A Influência da medicina-legal em processos crimes de defloramento na cidade de Piracicaba e região (1900-1930) João Valério Scremin 1
No processo envolvendo Guilherme Spera, acusado de defloramento pela mãe da ofendida, cujo nome permaneceu anônimo, nota-se dentre outras coisas que não havia provas concretas sobre a idade e miserabilidade da ofendida, além de algumas contradições entre o depoimento da mãe, da jovem e das testemunhas. Mas houve uma prova que se tornou contundente para a inocência do acusado: “os médicos atestaram que na ocasião ele se achava atacado de moléstia venérea e essa moléstia transmitir-se-ia infalivelmente a qualquer mulher (...); ora, a ofendida não se achava contaminada de moléstia alguma”2. Observa-se que o laudo médico-legal extraído do exame de corpo-delito, foi de suma importância para a absolvição do réu Guilherme Spera. Desta forma, tendo como base os processos envolvendo crimes de defloramento ocorridos na cidade de Piracicaba e região, em especial nas três primeiras décadas do século XX, o objetivo deste trabalho é analisar o modo como os laudos médicos presentes nestes processos interferiram no julgamento dos acusados, bem como foram utilizados pelos juristas na defesa e acusação das partes envolvidas. Para isto, torna-se necessário abordar de que forma ocorriam os debates médicos e jurídicos no fim do século XIX e início do XX, que tinham como focos principais a honra da família e da mulher, a virgindade feminina e a questão dos crimes sexuais contra as mulheres.
O EMBATE: Juristas, virgindade e hímen Ao priorizar as principais diferenças teóricas entre os juristas, Sueann Caulfield3 procura aclarar as mudanças na lei como um processo complexo de negociação e discordância entre os próprios especialistas e outros grupos sociais. Esclarece que, em fins do século XIX, há uma extensa produção literária sobre o estudo do hímen, realizada por especialistas brasileiros em medicina-legal, que passaram a figurar entre as principais autoridades mundiais sobre sua morfologia. As discussões sobre a virgindade eram freqüentes no Brasil, ficando evidentes nos casos de defloramento que, indiscutivelmente, eram os que mais iam a julgamento no período supracitado. Nota-se que a mulher era considerada virgem quando não praticara o coito e quando os seus órgãos sexuais estivessem intactos, pois o melhor indício de virgindade era a presença da membrana himenal. Neste sentido, como pode-se observar, nos processos crimes de Piracicaba e região, a gravidez era a maior evidência de defloramento, opinião vigente na jurisprudência do período tratado. Nos 16 processos analisados, 4 pôde-se observar que em 7 se contata que a ofendida encontrava-se em período de gestação e uma já havia realizado o parto dias antes de ter se submetido ao exame de corpo-delito. Segundo Caulfield, quando Sexologia forense foi publicado em 1934, por Afrânio Peixoto, preconizador do IML (Instituto Médico Legal – antigo Serviço de Medicina Legal do Rio de Janeiro), havia diversas concepções errôneas sobre a relação entre virgindade e morfologia do hímen. Em 1928, Miguel Sales ressaltou que a realização da perícia de defloramento era uma das funções mais importantes da medicina legal carioca. Caulfield salienta que nem Peixoto nem Sales apresentam evidências que convençam e expliquem porque tantas mulheres de classe baixa procuravam o IML nos casos de perda de virgindade,
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mas ambos ressaltam que a preocupação jurídica com a virgindade e a honra sexual evidenciava o atraso do país. Observa-se que a principal preocupação dos juristas e legisladores do começo da República em relação à virgindade e honra sexual era baseada em disputas amplas pelo poder de definição cultural e política futura da nação. Não é por acaso que juristas reformadores pretendiam mudar os princípios jurídicos herdados no auge do liberalismo, no início do século XIX. Para a nova geração de juristas do século XIX, a influência da Escola Clássica, termo que englobava os princípios básicos do pensamento jurídico iluminista, como a igualdade dos indivíduos perante a lei, o livre-arbítrio, a responsabilidade moral e a punição fixa e proporcional ao crime, seria a fase que daria início ao progresso nacional. Em contraponto a essas influências estavam os juristas que se identificavam com a Escola Positiva ou a Nova Escola do Direito Penal. Todos trabalhavam para a aplicação dos novos conhecimentos das ciências biológicas e humanas ao direito, ressaltando as diferenças entre os indivíduos, produzindo uma gama de critérios psicológicos, sociológicos e fisiológicos na classificação e individualização do criminoso e da pena, conforme as suas características próprias, rejeitando, desta maneira, os princípios clássicos do livre-arbítrio e da responsabilidade penal. As questões de gênero, o embate entre família patriarcal e família burguesa, provocavam, segundo Caulfield, diversos debates entre os juristas. Questionava-se os crimes de defloramento, termo que provocou debates profundos sobre a importância da fisiologia, das tradições populares e das evidências médicas no direito penal e, não obstante, a relação entre o princípio abstrato da virtude moral e a história da valorização da virgindade física.
Defloramento material; defloramento moral Segundo Boris Fausto,5 o crime de defloramento definia a preocupação central de uma sociedade que materializava a honra em uma peça anatômica, o hímen, além da proteção da vagina. O hímen representava, desta maneira, um acidente biológico facilitador de um controle da sexualidade feminina, pois através dele podia-se distinguir as mulheres puras e impuras. Destaca-se, ainda, que era dever da mulher manter o “selo” intacto. O homem temia pela ruptura da membrana fora do leito conjugal ou expor-se ao ridículo ao casar-se com uma moça, empregando o termo popular, “furada”. Observa-se que esta justificativa era usada na defesa do réu, como em 1911 em Piracicaba, quando Antônio Soares, apesar de amar Anna Lázara de Almeida, “com a qual pretendia casar-se (...); que esse propósito deixou de existir porque nesse dia às[sic] oito da noite, mais ou menos na casa de sua pretendida (...), teve relações carnais ficando evidente que ela já estava deflorada”. Desta maneira, ele não se sentia obrigado a “reparar o mal praticado por outro”, mas o fez, após a confirmação da honestidade da ofendida por 7 das 11 testemunhas que depuseram no caso.6 Nos processos crimes analisados, observa-se que em 12 dos 16 casos, o exame de corpodelito apresenta, em destaque, a membrana hímen como estando “dilacerada”, “rota”, “pronunciadas lateralmente”, com “escoriações laterais”, “despedaçado lateralmente”, dentre outros adjetivos para a situação da peça anatômica após o defloramento. Somente quatro processos não fazem menção aos órgãos genitais femininos, sendo que, destas moças, três estavam grávidas. Assim, pode-se notar, nos processos de crime sexual, uma estampa comum, masculina, a toda a sociedade. Visão que não se limita ao fato de que o aparelho repressivo, bem como o corpo de jurados era composto em sua maioria por homens, que investigavam e julgavam os delitos praticados por pessoas do sexo masculino, cujas vítimas eram em sua maioria mulheres. Para Caulfield, uma das inovações do Código Penal de 1830 foi o emprego do verbo deflorar, o direito romano utilizava o termo disvirginatio e disvirginare. As Ordenações Filipinas, menos precisas, condenavam os homens que dormissem ou corrompessem mulheres virgens ou viúvas honestas. 2
Portugal e algumas nações latino-americanas tinham leis específicas sobre estupro ou sedução de moças virgens, mas somente no Brasil utilizou-se o termo defloramento, salientando, desta maneira, o elemento material do crime. Caulfield destaca que, em 1924, para o jurista Galdino Siqueira, a escolha do termo defloramento foi feita pela intuição popular e não por princípios jurídicos. Para ele, a virgindade significava a integridade do hímen, assim a evidência médica da membrana seria mais uma prova indispensável nos processos de defloramento. Como fica claro no Recurso Criminal Nº 3834 de Tietê, no qual o recorrente João Baptista de Arruda é acusado de defloramento, pelo pai de uma “rapariga de 20 anos”, o advogado defende que o defloramento não poderia ser atribuído ao réu, pois os peritos constataram que os “retalhos do hímen já estavam cicatrizados e não obstante a isso afirmavam que o defloramento devia ter ocorrido oito dias antes”.7 Para os advogados, os tratadistas ensinavam que, após a cicatrização do hímen, não seria possível precisar a data do defloramento. Muitos colegas de Siqueira se opunham a esta idéia, por acharem que a moderna ciência da medicina legal estaria sendo ignorada, bem como os ensinos dos maiores especialistas da República. Em fins do século XIX, médicos legistas, como Nina Rodrigues e Agostinho de Souza Lima, defendiam que a evidência médica do defloramento era imperfeita, pois havia a existência do hímen complacente, além da possibilidade do rompimento da membrana por outros meios que não por relação sexual, como por exemplo “ a prática da masturbação ou qualquer outra”, como evidenciou-se no relatório do Juiz de Direito da Comarca de Piracicaba, sobre o caso de Rafael Bocchetti X Pierrina Guiari, 8 em 1916-7. Neste contexto, muitos juristas defendiam a posição de Souza Lima em substituir o termo defloramento por sedução, com o objetivo de suprimir a ambigüidade na prática da medicina-legal. É importante destacar que o hímen complacente era conhecido somente por especialistas e que os ensinamentos da medicina-legal, em fins do século XIX e início do XX, segundo Caulfield, eram rudimentares. Até a década de 1920, a virgindade era avaliada por critérios para além do estado do hímen, incluindo outras evidências rejeitadas pela medicina-legal, como a flacidez dos seios e dos grandes e pequenos lábios. Para os advogados de defesa, que ignoravam os ensinos especializados, esse tipo de evidência tornava-se uma ferramenta útil e muitas vezes eficaz, principalmente quando o julgamento era feito com a presença do júri. Segundo Caulfield, os crimes sexuais passaram a ser julgados por juizes de direito após 1922. Para o historiador José Leopoldo Ferreira Antunes,9 o hímen era desprezado pela fisiologia, mas valorizado pela medicina-legal, sendo um de seus principais objetos de estudo. Ao médico legista caberia a missão de verificar a existência da membrana, sua forma e consistência, a constatação ou negação de sua integridade, além da descrição de suas lesões. Esses estudos demonstram os indícios de estupro, sedução ou defloramento. No Código Penal de 1890, Artigo 267,10 estava explícito que para haver um crime de defloramento deveria haver cópula, a mulher deveria ser menor de idade, porém maior que 16 anos e menor que 21 e o deflorador teria que empregar a sedução, o engano ou a fraude.11 A pena neste caso teria uma variação entre um a quatro anos de prisão celular. Em uma peça escrita pelo Juiz substituto Getulio Evaristo dos Santos, de Espirito Santo do Pinhal em 23 de março de 1924, no qual ele afirma que os peritos médicos “não afirmavam que tivesse havido cópula”, pois o defloramento só é considerado com a introdução do pênis, mas o hímen pode ser dilacerado por outros objetos, além de que, segundo os peritos, “ o defloramento é ‘antigo’ e, entretanto, o exame foi feito a apenas oito dias após o que se alega a consumação do fato (fls. 2 e 12).”12 Neste contexto, o Juiz julgou improcedente a acusação, absolvendo o réu J.P. da instância. Observa-se que, para a jurisprudência do Artigo do Código supracitado, a cópula poderia ser completa ou incompleta, ou seja, a emissão de sêmen era irrelevante. Para evidenciar o crime, bastava o membro viril penetrar a vagina e romper a membrana hímen. Assim, pode-se notar que o momento consumativo do crime era a cópula ou a conjunção carnal. 3
