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7.1. Influência estrangeira

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Referências

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No ano de 1892, com a construção do Viaduto do Chá, o primeiro viaduto da cidade, foi proporcionado maior travessia e expansão da cidade em direção a região em que hoje se localiza a Praça da República. Responsável por averiguar os projetos edilícios, a partir de 1893 a Seção de Obras e Viação demonstrou postura a uniformizar o gabarito da cidade - como inspiração a Paris do Barão de Haussmann. Em documento do Código de Posturas de 1886, as alturas são determinadas em: (1) primeiro pavimento - 5m; (2) segundo pavimento - 4,88m; (3) terceiro pavimento - 4,56m. Com isso, o gabarito da edificação com 3 pavimentos deveria estar próximo a 17 metros. Para as edificações com mais pavimentos, alterava-se a altura a partir do segundo pavimento - devendo contar com 4,80m, e o terceiro pavimento com 4,50m. Na virada do século, onde as infraestruturas urbanas já possuíam certa qualidade e já despontavam incipientes bairros elitistas, somado aos melhoramentos dos espaços públicos, tem-se a elitização dos espaços públicos. 7.1 Influência estrangeira

“Vivera a colônia nos três primeiros séculos relativamente segregada da Europa não ibérica, principalmente nas regiões de maior especialização econômica e intensa endogamia” (FREYRE, 1936, p. 257 apud COSTA, 2000, p. 279).

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A partir de meados do século XIX, a cultura francesa se mostra como influenciadora nítida e direta da cultura brasileira. Dividia espaço com a influência inglesa que, sobretudo, possuía o predomínio econômico e de paisagem urbana, refletindo no campo político e ideológico - a cultura brasileira abraçou também variados elementos de tradição inglesa, como: uso do chá, cerveja, bife com batatas, residências em subúrbio, júri e habeas corpus. Com a vinda da corte portuguesa para as terras do novo mundo (1808), o contato direto com Inglaterra e França sofreu certa intensificação, introduzindo uma espécie de europeização dos costumes aqui praticados, assim como fez surgir novas necessidades - não que antes da corte chegar ao Brasil isso não existisse, mas com a chegada da família real portuguesa, seus hábitos luxuosos foram supridos com a vinda de cabeleireiros e modistas franceses e alguns comerciantes ingleses. Os primeiros sinais deste contato intenso com a cultura francesa são verificados ainda no final do século XVIII, quando algumas famílias enviam seus filhos para estudarem em faculdades francesas, sobretudo em Montpellier, da mesma maneira que

a interação entre as culturas também foi influência para a Inconfidência Mineira. Ponto chave para compreender a dimensão da influência francesa nos campos intelectual e artístico da sociedade brasileira é a partir da missão francesa. Tal missão foi o desenrolar do movimento de estreitamento de laços entre D. João VI e Luís XVIII e trouxe ao Brasil importantes nomes do pensamento francês a partir de 1816, como: Lebreton, Debret, Montigny, Tauna e Ferrez - importante destacar que o professor Toledo chama atenção para a missão francesa, uma vez que a começar por ela, tem-se a inserção das primeiras produções artísticas na e sobre a cidade de São Paulo. Emília Costa (2000, p. 06) nos relata que a influência francesa solidificou-se com maior intensidade em núcleos do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e São Paulo - com destaque para Rio, Pernambuco e Bahia que já manifestavam tal influência já na primeira metade do século XIX. São Paulo alcança esta marca cerca de 50 anos mais à frente. E, diferentemente das outras localidades, na cidade de São Paulo a presença francesa começou a ganhar forma no campo das ideias, atuando na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Indo de encontro ao que nos trouxe Benedito Lima de Toledo, Emilia Costa (2000, p. 284) nos explica o porquê da cidade de São Paulo expor-se quase que impenetrável frente a estas influências. Assim como pontuou Toledo, Costa argumenta que o afastamento da cidade frente ao mar é o ponto crucial, e salienta que a dificuldade de meios de transporte para acessar a paulicéia e sua pequena população com hábitos modestos também fomentaram esse atraso de influência. Podemos elencar um marco físico como símbolo do fortalecimento da influência francesa na cidade de São Paulo - a Casa Garraux. Inaugurada em 1964 pelo francês Anatole Louis Garraux, inicialmente no Largo da Sé e posteriormente na chamada Rua da Imperatriz (atual Rua 15 de Novembro), “a mais célebre das casas comerciais” (COSTA, 2000, p. 287) era uma mistura de livraria, tipografia, depósito de vinhos, de guarda-chuvas e de objetos de arte que teve papel significativo na difusão da cultura francesa.

