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P or A line Guerreiro
A rq. C EO P or tal da C onstrução Sustentável, 202 2
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DESCARBONIZAÇÃO
A C ER ÂM IC A , O MAT E R I AL Q U E OF ER EC E B E N E F ÍC IOS PAR A U MA C ONS T RU Ç ÃO SUS TEN TÁV EL .
N ÃO H ER DÁMOS O PL AN E TA DOS NOS S OS PA IS, PEDI MO-LO EM PR E STAD O AOS NOS S OS F I LH OS *
P or Margarida C outo
Presidente do GR AC E – Empresas Responsáveis
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SUS TEN TA ... O Q U Ê ? C O MO ? Q U EM? P ORQ U Ê? PAR A Q U Ê ?
Propriedade e Edição APICER - Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria NIF: 503904023 Direção, Administração, Redação, Publicidade e Edição Rua Coronel Veiga Simão, Edifício C 3025-307 Coimbra [t] +351 239 497 600 [f] +351 239 497 601 [e-mail] info@apicer.pt [internet] www.apicer.pt Editor e Coordenação Albertina Sequeira [e-mail] keramica@apicer.pt
P or A na Simaens
A s sociate D ean for Engagement and Impact , Iscte Busines s S chool.
Conteúdo desenvolvido por Aline Guerreiro, Margarida Couto e Ana Simaens Capa e Paginação Nuno Ruano Impressão Gráfica Almondina - Progresso e Vida; Empresa Tipográfica e Jornalística, Lda Rua da Gráfica Almondina, Zona Industrial de Torres Novas, Apartado 29 2350-909 Torres Novas [t] 249 830 130 [f] 249 830 139 [email] geral@grafica-almondina.com [internet] www.grafica-almondina.com
Imagens: Freepik.com Capa . Páginas 7, 13 Conteúdos conforme o novo acordo ortográfico, salvo se os autores/colaboradores não o autorizarem Este destacável é distribuido juntamente com a revista Kéramica nº 375
Por, Aline Guerreiro,
Arq. CEO Portal da Construção Sustentável, 2022
O termo: “Desenvolvimento Sustentável” teve origem no conhecido "Relatório de Brundtland" que saiu da Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento em 1987. Este conceito foi definido pela primeira vez como aquele que satisfaz as necessidades atuais sem prejudicar as gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Nas últimas décadas, o conceito evoluiu, e através de reuniões a nível global e de iniciativas a diferentes níveis (por ex . a Conferência Mundial no Rio de Janeiro em 1992, ou a Cimeira Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo, 2002) este conceito tem-se institucionalizado, tornando-se uma parte do discurso de ação política e de planos, um pouco por todo o mundo, nomeadamente, nos países mais desenvolvidos.
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A preocupação do setor da construção em se tornar mais sustentável, deveu-se ao facto deste setor ser responsável, não apenas na sua fase de operacionalização (utilização do
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Na indústria da construção, especificamente, não é diferente. A construção sustentável tem três verbos associados: o reduzir, o conservar e o manter. Baseia-se principalmente nos princípios que Charles J. Kibert enumerou em 1994: a conservação dos recursos,a reutilização de recursos, a utilização de recursos recicláveis e renováveis na construção, a gestão vitalícia das matérias-primas utilizadas (com a correspondente prevenção de resíduos e emissões), a redução do consumo de energia, aumento da qualidade (ambos em termos de materiais e de edifícios, e do ambiente urbano) e a proteção ambiental.
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Ao contrário do que se generaliza muitas vezes, o desenvolvimento sustentável não é apenas um facto ambiental. Embora as múltiplas perspetivas teóricas que o caracterizam, o traduzam como um conceito com várias definições, normalmente é aceite consensualmente que é uma combinação de três elementos básicos que operam de uma só vez: a economia, a sociedade e o ambiente. O desenvolvimento sustentável, é o caminho para que, por exemplo, uma empresa encontre um bom equilíbrio entre o seu sucesso económico, impacto ambiental e relação a longo prazo com o ambiente social.