Nos processos envolvendo crimes de defloramento na cidade de Piracicaba, pode-se observar que dos 16 analisados, 15 defloramentos são considerados antigos e apenas um foi determinado como recente. Destes, 13 foram confirmados como tendo completa a cópula carnal, nos três processos restantes a precisão do acontecimento tornou-se “prejudicada”, não especificando os motivos que dificultaram tal afirmação. Para Gusmão, tornar-se-ia comum confundir “o momento consumativo do delito com a integralização jurídica em seus diversos graus”,13 ou seja, se a cópula foi incompleta ou a membrana levemente lacerada, como justificavam Souza Lima com o aval de Viveiros de Castro, não haveria crime de defloramento e sim atentado ao pudor, mudando com isso o rumo do processo. Segundo Antunes, o Artigo 269 do Código Penal de 1890 tinha por definição o crime de estupro, como sendo o abuso do homem com violência contra uma mulher virgem ou não. Para os juristas, o termo violência não indicava apenas a força física, mas a utilização de outros recursos que viessem a impedir a mulher de recusar o ato ou consenti-lo. Dentre estes recursos estavam os anestésicos, os narcóticos e o hipnotismo, como consta em um dos processos crimes analisados envolvendo Maria Custódia e Silvério de Paula Moraes, no qual Maria acusa Silvério de tê-la deflorado “depois de beber um pouco de vinho (...), que pouco depois ela, declarante perdeu os sentidos, e Silvério fez o que bem entendesse nela declarante (...), e desde esse dia sentia-se como governada pelo mesmo” e todas as vezes que se encontrava com o acusado, ele a deixava embriagada e mantinha relações freqüentes com ela. O exame médico confirmou o “defloramento estando a presente grávida de cinco ou seis meses”, mas sobre o uso do vinho ou violência não “podem pronunciar”. 14 Neste contexto, o processo foi arquivado, pois o réu era considerado um homem honesto, segundo as testemunhas, incapaz de cometer tal ato. Em contrapartida, Maria Custódia era considerada “mocinha” e tinha um modo “livre de viver”.15 Assim, esse processo mostra-nos que os juristas tinham um conhecimento prévio e claro destes recursos. Além disto, considerava-se o uso de violência na conjunção carnal se a vítima tivesse menos de 16 anos ou fosse mentalmente alienada. Havia uma atenuação da pena previsto no Artigo 263, caso a estuprada fosse considerada mulher pública ou prostituta e um agravante na pena caso o ato fosse praticado por duas ou mais pessoas. Para Antunes, do ponto de vista formal, o termo defloramento era inadequado, pois a acepção original deriva da ruptura do hímen, não sendo esta a compreensão jurídica que prevaleceu para defini-la, ou seja, a lei respaldava a integridade sexual da mulher e não sua membrana.
Defloramento e sedução Em 1940, o novo Código substituiu o termo defloramento por sedução. O Artigo 217 destacava como sedução o “ crime disposto com a conjunção carnal com mulher virgem de 14 a 18 anos, em que o sedutor se aproveita da ‘inexperiência’ ou ‘justificável confiança da vítima’, com ou sem ruptura himenal.”16 Assim, o crime de estupro, sedução e defloramento não tinha a ruptura do hímen como fator preponderante, não suprimindo a importância da perícia médico-legal da membrana, pois esta era fornecedora de indícios de sua existência ou não. Em Piracicaba, também pode-se notar que a presença da membrana hímen não era considerada uma característica decisiva para o esclarecimento do crime de defloramento, idéia que fica evidente na exposição dos juristas como o Juiz de Direito da Comarca da cidade, Rafael Marques Candinho, na qual afirma ser comum “em medicina-legal, que a simples ruptura da membrana hímen, não caracteriza o defloramento”,17 idéia que já era corrente na cidade do Rio de Janeiro. Observa-se ainda, segundo Caulfield, que entre os juristas havia várias divergências no tratamento dado à questão da honestidade e suas interpretações na relação com a questão do gênero, no 4
qual um homem honesto seria um bom trabalhador, respeitável e leal; contrastando com isso, a mulher honesta seria aquela que demonstrasse uma virtude moral no sentido sexual. Diversos conflitos políticos se revelaram nos debates sobre honra, intensificando-o, elevando as discussões sobre a definição de honra sexual e o papel dos juristas em sua defesa. Impulsionados pelos ideais de justiça social ou corporativismo autoritário no período entre 1920-1930, uma nova geração de juristas iria levar a preocupação social de seus predecessores a extremos mais radicais. Pode-se concluir que os juristas do final do século XIX e início do século XX estavam em desacordo sobre as distinções entre tradições culturais brasileiras, a evolução natural das normas morais e a degeneração, mas estavam seguros de que, defender a honra no direito, representava a continuação da marcha para a elevação da civilização, iniciada pelos esforços da Igreja Católica. Porém, não foram bem sucedidos na tentativa de modernizar o conceito da honra e os padrões que objetivassem sua defesa.
Em Piracicaba... Das três primeiras décadas do século XX, fica evidente que os juristas locais estavam em sintonia com os juristas da então capital do país, Rio de Janeiro, pois em grande parte dos processos, onde constam as peças de defesa dos advogados e relatórios dos juizes, nota-se que estes estavam cônscios tanto no modo de usar o Código, na defesa, acusação ou relato, quanto na jurisprudência corrente do período. Dos 16 processos analisados das três primeiras décadas do século XX, 40% aproximadamente, apresentam peças de advogados ou relatos de juizes que atestam as afirmações supracitadas sobre o uso e conhecimento do Código Penal, bem como da jurisprudência. Assim, o Código Penal de 1940, ao substituir o termo defloramento por sedução, como citado acima,18 transformou em lei aquilo que já era aplicado pela jurisprudência do período analisado. Além dos laudos médico-legais, observa-se em um dos processos analisados sobre crimes de defloramento, o depoimento de um médico-legista da cidade de Piracicaba, Dr. Alfredo José Cardoso, que “tendo que proceder ao exame médico na menor Amélia, em qualidade de perito nomeado, antes de leva-la para a mesa interrogou-a em presença do pai que a acompanhava, e dela ouviu que o defloramento tinha sido cometido com violência fazia oito dias, pelo justificante.”19 Ora, o advogado apropriou-se deste testemunho para argumentar que o depoimento da ofendida dizendo que José Pedro Albino a deflorou, contradiz sua confissão perante o perito e, desta maneira, o advogado teve êxito em sua peça de defesa, conseguindo, assim, a impronúncia do réu. Observa-se com isso o peso que possuía a palavra do perito quando este se pronunciava a favor ou contra no andamento do processo.
... Comportamento (...) Fácil é vencer um coração de mulher; facilmente a paixão lhe ofusca a mente (...) Safo20
A frase acima em epígrafe pertence a uma poetisa da época clássica da cultura grega, mas é sugestiva, quando por meio dos autores analisados e dos processos, notamos os diversos discursos contidos nas falas dos juristas, defendendo que, a mulher não possuía desejos sexuais, ou seja, o amor pelo “macho”, fosse ele seu noivo ou não, a impedia de reagir ao defloramento. Dos 16 processos crimes analisados, em 7 consta que a vitima se casou no decorrer do julgamento, mas nem sempre com o acusado, tornando plausível afirmarmos que alguns casamentos eram “arranjados” em nome da honra da família. 5
Os exames de corpo-delito nos processos envolvendo crime de defloramento estão presentes em todos os processos analisados. Merece destaque o caso do Inquérito Policial denunciando Elias Miguel por defloramento da menor Eliza de Almeida Leme. Com a intenção de verificar se a menor estava com doença venérea, anulando desta forma a denúncia, pois o réu encontrava-se acometido pela doença, o médico não se pronuncia a respeito da vítima estar ou não infectada, mas constata “que Eliza de Almeida, sofre de Histeria e como tal está sujeita a grandes crises”. 21 Com este laudo, o advogado de defesa poderia justificar o mau comportamento da menor, que freqüentava lugares considerados impróprios para o período.22 Mas neste “inquérito policial consta a confissão indireta do réu Elias Miguel, de haver (fls. 29) deflorado a menor (...) confissão corroborada pelo fato dele ter sido visto com a menor nas proximidades do local do crime e no dia em que o mesmo aconteceu (testem. Fls. 9 e 21)”. No decorrer do processo, o réu teve a prisão preventiva decretada, fato que provavelmente agilizou o seu matrimonio com a menor “em tempo”, arquivando, assim, o processo. Nos 16 processos analisados, destaca-se que a vítima permitiu ser deflorada ou deixou-se seduzir, além de que, como afirma um dos juristas dos processos analisados, “seduziram”.23 Isto demonstra que as mulheres tinham desejos mas não era corrente a afirmação, pois “as mulheres defloradas (...) descreviam o defloramento como alguma coisa feita a elas; se não exatamente contra a vontade delas, pelo menos sem sua participação”.24 Com esse argumento elas buscavam a reparação do mal através do casamento, mas em mais da metade dos 16 processos na cidade de Piracicaba, não era isso o que acontecia. Pode-se observar ainda, nos processos crimes de defloramento, que o mal comportamento não era um “privilégio” das mulheres, pois os homens também poderiam ser considerados mal comportados moralmente. Em um despacho da cidade do Rio de Janeiro datado em 08 de abril de 1907,25 fica evidente que o acusado “era noivo da ofendida desde abril” e que tinha ouvido murmúrios que colocavam em dúvida a honestidade de sua noiva, “mas em vez de sindicar da veracidade e procedência dos murmúrios como faria um homem sério e honesto”, ele achou mais fácil “arriscar-se a uma verificação experimental, (...) e o mais curioso é que depois da experiência, que confirmou os rumores, continuou as delícias do noivado.” Nota-se no caso supracitado que o exame de corpo delito, realizado quinze dias após o ocorrido, não constatou sinais recentes de defloramento, assim o jurista recorreu a uma explicação de “Briand et Chaudé (medicine Legale, p. 93) – “a defloração de uma moça bem conformada efetuada recentemente deixa ordinários sinais evidentes (...). Todos os sinais desaparecem no fim de cinco dias”. Desta maneira, foi pedida a prisão preventiva do acusado, pois o Juiz decidiu que havia “prova legal para a prisão”. Assim, pode-se observar que apesar do exame de corpo-delito ter se colocado como um obstáculo para o advogado de defesa, a medicina legal sustentava o argumento de defloramento permitindo sua veracidade, demonstrando sua influência no julgamento dos processos envolvendo crime de defloramento.