Imagem 35: Postal circulado em 1902 mostrando a Novembro, com destaque no centro da imagem para o edifício da Rua 15 de Casa Garraux. Fonte: São Paulo Antiga, 2021. Além de comercializar produtos importados, suas vitrines comportavam exposições, como de plantas de arquitetura - tendo como exemplo a exposição do projeto da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Fato interessante abordado por Emilia Costa (2000, p. 287) é que na segunda metade do século XIX, os estabelecimentos comerciais eram divididos em duas categorias: os franceses e os nacionais, que também poderiam ser importadores de artigos franceses - situação que denota a dimensão do predomínio francês nas principais cidades até então. Sobre os comerciantes e artesão franceses na cidade:

Da sua atividade ficaram mais que traços materiais: alguma coisa do espírito e da cultura de cada um. Foram eles fontes de novos modos de vida para toda uma sociedade. Agiram como centro de propagação da cultura francesa com a irradiação comercial de produtos, intelectual de idéias e principalmente social de costumes, usos e estilos de vida. (COSTA, 2000, p. 292293).

A riqueza e notoriedade alcançadas através da economia cafeicultora de São Paulo proporcionou aos paulistas um contato mais próximo com a cultura francesa ao longo do século. Alguns ofícios estiveram quase que sob domínio estrangeiro, como é o caso dos cabeleireiros e do ensino de música - neste momento histórico temse o desenvolvimento das modinhas brasileiras e a gênese da música popular, apesar disso, as

composições francesas ganham espaço entre os membros da elite e também o universo literário.

A influência pois, da língua e literatura sob a forma de livros jornais e revistas, a favor da irradiação da cultura francesa entre nós, foi enorme. Franceses eram os compêndios em que se estudava, os romances que se liam, os filósofos que orientavam os conceitos; os livros técnicos de medicina, direito ou arquitetura, onde ia o intelectual buscar inspiração; francesas as revistas e mesmo alguns jornais. Não podemos esquecer, entretanto, que a ação desses agentes: livros, jornais e revistas, por mais difundida que tenha sido, esteve sempre circunscrita a um grupo relativamente limitado de pessoas – de uma certa cultura, a elite – não exercendo grande influência sobre a massa do povo (COSTA, 2000, p. 300). Por intermédio dos variados agentes: artesãos, comerciantes, artigos, livros, revistas, jornais, colégios, professores, governantes, artistas, missões culturais, viajantes de proveniência francesa, técnicos contratados, viagens de estudo ou de recreio à França, firmou-se entre nós, de modo acentuado a influência da cultura e da técnica francesa. Cada um desses fatores agiu à sua maneira e com intensidade diversa sobre a sociedade paulista. Essa influência estendeu-se nessa época, pela diversidade de agentes a todos os setores e manifestouse em todos os campos: nas coisas materiais e imateriais, nas modas, na literatura, na casa, na filosofia, na alimentação, no folclore, etc. Não se pode esquecer entretanto que ela esteve praticamente restrita a um certo grupo social cuja educação (grau de cultura) e situação econômica facilitaram os contatos com os agentes divulgadores dessa cultura (COSTA, 2000, p. 302-303).