Gro Harlem Brundtland, Fonte: seventeen goals Magazin
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A C E R Â M I C A , O M AT E R I A L Q U E O F E R E C E B E N E F Í C I O S PA R A U M A C O N S T R U Ç ÃO SUS T E N TÁV E L .
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A nível mundial, os edifícios são responsáveis por cerca de 40% do consumo total de energia do planeta e 36% das emissões de gases de efeito estufa provenientes do uso de energia. Em Portugal, 28% da energia consumida e 59% da eletricidade gasta, verifica-se na utilização dos edifícios (atinge valores mais elevados se nos referirmos só aos grandes centros urbanos), estando por isso na base das emissões de CO2 e outros poluentes que afetam negativamente o ambiente. Grande parte desta energia refere-se aos sistemas de climatização, na maioria das vezes elétricos, aplicados no interior dos edifícios para lhes proporcionar conforto.
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edifício), mas considerando também a sua fase de obra (construção propriamente dita), por inúmeros impactes ambientais negativos. De entre eles, salientam-se: a produção de resíduos, o consumo de energia, emissões de CO2 e consumo de recursos naturais. Segundo a Agenda 21 para a Construção Sustentável, só durante a fase de construção são consumidos cerca de 50% dos recursos naturais, produzidos mais de 50% dos resíduos, consumida mais de 40% de energia (nos países industrializados, sendo em Portugal cerca de 20% da energia total do país) e produzidas cerca de 30% das emissões de CO2.
O consumo de energia dos edifícios na União Europeia tem um valor médio superior à média mundial, e cerca de 40% das emissões diretas e indiretas de dióxido de carbono. Pois, entre todas as atividades humanas que emitem GEE, a indústria da construção representa uma grande fatia. O maior crescimento das emissões de carbono provém da produção de eletricidade, dos transportes, da indústria e, acima de tudo, da operação da construção. Mais de 50% da população mundial vive em cidades, prevendo-se que aumente para 70% até 2050. Com a tendência de cidades a crescer, e as temperaturas a subir drasticamente, nunca foi tão importante que o setor da construção e da utilização dos edifícios esteja na vanguarda da ação climática. Mas as emissões associadas aos edifícios, não dizem só respeito à energia consumida durante a construção e utilização do edifício. Teremos também de contabilizar as emissões incorporadas nos materiais utilizados e necessidades de manutenção ao longo do seu ciclo de vida. Sendo este setor, responsável por uma parte tão grande das emissões poluentes, significa que existe um enorme potencial de redução. Cabe, portanto, aos arquitetos e projetistas que compreendam e aconselhem, os impactes mais vastos deste setor – o que significa por vezes colocar essas questões acima dos interesses comerciais, pois só assim, com informação adequada, transmitida pelos profissionais do setor, a mudança será possível. Num inquérito divulgado em 2021 pelo Portal da Construção Sustentável (PCS) foi visível o desconhecimento da população portuguesa pelos materiais que compõem as casas onde vivem, quase metade respondeu que não sabia nem se interessava. Abordagens como a maximização da utilização dos bens existentes, a promoção da reabilitação sustentável de edifícios, em vez de colmatar necessidades de climatização com equipamentos consumidores de energia, e a procura de novos modelos de negócios circulares que reduzam a dependência de matérias-primas com uma utilização intensiva de carbono, são cada vez mais urgentes.
Barreiro de argila, Fonte: lneg.pt
A recente pandemia COVID-19 paralisou o mundo, tanto social como economicamente. Conduziu a uma mudança maciça na forma em como nos relacionamos uns com os outros, mas também em termos de fatores que devemos ter em consideração na escolha de uma casa. Neste sentido, a indústria da construção foi forçada a procurar novas oportunidades de negócio que irão melhorar a economia do setor. Dentro desta nova abordagem, a construção sustentável e a reabilitação económica posicionaram-se como duas áreas-chave de crescimento para a economia.
