Histórica

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A cidade de São Paulo no século XIX: ruas e pontes em transformação Paulo de Assunção* As ruas de São Paulo no século XIX formavam uma teia. Ruas que se cruzavam, estreitas e tortuosas, marcadas pela irregularidade da largura e cheias de becos. As vias eram locais privilegiados, onde uma diversidade de indivíduos circulava com os mais diferentes ofícios. Vendedores ambulantes cruzavam o caminho com escravos que carregavam barris com os despejos de dejetos fecais e lixo. Ao cair da noite, a cidade descansava numa esplêndida escuridão. Aqueles que se aventuravam a sair pela noite levavam consigo uma lanterna. Nas noites de luar, o andarilho noturno poderia aventurar-se pelas ruas da cidade, o que não impedia que surpresas e imprevistos acontecessem. Nos primeiros tempos os caminhos foram sendo construídos de forma espontânea, sem planejamento, ligando a região central aos arredores. A Câmara da cidade, reiteradas vezes, decidiu pela participação dos moradores na construção dos caminhos, os quais se recusavam a participarem ou enviar mão-de-obra para a realização das obras públicas.1 O desenvolvimento da cidade levou a população a ocupar as terras que ficavam além do Tamanduateí, Anhangabaú, Pinheiros e Tietê. O avanço para o interior e o crescimento de aldeias e povoações exigiu a criação de pontes a fim de facilitar o deslocamento dos moradores dessas regiões para o centro da cidade. Na região central destacava-se a Ponte do Lorena, sobre o Anhangabaú, que ligava a Ladeira do Piques com a Ladeira da Memória (atual Praça da Bandeira).2 O caminho que ligava São Paulo à aldeia de Pinheiros era conhecida como Estrada do Araçá (rua da Consolação e Av. Rebouças). Por este trajeto era possível também utilizar uma das vertentes que ia em direção ao Rio Tietê, seguindo para Jundiaí. A ponte existia desde as primeiras décadas do século XVII. Todavia, foi durante o Governo de José Bernardo de Lorena que reformas foram feitas e a ponte passa a ser conhecida como Ponte do Lorena, passou após a abdicação de Dom Pedro I, em sete de abril de 1831, a ser conhecida como Ponte Sete de abril. Apesar de a ponte ser vital para o desenvolvimento da cidade e caminho obrigatório para aqueles que vinham do interior e da região da aldeia de Pinheiros, a pequena ponte vivia em reparos. Muitas pontes foram construídas de maneira rudimentar nos primeiros anos de ocupação, e no período seguinte o poder público ocupou-se em mandar fazer e reparar-las como aquela que ficava sobre o Rio Pinheiros, conhecida por Jurubatuba. As condições da Ponte Grande, como era conhecida a ponte que passava sobre o Rio Tietê, não eram diferentes. No século XVIII, por diversas vezes, a ponte sofreu com as inundações. As pontes periodicamente eram reparadas, pois a circulação de animais e pessoas causava uma deterioração rápida. Além disso, as chuvas de verão causavam enchentes e enxurradas promovendo as erosões do solo contribuindo para que as pontes ficassem com suas estruturas comprometidas. Nessas ocasiões, o órgão municipal proibia a passagem de tropas e boiadas a fim de preservar as estruturas que haviam restado das inundações. Saint-Hilaire foi o viajante que descreveu com mais cuidado algumas pontes da cidade. Por ocasião da sua visita em 1819, ele descreve as pontes que ficavam por sobre o Anhangabaú. A primeira a ser mencionada foi a do Lorena, que dava acesso para Sorocaba e Jundiaí, a qual era quase plana, com parapeitos e sem ornamento e que teria aproximadamente “12 passos de largura por 25 de extensão”. A segunda era a do Açu, que permitia a ligação com a 1


região oeste e considerada a mais bonita. A ponte chamava a atenção por causa dos parapeitos que, segundo Saint-Hilaire, tinha certa elegância arquitetônica. A mesma possuía no acesso, um aclive com cerca “150 passos de extensão e 16 de largura”. A terceira era conhecida por ponte do Ferrão, pois nas imediações havia a chácara de José da Silva Ferrão. Esta ponte dava acesso à estrada para o Rio de Janeiro medindo cerca de “40 passos de comprimento por 7 de largura”. 3 O crescimento da vila e posteriormente da cidade fizeram com que as ruas existentes fossem melhores preparadas, bem como a abertura de novas ruas e becos que facilitavam o acesso dos moradores aos campos e ao litoral. Apesar das melhorias que surgiam pouco a pouco com a pavimentação, Saint-Hilaire observou que o calçamento era mal feito.4 O calçamento era péssimo, feito de pedras irregulares e não oferecia nenhuma resistência o que provocava uma deterioração rápida, após ser danificada. A circulação de pessoas e animais fazia que as condições da via ficassem comprometidas. Faltavam recursos financeiros e técnicos para que as vias fossem pavimentadas de forma conveniente para uso. Além disso, o calçamento danificado, o mato crescido e a sujeira de animais contribuíam para um aspecto desagradável registrado pelos próprios moradores e visitantes. A Câmara Municipal solicitara reiteradas vezes que os proprietários de moradias na cidade cuidassem do calçamento defronte as suas residências. Contudo, nem todos tinham recursos para realizar as obras. As ruas e caminhos que cortavam a cidade eram cheios de valetas e buracos que causavam incomodo aos que passavam, exigindo que o poder público investisse na pavimentação. Desta maneira, o poder municipal solicitou ao governo das províncias adiantamento de recursos para que fossem feitos os calçamentos de proprietários pobres. Saint-Hilaire ao entrar na cidade, provavelmente pela região da atual Rua da Consolação, registrava que as casas eram pequenas e bem cuidadas, passando por uma fonte bonita, depois atravessando a Ponte do Lorena e chegando ao Bexiga. Daniel Parish Kidder, por sua vez, observara que as ruas eram “acanhadas e construídas sem um traçado geral”.5 O calçamento da cidade São Paulo, de forma mais intensa, iniciou-se durante o governo do capitão-general Francisco da Cunha Meneses (1782-1786). Durante o seu governo novas ruas foram abertas na região da Igreja de São Bento em direção aos Campos do Guaré. João da Costa Ferreira foi o engenheiro responsável pelo calçamento que melhorou as condições de circulação de pessoas e animais. Em primeiro de outubro de 1828, foram fixadas normas pela municipalidade que definiu critérios para o alinhamento, a abertura das ruas, o calçamento, a edificação e reedificado das casas e da concessão de terrenos. As normas também regulavam sobre os edifícios em ruína, as escavações e os precipícios nas vizinhanças da cidade. Tentava-se desta maneira controlar o abandono de algumas propriedades e a exploração de áreas indevidamente. As instruções também determinavam sobre a limpeza e desobstrução de ruas, caminhos, estradas e praças, plantações de árvores e destruição de formigueiros, atentando para a higiene e a salubridade pública. Estas medidas visavam a estabelecer parte de uma política sanitária para que os habitantes pudessem utilizar a cidade, de maneira adequada. Neste sentido, outras orientações forma feitas sobre: a criação de gado; a instalação de fábrica de curtumes; o estabelecimento de hospitais, casas de saúde, cemitérios, teatros, bailes, divertimentos públicos, jogos; o funcionamento e as condições de higiene dos matadouros e açougues públicos.