Tamanha é a influência estrangeira na cidade de São Paulo que vemos na transformação do espaço urbano-rural em espaço urbano industrial, na segunda metade do século XIX (MOTA, 2007, p. 48-49). No âmbito arquitetônico-paisagístico, os jardins das chácaras vizinhas à cidade possuíam características do planejamento e desenho dos mestres franceses. Na paisagem urbana da cidade, a idealização do Viaduto do Chá por Jules Martin é mais um exemplo dos traços franceses. Santos Dumont e Antônio Prado são dois personagens da história brasileira figurantes do século XIX que representam simbolicamente o espírito francês, pois sob eles é visto toda uma geração que foi formada aos moldes franceses. A cidade republicana, em vias de adentrar ao século XX, se traduzia na imagem afrancesada e dominada pela dinâmica da elite no centro.

Imagem 36: Área urbanizada de São Paulo até 1900. Fonte: Autor, 2021.

No início do século XX, a cidade se tornou um grande canteiro de obras. A partir de 1900, com a implantação das linhas de bonde e iluminação pública e, entre 1906 e 1908, com as instalações de água encanada e esgotamento sanitário. Com isso, muito do que se tinha de original de taipa dos séculos XVIII e início do XIX, acabou por ser reformulado - podemos destacar as permanências do Solar da Marquesa de Santos e algumas poucas igrejas. O campo expandido da modernidade nos ares de São Paulo chegou também no desejo de um novo templo para a igreja matriz. Apoiados no lema de “afastar o passado colonial” (FREHSE, 1996, p. 122), a administração pública regida pelo prefeito Antônio Prado idealiza a demolição da

igreja matriz para a construção de uma catedral que representasse o novo status moderno da cidade. O anseio na verticalização e imponência do novo templo materializaram o espírito moderno. As ideias iniciais de se construir uma nova igreja matriz para a cidade são formuladas já nos idos de 1874, com a doação de um terreno da Praça dos Curros (atual Praça da República) para a igreja. Entretanto, a decisão foi sacramentada apenas no ano de 1911, após a nomeação de São Paulo como capital de Arquidiocese - feito ocorrido em 7 de junho de 1908. O terreno localizado na Praça dos Curros, como sabemos, não serviu de base para a edificação da nova catedral paulistana. No local foi erguido o edifício para a Escola Normal, e o edifício data de 1894. Dom Duarte Leopoldo e Silva (18671938), primeiro Arcebispo de São Paulo, sonhou com a demolição do templo até então edificado e a construção de um novo. Assim o fez, mesmo que a priori contrariado pela administração pública e paulistanos. A nova catedral é desenhada sob preceitos neo-góticos que fazia cena para novas construções de templos religiosos no país desde a metade do século XIX, mais precisamente entre 1850 e 1930, como nos relata a historiadora da arte e da arquitetura Paula Vermeersch (2020, p. 224). O risco da nova catedral foi concebido pelo engenheiroarquiteto alemão e também professor da Escola Politécnica Maximilian Emil Hehl (1861-1916) e previa a demolição da até então igreja matriz e de três quarteirões em direção ao largo de São Gonçalo. Sobre a escolha do estilo arquitetônico:

Dom Duarte justifica o Neo-Gótico do projeto de Hehl em duas direções: a primeira, que este estilo teria se desenvolvido junto com as devoções marianas (a Sé de São Paulo é dedicada a Nossa Senhora da Assunção) e a segunda, que tal partido arquitetônico seria condizente com a modernidade da São Paulo surgida com as grandes modificações do café, da imigração e da ferrovia. Apesar de ser um estilo histórico, de citação de séculos passados, o Gótico, para Dom Duarte, nunca teria deixado de ser belo, elegante e piedoso. (VERMEERSCH, 2020, p. 223)