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Também o bloqueio pandémico destacou vários aspetos a incluir nas novas construções a nível energético. Sabemos que quatro em cada cinco edifícios da União Europeia, não são energeticamente eficientes, pois não têm níveis adequados de isolamento, ou não têm mesmo nenhum. A este respeito, a quarentena realçou deficiências funcionais de muitos agregados familiares. Os edifícios sustentáveis não só proporcionam economia para as pessoas que neles vivem, como também se adaptam melhor às necessidades atuais da sociedade, que incluem a importância de cuidar do ambiente. Este contexto, juntamente com as novas exigências do mercado, em particular o compromisso com a sustentabilidade e a poupança de energia, realçam as vantagens da cerâmica como material de construção. A cerâmica é, pela sua própria natureza, um material amigo do ambiente. A sua produção utiliza elementos básicos, tais como terra ou barro, água e fogo, e são 100% recicláveis e reutilizáveis, para o mesmo, ou para outros fins.
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Isto é confirmado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que é um programa de âmbito nacional, tendo como orientação um conceito de sustentabilidade inspirado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, e compromete-se a várias intervenções na área dos edifícios, por forma a torná-los mais sustentáveis. O PRR está alinhado com os seis pilares relevantes da estratégia europeia 2030, entre eles a transição climática. A redução de carbono nos edifícios será um grande contributo nesta transição, contribuindo para a melhoria do desempenho energético e ambiental dos edifícios de serviços. Em concreto, pretende-se que as medidas a apoiar conduzam, em média, a pelo menos 30% de redução do consumo de energia primária nos edifícios intervencionados, sendo este o limiar mínimo a assegurar para os Grandes Edifícios de Comércio e Serviços (GES), e contribuir para a redução em 20% do consumo de água de abastecimento nesses edifícios.
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A nível estético, a cerâmica é um daqueles materiais que nunca sai de moda, devido à sua funcionalidade, resistência e durabilidade. É praticamente livre de manutenção, e muito fácil de limpar, é versátil do ponto de vista construtivo e decorativo, pois está presente tanto em pavimentos como em escadas, telhados, fachadas, piscinas, etc. Mas não só a sua resistência mecânica e o seu papel na estética são característicos de sustentabilidade deste material. Outra das vantagens é a sua elevada inércia térmica, o que faz com que atue de forma muito eficiente como regulador de calor. Além disso, é um material saudável porque não transmite cheiros ou bactérias, nem emite poluentes, tais como compostos orgânicos voláteis. Pavimento decorativo em cerâmica
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Além de que, a indústria cerâmica tem otimizado notavelmente o processo de fabrico, reduzindo ao máximo o consumo de energia e água e minimizando a geração de resíduos e emissões de dióxido de carbono. As duas qualidades mais notáveis da cerâmica são a sua grande resistência e a sua durabilidade. É um material tão duradouro e resistente a quase todos os agentes externos, mesmo a condições atmosféricas adversas, que leva a que possa durar a vida útil de um edifício, tornando possível conservar, por exemplo, azulejos originais desde o momento da sua construção. Dura cinco vezes mais do que muitos outros materiais, tais como o vinil por exemplo, contribuindo assim para a redução da pegada de carbono, uma vez que a sua durabilidade significa que pode permanecer em casa por mais tempo e, a longo prazo, um produto de longa duração significa menor consumo de recursos e, com ele, menor impacto ambiental.
As aplicações da cerâmica na arquitetura sustentável são numerosas. Para além das já mencionadas, tem grande potencial como material para melhorar o desempenho de fachadas ventiladas, é um grande aliado no aquecimento por piso radiante e permite a sua aplicação elevada, tanto em pavimentos como em paredes. Este sistema é altamente vantajoso para os estabelecimentos que necessitam de renovação periódica regular dos seus pavimentos e/ou revestimentos, uma vez que a instalação e mudança dos azulejos é feita de forma rápida e limpa. Como não se deforma e não é afetada por mudanças bruscas de temperatura, mesmo que haja gelo, é recomendado para fachadas, porque assegura uma proteção total contra agentes atmosféricos e garante um isolamento térmico duradouro.
