Esta mesma Rua Direita destacava-se como a principal via da cidade, e durante o século XIX passou por grandes transformações - início de verticalização por edificações assobradadas e, a tradicional materialidade construtiva de taipa, neste período, começa a dividir a cena com tijolos. O ar da cidade até a metade do século XIX estava muito ligada ao “pulmão” formado no triângulo histórico, do qual dava fôlego para atividades religiosas, políticas, econômicas e sociais (ASSUNÇÃO, 2006, p. 03). Durante o século XIX, e principalmente no início do século seguinte, tem-se um - este fator é resultado do vínculo dialético entre aceleração das demandas, transformações arquitetônicas e urbanas junto à especialização do comércio e serviços de alto padrão (BUENO, 2016, p. 116), como também efeito da criação da Lei de Terras9 (1850).

9 Projeto do fazendeiro e Senador do Império Nicolau dos Campos Vergueiro, no qual aplicava-se um aumento no preço dos terrenos circunscritos à área urbana,

Esta relação aponta para o interesse das classes da elite financeira em protagonizar tais mudanças urbanas, visto que seus atores despontam papéis no palco do poder público vigente. Com isso, temse a convergência para as obras de melhoramentos urbanos, embelezamento e o proêmio de uma verticalização.

Imagem 27: Valor dos imóveis em 1809. Fonte: Modificada pelo autor - Mapa do Valor dos imóveis em 1809 (CARVALHO, 2013, p. 113). Dessa forma, a metáfora descrita pelo professor Toledo ganha fisionomia - não apenas é sustentada pelas transformações de cunho urbanístico realizadas pelo poder público, mas são pautadas nas sucessivas remodelações, demolições e reconstruções de edificações privadas no centro histórico de São Paulo, e que em muitos casos tais edifícios não possuíam muitos anos de existência e muito menos deficiências formais e estruturais, contudo tornavam-se materialidade das ações da elite financeira que iniciava o complexo imobiliário que perdura até os dias atuais.

Aceitar a efemeridade do estar em detrimento do ser se faz através da concepção da inexorabilidade do “progresso”, de que o “tempo não pára” e que, portanto, deve ser gozado como presente sempre. Essa valorização do presente em detrimento do passado depende da contração deste naquele, dilatando-o. (FREHSE, 1996, p. 146)

A dinâmica imobiliária da cidade no século XIX destinava altos preços às regiões junto aos largos da Sé (igreja matriz da cidade), Pátio do Colégio e das ruas adjacentes, que comportavam edificações assobradadas de uso misto - majoritariamente residencial e comercial. Em contrapartida, as regiões de várzea acomodavam as casas mais simples, majoritariamente térreas - sendo tratada como região menos valorizada.

Imagem 28: Usos dos imóveis em 1809. Fonte: Modificada pelo autor - Mapa dos Usos dos imóveis em 1809 (CARVALHO, 2013, p. 112).

Entre o século XVIII e início do século XIX temse a imagem do próprio proprietário morar em seu edifício da área central e por vezes compartilhar o espaço com outro uso - comércio, por exemplo. Durante o século XIX e rumando ao século XX, especificamente a partir da década de 1870, o panorama se transforma. A tradicional oligarquia que se constituía na cidade - famílias de sobrenomes tradicionais, sendo detentoras da maior parcela de edificações no triângulo histórico -, agora loca seus edifícios de uso misto na área central para a instalação de comerciantes estrangeiros, que neste período de chegada ao Brasil não tinham capital para edificar suas próprias instalações. A organização destes edifícios com finalidade rentista “antecedeu a lógica condominial” (BUENO, 2016, p. 117). Neste mesmo período, observa-se o vetor de transição espacial das elites, em que estas não mais residem no centro histórico, mas começam a se instalar em palacetes no cinturão de chácaras e vilas que, em sua maioria, se localizam para além do Vale do Anhangabaú - o chamado subúrbio, que pouco tempo depois começa a se transfigurar em bairros residenciais elitistas. Este vetor ganhou força já na década de 1860, com a implantação da primeira estrada de ferro paulistana, que fazia ligação entre a cidade, o litoral e interior do estado10. Este movimento contém a abertura de novas vias, e aqui podemos destacar a Rua Ipiranga (hoje avenida). A década seguinte é marcada pela chegada de muitos fazendeiros à cidade, e demarcada pela construção de grandes casarões. As moradias continuam existindo no centro histórico até o início do século XX, e majoritariamente eram residências dos comerciantes estrangeiros que ali também realizavam seus negócios.

