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XIS

Carlinhos Mamã, pele branca, rosto redondo e angelical, parecia o que sempre foi, uma criança sem ordem de amadurecer. Quando os outros utentes entravam nas estações subsequentes, faziam questão de o cumprimentarem, ao que o rapaz, pleno de ar e de alegria nos pulmões, respondia com um sonoro “Bom dia, também para si e para quem o apanhar”. Da janela da automotora, acenava a tudo o que via lá fora. Oliveiras, vacas, bois, cabras, searas, restolhos, chaparros, pedras, o dia a clarear, o sol a aparecer, o vento a soprar… enfim, a felicidade era tanta que sentia que tinha de agradecer ao universo o facto de fazer parte do mesmo. Mas há dias em que ser feliz é sol de pouca dura. O menino, tão nervoso com a aventura que estava a vivenciar, sentiu um desarranjo na flora intestinal, um desequilíbrio que lhe criou uma tensão tão acentuada no seu corpo, que não passou despercebida ao revisor. Pois de carinha laroca contente, passou a expressão plena de contração. Os dentes cerrados, as maçãs do rosto salientes, os olhos esbugalhados, nádegas apertadíssimas… A casa de banho é ali ao fundo, indiciou o homem da CP, assim que se apercebeu dos sintomas que Carlinhos Mamã evidenciava. O menino de trinta e três anos levantou-se, dirigiu-se à casa de banho. Andar algo atabalhoado, pois a aflição era tanta que tinha receio de que um passo apressado não lhe permitisse chegar a tempo e horas, pois a descompressão do nervosismo interior estava latente a qualquer instante. Conseguiu… Ouviu-se em toda a carruagem uma sonoridade que se misturava com o som da automotora a rolar pelas planícies do Alentejo. Sentiu-se que, por breves instantes, a trepidação se acentuou naquela viagem. Depois, silêncio… Silêncio e mais silêncio. Já tinham passado Cuba, Alvito, Vila Nova da Baronia, Alcáçovas e silêncio… Silêncio e mais silêncio… Quando o revisor bateu à porta perguntando se estava tudo bem, ouviu de resposta: “Não me pode vir limpar o rabinho?”

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