Fachada ventilada em cerâmica
A cerâmica, que é de si proveniente de matérias-primas 100% naturais e recicláveis, aliada a uma produção mais limpa que é já uma prática corrente em alguma da indústria portuguesa de cerâmica, como sendo o uso de combustíveis renováveis, o reaproveitamento de energia, o controlo permanente dos consumos energéticos, a racionalização dos consumos de água e a reutilização de resíduos/subprodutos no processo de fabrico, fazem deste material um valioso contributo no combate às alterações climáticas e no desenvolvimento mais sustentável do setor da construção.
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Presidente do GRACE – Empresas Responsáveis
Se pesquisarmos online a palavra sustentabilidade, obtemos quase 800 milhões de resultados (na língua inglesa, o número aumenta mais de 5 vezes). O tema ganhou, finalmente, visibilidade e são vários os artigos, estudos, opiniões que o abordam diariamente. Mas importa, mais do que perceber topic trends, entender o significado da sustentabilidade e quais as suas implicações para todos nós. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), sustentabilidade é a capacidade de “suprir as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”, conceito que está bem espelhado na
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Provérbio indígena
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Por, Margarida Couto
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N ÃO H E R D Á M O S O P L A N E TA D O S N O S S O S PA I S , II P E D I M O - LO E M P R E S TA D O AO S N O S S O S F I L H O S *
Margarida Couto
Também em 2015, o Acordo de Paris, considerado por muitos um plano “aquém” do desejado, procurou estabelecer limites ao aumento da temperatura – idealmente 1,5ºC, com a consciência de que um aumento superior a 2ºC até meados do século constitui uma receita para o desastre climático.
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E, em 2019, o European Green Deal colocou a Europa no caminho de se tornar o primeiro Continente com impacto neutro no clima (net zero) até 2050.
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Agenda 2030, constituída por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovada pela ONU em 2015 e que representa a visão e um compromisso comum para a Humanidade e para o Planeta.
Há muito que o GRACE – Empresas Responsáveis, a maior associação empresarial em Portugal dedicada à sustentabilidade, tem vindo a sensibilizar o tecido empresarial para a importância e relevância destes temas e, verdade seja dita, atrevo-me a dizer que, hoje, todos os mais de 200 Associadosdo GRACE conhecem a Agenda 2030 das Nações Unidas e dedicam esforços ao cumprimentos de um ou mais ODS. A emergência do framework ESG (Environmental, Social e Governance) e a sua crescente adoção pelas empresas constitui também um sinal de que estas já compreenderam que, além da prossecução do lucro, têm o dever de operar de forma sustentável e responsável, criando valor para todos os seus stakeholders, indo mais longe no que diz respeito a temas ambientais, sociais e de governança, sob pena de poderem perder a sua “licença para operar ”. Na Europa, o facto de, no contexto do European Green Deal, ter sido aprovada uma Lei do Clima que estabelece metas claras e impõe obrigações juridicamente exigíveis em matéria neutralidade carbónica, constitui um ponto de viragem ao qual as empresas não podem ficar indiferentes. Também a aprovação da Taxonomia Ambiental, em breve aplicável a todas as empresas que não sejam PMEs, pretende não apenas levar o ecossistema empresarial a tornar as suas operações crescentemente sustentáveis de um ponto de vista ambiental, como, sobretudo, assegurar que, cada vez mais, o sistema financeiro canaliza o investimento essencialmente para atividades ambientalmente sustentáveis. Com elevada carga simbólica, o Banco Europeu de Investimento, afirmou-se como um Climate Bank, indisponível para financiar atividades que não contribuam para a descarbonização da economia. E, quando a nova Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) for adotada, serão muitas as empresas que terão de divulgar uma elevada panóplia de informação sobre sustentabilidade, com isso contribuindo para a transição para um sistema económico e financeiro alinhado com os objetivos do European Green Deal e com dos ODS. Finalmente, o projetado Pacote fit for 55,
proposto no verão de 2021 e constituindo uma peça essencial da política climática e energética da UE, contribuirá para revolucionar a vida das empresas, ao impor uma redução líquida de 55% das emissões de gases com efeitos de estufa até ao final da corrente década (sim, já só faltam 8 anos!). Se é certo que este “tsunami legislativo” que está associado ao European Green Deal pode parecer muito exigente dadas as novas e severas obrigações que impõe, certo é também que o mesmo pode ser fonte de inúmeras vantagens competitivas, a todos os níveis e para diversos stakeholders! Investidores – Estudos mostram que as empresas com estratégias ESG integradas obtêm resultados, no que à sua performance diz respeito, superiores, tornando-se consequentemente mais competitivas e atrativas, geradoras de mais oportunidades de investimento.