Imagem 29: Vetor de deslocamento da elite paulistana. Fonte: Modificada pelo autor - Mapa Nova Planta da Cidade de São Paulo e Subúrbios de Jules Martim, 1881.

O início da verticalização da cidade deu-se a partir do crescimento vertiginoso da economia da cafeicultura e da imigração, na segunda metade do século XIX. Com os primeiros prefeitos de São Paulo - Antônio Prado, Raimundo Duprat e Washington Luís - realizando obras de cunho higienista, desenvolvem legislação que suscita a verticalização das edificações no centro histórico.

“Até a década de 1870, a villa imperial de São Paulo é um universo social basicamente rural. Para além dos ventos cosmopolitas trazidos à cidade pela Academia de Direito, inaugurada em 1828, predominam na cidade um “relativo isolamento e provincianismo; a modesta economia de subsistência de seus arredores, refletindo-se na configuração urbana e na vida de seus habitantes; a importância das relações pessoais, a unidade devida aos ritos e festejos de uma mesma fé.” (MORSE, 1970, p. 23 apud FREHSE, 1996, p. 121).

Em fins do século XIX e início do século XX, a ocupação dos espaços próximos ao núcleo central ocorreu vinculando os elementos naturais e de infra-estrutura à dinâmica social de uma cidade que se transformava do ponto de vista da economia. A rede de transporte, dirigida inicialmente para o atendimento da economia cafeeira, transformou-se em importante elemento organizador do espaço urbano, principalmente das atividades industriais e residenciais, delineando a setorização das atividades e tipologias que a cidade seguiu nas décadas seguintes (AMADIO, 2004, p. 293 apud MOTA, 2007, p. 78).

A elite econômica e intelectual que desponta no cenário paulistano a partir da década de 1870 também interfere nos padrões do fazer arquitetônico. Agora sem a mão-de-obra escrava, entra em sintonia com formas européias da época, refletindo em uma arquitetura de cunho urbano.

As transformações que ocorrem a partir da década de 1870 podem ser reconhecidas como o ponto de encontro entre a dinâmica cultural 11colonial e moderna - a taipa e o tijolo, do carro

11 De acordo com Frehse (1996, p. 118), entende-se por dinâmica cultural o processo de construção de múltiplos significados engendrados pela inserção de novos valores e costumes no contexto social predominantemente rural que é a vila na década de 1870.

de bois ao bonde elétrico. O espírito moderno incorporado à alma da elite cafeicultora paulista, juntamente com a influência estrangeira, tomam corpo e significado no espaço físico da cidade e em seus equipamentos. Como nos traz Fraya Frehse (1996, p. 117), no cenário de 1870, a cidade de São Paulo entra em uma dinâmica de Ouro-Preto-quevira-Paris. Com relação a importância da década de 1870, Azevedo (1958) nos relata:

“Inúmeros estudos no campo da geografia e da história do urbanismo indicam a década de 1870, como marco das transformações que a cidade experimentou nos tempos seguintes, sendo o café o principal agente deflagrador desse processo, modificando o que era antes o “burgo dos estudantes” de 1872 a 1918” (AMADIO, 2004, p. 18 apud MOTA, 2007, p. 169).

[...] São Paulo que muda de forma vertiginosa a partir da década de 1870 se vê e quer ser vista por aquele que não a conhece, acabam por compor, em conjunto, uma imagem contraditória de cidade. Cidade do novo tempo, mas fundamentalmente velha. Cidade de espaços urbanos, onde o rural insiste em aparecer e ser... (FREHSE, 1996, p. 120-121). “nas metrópoles do Novo Mundo, seja Nova Iorque, Chicago ou São Paulo, que se lhe costuma comparar, não é a falta de vestígios que me choca; essa ausência é um elemento de sua significação” (LÉVI-STRAUSS, 1957, p. 96 apud FREHSE, 1996, p. 118).