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Pouco a pouco, as ruas receberam calçamento e foram macadamizadas, com esgotos laterais, sob orientação do engenheiro Carlos Rath. Apesar das benfeitorias realizadas, as críticas não diminuíram, pois em muitos locais a pavimentação era feita de forma inadequada. As condições de segurança e tranqüilidade pública não ficaram fora das determinações que definiram sobre: a presença da polícia nos mercados e casas de negócio; o controle de vagabundos, embusteiros, pedintes, vendedores de rifas e mascates; e a preservação da moral e dos costumes nos locais públicos. Em 15 de abril de 1830, o jornal “O Farol Paulistano”, primeiro periódico de São Paulo, publicou um artigo assinado como ´Um cidadão´. O autor do artigo, dirigindo-se ao redator, dizia ficar com as faces do rosto vermelhas de vergonha ao escrever aquela carta. Contudo, ele via nesta missiva o meio pelo qual os seus reclamos poderiam ser atendidos. De forma rígida, o nosso cidadão indagava como a Câmara municipal da cidade “que tão zelosa se tem mostrado, onde se encontram Membros tão patrióticos, e que tem a ventura de possuir um tão ótimo Fiscal, como não vê, como não sabe do miserando estado da rua chamada – do Cônego Leão”? A sua decepção devia-se ao fato de ter passado pela rua, que era passagem obrigatória para todos os carros que vinham de Santo Amaro, e nela encontrou um tronco de árvore, sinal que os tropeiros utilizavam para avisar aos viajantes para não passarem por ali, por causa dos buracos e das más condições de circulação. Para o autor da carta isso era inconcebível, uma vez que se pagavam pesados impostos e as condições das vias continuavam a serem péssimas, verdadeiros lamaçais. Tais condições colocavam em riscos aqueles que circulavam por ali. Conforme informações que obtivera no local, um moço que conduzia um carro com lenha, para garantir o sustento da família, foi vítima de morte. Indignado com a situação indagava o cidadão desconhecido, como tal situação era possível, se a câmara determinava por fazer o calçamento de ruas, por onde bem poucos carros transitavam. Animais soltos eram encontrados pelas ruas centrais da cidade, sem que o seu proprietário os reclamasse. Em aviso publicado na mesma edição do jornal “O Farol Paulistano”, um leitor informava que em 15 de fevereiro de 1830 encontrara uma besta arreada na Travessa do Comércio. Imaginando que o animal estivesse perdido, este foi recolhido pela pessoa que o encontrou. Averiguações foram realizadas para identificar quem era o proprietário, o que até a data da publicação do jornal, em 15 de abril, não havia dado resultado. Desta forma, foi feito o anúncio para que, quem fosse o dono do animal, o procurasse na Travessa do Comércio, casa número 16, que dando os sinais corretos e pagando as despesas tidas com o animal, este seria entregue. Em 1858, Robert Avé-Lallemant chegando à cidade avistou com alegria São Paulo no alto de uma colina. Muitos lhe haviam contado sobre o ar aristocrático, as igrejas, a elegância das ruas e a limpeza das casas. Após conhecer a cidade o seu entusiasmo era mais comedido. Reconhecia que algumas ruas e bairros eram magníficos, havia bom calçamento, mas ressaltava que as ruas eram estreitas e a cidade possuía um traçado irregular.6 A abertura de novas ruas era dificultada pelo próprio traçado original. O crescimento irregular permitiu que muitos edifícios fossem construídos sem critérios de um planejamento urbano. Emílio Zaluar que passou mesma época que Avé-Lallemant teve opinião diferente sobre as ruas, para ele as ruas principais era largas e bem calçadas. Nelas era possível encontrar elegantes lojas que ofereciam “uma profusão tudo quanto se pode desejar, tanto para satisfação das exigências da vida como para os desejos mais requintados do luxo e da moda, quase pelo mesmo preço por que se compra na corte”. 7 Zaluar talvez tivesse avaliado de 3


forma superlativa a cidade que ainda não possuía a mesma infra-estrutura que a cidade do Rio de Janeiro. Contudo, não deixa de ser um indício de que passava por transformações. A melhoria do calçamento de ruas foi pouco a pouco sendo alvo das atenções do governo municipal que expropriou terrenos e mandou refazer velhos caminhos de acesso à cidade, o que permitiu uma circulação mais adequada com o interior. Os movimentos espontâneos nas ruas, as danças, as congadas, os batuques, a venda de alimentos, de forma desordenada, o vaivém de inúmeros personagens, pouco a pouco cede espaço para uma nova cidade que tende à organização e deseja mudar a vida de todos a partir das inovações tecnológicas e urbanas. Até a metade do século, a expansão de São Paulo havia sido pequena. A cidade ainda estava ligada ao pulmão formado pelo “triângulo” onde se concentrava a vida religiosa, política, econômica e social da cidade. A Rua Direita de Santo Antônio (hoje Rua Direita), a Rua do Rosário (mais tarde Rua da Imperatriz e hoje Rua XV de novembro) e a Rua Direita de São Bento (hoje Rua São Bento) formaram a base do triângulo a partir de onde a cidade cresceu. Nessas ruas e nas vias que davam acesso a elas ficavam as principais construções como o convento de São Bento e do Carmo, Convento e Academia de São Francisco e Pátio do Colégio onde se localizava o Palácio do Governo, a Assembléia Provincial, o Correio e as repartições Fiscais. Nessas ruas havia grande concentração de moradores e a segregação sócio-espacial não era bem definida. A lei de Terras de 1850, projeto elaborado pelo fazendeiro e Senador do Império Nicolau dos Campos Vergueiro, definia que todas as terras devolutas eram propriedade do Estado, sendo que a sua ocupação ficaria sujeita à compra e venda. As terras livres passaram a ser propriedade do Estado que poderia vendê-las a quem tivesse condições de pagar. A lei acabou por influenciar no aumento do valor dos terrenos na área urbana da cidade. Em 24 de janeiro de 1854, a Câmara Municipal discutia sobre a questão das pontes e estradas de São Paulo. Conforme os registros, as pontes existentes nas estradas que seguiam para Sorocaba, Bragança, Campinas, São Bernardo, e desta para outros pontos, se achavam em bom estado. O mesmo não se poderia dizer a respeito da ponte que existia no Bairro do Bexiga próxima à propriedade de Malachias Rogério de Salles Guerra, e da ponte denominada do Fonseca, que ficava sobre o Rio Tamanduateí, as quais deveriam ser reparadas. No mesmo ano, deliberava-se pela abertura de novas ruas na capital. Principalmente na região do Anhangabaú, e no Bairro do Bexiga, passando por terras pertencentes a Vicente de Souza Queirós, que oferecera o terreno necessário para a abertura da rua. Além dessas, foram abertas ligações entre a Ponte do Carmo e a Ladeira do Porto Geral de São Bento, passando por parte do quintal de Dona Anna Oliveira, terras que deveriam ser desapropriadas. Estas novas ruas que eram importantes para a cidade, porém, esbarravam em dificuldades pecuniárias. A receita diminuta da Câmara não era suficiente para atender a todas as necessidades, exigindo que novos recursos fossem liberados. Desta forma, a chácara Mauá, no antigo Campo Redondo, foi um dos primeiros locais a passar por loteamento. A definição pela construção de uma estrada de ferro, que ligava a capital ao litoral e interior, definiu o crescimento da cidade em direção à região da Estação da Luz. Em 1860, a abertura de novas ruas, naquela área, seguia um traçado ortogonal, surgindo as ruas Ipiranga (atualmente avenida), Vitória e Aurora que chegavam até a Alameda dos Bambus (atual Avenida Rio Branco). No decorrer da década de setenta, muitos fazendeiros passaram a residir na cidade, exigindo novos tipos de construção. As casas de taipa, lentamente são substituídas por casarões que se destacam do conjunto arquitetônico da cidade. 4


João Teodoro Xavier, que foi Presidente da província entre 1872 e 1875, realizou uma série de melhoramentos urbanos que prepararam a cidade para as grandes transformações que estavam por acontecer. Investindo grandes quantias em obras públicas, João Teodoro remodelou o Jardim Público, e o Palácio do Governo, regularizou o Largo dos Curros (atual Praça da República), abriu novas ruas ligando o centro da cidade a outras áreas, nas antigas chácaras que foram sendo incorporadas ao crescimento da cidade, reformou o Hospital de Alienados da Rua da Tabatingüera, construiu o edifício da antiga Escola Normal, melhorou a iluminação pública. Apesar de combatido pelos deputados pelos gastos que empreendia, o Presidente da província investiu no calçamento da cidade nas ruas centrais, utilizando os paralelepípedos, drenou e aterrou áreas inóspitas na Várzea do Carmo, fiscalizando pessoalmente as obras. A fim de adequar a infra-estrutura, a Câmara Municipal decidiu, em oito de janeiro de 1874, pela publicação de editais que definiam o prazo de noventa dias, sem prorrogação, para os moradores da cidade caiassem a frente de suas casas e muros e calçassem as suas testadas em todas as ruas em que houvesse guias, conforme as posturas municipais.8 A inauguração de linhas de bondes, por tração animal, ligando definitivamente o centro a áreas mais afastadas permitiu que algumas regiões adquirissem uma função residencial urbana. Surgiram os bairros com infra-estrutura adequada aos desejos da elite, enquanto outras áreas continuam à margem do progresso urbano. O fato é que São Paulo se urbanizava, seguindo uma crescente estratificação social do espaço. Com a remodelação da área central e o surgimento de bairros nobres houve uma elitização dos espaços urbanos. A região central, que até a primeira metade do século XIX era marcada por um número significativo de residências de taipa, foi reestruturada para receber os edifícios de comércio, administração pública, lazer e religião. No final da década de oitenta, havia lojas, cafés, bancos, restaurantes, hotéis, dentre outros edifícios que compunham o cenário urbano com as igrejas do período colonial (Igreja do Pátio do Colégio, Sé, Carmo, Boa Morte, São Gonçalo, Nossa Senhora dos Remédios, São Francisco, Santo Antônio, Misericórdia, Rosário, São Bento). Um progresso rápido que chegou nas linhas dos trilhos das Estradas de Ferro e transformou as ruas e pontes da cidade.

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Referências Bibliográficas AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (1858). Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980. BRUNO, Ernani da Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. São Paulo: Prefeitura de São Paulo/Hucitec, 1984, 3 vols. DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, s.d. KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanências nas Províncias do Sul do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980. MARCÍLIO, Maria Luiza. A cidade de São Paulo – Povoamento e População (1750-1850). São Paulo: Pioneira/Edusp, 1974. MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ EDUSP, 1978. MORSE, Richard. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo: Difel, 1970. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1975. SANT’ANNA, Nuto. São Paulo no século XVIII. São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia – Conselho Estadual de Cultura, 1977. TAUNAY, Afonso de E. História da cidade de São Paulo sob o império. São Paulo: Sec. Municipal de Cultura, 1977. TSCHUDI, J. J. Von. Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980. ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861). Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1975. Atas da Câmara Municipal de São Paulo. Vol. XXII. São Paulo: Div. do Arq. Histórico do Estado de São Paulo, s.d. Discurso em que o Exmo. Presidente Rafael Tobias de Aguiar abriu a sessão da Assembléia Provincial no dia 2 de fevereiro de 1835. São Paulo: Typographia do Governo, 1835. Documentos interessantes - Atas do Conselho da Presidência da Província de São Paulo ano de 1824 – 1829. São Paulo: Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, 1961.