Imagem: Freepik.com
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Reputação – Empresas que gerem o seu negócio com a integração transversal de critérios ESG atraem investimento, talento, lealdade dos clientes, engagement dos colaboradores, sendo que tudo isto se traduz em elevados níveis de reputação, um fator de competitividade de cujo valor ninguém duvida.
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Clientes/Consumidores – Estes stakeholders votam cada vez mais “com a sua carteira”, estão disponíveis para pagar o chamado greemium, pelo que são as empresas top performers que conquistarão a lealdade de clientes e consumidores crescentemente exigentes em termos de sustentabilidade. Segundo a The RepTrack Company, os Millennials dão 3x mais importância a temas ESG nas suas decisões de compra, quando comparados com as demais gerações que os antecederam.
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Colaboradores – Num momento em que sabemos que as pessoas são o bem mais valioso de qualquer organização, são crescentes as evidências de que as empresas responsáveis – nomeadamente, a nível ambiental – conseguem não só atrair, mas também reter os melhores talentos, nomeadamente a escrutinadora geração Millennial, que manifesta a necessidade de se identificar com o propósito da empresa, na escolha do seu empregador.
Mas, como sempre acontece, nem tudo são rosas e os desafios, que são imensos, terão mesmo de ser vencidos se quisermos deixar um futuro às novas gerações.
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No início de abril, o IPCC (Interngovernmental Panel on Climate Change) divulgou o primeiro relatório que fornece uma avaliação aprofundada, setor a setor, sobre como o nosso comportamento, as nossas escolhas e as nossas decisões de consumo podem contribuir para a mitigação das dramáticas alterações climáticas que todos enfrentamos, identificando opções concretas suscetíveis de construir um futuro mais sustentável para todos e deixando um alerta que não nos pode deixar indiferentes: “O nosso clima é o nosso futuro. O nosso futuro (ainda) está nas nossas mãos.” A mensagem do Secretário Geral das Nações Unidas na conferência de divulgação dos resultados deste relatório não podia ser mais contundente. De acordo com António Guterres, “O júri atingiu um veredicto e este é condenatório. Estamos numa via rápida para o desastre climático. (…) Os resultados deste relatório são fruto de uma lista de promessas não cumpridas. Não se trata de ficção ou de exageros, é o que a ciência nos diz que resultará das nossas atuais políticas energéticas. Estamos num caminho que nos levará a um aquecimento global superior ao dobro do limite de 1,5ºC fixado no Acordo de Paris. Alguns Governos e líderes empresarias estão a dizer uma coisa e a fazer outra. Em suma, estão a mentir. E os resultados serão catastróficos. Estamos em situação de emergência climática”. Esta é uma oportunidade – porventura, não haverá muitas mais – para determinadas indústrias repensarem o seu papel, em termos de impacto no Planeta e na Comunidade. Ainda vamos a tempo, mas não temos muito tempo. As indústrias de cerâmica e de cristaleira em Portugal podem e devem fazer a diferença e assumir posição cimeira no contexto europeu. Como? Inovando. Desenvolvendo estratégias que não se resumam ao cumprimento de obrigações, que não se subjuguem à tirania da compliance e/ou à obtenção das certificações ambientais a que estão obrigadas. Apostando na eficiência energética das unidades fabris, modernizando as plataformas industriais e os centros logísticos, não só a nível de automação de processos, como no que se refere ao transporte de matérias-primas e mercadorias. Fazendo uso da quarta revolução industrial e da evolução tecnológica a que lhe está associada, para desenvolver novos materiais, novas embalagens, contribuindo, nomeadamente, para a economia circular e para a redução das emissões de carbono.