Medicina Legal Em um dos processos crimes de defloramento na cidade de Piracicaba envolvendo Francisco Pianelli e Maria José de Oliveira, pode-se observar que “o auto corpo delito da fls. 7 torna certo o fato atribuído ao réu de ser ele o autor do defloramento de Maria José de Oliveira. Embora ele negue ter sido ele quem deflorara a dita”. Nesse processo, o réu foi absolvido, pois a defesa argumentou que “para que o ato seja considerado crime, é preciso que seja resultado de sedução, engano ou fraude (artigo 267) (...). Um dos meios mais comum de sedução é a promessa de casamento”, mas a própria vitima declara que o réu não se casaria com ela. Com esta explanação, o Juiz determinou a improcedência da denúncia contra Pianelli.26 6
Este processo de 1917 deixa claro, mais uma vez, que a jurisprudência determinava como crime não o elemento material, mas sim o moral, pois mesmo sendo considerado pelo exame de corpo delito como autor do defloramento, o que importou no julgamento de Pianelli foi a falta de evidências do crime de sedução engano ou fraude. Como ele não prometera casamento a Maria José e esta consentiu o defloramento, o réu ficou isento de qualquer responsabilidade sobre o ato praticado. Destaca-se que a lei, nas três primeiras décadas do século XX, exigia no início da denúncia dos processos crimes de defloramento uma perícia feita pelos médicos legistas, na qual constava um pequeno levantamento feito pelo jurista que fazia parte do processo. Para isto, alguns “quesitos oficiais”27 faziam-se necessários e aparecem em todos os processos crimes da cidade de Piracicaba, cujo objetivo era esclarecer a veracidade da denúncia, sendo eles: 1º Se houve defloramento; 2º Qual o meio empregado; 3º Se houve cópula carnal; 4º Se houve violência para fim libidinoso; 5º Qual o meio empregado, se força física, se outros meios que privassem a mulher de suas faculdades e assim da possibilidade de resistir e defender-se; 6º Se podem determinar qual a época do defloramento. Dos 16 processos analisados, no 1º quesito aparece a resposta afirmativa; no segundo, em sua maioria, os meios empregados foram “pênis ereto”, “membro viril”, ou “objeto de tamanho e/ou volume semelhantes”. A cópula carnal aparece, como já observamos, em 13 processos e no 4º e 5º quesitos os médicos não precisavam ou diziam estar “prejudicado” à época do defloramento. No último quesito, dos 15 processos apenas um considerou recente o defloramento. O que se pode observar é que, por meio do exame de corpo delito, o médico legista poderia identificar e confirmar ou não a veracidade da denúncia, à qual seria incorporada ao corpo do processo, bem como indicaria a direção que o mesmo tomaria, se defloramento, estupro ou falso testemunho. Salienta-se que todos os processos crimes analisados diziam respeito a crimes de defloramento. Assim, o papel da medicina legal, no ambiente do direito, corroborava a acusação ou defesa do réu, além de que, na cidade de Piracicaba, sua influência nos julgamentos dos processos de defloramento era concomitante à que ocorria no Rio de Janeiro do mesmo período, ou seja, as três primeiras décadas do século XX.
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FONTES E ARQUIVOS Arquivo do Fórum da Comarca de Piracicaba/Arquivo Histórico do Instituto Educacional Piracicabano (AFCP/AHIEP), Juízo de Direito, caixa 14-A. Barreto, Plínio e Azevedo, Noé. Revista dos Tribunais. Publicação Oficial dos Trabalhos do Tribunal de Justiça de S.P., v. XI, 1914, Pp. 1. Barreto, Plínio; Azevedo, Noé e Lima, Mário de Souza. Op. Cit. v. LVII, 1926, p. 605. Revista do Direito. Defloramento – ausência de sinais recentes, valor de tal circunstâncias. Fascículo I, v. IV, abril de 1907, p. 434.
BIBLIOGRAFIA Antunes, José Leopoldo Ferreira.“Sexo”, in : Medicina, leis e moral : Pensamento Médico e comportamento no Brasil (1870-1930). São Paulo: Fundação Editora Unesp, 1999, pp. 161-232. Caulfield, Sueann. Em defesa da honra. Moralidade, Modernidade e Nação no Rio de Janeiro (19181940). Campinas: Editora da Unicamp, 2000. Fausto, Bóris. Crimes e Cotidiano. A Criminalidade em São Paulo (1880 – 1924). São Paulo: Brasiliense, 1984. Gusmão, Chysolito De. “Sedução (Defloramento)”, in : Dos Crimes Sexuais; estupro, atentado violento ao pudor, sedução e corrupção de menores. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1981, pp. 184-231. Pataro, Oswaldo. “A sedução em Medicina Legal”, in : Medicina Legal e Prática Forense. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 231. Snell, Bruno. A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu. São Paulo: Perspectiva,2001, p.59.
NOTAS 1
João Valério Scremin, graduado em História pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP em 2004. Professor de História na Rede Pública Estadual de Ensino do Estado de São Paulo e, atualmente, pesquisador junto ao Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, em estudos sobre “Educação Feminina na Primeira Republica (1889-1900)”. 2 Barreto, Plínio e Azevedo, Noé. Revista dos Tribunais. Publicação Oficial dos Trabalhos do Tribunal de Justiça de S.P., v. XI, 1914, pp. 104-5. 3 Caulfield, Sueann. Em defesa da honra. Moralidade, Modernidade e Nação no Rio de Janeiro (1918-1940). Campinas: Editora da Unicamp, 2000. 4 Arquivo do Fórum da Comarca de Piracicaba/Arquivo Histórico do Instituto Educacional Piracicabano (AFCP/AHIEP). Juízo de Direito, caixa 14-A. 5 Fausto, Bóris. Crimes e Cotidiano. A Criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1984. 6 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Antônio Soares dos Santos, caixa 14–A, 1911. 7 Barreto, Plínio e Azevedo, Noé. Op. Cit. , v. XXVI, 1918, pp. 466-7. 8 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Rafael Bocchetti, caixa 14-A, 1916-7. 9 Antunes, José Leopoldo Ferreira.“Sexo”, in : Medicina, leis e moral: Pensamento Médico e comportamento no Brasil (1870-1930). São Paulo: Fundação Editora Unesp, 1999, pp. 161-232. 10 Gusmão, Chysolito De. “Sedução (Defloramento)”, in : Dos Crimes Sexuais; estupro, atentado violento ao pudor, sedução e corrupção de menores. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1981, pp. 184-231. 11 Ibid., p. 189. 12 Barreto, Plínio; Azevedo, Noé e Lima, Mário de Souza. Op. Cit. , v. LVII, 1926, p. 605. 13 Chysolito De. Op. Cit., p. 190. 14 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Silvério de Paula Moraes, caixa 14-A, 1915. 15 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Silvério de Paula Moraes, idem. Ver depoimento da 5ª e 6ª testemunhas, p. 211. 16 Antunes. Op. Cit. , p. 211.
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AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Rafael Bocchetti, caixa 14-A, 1911-7. Antunes. Op. Cit. , p. 211 19 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra José Pedro Albino, caixa 14-A, 1908. 20 Snell, Bruno. A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 59. 21 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Elias Miguel, caixa 14-A, 1908. 22 Ver depoimentos das testemunhas. Ibid., Idem, Elias Miguel, 14-A, 1908. 23 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra João Ferraz de Toledo, caixa 14-A, 1925. 24 Caulfield. Op. Cit. , p. 230. 25 Revista do Direito. Defloramento – ausência de sinais recentes, valor de tal circunstâncias. Fascículo I, v IV, abril de 1907, p. 434. 26 AFCP/AHIEP. Idem, processo-crime contra Francisco Pianelli, caixa 14-A, 1917. 27 Pataro, Oswaldo. “A sedução em Medicina Legal”, in : Medicina Legal e Prática Forense. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 231. 18
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Charge da revista “Careta” nº 336, ano VII de 28 de novembro de 1914. Este exemplar não está disponível para consulta pois encontra-se em tratamento técnico. Legenda: – Menina! Casar é muito bom mas quando se encontra um bom partido. Teu pai, por exemplo, era um estafermo se eira nem beira. Contou-me uma porção de histórias e roubou-me pelo buraco do porão.
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O AÇÚCAR NO NORTE FLUMINENSE* Paulo Paranhos**
A cana-de-açúcar, introduzida no Brasil no século XVI, em São Vicente, estendeu-se em direção ao Nordeste e ali experimentou um excelente desenvolvimento. Nos dois primeiros séculos da colonização o açúcar foi o produto básico da economia brasileira, considerando-se que o consumo na Europa era grande dada a sua qualidade e porque era quase exclusivo naquela praça, uma vez que as produções da Sicília e da ilha da Madeira estavam em decadência e as Antilhas ainda não faziam concorrência ao Nordeste brasileiro, que alcançou, no ano de 1600, a maior produção mundial. Por todo o período colonial brasileiro a produção do açúcar modificou-se algumas vezes, mantendo, porém, intactos seus três traços característicos: cultivada em latifúndios, essencialmente monocultora e uso de força de trabalho compulsório para o seu desenvolvimento. Conforme ensina o festejado Caio Prado Júnior, em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1945), estes três elementos se conjugam num sistema típico, a grande exploração rural, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de grande número de indivíduos, constituindo a célula fundamental da economia agrária brasileira. Em meados do século XVI o Brasil era detentor do monopólio do açúcar nos mercados europeus. Nos séculos XVII e XVIII, com o surgimento de políticas de comércio monopolístico, acentuase a queda do preço do açúcar. Pelo fim do século XVIII a participação do Brasil diminuiu apenas a 10% do comércio açucareiro internacional, o qual foi saturado pela massa de produtores de colônias não-portuguesas, na zona do Caribe e da Ásia, bem como pela utilização do açúcar de beterraba, cultivada no extremo oriente da Europa. Na primeira metade do século XIX, enquanto as nações européias reservavam seus mercados internos para os produtos de suas colônias, o preço mundial do açúcar, segundo Eul-Soo Pang (1979) começou a cair graficamente, desestabilizando o comércio brasileiro, que ainda dependia basicamente dessa cultura agrícola.