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NOTAS *

Pós-doutorando em História pela EHESS (Paris), Doutor em História pela Universidade Nova de Lisboa e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Atualmente leciona na Universidade São Judas Tadeu, no Centro Universitário Assunção – UNIFAI e no Centro Universitário Capital – UNICAPITAL. 1 SANT’ANNA, Nuto. São Paulo no século XVIII. p. 27. 2 O Largo da Memória era formado pelo triângulo das ruas do Paredão, da Palha e da Ladeira do Piques. Em 1876, com a reforma do local, o largo passou a ser um marco para a cidade pelo projeto do Arquiteto Vitor Dubugras. 3 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1975, p. 131. 4 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit., p. 127. 5 KIDDER, Daniel P. Reminiscências de Viagens e Permanências nas Províncias do Sul do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980, p. 206. 6 AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (1858). Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980, p. 332. 7 ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861). Belo Horizonte/ São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1975, p. 125. 8 Atas da Câmara de 1874. p. 13.

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Rua S達o Bento. Augusto Milit達o, 1887.

Rua Direita. Augusto Milit達o, 1887. 8


Rua Alegre. Augusto Milit達o, 1887.

Ladeira do Carmo e Aterrado do Braz. Augusto Milit達o, 1962. 9


Algumas considerações sobre a repressão e a punição nas Minas setecentistas André Nogueira * Fernando Gaudereto Lamas **

À guisa de introdução: uma breve discussão conceitual Nosso objetivo é discutir os métodos e as razões para a repressão e a punição na América portuguesa durante o século XVIII, enfocando particularmente a capitania das Minas Gerais. Acreditamos que ao estudar este tema temos a oportunidade de observar a sociedade colonial pelo ângulo das relações sociais entre o aparato estatal do colonizador e seu projeto de reproduzir na América os mecanismos sócio-políticos existentes na Europa, e as formas de sociabilidade de uma sociedade heterogênea que insistia em ser diferente de sua congênere européia. Antes, contudo, de analisarmos a referida sociedade colonial, optamos por realizar uma breve explicação de caráter etimológico acerca dos termos punição e repressão, uma vez que entendemos que seus sentidos modificaram-se, especialmente a partir do século XIX em diante.1 Segundo consta no “Vocabulário Português e latino” do padre e lingüista Raphael Bluteau, repressão é o termo popular de repreensão e este está associado a fazer o bem àquele a quem se dirige este ato.2 Logo, a repressão praticada pelo aparato estatal lusitano instalado na América visava o bem comum, tanto protegendo a sociedade daqueles que de uma forma ou de outra a atrapalhavam, quanto dos que sofriam a repressão, já que esta é percebida como parte de um processo de educação e de preparação para o convívio social. Já o vocábulo punição é definido pelo mesmo dicionário como o ato de castigar, 3 que por sua vez origina-se da palavra casto, isto é, castigar é tornar alguém casto. Nos dois casos encontramos a preocupação típica das sociedades européias de Antigo Regime em manter a ordem estabelecida. Nesse sentido, a punição e a repressão são encaradas como partes da função real de manter a ordem social, fazendo parte, portanto, da política de bom governo.4 Em ambos os casos, o sentido dos termos sofreu uma alteração substancial. Segundo Antônio Houaiss, punição está associado a “algo desagradável que alguém é obrigado a suportar”, 5 enquanto que repressão está associada à “interrupção com utilização de violência”.6 Nota-se, portanto, que em nenhum dos casos os atos de punir e/ou reprimir, no sentido contemporâneo do termo, está associado, como estava no século XVIII, a algum tipo de benefício. O estudo de Michel Foucault (“Vigiar e punir”) caminhou na direção da afirmação do fim do suplício, entre o final do século XVIII e início do século seguinte na França. Segundo Foucault, o suplício público passou a ser visto como uma prática bárbara, “gótica”, típica de tempos remotos. Nas palavras do referido autor: (...) em algumas dezenas de anos desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal.7

A análise foucaultiana atende bem para o caso francês. Contudo, o processo penal na América portuguesa ainda continuou utilizando o suplício público como forma de repressão, 1


especialmente em casos de natureza política. Se, por um lado, o suplício público de caráter religioso recuou com as medidas pombalinas, aqueles que envolviam crimes de lesa majestade continuaram sendo punidos com brutalidade, atendendo a lógica do castigo exemplar e objetivando a manutenção da ordem social.8 Entendemos que, pela ótica etimológica dos termos, a punição e a repressão no século XVIII deveria atender ao objetivo de endireitar o punido e não de elimina-lo. Nesse sentido, nossa análise caminha na mesma direção da análise proposta por Foucault. Entretanto, não podemos deixar de destacar que os ideais iluministas que forjaram as bases para o fim do suplício público alcançaram a península ibérica e suas colônias americanas de forma bastante heterogênea, misturando-se com idéias e comportamentos típicos do Antigo Regime.9 Nesse sentido, muitas das idéias que fundamentaram o fim do suplício público tiveram alcance limitado no universo ibero-americano do século XVIII. Tal fato ocorreu em função da união Estado/Igreja, muito forte na tradição ibérica, e que transformava os crimes não somente em atentado contra o homem, mas também contra Deus. Segundo Nilo Batista, as origens da união entre Estado e Igreja no que toca à repressão e à punição remontam ao século XII, momento em que o Direito Romano é redescoberto tanto pelos juristas ibéricos quanto pelos juristas canônicos como uma forma de reafirmar o paterfamílias (poder real) e o poder espiritual da Igreja Católica e ao mesmo tempo de negar o direito costumeiro. Nas palavras de Nilo Batista: Para favorecer essa intervenção moral, o discurso do poder penal canônico podia aproximarse, como nenhum outro, dos deveres da obediência filial e das prerrogativas do pater, reforçados a partir do século XII pelo direito romano redescoberto.10

Mais adiante, o mesmo autor destacou o aspecto dogmático desta visão jurídica ao afirmar que: (...) o conjunto dos grandes textos (Instituta, Digesto, Código e Novelas) (...) chamou-se mais tarde Corpus Iuris Civilis. Tal patrimônio normativo vê-se metodologicamente apropriado pelo dogmatismo legal, que naquela conjuntura é quase uma religião do texto jurídico, ameaçada por qualquer movimento que possa ultrapassar a esterilidade minuciosa do distinguo ou mesmo pelo costume.11

Segundo Anita Novinsky, o Regimento Interno que regia o Tribunal da Inquisição, determinava que o campo de ação deste incluía, deste de crimes contra a fé, como judaísmo, blasfêmia, protestantismo, entre outros, até crimes contra a moral e os costumes da época, tais como bigamia e sodomia “com toda sua série de modalidades, e que se misturavam com o campo religioso”.12 Completando esse quadro, o modelo processual penal que vigorou até o final do século XVIII e início do século XIX baseava-se na apresentação de provas que eram classificadas em: testemunhos e/ou confissões, escritos e objetos ou prova conjectural. Estes elementos eram trabalhados dentro do princípio da íntima convicção, que proporcionava aos acusadores ampla liberdade de interpretação e, conseqüentemente, de julgamento. Desta forma, defender-se era extremamente difícil, sendo mais fácil a confissão. Caso esta não surgisse de forma espontânea, a tortura estava prevista como um dos mecanismos legais para obtê-la.13

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Evidentemente que, tratando-se do século XVIII, as idéias iluministas não deixaram de ter repercussão no âmbito jurídico, particularmente no que toca à reelaboração dos Códigos Penais. Conforme análise de Cezar Roberto Bitencourt, a segunda metade do século XVIII marcou a passagem de uma visão absolutista da pena, que visava “evitar a luta entre os indivíduos”, justificando-se pela idéia de agrupamento social. Tal perspectiva corrobora os estudos históricos mais recentes que entendem a sociedade de Antigo Regime como uma sociedade extremamente compartimentada, onde cada grupo ocupava um espaço pré-determinado. Ainda segundo Cezar Bitencourt a quebra dessa ordenação social colocava o indivíduo na condição de rebelde e este “passava a não ser considerado mais como parte desse conglomerado social (...) cuja culpa podia ser retribuída com uma pena”. Cezar Bitencourt aprofundou sua análise ao perceber que por traz desse discurso jurídico encontrava-se “um fundo filosófico, sobretudo de ordem ética, que transcende as fronteiras terrenas pretendendo aproximar-se do divino”. 14 Os argumentos até então apresentados não fariam sentido para a sociedade brasileira setecentista se não levássemos em conta a presença de um Sistema Colonial.15 Russel-Wood, analisando os objetivos da Metrópole fez a seguinte colocação: “Um dos principais objetivos da administração portuguesa no Brasil foi o de evitar distúrbios sociais que pudessem colocar em risco a própria dominação metropolitana sobre a colônia (...) revoltas e motins poderiam comprometer seriamente a arrecadação de impostos e a própria manutenção do poder Real sobre essa região dispersa e afastada, cercada por montanhas e matos fechados”.16

A análise de Russel-Wood, portanto, caminhou na mesma direção das anteriormente citadas, isto é, perceber o aparato jurídico-administrativo implantado na colônia, se não como uma reprodução literal de seu congênere europeu, com um objetivo similar, ou seja, o de evitar o conflito social e o de manter a ordem das coisas.