Os que compreenderem que o futuro é agora – e atuarem em conformidade com esta tão desafiante quão promissora realidade – serão os que terão maior probabilidade de continuar a desenvolver a sua atividade de forma competitiva e a continuar a operar num futuro que hoje parece longínquo. Entre outras empresas do setor, a Aleluia Cerâmicas, Presidente do Conselho Fiscal da APICER e Associado do GRACE, já faz parte deste imparável movimento Empresas Responsáveis. Estamos empenhados em apoiar os demais Associados, em conjunto com a APICER, nesta frutífera caminhada pela sustentabilidade. Juntem-se a nós!
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Associate Dean for Engagement and Impact , Iscte Business School.
Atualmente, não há dia em que não encontremos a palavra sustentabilidade num jornal, numa televisão, num outdoor, ou na internet. Os desafios que se colocam à humanidade são indiscutíveis. E é natural que isso nos inquiete bastante. A uns, mais que a outros. Porque desejamos um futuro mais sustentável. Mas de que se está a falar, quando se fala de sustentabilidade? Como se enquadra no contexto empresarial? Quem tem um papel determinante neste processo? Porque é que é algo crítico? E para que serve às empresas? Tentarei abordar brevemente cada uma destas questões, deixando, naturalmente, muito por dizer.
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Por, Ana Simaens
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SUS T E N TA . . . O Q U Ê ? C O M O ? Q U E M ? III P O R Q U Ê ? PA R A Q U Ê ?
Ana Simaens
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Sustenta... o quê? Bem, isso depende. O significado para a palavra sustentabilidade é visto de forma diferente para cada um de nós. Basta para isso pedir, não para nos dizerem, mas para nos “modelarem”, em breves minutos e com um conjunto de peças Lego®, o que é sustentabilidade ou o que significa um futuro mais sustentável. Uma centena de casos das mais variadas idades chegaram para me confirmar que a maioria, no imediato, associa sustentabilidade a uma dimensão ambiental. Não nos causará estranheza, se nos lembrarmos do incontornável Relatório de Brundtland1 da década de 80, ou dos sucessivos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), dos arranques e recuos das sucessivas cimeiras e acordos internacionais relacionadas com as questões ambientais, entre as quais destacaria a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e as conferências das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP). Contudo, a sustentabilidade tem vindo ao longo dos anos a ganhar – e bem – uma conotação mais abrangente, adicionando genericamente as dimensões social e económica à dimensão ambiental. A base deste conceito de sustentabilidade assenta muito numa abordagem sistémica e de interdependências aos muitos desafios enfrentados pela humanidade. A visibilidade da Agenda 2030, que preconiza os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), tem sido determinante para que os indivíduos, organizações, empresas, e Estados comecem a olhar para a sustentabilidade de uma forma muito mais holística. A organização dos ODS pelos cinco P’s – Planeta, Pessoas, Prosperidade, Paz e Parcerias – reforça isso mesmo. E por isso mesmo, quando desafiados a ir mais além, surgem de forma mais natural ODS relacionados com a dimensão de económica (prosperidade) ou a dimensão social ou pessoas (ver foto ilustrativa). Como? A sustentabilidade é uma jornada para as organizações que abraçam a transformação necessária para ir ao seu encontro. O enquadramento da sustentabilidade no contexto empresarial exige um crescente alinhamento da sustentabilidade com a estratégia organizacional, de forma a garantir uma real integração. De facto, a sustentabilidade transformacional “ocorre quando a sustentabilidade se torna uma parte integrante da estratégia empresarial de uma organização. Mais do que uma iniciativa, a sustentabilidade torna-se parte integrante dos valores da empresa.”2 Torna-se, assim, crítico não olhar para a sustentabilidade como um add-on ou um “nice to have” que não faz parte do ADN da empresa. A sustentabilidade deve ser vista como
1. Disponível em https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf 2. Disponível em https://www.ibm.com/downloads/cas/6NJEKDD8
um filtro para as decisões relacionadas com a definição de visão, missão, propósito, valores da empresa, bem como para as escolhas estratégicas ao nível corporativo ou de negócio, e decisões mais operacionais. É urgente a compreensão da necessidade de análise dos potenciais impactos ambientais, sociais e económicos negativos, ao mesmo tempo que se pense em formas mais regenerativas porque, cada vez mais, o equilíbrio já não é suficiente. Quem?