Características básicas da lavoura canavieira no Brasil O sistema adotado no Brasil colonial foi o do regime de plantation, regime este que contou com o financiamento do capital mercantil e com o apoio dos governos metropolitanos interessados na exploração lucrativa da colônia e, principalmente, no tráfico de escravos. Segundo o historiador Jacob Gorender, a “plantation foi a forma de organização dominante no escravismo colonial” (1985: 78), sendo categoria fundamental do modo de produção escravista colonial. O sistema em questão apresentou características bem definidas na colônia, assim como a especialização na produção de um produto destinado ao comércio internacional; organização do trabalho voltado para produção em grande escala, com elevado investimento e a indispensável interação, no mesmo estabelecimento, do cultivo agrícola e de um complexo beneficiamento do açúcar. O engenho, em sentido lato, veio a ser a materialização de uma combinação do processo produtivo com a base fincada no monopólio da terra e da agroindústria açucareira. Ele comportava uma estrutura bastante diversificada e, de acordo com os estudos de Gilberto Freyre (1943), no universo do engenho açucareiro no Brasil estão presentes o engenho, a casa grande, a senzala, as instalações acessórias, como as oficinas e estrebarias, a capela, os canaviais, as pastagens e as culturas de subsistência. Basicamente, o engenho localizou-se à beira de um rio, um ponto favorável de acesso às matas e canaviais. O renomado historiador Capistrano de Abreu lembra que “os engenhos estavam todos na
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mata, o que se explica pela maior fertilidade dos terrenos bem vestidos e pela abundância da lenha, necessárias às fornalhas” (ABREU 1982: 241). Por fim, o engenho era um subsistema espacial integrante de um sistema mais amplo que compreendia: a) o espaço pastoril sertanejo fornecedor de alimentos (carnes) e matérias-primas (couro) para utensílios e artesanatos; b) as pequenas lavouras de subsistência, que o supriam em caráter suplementar de alimentos; c) os centros urbanos, que atuavam como catalisadores do sobretrabalho produzido na colônia para a metrópole portuguesa e supridores de créditos e mercadorias; d) as praças africanas, fornecedoras da mão-de-obra escrava e e) os centros europeus, mercados de açúcar e fornecedores de manufaturas e serviços diversos.
Controvérsias sobre a plantação da cana-de-açúcar na Capitania de São Tomé1 A respeito das primeiras plantações de cana-de-açúcar na Capitania de São Tomé, vários são os estudos e as divergências entre os historiadores que se propuseram a escrever sobre o tema. O fato é que as documentações que referendam as diversas interpretações da matéria somente a posteriori vieram a ser escritas (em 1545, 1546 e 1551), quais sejam, cartas de Pero de Góis a Martim Ferreira e ao próprio rei D. João III, não muito esclarecedoras, é certo, e que foram transcritas por Augusto de Carvalho em seus Apontamentos para a História da Capitania de S. Thomé. Um dos trechos mostra a intenção do povoador das terras recebidas do rei D. João III: Escrevo-lhe isto para que o saiba: neste rio (Managé – atual Itabapoana), como digo, determino fazer nossos engenhos d’água; estes dois homens com outros dois, que para isso assoldadei, vão arrotear e fazer com os índios muita fazenda, a saber: plantar uma ilha que já tenho pelos índios roçada de canas, e assim fazer toda quanta fazenda pudermos fazer, para que, quando vier gente, ache já que comer, e canas e o mais necessário para os engenhos. (1888: 56)
E adiante esclarece, na mesma carta, sobre a qualidade da plantação iniciada: e temos já sabido que estes dois engenhos de cavalos moem tanto, como um d’água boa. E tenho-os em casa, e em lugar seguro, e de onde o açúcar não pode ser mau, senão o melhor da costa, pelo porto ser muito bom e experimentado por nós já (idem).
O certo é que Pero de Góis foi o primeiro a plantar cana-de-açúcar no norte fluminense e, a respeito do tema e considerando as diversas controvérsias verificadas, ficamos com o historiador sanjoanense João Oscar (1985) que, além de compulsar todos os autores citados, fez pesquisas in loco, chegando à conclusão de que as primeiras mudas de cana foram plantadas em fins do ano de 1538, por Pero de Góis, em região primitivamente habitada por indígenas goitacás e puris, “numa pequena povoação a que deu o nome de Vila da Rainha, situada a pouca distância da foz do rio Itabapoana, no atual município de São João da Barra” (1985: 39), seguindo a praxe de se levantar engenhos em regiões de abundantes recursos hídricos e próximo a matas para o fornecimento de lenha. É o mesmo João Oscar quem esclarece que a praxe colonial era fazer-se o primeiro engenho perto da primeira povoação. Ora, sabendo-se que o primeiro engenho de Pero de Góis foi feito às margens do rio Itabapoana, pelo raciocínio lógico deduzimos que a Vila da Rainha localizava-se pouco abaixo do mesmo, nas proximidades da foz desse rio. (id.: 31)
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Assim, iniciou-se o grande ciclo do açúcar nas terras do norte fluminense, com a introdução para o seu trabalho dos primeiros escravos da região vindos da Capitania do Espírito Santo e outros tantos pedidos diretamente ao Reino, num total de 60 escravos para o serviço nos engenhos. Contudo, a empreitada pouco durou devido aos constantes ataques dos puris e posterior destruição da aldeia por parte dos índios, tendo sido o engenho abandonado, restando nele alguns escravos e criminosos protegidos dos índios goitacazes. Jorge Renato Pereira Pinto, estudando o ciclo do açúcar em Campos, afirma que eram tantas as desavenças entre brancos e índios que Pero de Góis por volta de 1548 retornaria ao Reino, pois que anos “depois de ter chegado, o que restava eram dívidas, ruínas e desolação; aquilo que havia construído e consolidado, fora irremediavelmente destroçado” (1995: 39).
O desenvolvimento açucareiro em Campos dos Goytacazes Alberto Ribeiro Lamego aborda em seus estudos que o primeiro engenho de açúcar na região somente surgiria no século XVII, com a fundação do engenho de São Salvador, em 1650, segundo documentação encontrada no cartório do 1o Ofício de Campos. Contudo, o certo é que a cultura da cana-de-açúcar apenas vingaria no século seguinte, após a Revolta de Benta Pereira2, o que apressou a retomada da Capitania por parte da Coroa portuguesa. Nesse momento dá-se o início da cultura da cana-de-açúcar na planície goitacá, sobrepujando a criação de gado, empurrada para o interior da região e “sertões” de São João da Barra. A partir do incremento dado à lavoura açucareira, Campos passaria a prosperar, prosperidade esta que atingiria proporções elevadas na virada do século XVIII para o XIX, o que iria, segundo João Oscar, influenciar “na superestrutura orgânica de toda a sociedade norte-fluminense” (1985: 47). E o indicador desse momento de avanço na produção açucareira mostra-se em 1778, quando o Marquês de Lavradio, vice-rei do Brasil, enviou à Secretaria do Reino uma súplica dos senhores de engenho de Campos, pedindo a suspensão de todas as execuções nas suas fábricas, manifestando-se aquela autoridade colonial favorável ao pedido, por fabricarem açúcar com mais abundância que os dos engenhos da capital e que servia para carga da maior parte dos navios que seguiam para Lisboa. Não restam dúvidas de que a cana-de-açúcar modificaria a paisagem do norte fluminense, principalmente se considerarmos que a própria mão-de-obra seria deslocada de uma atividade basicamente nômade no século XVI, a partir da criação de gado pelas planícies campistas, para o sedentarismo do açúcar. Em verdade, crescia também a força de trabalho escravo nos engenhos, o que fazia de Campos a principal cidade do norte fluminense, merecendo observações de viajantes ilustres e historiadores de inquestionável honestidade. Auguste de Saint-Hilaire foi um desses viajantes que aqui aportaram no século XIX, e que indicou dados significativos da economia campista: Até 1769 não havia em Campos mais de 56 usinas de açúcar; em 1778 esse número subiu a 168; de 1779 a 1801 aumentou para 200; 15 anos mais tarde ele cresceu para 360 e enfim em 1820 havia no distrito 400 engenhos e cerca de 12 destilarias (1941: 398).
Saint-Hilaire comenta em sua obra que em 1818 os agricultores lhe informaram que a produção em Campos deveria atingir cerca de 11.000 caixas (550.000 arrobas), ocupando cerca de 60 embarcações no transporte do açúcar e da cachaça, sendo que “o frete de uma caixa de açúcar de Campos ao Rio de Janeiro é habitualmente de 4$000 (25f.); mas é o dono do barco que se encarrega do transporte da carga desde a cidade à foz do rio”3 (id.: 399). Não obstante os preciosos dados levantados por Saint-Hilaire, outro importante historiador fluminense – Monsenhor Pizarro e Araujo – inventariaria, com mais acurada precisão, o número de 3
engenhos produtores de açúcar em Campos, esclarecendo que até o ano de 1769 havia 56 engenhos; de 1770 a 1778 passariam a 168 engenhos e até o ano de 1801 já se podia perceber 280 unidades na região, dados estes complementados por Saint-Hilaire até 1820. Com a queda da produção no Nordeste brasileiro, a partir do final do século XVII, começa a florescer a lavoura da cana-de-açúcar no norte fluminense, uma vez que o atrativo do ouro faz com que levas e mais levas de trabalhadores desloquem-se para a região das Minas Gerais, gerando um novo espaço sócio-geográfico brasileiro, em detrimento do trabalho realizado na lavoura açucareira. Esse momento é importante para a região norte fluminense que, em função do declínio da plantação da cana no nordeste e do deslocamento de um contingente substancial para o interior do Brasil, acelera a sua vocação histórica na lavoura da cana-de-açúcar.