Controle social e repressão na sociedade do ouro Uma vez feitas essas considerações mais amplas no que versa sobre os mecanismos de controle e repressão em terras lusas do Antigo Regime, seria o momento de olharmos mais de perto – como se usássemos uma lupa – para o exercício dessa justiça e do “bom governo” nas Gerais do século XVIII, dando ênfase para os mecanismos coercitivos que recaiam sobre uma parcela dessa sociedade considerada especialmente truculenta e perigosa: os negros e seus descendentes. Objetivamos com isso, ainda que de forma bastante pontual, analisarmos um pouco dos mecanismos lusos de aplicação da justiça e do controle em áreas do além-mar. Como é sabido, a região das Minas Gerais, e, sobretudo a sua população, não deixariam ao longo do período de exploração aurífera impressões muito animadoras para as autoridades regias ou religiosas que se propuseram a pegar na pena para legar-nos descrições do que presenciavam ou ouviam dizer. Nesta perspectiva, é lapidar o dizer do jesuíta Antonil acerca do que se fazia nos arraiais auríferos: “E daí vem o dizer que tudo que passo a Serra da Mantiqueira, ai deixou dependurada ou sepultada a consciência”17.

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Não podemos perder de vista, contudo, que a documentação compulsada muitas vezes encontra-se impregnada pelo que o historiador italiano Carlo Ginzburg definiu como filtros culturais. Ou seja, apresentam naturalmente uma forte tendência à distorção e exageros por parte desses letrados ao discorrerem sobre a população que se encontrava sob a sua tutela. Essa postura pode ser atribuída a dois vetores: uma busca de legitimidade nas ações repressoras, tendo como aval à alegação de truculência e desgoverno; e a existência de clivagens marcantes nos valores e visões de mundo envolvendo, sobretudo as “camadas letradas” e as “camadas subalternas”, ainda que essas diferenças não anulem a ocorrência de um intenso diálogo entre ambas.18 Desta forma, o Conde de Assumar fora um dos maiores detratores da região aurífera, sinalizando constantemente para a necessidade de maior rigor por parte de El-rey para o controle de seus domínios. Em seu conhecido discurso político, para justificar a maneira com que procedeu para debelar a revolta ocorrida em 1720 que inclusive excederia suas atribuições, assim se reporta à população das Minas: E bom para que, como para cessar o ruído daquele lugar, costumam e praticam os mineiros arrasar a terra, e dar sobre ela algumas catas, desse modo também El-Rei sobre os poderosos, não digo que os arrasasse, mas ao menos os tirasse fora da terra, para que nesta parte acabassem os movimentos, porque enquanto eles cá assistirem hão de fazer, ou o diabo por eles, que pelas bocas das suas catas, com por bocas do inferno (que com o inferno de Ovídio, que avizinha ao ouro), esteja atualmente brotando a soberba insolências, o poder liberdades, a inobediência [sic.] motins, bulhas o desgosto, tumultos a paixão, estrondos a ira19.

Além da já consagrada associação da população à desordem e ao vício, percebe-se na pena deste letrado, um funcionário laico, uma variação intrigante: por algumas vezes em seu texto há alusão das Minas Gerais ao inferno, matizando sua população como suscetível às tentações e desmandos do diabo. Interessante notar como essa visão demonizadora em torno da colônia iria perdurar e mesmo transcender o discurso unicamente religioso. Decerto, o “inferno secular” de Assumar seria diferente do representado por jesuítas e demais autoridades religiosas, ávidas em extirpar os pecados do Brasil, até porque, para o primeiro, a “danação” viria sob a égide da justiça do soberano. Porém, o que nos chama atenção foi a escolha, ainda que para efeito de figuração retórica, dessa imagem já há tempos explorada, sobretudo pela Igreja.20 Se tal zelo estava direcionado especialmente para os poderosos como delimita Assumar, podemos deduzir que sobre a grande população de africanos e afro-descendentes pairava um controle e uma preocupação infinitamente maior, proporcional ao perigo que tais indivíduos supostamente representavam para a ordem imposta por Deus e sancionada pelo rei e seus representantes. Inicialmente, não podemos perder de vista que uma das marcas que talvez chamasse mais atenção no espaço urbano das Gerais seria a existência de verdadeiras “cidades negras”, com o contingente de africanos e mestiços atingindo indelével superioridade numérica. Prova capital da citada superioridade seria patenteada pelo censo do ano de 1776, onde, somados, negros e mulatos atingiriam o exorbitante percentual de 77,9% das 319.769 pessoas que habitavam a região mais populosa da colônia nos setecentos, sendo o percentual exclusivamente de negros nada menos que 52,2%.21 Uma vez nas Minas, esses escravos eram

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responsáveis pelo engendramento de um complexo e multifacetado jogo de relações, tanto com seus pares quanto com a elite branca, que por seu turno via a supracitada disparidade numérica sob o crivo da possibilidade de um sem número de sedições e da necessidade plena de controle. Nesta perspectiva, a proeminência da população africana e afrodescendente nas Minas, suscitava uma série de medos no imaginário das elites brancas,22 que viam de forma ambivalente as possibilidades de materialização dos mesmos, ainda que em termos concretos tal fato, no mais das vezes, se faça remoto. Mesmo assim, a ocorrência de um forte sentimento de insegurança abria margem para a existência de um significativo aparato coercitivo. Essas medidas – tão numerosas que dificilmente daríamos conta de sua totalidade – podem ser visualizadas tomando por base uma série de bandos, alvarás e determinações, cartas régias, deixando-nos uma sintomática pista sobre suas várias vertentes. Como fruto dessa constante preocupação chegaria até nós numa carta régia endereçada ao Conde de Galveas, governador da Capitania das Gerais, datada do ano de 1734, em resposta aos alertas deste governante acerca do expressivo e assustador número de negros e mulatos forros que perambulavam pelos arraiais auríferos – uma espécie de ônus político do dinamismo econômico que as atividades mineradoras traziam a reboque. 23 Sobre esta matéria o soberano seria bastante incisivo: (...) se devia dar alguma providência com vosso parecer e se devia dar a mesma acerca dos mulatos forros que vivem também em grande liberdade (...) e para se remediarem as desordens que podem causar os sediciosos e vadios, ordenais aos oficiais dos arraiais e freguesias desse governo que todas as vezes que alguns dos sobreditos cometerem delito pode sem escândalo vo-los [sic.] remeterem presos24.

Não seria por mero acaso, nessa perspectiva, que os negros, considerados por excelência o elemento desestabilizador dessa sociedade, seriam os primeiros a figurar o desfile de “degenerados” que compunha a determinação da pena de morte.25 A propósito de percebermos o peso dessas medidas e suas motivações, podemos elencar em linhas gerais os principais medos que esses “agentes da desordem” representavam para as elites. Dentre esses agentes estavam as negras de tabuleiro, provavelmente o mais “criativo” de todos, uma vez que para as autoridades pairava sobre suas ações as mais variadas formas de subverter a ordem imposta, sendo lembradas pelo exercício de múltiplos delitos. Além da atuação das negras de tabuleiro, esse comércio de produtos geralmente baratos e de consumo variado era encetado em pequenas vendas, mais tipicamente sobre os cuidados femininos de escravas ou forras.26 O “viajante” John Mawe seria o dono de uma rica descrição desses locais, destilando o mau-humor e o repúdio que muitas vezes acompanhava esses indivíduos em seus relatos: Dá-se o nome de venda, a uma espécie de loja de regatão, onde se vende vários artigos, tais como, cachaça, milho e, algumas vezes açúcar. Seus donos têm a pretensão de que elas correspondem a uma hospedaria, mas são desprovidas de coisas necessárias; os viajantes que trazem consigo camas e trem de cozinha preferem sempre pousar em algum rancho, mesmo numa cocheira. Estar ao abrigo da chuva e do orvalho, é tudo aquilo quanto se pode esperar de hospedarias neste país.27