Mas porque é que é cada vez mais imprescindível para as empresas considerarem a sustentabilidade no seu negócio? Na perspetiva dos mais de 3000 CEOs inquiridos no estudo do IBM Institute for Business Value5, os CEOs têm sentido mais pressão para agir, num momento em que a sustentabilidade está agora considerada como o seu maior desafio organizacional nos próximos dois a três anos. Num outro estudo publicado em 2021 pelo United Nations Global Compact em parceria com a Accenture acerca de sustentabilidade denominado
3. Disponível em https://www.forbes.com/sites/soulaimagourani/2022/04/12/meet-the-next-generation-of-sustainability-leaders/ 4. Disponível em https://unglobalcompact.org/take-action/20th-anniversary-campaign/three-types-of-sustainable-business-leaders 5. Disponível em https://www.ibm.com/thought-leadership/institute-business-value/c-suite-study/ceo#
ODS 2 – Erradicar a fome
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Porquê?
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Muito se escreve sobre líderes em sustentabilidade, desde exemplos concretos, como é o caso da Forbes3 que identifica a próxima geração de Sustainability Leaders em diferentes setores, desde a alimentação, à moda, ou aos oceanos; até tipologias4, que incluem líderes em sustentabilidade que são ‘crentes natos’, i.e., que desenvolveram desde muito cedo uma mentalidade de sustentabilidade; os líderes mais apaixonados que foram “despertados” para as causas por alguma experiência pessoal impactante; e os “convencidos” que, não tendo nascido com uma mentalidade sustentável, foram capazes de a adquirir ao longo do tempo.
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Se a sustentabilidade deve ser vista como parte integrante da estratégia, quem tem um papel determinante neste processo? As lideranças. O compromisso gestão de topo e a colocação em prática de uma governação que permita a dinamização transversal das dimensões de ética e sustentabilidade nas empresas, seguindo princípios de transparência e accountability, são determinantes. Empresas mais preparadas para navegar entre mudanças de regulamentações, atitudes e expectativas das partes interessadas, serão aquelas que tenham uma abordagem muito clara sobre o entendimento de sustentabilidade. No fundo, e no seguimento do que foi dito anteriormente, líderes que abraçam a sustentabilidade transformacional olham para a sustentabilidade como um catalisador para a definição de novos modelos de negócio.