O auge do açúcar em Campos dos Goytacazes No século XIX a produção açucareira campista atingiria o auge com a introdução de novas técnicas no fabrico do açúcar, além da entrada vultosa de capitais para o aprimoramento dos primitivos engenhos que se transformavam em engenhos centrais e em usinas. João Oscar (1985) aponta que a partir de 1828 nada menos do que 700 pequenas fábricas produziram o equivalente a 11.998 caixas, ou quase 600.000 arrobas de açúcar, numa demonstração da importância da inversão de capitais em fábricas mais bem aparelhadas, assumindo as pequenas engenhocas de açúcar e usando mão-de-obra escrava abundante para o seu serviço. Conforme assevera o autor de Escravidão & Engenhos, é o momento do surgimento dos “barões do açúcar” em todo o norte fluminense, ensejando a dominação política, econômica e social por parte dessa elite açucareira, que começa a se instalar em suntuosas mansões. “Graças às novas técnicas, já em 1836 a exportação do açúcar em Campos seria de 16.000 caixas, que renderiam 1.600:000$000” (1985: 106), uma cifra altamente significativa e que espelha a pujança da agroindústria açucareira, enriquecendo rapidamente os latifundiários da região. O movimento crescia, expandia-se a produção movida agora pelo vapor que havia sido introduzido no Brasil a partir de 1813, nos engenhos da Bahia. Nas planícies do norte fluminense, em 1827, essa inovação se fez presente pois, segundo Alberto Lamego, “a indústria açucareira campista iria acelerar-se com o advento do grande senhor de engenho e a primeira fábrica a vapor – a de Barra Seca, em São João da Barra” (1974: 201). Experimentava um grande salto o ciclo do açúcar na região, o que é atestado por diversos anúncios publicados no Monitor Campista, apregoando utensílios para as fábricas diversas. Julio Feydit informa que em 1837 todos os engenhos de açúcar então existentes, tinham as moendas de pau, e as tachas ou caldeiras de bronze. Naquele ano o inglês Alexandre Davidson começou a tornear o ferro e bronze, e fundou a mais importante fundição desses metais, que o município de Campos tem possuído. Desde então as moendas de pau transformaram-se em moendas de ferro, as tachas de cobres, em vasos de ferro fundido (1900: 431).
O mesmo Davidson seria o introdutor do vapor como força motriz para os engenhos de açúcar e para os barcos que navegavam no rio Paraíba do Sul. Com o advento dessa nova tecnologia, não restou outra alternativa aos grandes latifundiários senão aderirem à mesma para o avanço de seus negócios. Assim é que os grandes senhores de engenhos de Campos, de São Fidélis, de Macaé e até mesmo os poucos de São João da Barra procuram aplicar recursos em seus estabelecimentos, com a finalidade de ampliá-los e aperfeiçoá-los, tendo alguns deles recebido, em contrapartida, títulos nobiliárquicos concedidos pelo governo imperial, considerando-se o serviço que prestavam à economia nacional.4 4
A partir de 1850, com a ascensão definitiva da máquina a vapor no processo de fabricação do açúcar em Campos, transformações de natureza diversa intensificariam-se, assim como grande concentração de capital, fazendo desaparecer a engenhoca; senhores de engenho com grande poder sobre terras e escravos, o que lhes acarretava maior prestígio e poder; pequenos proprietários que, não competindo com os grandes latifundiários, desfaziam-se de suas engenhocas e submetiam-se à condição de fornecedores de cana-de-açúcar para os engenhos. Não restam dúvidas de que todo esse quadro fazia com que a estabilização de preços, pelo mais baixo, ocorresse, mesmo porque a engenhoca não possuía estrutura suficiente para concorrer com os engenhos que se transformavam graças à utilização do vapor como força motriz. Assim, ao mesmo tempo cada engenho seria um centro de produção e de consumo, influenciando decisivamente na vida da sociedade campista, passando o proprietário a dominar não só econômica, mas social e politicamente toda a região, forçando o aparecimento da infra-estrutura necessária à maior circulação do produto para o Rio de Janeiro com a introdução da navegação a vapor pelo rio Paraíba do Sul, o que ensejaria à vizinha cidade de São João da Barra a primazia na construção naval, fator responsável pelo seu desenvolvimento econômico durante décadas. A partir da década de 1850 Campos experimentaria um desenvolvimento sustentado da agroindústria do açúcar, passando pela produção da aguardente e do café, o que pode ser atestado pelos números assinalados por João Alvarenga (1885), como média de exportação de Campos para o Rio de Janeiro, de 1852 a 1881, por decênios. A importância de todos os gêneros exportados foi a seguinte: De 1852 a 1861 – 2.035:739$920 De 1862 a 1871 – 3.807:149$258 De 1872 a 1881 - 4.530:172$463
E pelos dados compulsados, verificamos que a mais alta produção de açúcar no século XIX deu-se em 1872, quando se exportaram 23.166.840 kg, equivalentes a 1.544.456 arrobas. Se compararmos com a produção da década de 1830, quando os engenhos começaram efetivamente a exportar em grande quantidade, notamos que houve em pouco menos de 40 anos um incremento na produção na base de 134%, o que daria uma média em torno de 3,62% ao ano, considerando-se que na década de 1830 a exportação máxima fora de 660.000 arrobas, mais precisamente no ano de 1835. Assim é que na década de 1870 os engenhos de açúcar, através da fusão de recursos públicos e privados, concretizaram as expectativas para transformação nos primeiros engenhos centrais, com a efetiva divisão do trabalho na economia canavieira, através de tecnologia disponível e mercados em expansão. Surgiram como marcos decisivos na história da agricultura brasileira os engenhos centrais de Quissamã, Bom Jardim, Barcelos e outros, conforme podemos observar da relação abaixo, extraída da obra de Pang (1979). ENGENHO DE QUISSAMÃ – de propriedade do Visconde de Araruama, inaugurado em 12 de setembro de 1877. Localizado em Macaé – RJ e tendo como concessionária a Cia. Engenho Central de Quissamã, com um capital garantido de 1.000:000$000. ENGENHO DE MORRETES – de propriedade do Comendador Antonio Ricardo dos Santos, inaugurado em 2 de junho de 1878. Localizado em Morretes – PR e tendo como concessionário o Tenente Coronel José Celestino de Oliveira Santos, com um capital garantido de 100:000$000. PORTO FELIZ – de propriedade do Tenente Coronel Luiz Antonio de Carvalho, inaugurado em 28 de outubro de 1878. Localizado em Porto Feliz – SP, tendo como concessionária a Cia. Açucareira Porto Feliz, com capital garantido de 300:000$000. BARCELOS – de propriedade de Domingos Alves Barcelos, inaugurado em 23 de novembro de 1878. Localizado em São João da Barra – RJ, tendo como concessionária a Cia. Agrícola de Campos e com capital garantido de 600:000$000.
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BOM JARDIM – de propriedade do Visconde de Sergimirim, inaugurado em 21 de janeiro de 1880. Localizado em Santo Amaro – BA, tendo como concessionários o Visconde de Sergimirim, o Barão de Aramaré, o Barão de Oliveira e Manuel Pinto de Novais, com capital garantido de 700:000$000.
O investimento maciço de capitais nos engenhos e a aquisição de novos equipamentos para ampliar a capacidade da indústria do açúcar geraram, segundo João Oscar, “duas vertentes, dois caminhos ainda hoje pouco compreensíveis: o dos engenhos centrais e o das usinas de açúcar” (1985: 182). Para a criação dos engenhos centrais, valeram-se os produtores dos dispositivos do Decreto Legislativo nº 2687, de 6 de novembro de 1875, que garantia subsídios financeiros para a execução da empreitada. Contudo, a carência de recursos governamentais e a dependência do capital inglês fizeram com que o incremento de capitais externos fosse, cada vez mais, uma variável significativa para o funcionamento dos engenhos centrais. Segundo Jorge Renato Pereira Pinto, o decreto regulador da criação dos mecanismos de organização das empresas para a formação de engenhos centrais “permitiu a formação de um Banco de Crédito Real” (1995: 121), para o suporte financeiro às ações do novo empreendimento, com o Tesouro Nacional repassando ao Banco um crédito de 30.000:000$000; em troca o Banco entregaria ao Tesouro títulos da dívida pública, adquiridos de clientes interessados em ganhar juros. As importâncias que fossem deferidas para companhias que se organizassem pagariam juros de 7% ao ano e o prazo do empréstimo poderia chegar a ser de trinta anos. Em troca as companhias dariam ao Banco de Crédito títulos hipotecários emitidos pela diretoria e sócios com garantia subsidiária das terras dos mesmos (idem).
Independentemente desses aspectos e mesmo considerando-se que o governo imperial subsidiaria a criação de engenhos centrais, João Oscar aponta que algumas exigências oficiais eram preconizadas para aquela concessão: a associação de vários empresários e capitalistas em torno de uma mesma unidade central produtiva; a dissociação em campos estanques das atividades agrícola e industrial, com o aproveitamento obrigatório das canas-de-açúcar produzidas pelos proprietários rurais agregados como fornecedores à empresa; a obrigatoriedade da amortização do capital subvencionado; a proibição de ser utilizado trabalho escravo nas atividades fabris; o direito de serem os estabelecimentos diretamente fiscalizados pelas autoridades governamentais (1985: 182).