Imagem 37: Escola Normal, projeto de Antônio Francisco de Paula Souza, Ramos de Azevedo. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Para além deste relato de Dom Duarte, livros manuscritos de datas posteriores reforçam a escolha do neo-gótico devido sua “nobreza de elementos do estilo, como as ogivas e os vitrais, na homenagem às devoções marianas” (VERMEERSCH, 2020, p. 225). Outros exemplares de templos paulistanos construídos no início do século XX que trazem esse referencial estilístico são: Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Igreja de Santa Cecília e a Igreja de Nossa Senhora da Consolação, que figuram nos arredores do centro histórico da cidade. A construção do novo templo iniciou-se no ano de 1913 e previu uma edificação com 112 metros de altura e 47 metros de largura, com finalidade de abrigar em torno de 8 mil pessoas. O almejo de expandir a dimensão do Largo em uma grande área cívica da cidade teve por significação a convergência entre fé, pujança e alma coletiva (SEVCENKO, 1992, p. 103 apud FREHSE, 1996, p. 122-123). Tem-se um período de diminuição das atividades do canteiro de obras da nova Sé. Este período teve como pano de fundo a queda da bolsa de Nova York, em 1929, e conflitos com o governo de Getúlio Vargas - ambos acontecimentos tiveram peso em reflexo à economia cafeicultora paulista, e trouxe anos de recessão. Com a inauguração do Teatro Municipal

na continuidade do Viaduto do Chá em 1911, a administração pública contrata o urbanista francês Joseph-Antoine Bouvard13 para conceber Planos de Melhoramentos para a cidade, especificamente para as áreas do Vale do Anhangabaú e Várzea do Carmo - constituída como Parque Dom Pedro II. Assim como nos diz Escudero e Abrahão (2017, p. 217), a contratação do profissional francês foi resultado de debates e formulações de planos e projetos por profissionais urbanistas em anos anteriores. Dentre eles, destacamos: Samuel das Neves (1906); Victor da Silva Freire e Alexandre de Albuquerque (1910). Neste momento, disposta como porta de entrada da cidade, o Vale do Anhangabaú emerge no processo de valorização potencializado pela implantação do Viaduto do Chá e pelo vetor oeste de locomoção das elites sobre o território, em direção às regiões de Higienópolis e da Avenida Paulista. O Vale se torna cenário para a edificação do principal edifício da época, o Teatro Municipal, com isso, novas e luxuosas construções também tomam a paisagem do local. Antes um vale inóspito, agora com a instalação da elite, requer uma valorização

13 Arquiteto francês responsável pelo Plano de Melhoramentos da Capital (1911-1913) e, assim como nos relata Escudero e Abrahão (2017), Bouvard se mostra como um personagem central nos desenhos de transformação do tecido urbano e na paisagem do centro de São Paulo no início do século XX. dos espaços - isso resume a investida pública e privada para os planos de embelezamentos para a área entre o final do século XIX e início do XX.

“A grande transformação que ocorreu na cidade do café foi, sem dúvida, a configuração de uma segregação espacial mais clara: territórios específicos e separados para cada atividade e cada grupo social. Isso se deu por meio da constituição dos bairros proletários e dos loteamentos burgueses, da apropriação e reforma do centro urbano pelas novas elites dominantes e da ação discriminatória dos investimentos públicos e regulação urbanística” (ROLNIK, 2001, p. 18 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 218219).

As transformações urbanas ocorridas na São Paulo do final do século XIX e início do século XX estiveram sob a batuta, principalmente, dos prefeitos João Teodoro (1872-1875) e Antônio Prado (1899-1910) - este último, diretamente ligado às elites cafeicultoras, foi responsável pelos melhoramentos nas vias e calçamentos públicos, plantação de árvores ao longo das principais avenidas, assim como também responsável pela construção do Teatro Municipal, que foi desenhado à sombra da influência francesa.

“A cidade de São Paulo, em especial seu núcleo central, assumiria durante a República Velha, um perfil mais cosmopolita, com a intensificação de usos comerciais e serviços considerados “chiques” para os padrões da época: como confeitarias, os cafés, livrarias, casas vinícolas, as lojas de produtos importados, magazines casas de moda,

dentre outros. Essas atividades favoreceram, ainda segundo aquele autor (SIMÕES JUNIOR 1994, p. 74), o footing, as promenades, que haviam se tornado a coqueluche dos paulistanos influenciados pelos hábitos estrangeiros, em especial os oriundos Paris” (ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 220).

