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Remissão abdicativa de créditos do trabalhador

No âmbito do que parece ser politicamente correcto apelidar-se de “Agenda do Trabalho Digno”, foi recentemente aprovada uma proposta do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda que, nas palavras de um deputado do referido Grupo Parlamentar, pretende «garantir que não são susceptíveis de remissão abdicativa, por parte do trabalhador, direitos que são imperativos, pondo fim a esta prática de abuso patronal que se normalizou de retirar ao trabalhador direitos no momento em que o contrato cessa». O referido senhor deputado, na alegada defesa dos direitos dos trabalhadores, afirma ainda que «quando o contrato cessa, o patrão tem de pagar tudo o que é devido ao trabalhador e não pode haver uma norma em que o trabalhador, supostamente por sua vontade, abdica dos seus direitos».

Ora, passando à frente a evidente convicção ideológica por trás desta proposta, aprovada com os votos favoráveis do Partido Socialista e Partido Comunista Português, para além, obviamente, dos votos dos deputados do Bloco de Esquerda, importa efectuar uma análise jurídica e realista de mais uma alteração à nossa lei laboral. O normativo legal em causa é o artigo 337.º do Código do Trabalho, mormente o seu n.º 3 – aditado pela referida proposta – que estatui que «os créditos de trabalhador, referidos no n.º 1, não são susceptíveis de extinção por meio de remissão abdicativa». Por sua vez, o n.º 1 do referido preceito dispõe o seguinte: «O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

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Existem vários mecanismos, a que todos os trabalhadores têm acesso, para combater os abusos que algumas entidades empregadoras cometem. A preocupação dos governantes e partidos políticos deveria privilegiar o real e bom funcionamento de tais mecanismos… sua livre vontade e iniciativa, acorda com o empregador a cessação do contrato de trabalho, abdicando, por sua iniciativa, de alguns créditos, até como forma de convencer o empregador, o que acontece muitas vezes com os acordos de cessação de contrato de trabalho baseados em fundamentos que permitiam o despedimento colectivo ou despedimento por extinção de trabalho.

Não raras vezes, o trabalhador encara esta solução, por força da sua situação de facto (como se disse, a idade e os anos de trabalho que leva), como a melhor e mais adequada aos seus intentos.

Ora, o que esta alteração legislativa realmente consegue é acabar com esta possibilidade, pelo que, ao contrário do que defendem os seus autores, não defende os direitos dos trabalhadores.

A remissão abdicativa pode ser entendida como uma declaração negocial bilateral, em que o credor declara renunciar ao direito de exigir uma prestação e o devedor declara aceitar aquela renúncia, o que significa que, com a entrada em vigor desta alteração, o trabalhador deixa de ter o direito de acordar com o empregador a cessação do seu contrato de trabalho, abdicando, para tal, de alguns créditos laborais de que fosse titular. Com o devido respeito, a ideia subjacente à imposição legal desta impossibilidade parte de um pressuposto errado. Quem anda no mercado de trabalho, e não se arrasta uma vida inteira pelos corredores do poder lisboeta, sabe que muitas vezes é o trabalhador, por força da sua idade e dos anos de trabalho que leva, quem, por

A imperatividade das normas referentes à retribuição dos trabalhadores não pode significar a irrenunciabilidade do direito que as mesmas consagram, se tal irrenunciabilidade for efectuada de forma livre, esclarecida, voluntária, por parte do trabalhador, ainda mais se tal irrenunciabilidade partir da sua própria vontade e proposta ao empregador.

Existem vários mecanismos, a que todos os trabalhadores têm acesso, para combater os abusos que algumas entidades empregadoras cometem. A preocupação dos governantes e partidos políticos deveria privilegiar o real e bom funcionamento de tais mecanismos, mormente dos administrativos.

Para finalizar, não deixa de ser significativa que, por força de tal proposta, os trabalhadores não possam renunciar aos créditos emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, mas os empregadores já o possam fazer.

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