Um dos itens demonstra claramente a intenção de se dotar a nova estrutura agroindustrial de um aparelhamento funcional dissociado da força de trabalho escravo. Isso incrementa algumas levas de imigrantes para o norte fluminense, fazendo com que a população cativa gradativamente perca sua característica e seja absorvida em atividades pouco ou nada produtivas, gerando questões sociais das mais delicadas e que se arrastam pelo Brasil afora até hoje como a falta de oportunidade de emprego e habitação decente. Na região norte fluminense foram montados os Engenhos Centrais seguintes: a) Engenho Central de Quissamã – em 12 de setembro de 1877, em Macaé, tendo sido o primeiro da América do Sul; b) Engenho Central de Barcelos – em 23 de novembro de 1878, em São João da Barra; c) Engenho Central de Pureza – em setembro de 1885, em São Fidélis. Relativamente à segunda vertente falada por João Oscar – as usinas de açúcar -, as mesmas não dependiam dos investimentos governamentais. Produtores que enriqueceram com seus engenhos, com 6
disponibilidade de capitais e com crédito no exterior, promoveram a transformação de seus engenhos em usinas às próprias expensas. Para maior reforço do tema, definimos a diferença entre engenhos centrais e usinas: os primeiros consistiam em modernas fábricas de moagem de cana, de propriedade particular, mas de caráter semi-oficial, mesmo porque eram obrigados a moer cana de terceiros; já a usina, ainda que apresentasse características semelhantes com relação à estrutura de funcionamento, era totalmente particular, possuindo lavouras próprias e moendo cana de terceiros se assim lhe aprouvesse. A primeira usina instalada no Brasil foi a Usina do Limão, em Campos, entrando em funcionamento em julho de 1879. Para maior ilustração deste trabalho, valemo-nos mais uma vez dos estudos de João Oscar (1985), traçando-se o quadro seguinte: Usinas de açúcar do norte fluminense na segunda metade do século XIX USINA
CAPITAL
FUNDAÇÃO
PROPRIETÁRIO
Limão
3.600:000$000
1879
João José Nunes de Carvalho
Queimado
3.100:000$000
1880
Julião Ribeiro de Castro
São José
3.800:000$000
1883
Francisco Ribeiro de Vasconcellos
São João
4.100:000$000
1884
Francisco Antonio Pereira Lima
Outeiro
2.500:000$000
1884
Dr. Rodrigues Peixoto
Sapucaia
2.000:000$000
1884
Visconde de Santa Rita
NOTAS * O presente artigo, com algumas modificações, é um dos capítulos da dissertação de mestrado do autor, em 2000, intitulada São João da Barra, apogeu e crise do porto do açúcar do norte fluminense. ** Paulo Paranhos é Licenciado e Mestre em História. Coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Educacional Serra dos Órgãos – Teresópolis – RJ. Sócio da Associação Brasileira de Pesquisadores em História e Genealogia (ASBRAP). Autor, dentre outras obras, de São João da Barra: apogeu e crise do porto do açúcar do norte fluminense (2000); Terras Altas da Mantiqueira, caminho do ouro das Minas Gerais (2005) e FESO – tempo presente e presença da História (2006). E-mail: paranhos_riobranco@yahoo.com.br 1. A Capitania de São Tomé era também conhecida como Capitania da Paraíba do Sul e foi doada a Pero de Góis em 28 de janeiro de 1536. 2. Fazendeira campista considerada heroína por ter-se insurgido, a partir do ano de 1728, contra a dominação dos Assecas na região norte fluminense. 3. O rio é o Paraíba do Sul, com foz na cidade de São João da Barra, local por onde era escoada a produção açucareira de Campos até o advento da estrada-de-ferro e do porto de Imbetiba, em Macaé. 4. Exemplos mais expressivos são os do Barão de São João da Barra (José Alves Rangel), do Barão de Barcelos (Domingos Alves Barcellos Cordeiro), do Visconde de São Sebastião (Miguel Ribeiro da Motta) e do Visconde de Araruama (José Carneiro da Silva).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial e os caminhos do povoamento do Brasil. Brasília: UnB, 1982. ALVARENGA, João de. Almanak mercantil, industrial, administrativo e agrícola da cidade e município de Campos. Campos: Monitor Campista, 1884. CARVALHO, Augusto de. Apontamentos parta a história da Capitania de S. Thomé. Campos: Silva, Carneiro & Comp., 1888. FEYDIT, Julio. Subsídios para a história dos Campos dos Goytacazes desde os tempos coloniaes até a proclamação da república. Campos: J. Alvarenga & Companhia, 1900. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala; formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4.ed.rev.amp. São Paulo: Ática, 1985. LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e o brejo. 2.ed. Rio de Janeiro: Lidador, 1974. OSCAR, João. Escravidão & engenhos. Rio de Janeiro: Achiamé, 1985. PANG, Eul-Soo. O engenho central do Bom Jardim na economia baiana; alguns aspectos de sua história (1875-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1979. PINTO, Jorge Renato Pereira. O ciclo do açúcar em Campos. Campos: Ed. do Autor, 1995. PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo (colônia). 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1945. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagens pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. São Paulo: Nacional, 1941. (Brasiliana, v. 210).
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Planta da Barra do Rio de Janeiro, 1761, 23 X 30 cm (reprodução). Coleção Isaú Santos. Nº de ordem: 08.03.03.
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Mapa da Barra do Rio de Janeiro, Ilha do Governador, 1645, 35 X 51 cm (reprodução). Coleção Isaú Santos. Nº de ordem: 08.01.10.
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Povoamento e colonização da Zona da Mata Mineira no século XVIII * Fernando Gaudereto Lamas **
O objetivo deste artigo é apontar e discutir algumas questões relativas à penetração e povoamento da atual Zona da Mata mineira. Não pretendemos esgotar o tema, uma vez que este requer ainda um esforço de pesquisa e de teorização muito grande. Temos a intenção apenas de levantar algumas questões relativas ao assunto, tão caro e tão carente na história brasileira e especialmente na história mineira. Freqüentemente ouve-se que a história da Zona da Mata Mineira iniciou-se no século XIX, a partir da expansão cafeeira do Vale do Paraíba Fluminense. Isso decorre-se de uma interpretação que encarou a fase relativa ao século XVIII apenas como via de ligação, através do Caminho Novo, entre o porto do Rio de Janeiro e a região mineradora. Contudo, desde a primeira metade do setecentos a região foi não somente devassada como também podemos detectar os primórdios de um processo de colonização e povoamento que abriu espaços e gerou condições materiais para sua estruturação século XIX. Antes de iniciarmos a análise histórica propriamente, faremos um rápido debate conceitual, pois acreditamos que procedendo desta maneira poderemos esclarecer melhor a intenção desse artigo. Caio Prado Júnior, baseando-se em depoimento do Governador das Minas Luís da Cunha Meneses, afirmou que a Mata seria uma região fechada ao povoamento, não por falta de interesse português, mas para manter uma barreira natural aos descaminhos do ouro. 1 Cunha Meneses provavelmente referia-se ao fato de não haver, já no último quartel do século XVIII, nenhuma vila erigida na região, uma vez que o conceito de civilização estava intimamente ligado ao de cidade. 2 Evidentemente, o governador não ignorava o grande número de pousos, roças e sesmarias presentes, mas desconsiderava a presença destes como forma de povoamento. Obviamente, não podemos falar em povoamento no sentido de criação de vilas no mesmo sentido em que se fala, por exemplo, na região propriamente mineradora. A atual Zona da Mata Mineira era denominada de Sertões do Leste. 3 Uma definição do termo sertão encontra-se em Luís da Câmara Cascudo que, em seu “Dicionário do folclore brasileiro”, definiu sertão como sinônimo de interior e afirmou que “as tentativas para caracteriza-lo têm sido mais convencionais que reais”.4 Com uma definição mais precisa, Ângelo Carrara definiu o termo sertão como região pouco povoada, passando, portanto, a questão demográfica a determinar o uso da terminologia originalmente utilizada pelos paulistas como área perigosa e povoada exclusivamente por índios.5 Contudo, não podemos também deixar de mencionar que estas roças e pousos formados ao longo do Caminho Novo foram de importância ímpar para o processo de povoamento da Mata Mineira, uma vez que alteravam o meio ambiente por meio do trabalho, tanto para sustento próprio quanto para a comercialização, seja do espaço físico (acomodação de muares e de pessoas) seja de gêneros alimentícios (oferecidos aos transeuntes). Outro aspecto que deve ser levado em consideração é o fato de que a pequena presença do elemento branco na região, apontada por alguns autores como justificativa para considerar a área despovoada, não se sustenta, uma vez que, como mencionou Maria Odila Dias, nas Minas Setecentistas, durante as primeiras décadas do século XVIII, a população branca estimada era menor que a população indígena e negra.6 A inserção ativa do homem em uma paisagem provoca, segundo Milton Santos, a transformação dos objetos pertencentes àquela paisagem; essa transformação não se constitui apenas em uma mudança de lugar, mas em uma mudança no valor simbólico do objeto, caracterizando, portanto, uma 1
mudança de valor sistêmico.7 Essa transformação, apesar de lenta, é contumaz. Nesse contexto, as palavras de Fernand Braudel acerca da função da Geografia são esclarecedoras: “Em semejante contexto la geografia deja de ser um fin em si para convertirse em um médio; nos ayuda a recrear las más lentas de las realidades estructurales (...).”8 Acompanhando a mesma discussão, porém com um enfoque um pouco distinto, o conceito de região caminha na mesma direção do conceito de transformação sistêmica proposto por Milton Santos. Em outro momento tivemos a oportunidade de discutir, mesmo que sumariamente, a questão relativa à ocupação econômica do espaço assim como a relação do conceito de região com a questão econômica quando afirmamos que: A região é um quadro arbitrário, definido com propósitos políticos, econômicos ou administrativos. Sua identificação, delimitação e construção estão ligados a noção de diferenciação de áreas, ao reconhecimento de que o território é constituído por lugares com uma ampla diversidade de relações econômicas, sociais, naturais e políticas. Este ponto é importante posto que retira do conceito de Região uma idéia de naturalidade – quer de área física, quer de cultura comum, quer de território – que chegou a influenciar e limitar a análise de geógrafos importantes como Vidal de La Blache.9