A Sé, antigo Largo e atual Praça, se configura como elemento notável na feição urbana da paulicéia, em razão de carregar consigo valiosa carga histórica, funcional e simbólica para a dinâmica da construção da cidade, além de ter sido alvo de uma grande transformação física em seu espaço de implantação (FREHSE, 1996, p. 120). Neste trecho anteposto do texto de Fraya Frehse, podemos perceber como as tessituras do espaço urbano paulista se sobrepõem e estão em constante contato. Sobre esta condição, conseguimos ponderar como uma permanência de estado, na qual vestígios e fragmentos dos tempos passados aparecem no tecido atual. Partindo também da percepção de palimpsesto, ou de camadas, Frehse relaciona a condição da cidade de São Paulo na diferença entre os verbos “ser” e “estar”. Para a antropóloga, a cidade não “é” um todo único materializado no espaço, contudo “está” em constante materialização - em um “sistema sem dimensão temporal”. Em outras palavras, a cidade sempre introduzida na dinâmica construtiva do progresso e desenvolvimento. Completando, as impressões do antropólogo Claude Lévi-Strauss em 1935 ao chegar à São Paulo:

Na década de 1870 podemos demarcar a atuação do Presidente da Província, João Teodoro Xavier12, que realizou muitas e grandes obras de

12 Foi presidente da província de São Paulo entre os anos de 1872 e 1875 e é considerado um dos primeiros urbanistas do Brasil com as reformas no traçado urbano na

melhoramentos urbanos. Dentro deste pacote de obras públicas estavam as remodelações do Jardim Público, do Palácio do Governo e do Largo dos Curros (atual Praça da República). Abriu novas vias a fim de conectar ocupações mais distantes do triângulo histórico. Nas intervenções mais pontuais dentro do triângulo histórico, cabe elencar: a substituição dos lampiões de querosene por iluminação a gás em 1872; implantação de paralelepípedos no calçamento do Largo da Sé em 1873 e início do bonde puxado a burro - antes destas transformações, o Largo da Sé já figurava como ponto modal da cidade, uma vez que o local servia de estacionamento para tílburis.

Imagem 30: Largo da Sé (1880), com Lampiões a gás e calçamento recente, em destaque (à direita), Catedral da Sé (demolida em 1911 para a reconstrução da nova praça da Sé) e à esquerda Igreja de São Pedro. Fonte: Informativo Preserva SP, 2013. Após 1870, a expansão urbana da cidade teve por movimento aglutinar as chácaras do entorno e, através do parcelamento do solo, dar origem a alguns bairros direcionados às elites. De acordo com Morse (1970, p. 20 e 41 apud MOTA, 2007, p. 79), três questões são substanciais para a compreensão da nova espacialidade de São Paulo: (1) o fato da cidade se constituir em ponto mediador para o contato comercial e ideológico com países estrangeiros; (2) a transformação técnica ocorrida nos transportes e o aparecimento do mercado de trabalho nos moldes capitalistas e, por fim, (3) a vinda intensiva dos imigrantes estrangeiros que, de forma crescente, se fixaram na cidade. No desenho geral de ocupação da cidade, percebemos a transição da orientação principal, uma vez que no início do século havia predominância da orientação norte-sul de ocupação das edificações - eixo acentuado pelo sentido de saída para o litoral, a partir das transformações ocorridas ao longo dos anos, a ocupação espraia-se sentido leste-oeste - conformando uma região periférica da cidade nas saídas das ferrovias sentido Rio de Janeiro e interior do estado. O eixo leste-oeste é importante para entendermos o desenvolvimento da cidade no século XX, com a ocupação gradativa dos bairros - sentido leste - do Brás, Mooca e, posteriormente, Penha. A ocupação das terras além Anhangabaú, a

partir dos planos urbanísticos de João Teodoro, teve por definição a criação dos loteamentos nomeados em Campos Elíseos, Vila Buarque, Consolação e Higienópolis, dotados de uma propaganda que vendia o espaço como “cidade nova”.