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Sobre essas mulheres recaíam as acusações de serem as principais responsáveis pela distorção nas relações entre os senhores e seus escravos no que tange à entrega dos jornais, como expresso num bando que acusava “o grande prejuízo que se segue de haver venda no morro pobre ouro fino e por todo o morro branco e por todas as mas áreas de minerar pelo dano que recebem os homens na falta dos jornais de seus escravos pelos gastos com os (ileg.) que se lhe vai perder pela lavra”.28 Desnecessário mencionar que essa preocupação fundamentada na diminuição da renda da camada senhorial faria com que essas determinações fossem reiteradas de forma bastante freqüente, colocando em primeiro plano a possibilidade do castigo com o fito de arrefecer os ânimos dos vendeiros, a exemplo de um bando de 1714 que enfatiza a possibilidade de aplicação de penas corporais para que “nenhum [sic] negro ou pardo que seja escravo ou livre ande vendendo coisas de comer”.29 Para além desses desvios de jornais essas vendeiras e negras de tabuleiro eram igualmente responsabilizadas pela cooptação de escravos fugidos, tornando seus estabelecimentos e caminhos um ambiente propício para ludibriar e imprimir mais uma forma de prejuízo aos proprietários, e como desdobramento elementar, à própria lógica do poder embutido nesta relação.30 Grande palco de vícios, essas vendas também eram repudiadas por representarem um espaço onde os ânimos se acaloravam, gerando brigas, “batuques”, e também altos índices de prostituição. Esse despertar de paixões, ameaçando o “sossego público” ficaria patenteado em outro bando contrário a esse tipo de comércio: “pior, com toda a publicidade tem vendas abertas com escravos e pardos (...) de cuja ação haverá amores e junto quizila [sic.]”. 31 Nesse despertar de “amores e quizilas”, a postura dos donos das vendas em se valer dessas mulheres para aumentar suas rendas, mediante a negociação de seus próprios corpos, seria uma prática deveras recorrente. A feitiçaria pode também ser aqui brevemente indicada como mais um elemento na composição desse ambiente hostil às elites brancas. O padre Antonil já havia chamado atenção para a necessidade dos senhores serem moderados – ou pelo menos justos – no castigar, sob a pena de ao procederem de modo diverso, os escravos pudessem “tirar a vida aos que lhe dá tão má, recorrendo (se necessário) a artes diabólicas...”.32 O zeloso inaciano, em seu muitas vezes inglório intento de moldar o sistema escravista à moral cristã, exortava os senhores ao cuidado com a salvação de suas “peças” e, em última instância de seu próprio corpo e alma, ratificando em outro trecho de sua obra os perigos da feitiçaria negra, conferindo a esses indivíduos quase uma aptidão natural para o uso desse tipo de expediente, ao sublinhar que não faltava “entre eles mestres insignes nesta arte”.33 No ano de 1791, em Ouro Preto, um negro angolano chamado Caetano da Costa sofreria uma devassa civil em que era acusada de, com feitiços, vitimar três pessoas – o que incluía sua própria mulher – os magistrados consideraram Caetano culpado, e, em consonância com o trato previsto para feiticeiros nas “Ordenações Filipinas”, fora determinado açoite público com baraço e pregão pelas ruas de Vila Rica, além de três anos de galés realizando trabalhos forçados.34 Aqui, mais uma vez, estariam entrelaçadas as preocupações terrenas e celestes para a manutenção do “bom governo” nas áreas de dominação lusas. Por outro lado, o mundo tangível bem mais que o sobrenatural, despertava especial temor na camada senhorial. Doravante seriam – por motivos óbvios – os quilombos e as possíveis ou reais rebeliões de negros as principais formas de colocar em risco o “status quo”, 35 fazendo desses delitos matéria premente nas várias determinações que tentavam afastar essa

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ameaça. Acerca dos quilombos, chama inicialmente nossa atenção a veemência que pairava sobre as práticas de repressão no que versa sobre o discurso oficial, explicável por tratar-se de uma das ações mais diretas de negação do sistema escravista. Embora, estudos mais atuais venham a ventilar nossos conhecimentos sobre as práticas de fuga entre os escravos, passando a percebe-las também enquanto uma poderosa tática de negociação, trazendo à baila uma modalidade de fuga definida como “reivindicatória”, onde os negros valiam-se circunstancialmente desse expediente com o fito de conseguir melhores condições, como uma melhor alimentação, por exemplo.36 Essa realidade de violência imputada, sobretudo pelas autoridades ficaria expressa através das acusações que pairavam sobre os quilombos, sempre lembrados por ameaçarem a ordem, efetuando toda guisa de atrocidades como homicídios e roubos. Um bom exemplo de que as autoridades régias tendiam, em vários momentos, a um certo exagero ao descreverem as ações dos negros fugidos é uma carta de 1746, onde Gomes Freire de Andrade menciona o roubo de escravos por parte dos quilombolas, que não satisfeitos continuaram agindo, “matando os senhores, violentando-lhes as famílias e queimando-lhes as casas”37. Neste sentido, é digna de nota uma determinação régia de 1741 a propósito de punir escravos capturados: Eu, El-Rei, faço saber aos que este alvará virem que, sendo-me presentes os insultos no Brasil cometem os escravos fugidos, vulgarmente se chamam calhandolas [sic.] passando a fazer o excesso de se juntarem em quilombos, e sendo preciso acudir com remédios que evitem esta desordem: hei por bem que a todos os negros que forem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra F, que para esse efeito haverá nas Câmaras; e se quando for executar essa pena for achado já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandando do juiz de fora ou ordinário da terra ou do ouvidor da comarca, sem processo algum e só pela notoriedade do fato, logo que do quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia.38

Aproximadamente dez anos depois, o autor anônimo de uma proposta para a criação de um seguro para os escravos nas Minas menciona o paradoxal efeito da marca a ferro para os negros fugidos, servindo muito mais como fonte de orgulho e prova de coragem entre seus iguais. Para dar fim a esse tipo de sentimento, o autor propunha que os quilombolas capturados deveriam ser rejetados [sic.] “de um pé pelo nervo do calcanhar (...) por o rústico viver de semelhante gentilidade não se lhe pode há tantos anos aceitar remédio que lhe fosse útil, e só tem mostrado a experiência e algum exemplo que só o rejeto nos pés”.39 Dilaceração dos corpos e pulverização do exemplo no lócus social através das sentenças, como já dito aqui, duas práticas bastante caras às normas de justiçamento do Antigo Regime40 que não poderia deixar de serem valorizadas na esfera do discurso que tornava oficial a repressão a essas pessoas consideradas tão “vis” e “perigosas” para o bem público. Apesar da violência expressa nas leis, e mesmo aplicada por vezes nas práticas de repressão aos quilombos, não podemos perder de vista, logicamente, que esse negro configurava-se enquanto um investimento para seu proprietário, e nesta perspectiva podemos deduzir que a mutilação deveria ser menos freqüente do que a documentação oficial carrega nas tintas. Sem contar que essa violência excessiva atingia frontalmente a percepção ideológica da escravidão enquanto uma empresa cristã. E seria justamente neste aspecto que o conde

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dos Arcos iria ater-se ao repreender com duras palavras os oficiais da câmara de Mariana que no ofício anteriormente mencionado ainda requeriam a aval régio para castigar os negros fugidos com a famosa pena de corte do calcanhar, acerca desta matéria o conde ordena: Quanto a aprovação de poderem picar o nervo dos pés dos escravos fugidos, em uma palavra digo que isto é uma barbaridade indigna de homens que tem o nome de cristãos e vivem ao menos com a exterioridade de tais e mereciam ser asperamente repreendidos pela ousadia de assim o requererem, supondo que V. Majestade era rei e senhor capaz de lhes facultar semelhante tirania41.

Outros dois aspectos que nos chamam atenção no que versa sobre as práticas de repressão aos negros, e que obviamente estava circunscrita aos quilombos, seria o caráter sumário dos julgamentos, dado a própria urgência de através do sentenciamento exemplar desencorajar novas investidas, como é possível percebermos na supracitada ordem régia de 1741. Essa faceta também se faz patente no próprio Regimento dos Ouvidores Gerais do Rio de Janeiro, que em 1669 definiria em seu capítulo 6: Nos casos de crimes dos escravos e índios tereis alçado em todas as penas degredos e açoites que aos mal feitos pelo onde são postos, e nos casos de morte julgueis com o governador e provedor da fazenda da até morte inclusive e no que dois confirmarem poreis a sentença, e a dareis a execução sem apelação.42

Para além dessa justiça de natureza mais imediata, soma-se a existência de uma diferença de tratamento bastante tênue dispensada por parte das elites aos negros escravos e aos forros, recaindo sobre os manumissos, a rigor, o peso de práticas que visivelmente os remetiam novamente à condição de escravos. Essa dramática generalização aparece em um bando de 1716, onde o suplicante – um negro forro não nomeado – tentava afirmar por meio do mesmo a possibilidade de um tratamento consoante com a sua atual condição, recebendo o parecer favorável de ser “conservado na sua liberdade por haver dado o seu valor a seu dono e a receber deste carta de alforria”.43 Ou seja, esse caso torna-se elucidativo se pensarmos que além da “prova capital” da aquisição da liberdade, via carta de alforria, muitos desses forros acabaram por serem obrigados a afirmar constantemente a sua nova condição, valendo-se inclusive do aparelho jurídico para atenuar a opressão de uma sociedade que tinha na identificação da cor uma das principais “provas” da truculência e da sedição. Acerca da quantidade de negros que formavam os quilombos das Gerais há uma interessante idiossincrasia entre os estudos sobre do tema e muitos registros atinentes à documentação oficial. Neste sentido, fica subentendida uma forte tendência por parte da elite em maximizar o número de “calhandolas”, como na menção à ocorrência de um quilombo em São João Del Rei que contava com a presença de “mais de mil negros”.44 Em 1747, o governador em carta expedida mencionaria a descrição da invasão a um quilombo, definindo como “pequeno”, do qual resultaria a morte de “vinte e tantos e presos sessenta e tantos”.45 Esse contraste pode ser explicável pelo medo produzido a partir da própria necessidade de funcionamento da economia mineradora, onde o sistema escravista aguçava a imaginação das elites no sentido de muitas vezes superdimencionar os perigos e o potencial de destruição que os quilombos representavam à ordem vigente.46 Esse tipo de postura, como será mostrado em