Em outras palavras, a ação do homem sobre a região da Mata provocou uma alteração significativa da mesma. É incontestável que a área já era habitada por povos nativos, contudo, a ação colonizadora provocou uma redefinição dos significados, uma vez que há claras diferenças nas duas formas de agir sobre a paisagem. Partindo dessa análise acreditamos que a Zona da Mata Mineira, apesar de ainda não possuir esta designação, pode ser considerada mais do que uma mera área de interligação entre as Gerais e a capitania do Rio de Janeiro no século XVIII, pois já existia uma atividade econômica que a diferenciava da região mineradora, isto é, a atividade agrícola. É bem verdade que a atividade agrícola e a atividade mercantil eram ainda muito insipientes se comparadas à região mineradora. Contudo, foi em torno desses pequenos núcleos que se desenvolveram, no século XIX, cidades como Juiz de Fora10 e Matias Barbosa. Logo, ignorar a presença daquele tipo de atividade econômica assim como a relevância destas para o povoamento e a conseqüente colonização da área é, em nosso entendimento, ignorar as raízes que caracterizam essencialmente qualquer tipo de povoamento e de colonização. Podemos considerar, para melhor entendimento, duas fases no processo de colonização e povoamento da Zona da Mata Mineira. Uma iniciada na primeira metade do século XVIII e ligada à abertura do Caminho Novo, na região sul da Mata e outra que se iniciou na segunda metade do mesmo século, a partir da penetração na área central da Mata, localizada às margens do rio Pomba. Ambas possuem ligação, pois, a partir da primeira área, o Caminho Novo, partiu a expedição que deu origem à colonização da segunda área, o vale do rio Pomba.11 Segundo Mauro Luiz Senra Fernandes, a área mais fronteiriça ao Rio de Janeiro, e situada ao norte, foi colonizada somente a partir de fins do século XVIII e início do XIX.12 A área sul da mata foi devassada por Garcia Rodrigues após ter pedido autorização ao rei português D. Pedro II para abrir uma nova rota em direção às Gerais em 1702. No ano de 1704 Garcia Rodrigues pediu auxílio à Coroa, pois havia, em suas palavras, gastado muitos cabedais e a ainda não havia concluído o caminho.13 O Caminho Novo do Rio de Janeiro, como ficou conhecido, foi concluído em 1709.14 Somente após o ano de 1720 passou à condição de rota principal entre o Rio de Janeiro e as Gerais.15 Entretanto, o período que compreendeu os anos 1709-1720 não deixou de ser caracterizado por um povoamento primário, já que Garcia Rodrigues recebeu o direito de cobrar pela travessia dos rios Paraíba e Paraibuna. Mesmo sabendo que a área em que se estabeleceu o filho de Fernão Dias encontra-se atualmente no estado do Rio de Janeiro, não podemos descartar que a região da Mata 2
também tenha sido povoada, uma vez que se estabeleceram roças e pousos, pois, mesmo tendo encurtado a viagem até a região mineradora, o percurso levava entre 10 e 15 dias. Tal perspectiva é fundamentada pelas observações do jesuíta Antonil em seu livro “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”, datado de 1711. Este jesuíta destacou a presença de roças e pousos na área da Mata, sendo as principais: as roças de Simão Pereira, de Matias Barbosa e Bispo. Estas roças e pousos localizam-se onde hoje estão respectivamente as cidades de Simão Pereira, Matias Barbosa e Juiz de Fora.16 Antes do período citado, encontramos evidências do início do povoamento e da colonização da atual Zona da Mata Mineira. Em três cartas de doação de sesmaria (sendo duas delas de 1708 e outra de 1710), percebemos essas evidências, pois, em todas, os sesmeiros pediam confirmação, uma vez que já estavam trabalhando a terra. Em uma delas, doada a Tomé Correa Vasquez17 isso ficou bem claro que se lê: (...) ele tem um sítio no Caminho das Minas e quer manter a continuação dele e sustento de passageiros (...)”. 18 Em outra carta de doação de sesmaria, esta ao Capitão-Mor José de Souza Fragoso, datada de 1710, lê-se que: “(...) ele suplicante tem escravos suficientes para poder cultivar as terras devolutas e mandar plantar mantimentos na forma em que S. Majestade manda (...)”19
Em ambas as cartas fica claro que mesmo sendo menos usado que o antigo caminho para as Minas, a partir de Paraty, o Caminho Novo já era alvo de preocupações por parte da Coroa. E a principal preocupação era a ocupação da região, como ficou patente pelo conteúdo das cartas. Vale ainda destacar a preocupação dos Governadores das Gerais em povoar a área do Caminho Novo na primeira metade do século XVIII. Existem cartas administrativas que mostram que, pelo menos desde a administração de D. Pedro de Almeida Portugal (1717-1720), o projeto de povoar com pousos, roças, ranchos e sesmarias a área próxima ao Caminho Novo estava diretamente relacionada com o projeto de diminuir os descaminhos do ouro. Isso explica o grande número de sesmarias concedidas na região durante as administrações de D. Antônio de Albuquerque (1721-1731) e Gomes Freire de Andrade (1733-1760). Renato Pinto Venâncio, analisando o relato de Tavares de Brito, percebeu que, no ano de 1730, “o trecho entre a cidade do Rio de Janeiro e a região das minas encontrava-se bastante povoado”, pois “o viajante contava com dezenas de roças e rocinhas onde podia abastecer e descançar”.20 Esse relato coetâneo incluso no Códice Costa Matoso demonstra com bastante clareza o povoamento e a colonização inicial da Zona da Mata Mineira ainda na primeira metade do século XVIII. Muitas das roças e rocinhas a que se referiu Tavares de Brito foram sesmarias concedidas nas décadas de 1710 e 1720 conforme analisado anteriormente. Podemos considerar como data inicial do segundo momento de ocupação e colonização da Mata Mineira o ano de 1750, quando uma expedição liderada pelo sertanista Inácio de Andrade Ribeiro, partindo de Ouro Preto alcançou a área próxima ao rio Coroados, afluente do rio Pomba.21 Os contatos iniciais com os indígenas locais foram marcados por ríspidos conflitos. Esses habitantes estabeleceram-se na Mata após o início da colonização do Rio de Janeiro; em outras palavras, fugiam dos contatos com os “homens brancos”.22 Apesar de encontrar forte resistência indígena o sertanejo estabeleceu um posto avançado na Serra das Mercês, conjunto de montanhas pertencentes à Serra da Mantiqueira, nas proximidades da atual cidade de Mercês.23 Em 1757, após mais algumas expedições fracassadas, o capitão Francisco Pires Farinho conseguiu se aproximar dos índios coroados e coropós que habitavam a região do rio Pomba iniciando um relacionamento mais amistoso e menos violento entre brancos e índios. 24 O sucesso de Francisco Pires Farinho possibilitou que em 1764 fosse criada, pelo então governador da capitania das Minas Gerais, Luís Diogo Lobo da Silva, a Freguesia do Mártir São Manoel do Rio da Pomba e Peixe dos Índios Coroados e Coropós. Contudo, somente com a chegada do padre Manoel de Jesus Maria à 3
região, em 1767, foram construídas as primeiras casas que deram origem ao aldeamento, com fins evangelizadores, na área onde hoje se localiza a cidade de Rio Pomba.25 A ação do padre Manoel de Jesus Maria referenda a visão exposta por José Ferreira Carrato, que afirmou ter ocorrido uma ação evangelizadora na capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII, tal como ocorreu nas capitanias do Rio de Janeiro e de São Paulo ao longo dos séculos XVI e XVII.26 Freqüentemente, as análises da ação missionária do padre Jesus Maria caminham para uma ação isolada, sem a presença de contingentes de brancos e negros escravizados no aldeamento criado pelo padre em questão. Entretanto, analisando o livro de registro de batismos percebemos que entre oito de novembro de 1767 e sete de janeiro de 1772 foram realizados aproximadamente 100 batismos na Freguesia de Rio Pomba, sendo que 95 de indígenas, 2 de escravos e 3 de brancos que seguiram junto com o padre para a colonização da região.27 O capitão Francisco Pires Farinho apareceu algumas vezes como padrinho de indígenas convertidos à fé católica. 28 O fato de encontrarmos escravos e brancos sendo batizados na Freguesia de Rio Pomba é indicativo da intenção colonizadora da região, extrapolando, portanto, a característica exclusiva de missão ou aldeamento como foi normalmente definido por muitos historiadores. O adensamento populacional pode ser acompanhado também pelo livro de registro de batismos da Freguesia de Rio Pomba. Segundo Ângelo Alves Carrara a população de Rio Pomba saltou de 1.179 almas de confissão em 1780 para 4.815 em 1800,29 o que corresponde a um aumento de mais de 400% em 20 anos. Não acreditamos que este aumento se deva exclusivamente à incorporação de indígenas, apesar de não podermos ignorar este fato. Contudo, a imigração oriunda da região mineradora também deve ser levada em conta.30 Tais fatos corroboram a análise de Ângelo Carrara. Este autor, analisando os registros de compra e venda de propriedades ao longo do vale do rio Pomba, concluiu que: O movimento mais intenso de ocupação das terras ‘serra abaixo’, isto é, desde a região de altitudes maiores – contrafortes das serras da Mantiqueira e do Espinhaço – para uma região mais baixa e de relevo mamelonar característico do vale do rio Pomba, começou a tornar-se perceptível a partir do final do século XVIII, considerando-se o número de escrituras de compra e venda de propriedades rurais situadas nessa região.31
A chegada do elemento branco nas terras baixas situadas ao longo do Vale do rio Pomba na segunda metade do século XVIII é indicativo tanto da queda da atividade mineradora quanto da diversificação econômica da região. Um pouco acima da sede da Freguesia de Rio Pomba, Ângelo Carrara encontrou um registro de venda de sesmaria situada às margens do rio Xopotó, 32 datada de 1775. Segundo Carrara, a sesmaria possuía: “43 escravos, ferramenta de roça e lavra, carros e cangas, tachos de cobre, gado vacum, porcos” além de fumo, provavelmente da safra do ano anterior, “casas, paiol e senzalas cobertas de telhas, ranchos, moinho e monjolo de socar milho cobertos de capim”.33 Uma sesmaria dessa magnitude não poderia ser construída do dia para a noite. Há indícios de que ela remonta alguns anos antes da década de 1770, pois havia até mesmo fumo proveniente da safra do ano anterior além de milho. Se por um lado o milho é um cereal de fácil carregamento e de produção rápida, o mesmo não podemos dizer em relação ao fumo. Segundo João Antônio de Paula, a plantação de tabaco requeria “adubação e cuidados especiais por parte de seus cultivadores”, pois necessitava de um solo extremamente fértil, exigindo, portanto, maiores cuidados que o milho e o feijão.34 O fato do documento em questão mencionar a presença de gado vacum caracteriza bem a produção de fumo colonial, pois segundo Alice Cannabrava era comum plantar o fumo em currais, uma vez que desta maneira a adubação fazia sem muito esforço.35 Os 43 escravos mencionados, seguindo o raciocínio de Alice Cannabrava, poderiam ser utilizados na fase final do processo que 4
incluía “torcer e enrolar em corda as folhas já curadas, seguido da cura das cordas que demorava de 15 a 20 dias”. Este trabalho era “reservado sempre para os escravos”.36 Além do cultivo, o tabaco exigia um árduo trabalho no cuidado com pragas (larvas, formigas e pulgões) e no preparo da planta para consumo, segundo relatou minuciosamente o jesuíta Antonil.37 Devemos também levar em consideração a importância do tabaco para a economia colonial, não somente em função do seu largo uso, especialmente como rapé, mas para a compra de escravos no comércio atlântico realizado com a África.38 Analisando outros aspectos do documento mencionado por Ângelo Carrara podemos vislumbrar o tamanho da sesmaria e a sua importância econômica. Se a criação de porcos não demandava muito espaço e nem terras apropriadas, a criação de gado vacum é indicativa, não só do tamanho da propriedade como também da diversificação das atividades criatórias nas Minas Gerais Setecentistas. Renato Pinto Venâncio faz menção da criação e venda de gado vacum proveniente da Zona da Mata Mineira para a região de Ouro Preto. 39 Tais fatos demonstram que o processo de colonização e povoamento do vale do rio Pomba e de suas áreas adjacentes que englobam a região central da Zona da Mata Mineira iniciou-se quase que concomitantemente com o processo de catequese dos indígenas locais. Indo mais longe ainda, podemos dizer que a catequese dos habitantes originais teve como objetivo a pacificação dos mesmos para a inserção da Zona da Mata Mineira na economia colonial, uma vez que a mineração, atividade principal da capitania desde o final do século XVII, encontrava-se em franco declínio.