O relatório entregue por Bouvard em 1911, denominado “Estudos de melhoramentos e extensão da capital do Estado”, tinha como base a análise da cidade real, ou seja, no estudo dos terrenos, monumentos, aspectos físico-naturais, movimentação comercial e movimentação de pessoas entre os bairros. Em contraponto com a tradição aplicada na época - a ocupação dos espigões -, o relatório de Bouvard sugere a ocupação explorando as diversidades do terreno, com essa prática, se revelaria o pitoresco.

“Enquanto o inglês Barry Parker metamorfoseava o Parque da Avenida, os franceses Bouvard e Cochet redesenhavam a orla da colina central da cidade, apagando os últimos traços originais ao redor do santuário onde os jesuítas haviam celebrado a sua fundação, transformando as vertentes do Anhangabaú e os pântanos do Tietê num panorama cenográfico dos mais elegantes, com toques decór europeu ponteados de palmeiras e vastos tapetes gramados recortados de trilhas, passeios e canteiros. O lance final dessa reforma da paisagem foi estabelecido pelo arquiteto francoargentino Victor Dubugras, ligado ao grupo de urbanistas encabeçados pela sumidade internacional, o arquiteto Bouvard. Ele foi encarregado de desmatar, desarborizar, ajardinar e redecorar o Largo da Memória e seu tradicional obelisco, na embocadura do Vale do Anhangabaú” (SEVCENKO, 1992, p. 15 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 225).

As transformações urbanas que a cidade passou dos anos 10 até os até meados dos anos 30, não eram, apenas técnicas, mas ligadas à estética, embelezamento e cenografia. [...] o mundo estava passando por mudanças: na economia – em especial pelo boom da industrialização-, nas artes, na arquitetura e em especial nas cidades. A grande Paris, remodelada pelo Barão de Haussmann no século XIX, serviu de exemplo e motivação para a modernização das demais cidades que também estavam crescendo pela força da economia industrial. (ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 225).

A união dos interesses da esfera administrativa pública (centrados nas questões da estética urbana, mobilidade e salubridade, a partir das inundações da Várzea do Carmo) e privada (propriamente o mercado imobiliário) deram base para o cumprimento do Plano desenvolvido pelo urbanista francês. Alinhado aos interesses privados, Bouvard funda a Cia. City, em razão da necessidade de desapropriação de lotes ao entorno do Vale do Anhangabaú para viabilizar a execução do projeto, como relata Escudero e Abrahão (2017, p. 225).

De acordo com Escudero e Abrahão (2017, p. 226), podemos destacar o Plano de Bouvard para São Paulo em quatro núcleos de atuação, sendo eles: (1) conceber espaço público e belo no Vale do

Anhangabaú - parque; (2) conceber um espaço público e belo na Várzea do Carmo - parque; (3) centro cívico e (4) meios de comunicação do Centro com os bairros - avenidas. Para viabilizar tais ações, foram escritas legislações que englobassem os ideais. Dentre elas: (1) Lei nº1.457/1911, designa o melhoramento das ruas Líbero Badaró e Formosa e da parte do Vale compreendida entre a Rua São João e o Largo do Riachuelo; (2) Lei nº1.473/1911, orientando a construção de uma praça na entrada do Viaduto do Chá - hoje Praça do Patriarca; (3) Lei nº1.484/1911, direcionando o alargamento da Rua Conceição e prolongamento da Rua Dom José de Barros.

A transformação do baixio do Anhangabaú em parque, e consequente valorização, transforma o local em cartão postal da cidade. Na paisagem da encosta com a Rua Líbero Badaró, encontramos a Praça do Patriarca (que antecede o Viaduto do Chá) e um conjunto arquitetônico dos 2 palacetes do Conde Prates e incipientes edifícios; na outra margem, ao fim do viaduto, nos deparamos com o Teatro São José (inaugurado em 1900) e o Teatro Municipal (inaugurado em 1911).

“A não ser a finalização das pequenas obras em andamento, prestes a acabar [...] pode-se considerar pronto o Parque do Anhangabaú, que, dentro de poucos dias, será entregue ao gozo público. [...] As obras de arte, as grandes exedras nas extremidades, os grandes terraços, as fontes luminosas, os jogos d’água, a mudança do viaduto, as grandes construções, as obras propriamente de embelezamento podem esperar melhores tempos” (Prefeitura Municipal de São Paulo, Relatório de 1918 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo pelo prefeito Washington Luís Pereira de Sousa, p. 19 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 227). “É preciso, para esse fim, abandonar o sistema arcaico do xadrez absoluto, o princípio por demais uniforme da linha reta, vias secundárias que nascem sempre perpendicularmente da artéria principal. É necessário, numa palavra e no estado atual das cousas, enveredar pelas linhas convergentes, radiantes ou envolventes, conforme os casos” (Prefeitura Municipal de São Paulo, Relatório de 1911 apresentado à

Imagem 39: Teatro São José, projeto de Carlos Ekman - demolido em 1924. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Mesmo de origem francesa, os ideais de Bouvard não eram os mesmo ideais haussmannianos - arrasamento de quarteirões no centro histórico para implantação de grandes avenidas retilíneas.

Câmara Municipal de São Paulo pelo prefeito Raymundo Duprat, p. 12-18 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 229).

Imagem 40: Teatro Municipal, 1911. No primeiro plano, à esquerda, o Viaduto do Chá. No centro, parte das plantações e as casas de aluguel da chácara do Barão de Itapetininga. No fundo, à esquerda, o Teatro São José, inaugurado em 1900; no centro, o Teatro Municipal recém-construído. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

Imagem 41: Vista do Parque Anhangabaú e seu belíssimo conjunto arquitetônico. Foto da segunda metade da década de 1920. Autoria desconhecida. Retirada do livro SP 450 anos. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

O projeto do Parque do Anhangabaú se desenvolvia como um tapete ajardinado com vegetações ornamentais. A utilização das altas palmeiras localizadas no desnível entre o Teatro Municipal e o Vale tinham por objetivo equilibrar a paisagem, assim como a utilização da vegetação arbustiva nos canteiros do arruamento quase que orgânico.

Imagem 42: Projeto de Bouvard: parque no Vale do Anhangabaú. Postais do primeiro quartel do século XX. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

Do outro lado da colina histórica, a Várzea do Carmo, junto ao Rio Tamanduateí, foi local de chegada dos viajantes, assim como ponto de alimentação, abastecimento e transporte para a população inicial. Foi caracterizada pelas diversas enchentes, por se tratar de um espaço com grandes dimensões e topografia baixa. A partir da retificação do trecho do Rio Tamanduateí chamado “Sete Voltas” em 1849 com o projeto de C. A. Bresser e gestão do padre Vicente Pires Motta, deu-se origem à Rua 25 de março - o local está próximo ao Mercado Municipal, e na época chamado “mercado caipira”, carregando forte tradição comercial. Anos após esta primeira grande intervenção no curso do Tamanduateí foram propostas novas intervenções, porém, somente no ano de 1897, o engenheiro Carlos Escobar desenha o projeto para a sua canalização efetiva. As obras tomaram os governos de Bernardino de Campos (1902-1904) e Jorge Tibiriçá (1904-1908). Com isso, até a década seguinte já se tem a canalização efetiva do trecho do Tamanduateí entre o Rio Tietê e a região do Cambuci. Para a época, o plano de canalização resolveria os problemas das enchentes - como bem se sabe, não resolveu. Por consequência, tem-se a formulação da ideia de parque para a região. Somente no ano de 1918, ao final do mandato do prefeito Washington Luís (1914-1918), que firmou-se o contrato entre a Diretoria de Obras e a Companhia da Várzea do Carmo. O projeto prossegue com alterações pelo arquitetopaisagista E. F. Cochet e pelo engenheiro Antonio de Almeida Braga, na qual previa loteamento do setor noroeste da várzea, a construção do Palácio das Indústrias, implantação de campos esportivos e de mercado público como substituto

do localizado na Rua 25 de março. Foi inaugurado em 1922, dentro das comemorações do Centenário da Independência, e logo se tornou um importante ponto de lazer para os bairros lindeiros.