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“Climate leadership in the eleventh hour”6, e envolvendo mais de 1230 CEOs de 113 países e em mais de 21 indústrias as conclusões foram de certa forma relacionadas. Perto de metade dos CEOs inquiridos reportaram como risco-chave as interrupções na cadeia de abastecimento devido a condições meteorológicas extremas, o que tem criado urgência na necessidade de adaptação e resiliência, particularmente nas cadeias de fornecimento, com a diversificação de matérias-primas e diversificação geográfica das operações e força de trabalho. Neste sentido, os CEOs reportaram nesse estudo que os modelos de negócio têm vindo a ser repensados, com o desenvolvimento de novos produtos e serviços com a procura de soluções mais circulares. A par dos riscos, as questões mais legais ou normativas também têm tido um papel importante. Verificamos que as crescentes exigências legais e referenciais normativos, tais como a Taxonomia da União Europeia, ou as exigências de reporte de informação ESG (Environmental, Social and Governance), vão tendo o seu papel na institucionalização destas práticas nas organizações. Já em 2022, a PwC publicou o 25th Annual Global CEO Survey, um estudo de âmbito mais alargado, que envolveu perto de 4500 CEOs de 89 países e territórios em todo o mundo. Este relatório revelou algum otimismo em relação à resiliência económica, ainda que acompanhado de incerteza e tensões relacionadas com questões sociais e ambientais. Ainda assim, para os CEOs inquiridos, problemas relacionados com as alterações climáticas e a desigualdade social parecem causar menor preocupação do que os impactos financeiros nas empresas resultantes de um possível ciberataque ou choque macroeconómico. Para isto contribuirá certamente o facto de muitos dos incentivos de remuneração dos executivos estarem ligados ao desempenho financeiro das suas empresas, em que a ameaças mais imediatas se sobrepõem aos riscos mais indiretos ou percecionados como mais distantes. Isto mesmo, é o que parece mostrar o Global Risks Report do World Economic Forum (WEF) que, na sua edição de 2022 contou com cerca de 650 membros de comunidades de liderança do WEF. Os inquiridos revelaram-se pouco otimistas ou positivos sobre as perspetivas para o mundo, e os riscos ambientais – tanto a curto como a longo prazo –, bem como os riscos relacionados com as alterações climáticas são preocupações dominantes. Para a próxima década, destacam-se os três primeiros riscos mundiais: o fracasso da ação climática, eventos climáticos extremos, e a perda de biodiversidade e colapso do ecossistema. De notar que as preocupações de natureza societal aparecem numa posição mais elevada nos riscos até dois anos, mas à medida que o indicador alarga o seu horizonte temporal, a dimensão ambiental é a mais dominante. Para quê? Finalmente, para que serve às empresas a sustentabilidade corporativa? A primeira resposta merece estar relacionada com o sentimento de propósito. Poderia falar do Golden Circle e do famoso “Start with the Why” do Simon Sinek; ou de questões7 que nos ajudam a pensar se o propósito é, ou não, o cerne da estratégia: “1) O propósito contribui hoje para aumentar o crescimento e a rentabilidade da sua empresa? 2) O propósito influencia significativamente
6. Disponível em https://www.accenture.com/acnmedia/PDF-166/Accenture-UNGC-CEO-Study-Sustainability-2021.pdf 7. Disponível em https://hbr.org/2019/09/put-purpose-at-the-core-of-your-strategy
as suas decisões estratégicas e escolhas de investimento? 3) O propósito molda a sua proposta de valor central? 4) O propósito afeta a forma como constrói e gere as suas capacidades organizacionais? 5) O propósito está na agenda da sua equipa de liderança cada vez que se reúne?”
Até quando?
8. Disponível em https://www.ibm.com/thought-leadership/institute-business-value/c-suite-study/ceo# 9. Disponível em https://sustainabledevelopment.un.org/index.php?page=view&type=400&nr=2399&menu=1515
Imagem: Freepik.com
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Para terminar, deixo uma última interrogação – sem resposta – para os mais resistentes.
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De forma mais lata, um estudo publicado em 2017 pela Business and Sustainable Development Commission, intitulado “Better Business, Better World”9, concluiu que o cumprimento dos ODS permitirá, sobretudo nos países em desenvolvimento, um crescimento de pelo menos 12 biliões de dólares até 2030 para o setor privado, estimando-se que o impacto possa ser potencialmente duas a três vezes maior, sobretudo nos setores agroalimentar, cidades, energia e materiais, saúde e bem-estar.
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Além desta dimensão mais intangível, existem argumentos mais financeiros. Os resultados do estudo do IBM Institute for Business Value8 sustentam a perceção de um “business case for sustainability”, uma vez que mais de 80% dos cerca de 3000 CEOs inquiridos a nível mundial, dizem que os investimentos em sustentabilidade irão conduzir a melhores resultados nos negócios nos próximos 5 anos. De facto, este estudo conclui ainda que os CEOs que estão a integrar sustentabilidade e digital transformação estão a realizar maior crescimento das receitas, revelando que a sustentabilidade transformacional faz uso de tecnologias digitais de forma estratégica e operacional para impulsionar os resultados da sustentabilidade, expandir simultaneamente as oportunidades económicas.
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