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NOTAS: *
Gostaríamos de agradecer a ajuda do pesquisador do Museu Histórico de Rio Pomba Assueros e de seu Diretor, Silvio Caiafa Mendonça para a elaboração desse artigo. ** Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Faculdade de História das Faculdades Integradas de Cataguases (FIC) da Faculdade de Minas (FAMINAS) em Muriaé. 1 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, p. 71. 2 Cf. o comentário de HOLANDA, Sérgio Buarque de. Sobre uma doença infantil da historiografia. In: _____ Para uma nova História (textos de Sérgio Buarque de Holanda). Org.: Marcos Costa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 120. 3 Cf. MERCADANTE, Paulo. Os sertões do leste. Estudo de uma região: a Mata Mineira. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, especialmente os capítulos 1, 2 e 3, pp. 15-52. Cf. também os mapas e o estudo demográfico sobre as Minas Setecentistas de CUNHA, Alexandre Mendes & GODOY, Marcelo Magalhães. O espaço das Minas Gerais: processos de diferenciação econômico-espacial e regionalização nos século XVIII e XIX. In: Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6º Conferência Internacional de História de Empresas. Caxambu: ABPHE, cinco a sete de setembro de 2003, p. 36. 4 CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro Vol. 2. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1969, p. 620. 5 CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na Capitania de Minas Gerais (1674-1807). Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ. 1997, pp. 47-49. 6 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sertões do rio das Velhas e das Gerais: vida social numa frente de povoamento – 17101730. In: FURTADO, Júnia Ferreira. Erário Mineral de Luís Gomes Ferreira. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Fundação João Pinheiro; Fundação Oswaldo Cruz, 2002, p. 49. 7 SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. 4º ed. São Paulo: EDUSP, 2004, p. 103. 8 BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo y el mundo mediterráneo en la época de Felipe II Vol. 1. Traducción de Mario Monteforte Toledo, Wnceslao Roces y Vicente Simón. 2º ed. 2º reimpresión, México, D.F.: Fondo de Cultura Economica, 1987, p. 27. Cf. Também o que diz a respeito MORAES, Antônio Carlos Robert. Bases da Formação Territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no “longo” século XVI. (Doutorado). São Paulo: FFLCH/USP, 1991. p., 8. 9 ALMICO, Rita; LAMAS, Fernando & SARAIVA, Luiz Fernando. A Zona da Mata Mineira: subsídios para uma historiografia. In: V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6º Conferência Internacional de História de Empresas. Caxambu: ABPHE, sete a dez de setembro de 2003. p. 3. 10 SANTIAGO, Sinval Batista. Juiz de Fora à luz da História e dos documentos. In: Revista do Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora. ANO VIII, nº 8, dezembro de 1979. 11 Ambas as regiões integram a área da bacia do rio Paraíba, pois o Pomba e o Paraibuna juntamente com o Muriaé são seus principais afluentes. 12 FERNANDES, Mauro Luiz Senra. Famílias que povoaram a Zona da Mata Mineira Vol. 1. 2° ed. Além Paraíba: Casa Cruzeiro Papelaria e Tipografia Ltda. 2004, p. 13. 13 Durante muito tempo a historiografia tradicional considerou Garcia Rodrigues o “construtor” do Caminho Novo. Hoje já se sabe o bandeirante paulista seguiu antigas rotas indígenas. Cf. Apontamentos para a história de Matias Barbosa. 3º edição. Juiz de Fora: Esdeva. 1998. Cf. também o que diz VENÂNCIO, Renato Pinto. Caminho Novo: a longa duração. In: Varia História. Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Belo Horizonte: UFMG, nº 21, jul. 1999, p. 182. 14 BASTOS, Wilson de Lima. Do Caminho Novo dos campos Gerais à atual BR. Juiz de Fora: Edições Paraibuna. 15 MARTNIÈRE, Guy. A implantação das estruturas de Portugal na América. In: SERRÃO, Joel & MARQUES, A. H. de Oliveira (org.). Nova história da expansão portuguesa. Vol. VII O Império luso-brasileiro (1620-1750). (coordenação: Frédéric Mauro). Lisboa: Estampa, 1991, p. 162. 16 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. (organização e introdução histórica: Alice Canabrava). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 289. 17 Tomé Correia Vasquez era casado com uma das filhas de Garcia Rodrigues Paes, considerado o homem que abriu o Caminho Novo. Cf. SANTIAGO, Sinval Batista. Juiz de Fora à luz da História e dos documentos. In: Revista do Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora. ANO VIII, nº 8, dezembro de 1979, p. 24. 18 Sesmaria doada a Tomé Correia Vasquez. In: Revista do Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora. ANO IX, nº 9, fevereiro de 1985, p. 8. 19 Sesmaria doada ao Capitão-mor José de Souza Fragoso. In: Idem, p. 11. 20 VENÂNCIO, Renato Pinto. Op. cit. p. 185. 21 Acreditamos que Inácio de Andrade Ribeiro saiu de Ouro Preto e seguiu até a Borda do Campo (nas proximidades da atual Barbacena) e daí atingiu a serra das mercês (atual cidade de Mercês), uma vez que há uma proximidade razoável entre estas duas cidades.
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Cf o trabalho de MARCATO, Sônia de Almeida. A repressão contra os botocudos em Minas Gerais. In: Boletim do Museu do Índio – Etnografia. N° 1, maio, 1979, pp, 4-5. 23 SANTIAGO, Sinval. História do município de Rio Pomba: síntese histórica. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. p. 39. 24 Se os conflitos diminuíram na área do vale do rio Pomba o mesmo não se pode dizer de outras regiões dentro da Zona da Mata. Cf. VENÂNCIO, Renato Pinto. Comércio e fronteira em Minas colonial. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: EdUFMG, 2001, p. 187. 25 Ibidem. pp. 39-45. 26 CARRATO, José Ferreira. Igreja, iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Companhia Editora Nacional: EDUSP. 1968, p. 73. 27 Livro de Registro de Batismos da Freguesia de Rio Pomba. Livro nº 1. fl. 1-20. Os livros estão sob custódia da Igreja Matriz de São Manuel, na cidade de Rio Pomba. 28 BOSCHI, Caio. As missões no Brasil. In: BITHENCOURT, Francisco & CHAUDHURI, Kirti. História da expansão portuguesa Vol. II: do Índico ao Atlântico (1570-1697). S. l.: Círculo de Leitores, pp.394-396. 29 CARRARA, Ângelo Alves. Estruturas agrárias e capitalismo: contribuição para o estudo da ocupação do solo e da transformação do trabalho na Zona da Mata Mineira (séculos XVIII e XIX). Departamento de História, Núcleo de História Econômica e Demográfica. Série Estudos, nº 2, Mariana: UFOP, 1999, p. 16. 30 Esse aceleramento da migração rumo às terras baixas da Zona da Mata Mineira levou muitos historiadores a concluírem que a região foi povoada somente após o declínio da atividade de minerador. Cf. PRADO Jr. Op. cit. pp. 71-72. 31 CARRARA, Ângelo Alves. Op. cit. p. 30. 32 Este rio, com nascente também na Serra da Mantiqueira, localiza-se um pouco mais ao norte do rio Pomba, ainda na Zona da Mata Mineira e é afluente do rio Piranga. 33 CARRARA, Ângelo Alves. Op. cit. pp. 30-31. 34 PAULA, João Antônio de. O Prometeu desacorrentado: economia e sociedade da capitania das Minas dos Matos Gerais. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 1988, pp. 265-274. Ainda sobre a difusão e o uso do tabaco na sociedade brasileira cf. DORNAS FILHO, João. Aspectos da economia colonial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958, pp. 229-250. 35 CANNABRAVA, Alice. A grande propriedade rural. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. Tomo I, Vol. 2, São Paulo: DIFEL, 1960, p. 212. 36 Idem, p. 213. 37 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Introdução e vocabulário: Alice Canabrava. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, pp. 237-246. 38 Roberto Simonsen avaliou as seguintes quantidades de arrobas de fumo exportadas durante o século XVIII: 1757 = 248.702 arrobas; entre 1761 e 1763 = 248.197 arrobas, sendo 185.000 para a África e 56.500 para Lisboa; 1767 = 209.245 arrobas. O jesuíta André João Antonil estimou como preço médio do valor de um rolo de oito arrobas na alfândega da Bahia para a cidade de Lisboa a quantia de 12$124. Ambas as citações mostram-nos o quanto era importante a cultura do fumo durante o período colonial, particularmente ao longo dos Setecentos. Cf. SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil (1500-1820). 8º ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 368. ANTONIL, André João. Op. cit. p. 250 39 VENÂNCIO, Renato Pinto. Comércio e fronteira em Minas colonial. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Op. cit., p. 187.
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Mapa topográfico planimétrico, s/d, 35 x 40 cm, escala: 1:330000. Fins da era colonial; recursos econômicos, sedes judiciárias e eclesiásticas.
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Minas Gerais – Carta geográfica, s/d, 31 x 30 cm. Capitania de Minas Gerais e partes confinantes em 1776: Divisa das capitanias de São Paulo e Minas Gerais. ICO MP 05.05.12.
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