“Enquanto manteve-se enclausurada na colina histórica, a cidade não conhecia diferenças funcionais relevantes, além das chácaras em sua periferia. Os primeiros bairros operários se localizaram nas terras baixas vizinhas ao Tamanduateí, próximas à colina e nas proximidades das estações ferroviárias e ao longo das vias férreas (a SPR e posteriormente a São Paulo-Rio de Janeiro), estruturando os bairros do Brás, Luz e Bom Retiro. Por outro lado, os primeiros bairros residenciais da elite se instalaram nas terras mais altas situadas além Anhangabaú, a oeste, onde foram abertas ruas largas, como foi o caso de Campos Elísios” (Petrone in AMADIO, 2004, p. 25 apud MOTA, 2007, p. 88).

Nesta configuração observamos o desenho de ocupação da cidade: inicialmente todas as classes partilhavam da colina histórica e, no decorrer do tempo, as classes mais baixas foram transcorrendo em direção às várzeas e baixios enquanto que as classes de maior poder aquisitivo permaneceram na topografia elevada - dos Campos Elísios para Higienópolis e, posteriormente, em direção ao espigão da Avenida Paulista com direção sentido a calha do Rio Pinheiros (MELLO FILHO, 2001, p. 61 apud MOTA, 2007, p. 156). Junto ao aumento populacional e expansão territorial, cresce também o aumento da demanda por moradias e, com isso, conseguimos observar a prática da especulação imobiliária de forma mais explícita - e se instaurando como prática corriqueira e permanente no tecido paulistano. Esta forma de acumulação do capital, a partir do comércio de terrenos e/ou construções de habitações, é tratada como notável por Paula Mota (2007, p. 159) quando comparada às práticas rentistas majoritárias do período, como o café e as indústrias. Como exemplo, temos o caso de lucro de aproximadamente 800% na abertura do loteamento dos Campos Elísios.

Imagem 31: Várzea do Carmo parcialmente alagada. A rua em primeiro plano é a 25 de Março. Em baixo, à direita, a Ponto do Carmo, principal acesso ao bairro do Brás. Fonte: MOTA, 2007.

A chegada da ferrovia na cidade e o fortalecimento do vetor de expansão da elite em direção oeste, resulta na transmutação da imagem do Vale do Anhangabaú - antes tido como “quintal dos fundos”, agora é eleito como “porta de entrada

da cidade”. Fator importante que nos fornece fundamento para entender a mudança de “entrada da cidade” é que, a partir do enaltecimento das ferrovias - que sinalizava o moderno e o progresso -, as áreas que carregavam a imagem de ser o antigo povoamento e caminho de tropas de burros entram em decadência (MOTA, 2007, p. 150). Ainda que tenha sido figurada como porta de entrada da cidade em seus primeiros séculos, a várzea do Rio Tamanduateí foi local de despejo dos dejetos da cidade, desde animais mortos até os excrementos produzidos pela vida urbana (MOTA, 2007, p. 146). Ou seja, a várzea não representava apenas prejuízos de âmbito material - com as sucessivas reformas nas pontes que sofriam danos após as enchentes, mas também apresentava malefícios da ordem de saúde pública, pois por consequência da expansão urbana, as habitações mais precárias achegam-se mais próximas aos baixios. Sob este contexto, desde o início do século XIX, já se pensava em obras de saneamento para as várzeas do Tamanduateí, contudo, apenas na última década do século que criou-se a “Comissão de Saneamento” pelo Governo do Estado. A administração da cidade, com o prefeito Antônio Prado (1899-1910), realizou obras de saneamento e canalização do rio e, desde a década de 1870, se vê movimentos de aterramento da várzea do Tamanduateí, inicialmente deu origem à região do Gasômetro.

Imagem 32: Construção do Canal do Rio Tamanduateí. Fonte: Modificada pelo autor - apa Planta Histórica da Cidade de São Paulo 1800 - 1874, por Affonso A. de Freitas.

Imagem 33: Panorama das modificações no curso do Rio Tamanduateí. Fonte: Portal G1, 2017

This article is from: