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Lisboa e Setúbal não competem entre si, complementam-se
from Edição 139
by Apat
APAT - Que balanço faz do ano de 2022 em Lisboa e Setúbal?
Carlos Correia - Um balanço positivo. O ano de 2022 foi um ano de retoma, quer dos efeitos da pandemia, quer dos constrangimentos vividos no comércio mundial e a nível logístico.
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Neste contexto, o porto de Lisboa registou um crescimento de carga movimentada, atingindo os 11 milhões de toneladas, com destaque para um novo recorde de granéis sólidos movimentados, de cerca de 5,2 milhões de toneladas. Acentuou a sua liderança no sector agroalimentar e é hoje responsável por 74% do mercado de importação de cereais e oleaginosas em Portugal, com especial relevo no milho, trigo e soja. A guerra na Ucrânia impôs um novo mapa mundial quanto às origens de matéria-prima, onde o Brasil passou a ter maior destaque nas trocas comerciais com Lisboa, nomeadamente na importação do milho.
A carga contentorizada continua a ser estratégica para o porto de Lisboa, que viu aumentar este tráfego em 7% em 2022, com ênfase na carga carregada, ou seja, no seu perfil exportador. Dentro deste sector, o porto de Lisboa manteve-se como o principal porto de ligação às regiões autónomas, assegurando, em termos gerais, 88% e 60% dos contentores movimentados dos portos da Madeira e dos Açores, respetivamente.
O ano ficou ainda marcado pela retoma das escalas dos navios cruzeiro e movimentação plena de passageiros, atingindo praticamente os níveis de pré-pandemia em número de navios, o que impacta positivamente no sector turístico nacional.
O porto de Setúbal teve um movimento de cerca de 6,2 milhões de toneladas, apresentando como principal destaque a continuidade da sua vocação exportadora, que atingiu mais de 52% do volume total movimentado. Ainda sem os números finais fechados, é possível evidenciar o desempenho da carga ro-ro, onde a exportação representou valores a rondar os 70%, relativamente ao movimento total, enquanto, por outro lado, continua a ser consistente o desempenho da carga contentorizada, sustentada maioritariamente pela produção industrial oriunda da região.
Trata-se de uma aposta em cargas de valor acrescentado por parte dos exportadores parceiros do porto, que demonstra estar firmemente posicionado para apoiar a produção industrial, tanto das indústrias instaladas na região, como as do restante tecido empresarial nacional. São cargas que têm mudado o paradigma do porto, pela importância económica da movimentação de produtos finais. Ao mesmo tempo, Setúbal prepara-se para receber matérias-primas e para exportar produtos finais que irão ser produzidos pelas novas indústrias a instalar na região, que se vão enquadrar na produção industrial ambientalmente sustentável.
APAT - O que é que se propõem fazer / está pensado para atraírem mais armadores e linhas regulares, desde logo, ao porto de Lisboa?
Carlos Correia - Desde já destaco o desígnio de mais e melhor competitividade do porto de Lisboa. Quando assinámos com a Yilport Liscont um aditamento da concessão até 2038, ficou definido um plano de investimentos para o terminal de Alcântara, com vista a modernizar e melhorar a eficiência operacional, as condições de segurança e a sustentabilidade ambiental, nomeadamente através de uma forte redução de emissões de CO2. E esse plano de 123 milhões de investimento é um marco importante para o Porto de Lisboa e para o país, face aos ganhos de competitividade e de sustentabilidade daí decorrentes. Consequentemente, vamos conseguir reforçar o posicionamento do porto de Lisboa no contexto das rotas marítimas transatlânticas e europeias. A expetativa é que isso se traduza em mais linhas e mais armadores, o que aliás já está a acontecer.
A proximidade do porto de Lisboa ao mais importante espaço geográfico de produção e consumo do país é em fator incontornável para estas empresas na redução dos custos cada vez mais significativos da last mile logística.
Neste contexto, já se verifica uma procura crescente, um retomar de linhas regulares, também consequência da paz laboral que se afigura duradoira, o que traz confiança ao mercado. Atravessamos ainda uma fase de preparação de novas concessões que irão impor mais capacidade, modernização e eficiência aos terminais existentes.
APAT - Que investimentos estão previstos no curto / médio prazo para os dois portos? Desde logo, investimentos da responsabilidade da administração portuária?
Carlos Correia - Os portos de Lisboa e de Setúbal continuam a desenvolver-se e a servir a região e o país, comprometidos com um desenvolvimento sustentável e em linha com o combate às alterações climáticas, com soluções e investimentos que antecipem a transição energética, a transição digital e a evolução do transporte marítimo e da digitalização logística associada, acompanhando os novos desenvolvimentos do shipping a nível global, em harmonia com as cidades onde se inserem e valorizando o património, a natureza e os ecossistemas circundantes, um objetivo indubitavelmente associado aos esforços conjugados das suas Comunidades Portuárias.
Em Lisboa, gostaria de destacar o projeto que visa tornar o Tejo navegável até Castanheira do Ribatejo, no concelho de Vila Franca de Xira. O objetivo é permitir uma melhoria no desempenho ambiental e social do porto, através da redução das emissões poluentes por unidade de carga, da redução do tráfego rodoviário associado à atividade do Porto de Lisboa e da redução do ruído gerado pelo tráfego de pesados, entre outros. Está neste momento a decorrer o Estudo de Impacte Ambiental deste projeto. O estudo de viabilidade para o horizonte do projeto (2043) aponta para que com este projeto consigamos retirar 7,5 milhões de veículos da estrada (n.º veículos x km), com a consequente redução de quase 5 mil toneladas de CO2 (4.918).
Também é importante destacar o projeto para a instalação do sistema OPSOnshore Power Supply que permitirá fornecer eletricidade aos navios atracados a partir de terra, conectando os mesmos à rede de energia elétrica. A utilização do sistema OPS permitirá, assim, a redução das emissões de gases de efeito estufa, partículas inaláveis e o nível de ruído no porto, e permite evitar o recurso ao marine fuel Nesta data, estão já concluídos os estudos técnicos e económico-financeiros, em que a solução já validada pela E-Redes será realizada através de uma ligação subterrânea entre o Posto de Seccionamento do Alto de São João e a subestação principal que será construída no terminal de Cruzeiros do porto de Lisboa. Desta forma, quer o Terminal de Cru- zeiros, quer os cinco terminais da zona oriental do porto de Lisboa, entre Santa Apolónia e o Poço do Bispo, passarão a dispor deste sistema, permitindo que passem a fornecer energia elétrica aos navios atracados.
O futuro do porto de Setúbal passa por uma estratégia de ações concertadas em várias frentes. Em primeiro lugar, assumindo especial importância uma forte aposta no seu desenvolvimento sustentável a longo prazo, considerando o porto como parceiro imprescindível para a melhoria da competitividade e internacionalização da economia local, regional e nacional, tirando partido do desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância, decorrente do aumento do comércio intracomunitário e das alterações perspetivadas na economia mundial com a redução da dependência europeia do continente asiático.
Pela sua localização, fora do perímetro da cidade, o porto de Setúbal apresenta um potencial de crescimento ímpar entre os portos nacionais, com amplas zonas de expansão e acessos rodoferroviários ao interior dos terminais. Em sinergia com o porto, a região de Setúbal possui condições excecionais para atrair novas indústrias, baseadas na inovação e em novas tecnologias, que podem beneficiar dos centros logísticos existentes, do espaço infraestruturado disponível, da proximidade de outras unidades e do acesso a um porto moderno e sustentável.
Assim, e depois das obras de melhoria das acessibilidades marítimas, através do aprofundamento do canal e terminais, que permite, hoje, o porto receber navios maiores e mais modernos, menos poluentes e mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, encontram-se em carteira os seguintes projetos:
Melhoria dos acessos ferroviários. O Projeto Técnico de Execução e a Análise Custo-Benefício estão concluídos, é um investimento autorizado pelas tutelas setoriais e financeira, num protocolo, celebrado em 2021, entre a Infraestruturas de Portugal e a APSS, no qual se definem os termos da colaboração no âmbito da execução da empreitada, estando prontos os termos de referência e as peças dos procedimentos de concurso para execução da empreitada e prestação dos serviços de fiscalização. É um investimento total de 20 milhões de euros, cabendo à APSS cerca de 5 milhões de euros. O prazo de execução está previsto de 2023 a 2025; Prolongamento do terminal roll-on roll-off, para o aterro construído no âmbito da empreitada de melhoria das acessibilidades marítimas. Este projeto resultará da elaboração de um plano de ordenamento dos terminais portuários situados na zona central do porto de Setúbal, no qual serão estabelecidas as prioridades de intervenção e a execução faseada das obras, designadamente as soluções técnicas para a infraestruturação e a pavimentação do novo terrapleno, a construção do respetivo cais na área de deposição dos dragados situada a montante do atual Terminal Ro-ro e os acessos rodoferroviários à EN10.4, entre outros. Terá um investimento de cerca de 31 milhões de euros e um prazo previsto de desenvolvimento de 2024 a 2027; Desenvolvimento do atual terminal de granéis sólidos da Sapec. Visa a construção de um terminal multiusos com um cais de 300 m de frente acostável. Estão em fase de desenvolvimento o Projeto Técnico Prévio e o estudo de mercado, tendo em vista a preparação do lançamento do procedimento de concurso para a concessão de serviço público até 2025. Será um investimento privado de cerca de 40 milhões e tem a construção prevista entre 2026 e 2027;
Projeto On-Shore Power Supply. Teve os Estudos técnicos prévios e de viabilidade económico-financeira concluídos já no final de 2022. Prevê-se a execução faseada do investimento em soluções de fornecimento de energia elétrica aos navios em cais, incluindo a necessidade de um investimento inicial na construção de uma subestação elétrica na zona portuária. Constitui um investimento de cerca de 23 milhões de euros, com um prazo previsto de desenvolvimento entre 2024 e 2026. Finalmente, sendo o porto de Setúbal um porto de futuro, pelas suas potencialidades e áreas industriais e logísticas próximas, vai certamente beneficiar de investimentos na área da energia renovável e sustentável provenientes do programa do PRR. São projetos empresariais, nomeada- mente na área da energia. Para além do projeto Aurora, promovido pela joint venture Galp e Northvolt, para o desenvolvimento da maior e mais sustentável fábrica de conversão de lítio da Europa, com o início das operações comerciais anunciado para 2026, num investimento estimado de cerca de 700 milhões de euros e com a criação de 1.500 empregos diretos e indiretos, existem também perspetivas de investimento já muito avançadas na produção de biocombustíveis avançados à base de hidrogénio verde e matérias-primas residuais, num projeto que poderá rondar cerca de mil milhões de euros, e novos projetos de construções de estruturas para exploração offshore, na Lisnave e na Etermar, e outros projetos autónomos de construção de estruturas offshore que estão nesta data em avaliação pelos respetivos promotores e pela APSS.
APAT - APL e APSS têm a mesma administração. Que tipo de sinergias e complementaridade será possível obter / desenvolver?
Carlos Correia - Existe complementaridade em termos logísticos entre o Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal, são portos que estão próximos do grande mercado de consumo das regiões de Lisboa e de Setúbal, o que é, de facto, uma grande vantagem em relação a outros portos. Globalmente, os dois portos não competem pelos mesmos mercados e a prova disso é que o tráfego contentorizado já assume grande importância em Setúbal, tipo de carga esse que também está a crescer em Lisboa. Os dois portos não competem entre si, antes pelo contrário, complementam-se. Os armadores sabem deste posicionamento privilegiado e tiram partido dessa proximidade de destino.
APAT - Mantém-se a incerteza sobre a alternativa à Bobadela. Considerando as hipóteses em estudo, qual é a que mais vos agrada?
Carlos Correia - Atendendo a que o porto de Lisboa, em particular, está localizado no mais importante espaço geográfico de produção e consumo do país, que é a região de polarização de Lisboa, correspondente a 30% do território nacional, a mais de 4 milhões de residentes, a 40% do emprego e das empresas nacionais e onde é gerada 50% da riqueza do país, é evidente, como temos assumido, que o ideal seria manter ainda um núcleo na Bobadela. O terminal, considerado o mais importante espaço intermodal e ferroviário do país, tem naquela localização uma posição estratégica e não casuística. É preciso ter presente que o porto de Lisboa integra os mais importantes eixos logísticos nacionais, e que na margem norte do Tejo os principais eixos incluem toda a Lezíria do Tejo, com destaque dentro desta para o corredor Sacavém - Entroncamento, passando pelos núcleos da Bobadela, Alverca, Alhandra, Vila Franca de Xira, Carregado, Azambuja e Almeirim. Assim, o Porto de Lisboa aguarda pelas conclusões do estudo em curso para as várias alternativas, da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, para se pronunciar, sendo imprescindível que uma infraestrutura logística alternativa à Bobadela se localize o mais próxima possível do porto de Lisboa, e disponha das condições de eficiência operacional e de acessibilidades ferroviárias e rodoviárias que garantam a competitividade das cadeias logísticas de que o porto de Lisboa é um nó fundamental.
APAT - Recentemente, o Porto de Lisboa foi alvo de um ataque cibernético. O que é que se propõem fazer para garantir a segurança dos dados e a operacionalidade do porto, prevenindo novas ocorrências?
Carlos Correia - Nesta matéria o que me parece muito relevante sublinhar é que as operações portuárias relativas à entrada e saída de navios e de movimentação de mercadorias nunca estiveram em risco. Foi sempre garantido o normal funcionamento de toda a atividade portuária.
A Administração do Porto de Lisboa, independentemente do ataque de que foi alvo, tem uma política de melhoria contínua de robustecimento da segurança dos seus sistemas.
Esta política mitigou os danos desta ocorrência, não pondo em causa a operacionalidade do porto, mas leva-nos, no futuro, ainda com mais empenho, a continuar esse desígnio aproveitando todas as lições aprendidas.