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seu tempo, foi bastante recorrente no que diz respeito às denuncias que envolviam os negros e o contato com o sobrenatural. Um “perigo” que também expressa de forma direta essa realidade seriam as rebeliões escravas – muito mais imaginárias do que reais47 –, sendo registradas geralmente na pena dos “portadores do saber” em descrições vagas e sincopadas. Como ocorre com uma malograda rebelião em Ribeirão do Carmo, tida como uma “confederação de negros minas”, que objetivavam nada menos que “matarem os brancos”, 48 embora não haja menções mais amiúde de como os negros iriam realizar esse intrépido plano. Um outro dado interessante atinente a este acontecimento seria o fato dessa possível insurreição ter sido delatada por outros escravos: a despeito do que muitos senhores pensavam os escravos não se organizavam como um grupo homogêneo, doravante possuíam rivalidades bastante acirradas, algumas delas remissíveis à própria África.49 Outra rebelião registrada com lacunas consideráveis teria ocorrido em 1735, sendo definida como um “levante de negros” em Catas Altas, onde se registrou inclusive a existência de mortes efetuadas por esses negros rebelados.50 Sobre este acontecimento, Carla Anastásia, após elencar outras rebeliões escravas tipicamente de envergadura bastante limitada, sendo no mais das vezes desbaratadas antes de sua eclosão, o que insistimos no argumento, contrasta diretamente com a forma com que muitas vezes as autoridades descrevem tais mecanismos de negação do escravismo, também enfatiza que, como reflexo, a citada rebelião acaba, por acarretar o fomento da pena de morte, com o propósito de minimizar esse presente medo das elites, onde segundo o discurso oficial, “a liberdade com que vivem os escravos nessas Minas, sendo principal motivo de suas desordens o verem que não se punem os atrozes delitos que escadalosamente cometem”.51 Embora sejam recorrentes relatos desta natureza, em estudo acerca dos padrões de criminalidade na capitania, Magalhães conclui que o índice de registros de rebeliões organizadas por negros, ou mesmo de violência individual dos escravos contra seus senhores era bastante diminuto.52 Neste sentido, como já fora mencionado, o medo e a insistência em registrar essas insurreições seriam de muitas formas mais fruto de um imaginário cunhado a partir dos principais matizes responsáveis pela formação da sociedade colonial. Interessante pensar, nessa perspectiva, como esse sentimento de insegurança iria ecoar de forma extremamente viva, alimento os medos dos sempre minoritários grupos de brancos possuidores de escravos e forçando o poder coercitivo que funcionava ao nível do Estado à constante vigilância e preocupação. O que faz com que no início do século XIX o funcionário régio Joaquim Marrocos, transferido para o Brasil com a instalação da corte, registre nas copiosas cartas que remeteu aos seus familiares em Portugal o sempre vivo medo da sublevação dos negros, “materializado” através de assassinatos e toda gama de expressões de violência contra os brancos. Segundo Marrocos, tais ações eram recorrentes, “assim como pretas matarem seus senhores com veneno: a tempos [a pena capital] é necessária a esta canalha, aliás está tudo perdido”.53

Considerações finais Procuramos imprimir a esse artigo, que na verdade nos possibilita apenas o vislumbre de uma das faces desse multifacetado espelho, uma dupla linha de abordagem. Primeiramente, objetivamos discutir como o Estado luso organizava seu sistema de justiça e punição, dia-

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logando de maneira bastante direta com o que acontecia no resto da Europa do Antigo Regime, ou seja, privilegiando o mecanismo de execuções exemplares, calcadas no mais das vezes em grandes espetáculos públicos e expondo o corpo dilacerado de seus delinqüentes, em prol da afirmação da idéia de “bom governo”. Nos domínios d’além-mar essas formas de justiça mantiveram parte significativa de sua essência, porém, com necessidades de uma série de adequações e especificidades para a garantia do sucesso da empresa colonizadora. Criava-se, com isso, uma sociedade com fortes matizes do Antigo Regime europeu, mas que guardava simultaneamente uma realidade própria, por assim dizer várias expressões de uma espécie de “Antigo Regime nos Trópicos”.54 As ações jurídico-administrativas da Coroa em terras brasileiras devem, portanto, ser entendidas ao mesmo tempo como um prolongamento da realidade metropolitana aplicada ao universo da colônia. Tal fato implica em reconhecer a diferença do estatuto de colônia para o estatuto de parte do Império português. O Brasil era sim parte de um Império, mas de um Império Colonial, Ultramarino, que reconhecia as diferenças de tratamento entre reinol e colono. Talvez dessa maneira é que podemos vislumbrar as ações e impressões que pairavam sobre a sociedade mineira do século XVIII, sob o crivo de uma variedade de funcionários a serviço do rei e de Deus. Nessa perspectiva, situamos os constantes mecanismos de repressão que recaíam, em especial, sobre os africanos e seus descendentes, fossem “negras de tabuleiro”, quilombolas ou simplesmente pessoas que conseguiram garantir a sua liberdade. A necessidade de garantir o “bom governo” e a tensão sempre presente na pena das autoridades que serviram nesta região tornariam especialmente viva mais uma das metáforas de nosso Conde de Assumar, quando compara os arraiais auríferos à ” extraordinários labirintos” .

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NOTAS: *

Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Tutor de História na Educação do Consórcio CEDERJ – Pedagogia Unirio. ** Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Faculdade de Minas (FAMINAS) em Muriaé e do Departamento de História das Faculdades Integradas de Cataguases (FIC). 1 Cf. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história das violências nas prisões. Tradução: Lígia Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1983. 2 BLUTEAU, Raphael. Vocabulário português e latino. Lisboa: Oficina de Pascoal da Silva, 1720, p. 263. 3 Idem, p. 828. 4 Sobre a política do bom governo em Minas Gerais durante o século XVIII, cf. CAVALCANTI, Irenilda. Foi vossa majestade servido mandar: representações e práticas do bom governo nas cartas administrativas de Martinho de Mendonça (MG, 1736-1737). Rio de Janeiro: UFRJ, Dissertação de Mestrado, 2004. 5 HOUAISS, Antônio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.2336. 6 Idem, p. 2433. 7 FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 14. 8 Sobre a severidade das punições de cunho político e suas justificativas cf. PORTUGAL, Pedro de Almeida. Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. (estudo crítico: Laura de Mello e Souza). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994. 9 Para uma análise mais detida do caso da América espanhola cf. SOLER, Ricauter. Universo intelectual Del ideário ilustrado iberoamericano. In: PIZARRO, Ana (org.) América Latina: palavra, literatura e cultura Vol. 2: emancipação do discurso. Campinas: UNICAMP, 1994, pp. 101-116. 10 BATISTA, Nilo. Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro. 2º ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 164. 11 Idem, p. 167. 12 NOVINSKY, Anita. A inquisição. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 56. 13 GONZAGA, João Bernardino. A inquisição em seu tempo. 8 ed., São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 30-31. 14 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, parte geral, Vol. 1. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 74-75. 15 Para uma análise mais aprofundada sobre o sistema Colonial cf. NOVAIS, Fernando. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosacnaify, 2005. 16 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Precondições e precipitantes do movimento de independência da América portuguesa. In: FURTADO, Júnia (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001, p. 321. 17 ANTONIL, André. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Paulo: Melhoramentos, 1923, p. 213. 18 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Cia das Letras, 1998. pp. 18 et. seq. 19 PORTUGAL. op. cit. p. 62. 20 SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito. Aspectos da História de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1999. p. 58.