“Os planos de Freire e Bouvard não se limitavam ao reordenamento da paisagem, esboçando a reestruturação do centro paulistano. O núcleo terciário denso sobre a colina histórica seria estruturado pelos dois “triângulos” concêntricos (o original mais o “circuito exterior” de Victor Freire) e ladeado por espaços verdes planejados. Na direção menos privilegiada, o Parque Dom Pedro II (concluído em 1925) organizava usos menos nobres: exposições utilitárias (Palácio das Indústrias, inaugurado em 1922), comércio de alimentos (Mercado Municipal, iniciado em 1925) e quartéis, intermediando a passagem entre o centro urbano e a “outra cidade”, industrial e operária da Zona Leste. A oeste, na direção mais valorizada, o conjunto do Anhangabaú configuraria novo centro simbólico para São Paulo” (CAMPOS, 2002, p. 182 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 235).

Imagem 43: Parque D. Pedro II. (British Chamber of Commerce of São Paulo & Southern Brazil, ed. São Paulo: Official Yearly Handbook. São Paulo, 1930. Fonte: ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017.

Imagem 44: Panorama das modificações no curso do Rio Tamanduateí. Fonte: Portal G1, 2017.

Com o aterramento de áreas da várzea, a retificação do Rio Tamanduateí e, consequentemente uma maior ocupação, a grande separação entre a colina histórica e o bairro a leste (Brás) é reduzida. Ainda mais que a grande população moradora dos bairros operários limítrofes ao parque faziam daquele espaço seu quintal de fim de semana.

“Acreditamos mesmo que até certo ponto houve um princípio de segregação intencional, que justificou a mudança da várzea do Tamanduateí num grande parque, ou jardim tampão, separando a cidade histórica, ainda habitada pela burguesia nacional bem postada, do bairro dos italianos operários que mal falava o português. Bairro do Brás, que se transformou numa verdadeira cidade à parte, pura cidade peninsular” (Carlos Lemos in AMADIO, 2004, p. 56-80 apud MOTA, 2007, p. 89).

“Acreditamos mesmo que até certo ponto houve um princípio de segregação intencional, que justificou a mudança da várzea do Tamanduateí num grande parque, ou jardim tampão, separando a cidade histórica, ainda habitada pela burguesia nacional bem postada, do bairro dos italianos operários que mal falava o português. Bairro do Brás, que se transformou numa verdadeira cidade à parte, pura cidade peninsular” (Carlos Lemos in AMADIO, 2004, p. 56-80 apud MOTA, 2007, p. 89).

Imagem 45: Palácio dos Correios, projeto de Domiziano Rossi e Felisberto Ranzini. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

Imagem 46: Escola de Comércio Álvares Penteado, projeto de Carlos Ekman. Fonte: Arquivo Arq, 2021.

“Dessa maneira, iam se compondo os elementos do novo espaço a ser criado no Anhangabaú, por meio de iniciativas cuidadosamente articuladas entre o poder público e os interesses particulares envolvidos. A harmonia arquitetônica da nova via não era garantida apenas pela preocupação dos projetistas. Por lei, as edificações na área central deveriam ocupar os alinhamentos, formando massas contínuas – o que destacava mais ainda a excepcionalidade da solução de Bouvard para os “blocos” do Anhangabaú –, e não poderiam ter menos de dois andares. Além disso, segundo a lei que aprovou a primeira seção do plano Bouvard, as construções a ser erguidas na Líbero Badaró deveriam ter pelo menos três andares [...]” (CAMPOS, 2002, p. 156 apud ESCUDERO; ABRAHÃO, 2017, p. 236).

Portanto, podemos compor a terceira camada histórica do centro histórico de São Paulo com os componentes de grande importância que compuseram as remodelações da cidade entre o início dos séculos XIX e XX, demarcando tais itens: Viaduto do Chá, Praça Antônio Prado, Praça do Patriarca, Praça da República, Teatro Municipal, Praça Ramos de Azevedo, Mercado Municipal, nova Catedral da Sé, remodelação no Vale do Anhangabaú e Parque Dom Pedro II, instalações do governo no Pátio do Colégio, Viaduto Santa Ifigênia.

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