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O despedimento sem indemnização ou compensação – a substância - Jorge Urbano Gomes
from Revista APAT 133
by Apat
Depois de, na anterior crónica, nos termos debruçado sobre a forma do despedimento sem indemnização ou compensação, comummente conhecido como despedimento com justa causa, chegou a vez de abordarmos a parte substancial desta matéria. O direito ao trabalho encontra-se, desde logo, consagrado no artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa. Sendo um direito constitucionalmente consagrado, só em casos absolutamente excepcionais pode ser limitado, ou até mesmo negado. Como em qualquer relação contratual, aos direitos contrapõem-se deveres, estabelecendo o Código do Trabalho – no seu artigo 128.º – um conjunto de deveres dos trabalhadores. A violação desses deveres confere ao empregador a possibilidade do exercício do poder disciplinar, que passa pela aplicação das sanções previstas na lei, ou em regulamentação colectiva de trabalho, neste caso, desde que as sanções disciplinares não prejudiquem os direitos e garantias dos trabalhadores. O despedimento do trabalhador sem indemnização ou compensação é a sanção disciplinar mais gravosa prevista na nossa lei laboral. Nos termos do disposto no artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Como facilmente se retira, o conceito de justa causa de despedimento é um conceito vago, genérico, cuja concretização compete ao aplicador do direito, in casu, o juiz. O n.º 2 do referido artigo 351.º elenca alguns comportamentos do trabalhador que constituem justa causa de despedimento. Porém, ao contrário do que se possa pensar, não basta a verificação de um, ou vários, desses comportamentos para que estejamos automaticamente perante uma justa causa de despedimento. É necessário que esse – ou esses – comportamento(s) torne(m), pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, ou seja, terá sempre de se aquilatar da verificação da cláusula geral imposta pela lei, mormente pelo n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho. A existência de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de três requisitos: - um, de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador; - outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; - existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral. A gravidade de tal comportamento não pode ser valorada segundo critérios subjectivos do empregador, mas segundo o critério objectivo do empregador razoável em face do caso concreto, só se estando perante justa causa de despedimento quando essa gravidade torne inexigível para a entidade patronal a manutenção da relação laboral. Significa isto que não pode ser através de uma apreciação subjectiva da gravidade e consequências do comportamento do trabalhador no futuro da relação laboral que se determina a existência, ou não, da justa causa de despedimento. Teremos de estar perante um comportamento que, à luz do critério objectivo do bonus pater familias, seja incompatível com a continuidade daquele trabalhador, seja ao serviço do empregador em concreto, seja ao serviço de qualquer outro, privado ou público. Por força desse comportamento, deixa de ser razoável exigir ao empregador que, ao manter o trabalhador ao seu serviço, se conforme com a supremacia do direito ao trabalho. Refira-se que o despedimento sem indemnização ou compensação tem um carácter subsidiário, o que significa que só se deve aplicar quando nenhuma das restantes sanções disciplinares que possam ser aplicadas ao caso concreto seja susceptível de sanar a crise contratual grave aberta pelo comportamento ilícito e culposo do trabalhador. O conceito de justa causa de despedimento obriga, assim, a uma objectiva apreciação concreta, casuística, do comportamento do trabalhador, a sua gravidade e consequências que acarreta ao nível do futuro da relação laboral, e gera bastante controvérsia, quer na doutrina quer na jurisprudência, pelo que, tendo até em linha de conta o risco que um empregador corre – principalmente em termos patrimoniais – no caso de declaração ilícita do despedimento por parte do tribunal, o recurso a esta sanção deve ser bem ponderado e avaliado pelas entidades empregadoras.
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Jorge Urbano Gomes Sócio da Gomes, Ferro & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL jug@gfaadvogados.pt