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Cf. IGLESIAS, Francisco. Estrutura social do século XVIII. In: Anuário do Museu da Inconfidência, , v.9, 1993. p. 55. 22 Nas palavras de Laura de M. e Souza: “conforme a população escrava – nas Minas, em muito superior à branca –, o terror crescia”. Desclassificados do ouro. A pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1990. p. 108-109. 23 Entre outros autores conferir PAIVA, Eduardo F. Escravidão e universo cultural na Colônia. Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 24 Arquivo Público Mineiro (doravante, APM). Seção Colonial 44. fls. 9-9v. 25 Cf. Junta de justiça para a imposição e execução da pena de morte dos negros, bastardos e carijós. In: RAPM. Vol. IX, 1903. pp. 347-348. grifo nosso. 26 Cf. FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória Cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p. 43 p. 43. 27 MAWE, John. Viagem ao interior do Brasil. [1812]. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1978. p.111. 28 APM. CMOP. Cód. 6 fl. 31 29 APM. SC. Cód. 9 fl. 6v. 30 Cf. Figueiredo. op. cit. p. 54. 31 APM. CMOP. Cód. 6 fls. 8-8v. 32 Antonil. op. cit. p. 95. 33 Ibidem p. 93. 34 Arquivo Histórico do Pilar. Emenda por feitiçaria: Caetano da Costa. Auto 9470. códice 449. fls. 14v-15. 35 Cf. ANASTASIA, Carla. Vassalos rebeldes. Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C. Arte, 1998. p. 125. 36 REIS, João J. e SILVAS, Eduardo. Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Cia das Letras, 1989. p. 63 et. seq. 37 Apud: GUIMARÃES, Carlos M.. Mineração, quilombos e Palmares. Minas Gerais no século XVIII. In: João Reis. Liberdade por um fio. História dos quilombos no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2000. p. 55. Além de SOUZA, Laura de Mello e. Violência e práticas culturais no cotidiano de um expedição contra quilombolas. Minas Gerais, 1769. In: Reis. Liberdade... p. 194. 38 VEIGA, José Pedro Xavier da. Efemérides Mineiras. 1664-1897. Belo Horizonte: Fund. João Pinheiro, 1998. vols. 1 e 2. p. 271. grifo nosso. 39 Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que se fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1999. p. 533 et. seq. 40 Cf. Foucault. op. cit. passim 41 Informação nobre do conde. 10/8/1756. Devo esta referência ao professor Luciano Figueiredo, com meus sinceros agradecimentos. 42 APM. SC 02 fl. 100v. 43 APM. SC 09 fls. 48 e 48v. 44 Efemérides... vols. 1 e 2 p. 483. 45 Ibidem p. 479. 46 Cf. RAMOS, Donald. O quilombo e o sistema escravista em Minas Gerais do século XVIII. In: Reis. Liberdade... p. 165. Um outro autor que ratifica esse expressivo número de quilombos, embora como veremos com uma abordagem diferente da apresentada por Ramos, é Carlos Guimarães, que esti-

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ma o número de 160 quilombos reprimidos; GUIMARÃES, Carlos. Mineração, quilombos e Palmares. Minas Gerais no século XVIII. In: REIS. Liberdade... p. 141. 47 Cf. Reis e Silva. op. cit. p. 70. 48 Ordem do Sor Gov or e Capan. Genal para o superintendente Jozeph Rabello Perdigão, tirar devassa do levantamento que intentarão os negros minas do Ribeirão abaixo. In: RAPM. Vol.: II, 1896 pp. 787-788. 49 Cf. Reis e Silva. op. cit. pp. 70-71. 50 Efemérides... vols. 3 e 4 p. 1102. 51 APM SC cód. 46. fl. 27. Apud: Anastasia. op. cit. p. 135. 52 Magalhães. op. cit. p. 123 et. seq. Conferir também SOUZA, Lílian Dias de. Capitães-do-mato em Mariana (1711-1822). In: LPH/Revista de História. Mariana: UFOP. Nº 8, 1998/1999. p. 28. 53 Cartas de Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, escritas no Rio de Janeiro 1a sua família em Lisboa, de 1811 a 1821. In: Anais da Biblioteca Nacional. RJ, 1934. vol. 56. Carta 8, p. 40 e carta 33 p. 111. 54 Para este conceito conferir GOUVEA, Maria de Fátima (et. al.) O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

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LITUANOS E SEUS DESCENDENTES REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE NACIONAL NUMA COMUNIDADE DE IMIGRANTES

Eliane Sebeika Rapchan * Imigração e Identidade: Limites e possibilidades de reprodução da cultura e memória no Brasil O que une os imigrantes à sua terra natal? Tais vínculos se reproduzem em seus descendentes? Como se constituem a memória e a lembrança dos imigrantes quanto a seu país de origem? O que se esquece, o que permanece e o que se atualiza com o passar do tempo? Evidentemente as respostas a essas questões variam de acordo com os perfis dos grupos de imigrantes, suas origens, destinos e contextos. O texto a seguir apontará alguns caminhos para se pensar sobre o caso da imigração lituana para o Brasil, especificamente para São Paulo, considerando o recente reavivamento dos interesses de lituanos e descendentes com relação ao seu país de origem que tem se manifestado por meio do crescimento de viagens, do número significativo de solicitações de cidadania lituana e do interesse em viver e trabalhar na Europa. Para isso, será importante recuperar alguns dados da história recente da imigração lituana para o Brasil. O fenômeno da imigração é complexo e tratar do tema no Brasil não é fácil: a primeira dificuldade que se apresenta para a realização de qualquer reflexão sobre os imigrantes europeus no país (pode-se aí incluir, também, a Argentina) liga-se à pequena quantidade de reflexão científica disponível e à supressão de sua importância enquanto fenômeno social ou cultural: a imigração passou a ser tema presente nos trabalhos acadêmicos. As análises sociológicas que se tornaram clássicas acerca da modernização do país priorizaram a reflexão, sem dúvida importantíssima, sobre relações raciais e preconceito contra os descendentes de africanos, mas ignoraram os destinos dos europeus. Segundo Bóris Fausto (1991: 12-14), a questão imigratória não só é tratada como secundária mas também aparece, de forma implícita ou explícita, como uma história de final feliz, o que não condiz com os relatos dos sujeitos envolvidos. Fausto defende a realização de estudos sobre os imigrantes no Brasil sob o argumento que eles podem iluminar questões centrais sobre relações entre lealdade étnica e lealdade de classe social, preconceito, integração cultural e formas de reprodução da identidade cultural. Os lituanos imigrantes não escaparam, no Brasil, da inclusão nesse quadro geral. Há registros isolados da presença de lituanos no país na segunda metade do século XIX. Desta leva, a maioria parece depois ter imigrado para outros países como os EUA (Chicago) e a Argentina (CCILB, 1976: 7). O primeiro registro de chegada massiva dos lituanos no Brasil (aproximadamente 800 pessoas) deu-se no ano de 1888, no Rio grande do Sul. As informações presentes nos fragmentos de correspondência trocada, às quais tive acesso (CCILB, 1976: 21-24), ratificam as hipóteses de Michel Hall (citado por Fausto, 1991) acerca das terríveis condições em que viviam os imigrantes europeus que chegaram ao Brasil no período (RABUSKE in CCILB, 1976: 22). Os problemas enfrentados estendiam-se do desconhecimento completo da língua portuguesa e do choque cultural. Para aqueles encaminhados às fazendas de café, somaram-se as 1


dificuldades decorrentes da inclusão de uma população de tradição marcadamente camponesa (PILINKAITE-SOTIROVIC, 2005) num sistema de colonato (MARTINS 2002, STOLCKE 1986), marcado freqüentemente por exploração, pobreza extrema dos trabalhadores, pelo sistema de barracão e por contratos injustos, quando não descumpridos. No período de 1920-1939 migraram para o Brasil muitos lituanos que saíram de territórios ocupados pela Polônia ou que já se encontravam em outros países europeus em busca de trabalho. Por isso, muitos lituanos foram registrados no Brasil como russos ou poloneses e muitas pessoas de outras origens foram registradas como lituanas (CCILB, 1976: 7). Aqueles provenientes das áreas rurais viam na imigração a saída para manter a condição camponesa. O grande número de filhos, a escassez da terra, a fome e a instabilidade política ameaçavam as possibilidades de reprodução da unidade familiar sem fragmentá-la. Desse modo, a propaganda das agências de imigração anunciando terra abundante, clima ameno e fertilidade da terra, dizia-se que no Brasil nasciam pães em árvores, aguçando o imaginário e estimulando famílias extensas inteiras a arrendar seus pequenos lotes e aventurar-se por aqui. Assim, por todas essas razões, os dados sobre imigração lituana para o Brasil são estimados, até 1937, em aproximadamente 37.620 pessoas. Após a Segunda Guerra Mundial, registrou-se a entrada de mais 20 mil lituanos no país (CCILB, 1976: 7). Em 1996, estimava-se que os lituanos, somados a seus descendentes correspondiam a um contingente de aproximadamente 100 mil pessoas (Lithuania in the World, 1996: 12). Entretanto, a reflexão sobre as relações entre identidade e imigração exige a consideração de outros fatores além da origem nacional comum. O caso específico da imigração lituana possui tanto aspectos que contribuíram para aglutinar esforços em favor da manutenção dos vínculos entre os imigrantes lituanos e seus descendentes espalhados pelo mundo com o país natal como, na direção contrária, produziu outros que concorreram para a diferenciação dos imigrantes entre si e entre eles e seus conterrâneos. A segunda maior colônia lituana do mundo localiza-se na cidade de São Paulo, no bairro de Vila Zelina (Lithuania in the World, 1996: 12) e sua história tem quase setenta anos. Suas condições de formação, na mesma medida em que catalizaram forças identitárias, excluíram grupos em função da força de seus sinais diacríticos (ver Cunha, 1986) como o catolicismo, o cultivo da língua liguana e a residência no bairro. Ou seja, os imigrantes lituanos que, por opção ou necessidade, moravam em bairros distantes, os não católicos, os comunistas, socialistas ou simpatizantes do ideário de esquerda do movimento operário, os que buscavam integração mais rápida à sociedade brasileira ou, ainda, participavam animadamente de outros grupos de imigrantes, como os russos, ficaram de fora. Ao mesmo tempo, não é difícil perceber que os imigrantes de determinado país diferenciam-se daqueles seus compatriotas que permaneceram no país de origem. Diferentes contextos históricos, sociais, econômicos e políticos, distintas trajetórias pessoais e mesmo sentimentos e representações diversas com relação a parentes, língua, práticas culturais, história e memória contribuem para diferenciar pessoas de origem nacional comum. No entanto, existem situações que podem contribuir com a reunião desses sujeitos que tendem à diferenciação e experimentaram uma delas. Os paradoxos da independência da Lituânia Desde aproximadamente 1949 até 11 de Março de 1990, quando a independência da República da Lituânia foi proclamada, as organizações de lituanos ao redor do mundo con2


centraram esforços com o intuito de reproduzir a cultura lituana for a do seu território para alimentar um núcleo de resistência e luta contra a presença soviética no país. Ou seja, estabeleceu-se uma relação causal direta entre cultura nacional e independência política concebida de tal modo que a ausência de uma comprometeria a reprodução da outra. Dentre as repercussões desse movimento, algumas merecem destaque. Uma delas é o paradoxo produzido pelo aprofundamento do contato entre lituanos espalhados pelo mundo, engajados nos movimentos pró-independência, e o isolamento das comunicações entre os imigrantes e seus parentes que permaneceram na Lituânia devido aos períodos de censura na imprensa e nos correios. Daí que sujeitos provenientes de uma sociedade predominantemente rural fundada em laços comunitários viram-se não só diante do desafio de sobreviver em outros países e outras culturas, freqüentemente em meios urbanos, mas também de criar uma espécie de “comunidade internacional” fundada sobre bases de um sentimento nacionalista. Assim, por meio da Comunidade Lituana Mundial, aprofundaram-se os vínculos entre as colônicas, seja pela via da produção e circulação de documentos e pela participação em atividades realizadas pelos comitês de imigrantes cujas propostas circulavam pelas colônias do mundo todo estimulando-os a participar do movimento pela independência da Lituânia, seja pelo material chamado “samizdat” (textos produzidos por movimentos dissidentes organizados em países pertencentes à então União Soviética) e que saíam secretamente da Lituânia (OLESZCZUK, 1985). Segundo Oleszczuk (1985), a atividade de produção dos “samizdat” iniciou-se na Lituânia em 1972, tendo ali sido particularmente próspera e contínua até a independência. Além disso, o movimento dissidente lituano parece ter atingido a cifra de centenas de milhares de adesões, dado o número de assinaturas em petições não oficiais relatadas para a Catedral de Klaipeda (OLESZCZUK, 1985). O autor caracteriza o caso da luta pela independência lituana como marcado pelo nacionalismo, por inquietação religiosa, defesa da singularidade lingüística e defesa dos direitos humanos de presos e militantes. Esse tipo específico de nacionalismo, próprio das “nações sem Estado” (ESTEVAFABREGAT1996: 2) marcou-se na Europa por forte apego à idéia de nação, pela defesa da distinção lingüística e pelo cultivo de formas de resistência cultural e implicava a reinvindicação da legitimidade de sua experiência histórica a partir de seus componentes sócio-étnicos. Tal nacionalismo, ou “lituanismo”, quando enunciado por parte das colônias lituanas, tinha um sentido muito concreto enquanto aporte e estímulo importante às lutas de independência, ou seja, enquanto a Lituânia era uma “nação sem Estado”. Eram os imigrantes, vivendo no “mundo livre”, como costumavam enunciar em seus textos e documentos, que sentiam-se incumbidos da reprodução da língua e da cultura, oprimidas em sua terra natal, nos países estrangeiros em que vivam, ao mesmo tempo que co-responsáveis pelo processo de independência. A proeminência radical do nacionalismo lituano foi capaz de, durante décadas atenuar diferenças e reunir grupos alocados em países diferentes e em classes sociais distintas. Um exemplo interessante expressa-se através da comparação entre as duas maiores colônias lituanas do mundo: a brasileira, concentrada em São Paulo_SP e a que se encontra nos Estados Unidos da América, em Chicago. A reprodução das tradições culturais lituanas nos respectivos países produziu resultados um tanto quanto diferenciados. A origem social da colônia lituana no Brasil é marcadamente camponesa, que passou aqui por experiência rural. O perfil da imigração é caracterizado pelo deslocamento de famílias inteiras que imigraram a fim de trabalhar nas fazendas paulistas. A maior parte de seus 3


membros encontra-se hoje nas classes populares. A colônia lituana em Chicago, por sua vez, formou-se também a partir de camponeses que, no entanto, caracterizava-se por homens jovens e solteiros que obtiveram trabalho nas minas e nas cidades porque tinham interesse em voltar para o país de origem. Uma parcela significativa, no entanto, fixou-se, alfabetizou-se em inglês, estudou em escolas americanas e obteve cidadania para seus filhos (SENN, 2004). Apesar das diferenças, à medida em que as relações entre estas duas colônias se mantiveram, por meio da circulação de publicações, de religiosos, de jovens e de militantes próindependência, por meio dos Festivais Internacionais da Juventude Lituana e em função das lutas nacionalistas pela independência, estabeleceram-se vínculos entre os grupos, que foram alimentados pelos próprios sentimentos de partilha de uma identidade comum. Entretanto, a abertura soviética e a posterior independência da Lituânia colocaram uma nova questão para as colônias, desta vez contraditória: por um lado, a euforia diante da tão desejada independência possibilitou a retomada do intercâmbio de escritos, música, objetos e pessoas com o país de origem. O número de viagens à Lituânia tem se ampliado e tornou-se possível localizar parentes com os quais se havia perdido contato há décadas. Por outro lado, esse contato mais intenso com a terra natal produziu também um curioso estranhamento. A Lituânia encontrada não é a mesma dos avós e pais imigrantes. As tradições que atravessaram o Atlântico em navios há pelos menos quarenta e cinco anos são profundamente distintas do que se encontra nas viagens de avião ao Báltico. Muitos brasileiros descendentes de lituanos não conseguem reconhecer no país que visitam a expressão da memória oral de seus antepassados. Isso é explicável à medida que os imigrantes, distantes na maior parte dos casos definitivamente de seu país de origem, esforçaram-se em proteger algumas de suas tradições: a culinária, tradições orais, artesanato, canções, danças e a língua e tendem a cristalizá-las. Aqueles que ficaram na Lituânia, por seu turno, depararam-se com outras condições históricas e seus processos de reprodução e de resistência, apesar de terem tido um objetivo comum, manifestaram-se e desencadearam resultados distintos. Suas expectativas e desafios são outros e adquiriram singularidade ainda maior com a inclusão da Lituânia na União Européia (LANE, 2002) em 2004. Este estranhamento acentuou-se ainda mais à medida que os imigrantes e seus compatriotas estiveram isolados por, no mínimo, quarenta e cinco anos. A motivação que teceu a rede de relações entre imigrantes lituanos residentes em países diferentes e alimentou sua singularidade não existe mais, desde a independência. Do ponto de vista da identidade sócio-cultural, a questão que se coloca para os descendentes de imigrantes lituanos assenta-se em outras bases. De um lado, a cada geração nascida aqui, aumentam as possibilidades de integração à cultura e à sociedade brasileira de maneira mais intensa, seja pelos casamentos interétnicos, seja pelo distanciamento da memória dos antepassados estrangeiros ou ainda por uma socialização mais intensamente brasileira. De outro lado, o contexto atual oferece aos interessados um leque maior de possibilidades de acesso à cultura lituana, seja através da obtenção da cidadania, dos cursos de língua, das viagens, da internet etc. Contudo, a busca dessas vias costuma ser individual e não coletiva. As atividades comunitárias propostas pela colônia lituana em São Paulo são, além da realização das missas em lituano e das atividades paroquiais em Vila Zelina, o Coral Lituano, o Palanga e o Nemunas, respectivamente, o grupo de escoteiros e o de danças folclóricas, para os quais tem-se procurado atrair crianças e jovens. A intensidade dos vínculos dos descendentes de lituanos com suas raízes e com suas respectivas comunidades está em transição. Os perfis que irão adquirir não estão delineados. 4


É claro, deve-se considerar que os sujeitos constituem seu modo de ser no mundo através de suas culturas e que, o mesmo movimento dialético que as reproduz também as inova de forma tal que as culturas, apesar das transformações, possam continuar a ser iguais a si mesmas, mantendo viva a sua identidade.

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Jornal Musu Lietuva (Nossa Lituânia), n.º 2. São Paulo, 15/01/1948. Exemplar confiscado durante comemoração da independência da Lituânia na Aliança Autoprotetora de Beneficência dos Lituanos no Brasil. São Paulo, 16/02/1948. Pront. n.º 51 - Aliança Autoprotetora de Beneficência dos Lituanos no Brasil. DEOPS/SP, DAESP.

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