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EC OEC ONOM I A . . . A AN T IG A NOVA EC ONOM I A
U MA PERS PE TIVA EU R O PE I A S OB R E A EC ONO M I A C I RCU L AR N A I N D ÚST R I A C ER ÂM IC A
P or Nadège Seguel C erame Unie
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EC ONOM I A C I RC U L AR C OMO PI L AR DA SUS TEN TAB I LI DAD E
Propriedade e Edição APICER - Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria NIF: 503904023 Direção, Administração, Redação, Publicidade e Edição Rua Coronel Veiga Simão, Edifício C 3025-307 Coimbra [t] +351 239 497 600 [f] +351 239 497 601 [e-mail] info@apicer.pt [internet] www.apicer.pt Editor e Coordenação Albertina Sequeira [e-mail] keramica@apicer.pt
P or Carlos Mar tins
Mestre em Planeamento Regional e Urbano, Engenheiro E specialista em Eng. Sanitária , Profes sor E specialista do IPL
Conteúdo desenvolvido por Aline Guerreiro, Margarida Couto e Ana Simaens Capa e Paginação Nuno Ruano Impressão Gráfica Almondina - Progresso e Vida; Empresa Tipográfica e Jornalística, Lda Rua da Gráfica Almondina, Zona Industrial de Torres Novas, Apartado 29 2350-909 Torres Novas [t] 249 830 130 [f] 249 830 139 [email] geral@grafica-almondina.com [internet] www.grafica-almondina.com
Imagens: Freepik.com Capa . Páginas 7, 13 Conteúdos conforme o novo acordo ortográfico, salvo se os autores/colaboradores não o autorizarem Este destacável é distribuido juntamente com a revista Kéramica nº 376
E C O E C O N O M I A . . . A A N T I G A N O VA E C O N O M I A Por Jorge Cristino, Autor e Gestor
Foi precisamente há 50 anos que teve lugar a primeira conferência mundial sobre o ambiente e que abriu portas para a diplomacia ambiental. A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, mais conhecida por Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, teve a virtude de provocar uma disseminação de legislação ambiental e os consequentes convénios internacionais. Teve ainda a virtude de introduzir como indispensável, a sensibilização e educação ambiental da população e a aposta clara na investigação científica.
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Passados 50 anos, continuamos a ser inundados por novas terminologias e novos conceitos, como se necessitássemos de reinventar a roda, permanentemente. Se por um lado, percebe-se a urgência de atualização de teorias e práticas com novos dados, cada vez mais alarmistas, por outro, sente-se a necessidade de tornar estes mesmos conceitos mais atrati-
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Já mais recentemente, a economista Mariana Mazzucato, abanou os líderes mundiais, com duas obras intituladas, “O Valor de Tudo” e “Economia de Missão”, através das quais percebemos de forma clara, a necessidade de sairmos de uma economia capitalista, tal como fez Paul Manson no seu livro, “Pós-Capitalismo”, onde apelou ao necessário abandono de uma economia linear, baseada em recursos fósseis e poluentes, passando em alternativa, a dar mais valor às pessoas e à natureza.
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Nesta sequência e nesse mesmo ano, procedeu-se à criação de uma lógica programática denominada United Nations Environment Programme (UNEP), de onde saiu o conceito de ecodesenvolvimento, criado por Ignacy Sachs, o primeiro ecossocioeconomista, que combinou crescimento económico com o aumento equitativo do bem-estar social e a preservação ambiental. Em 1987, o ecodesenvolvimento, daria origem ao conceito de desenvolvimento sustentável, através do Relatório Brundtland e ficou conhecido com este nome, por ter sido chefiado pela então primeira-ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland. Intitulado “O Nosso Futuro Comum”, procurou estabelecer, ainda que de forma abstrata e normativa, o “desenvolvimento sustentável”, definindo-o como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras, de suprir as suas próprias necessidades”. Esta definição popularizou-se com o passar dos anos, sendo hoje utilizada de forma transversal por governos, empresas, entre outras organizações.
Conferencia de Estocolmo 1972
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Jorge Cristino
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vos. A economia circular, o upcycling, o ecodesign, a análise e prolongamento do ciclo de vida do produto, a tradicional reutilização, a redução do consumo, o aumento da reciclagem, o reaproveitamento de resíduos ou subprodutos, o rótulo ecológico e outras certificações ou sistemas de monitorização de indicadores de desempenho ambiental, não são mais do que ferramentas e estratégias essenciais, para atingirmos o mesmo objetivo: a mudança para uma ecoeconomia, ou seja, a criação de um novo modelo de desenvolvimento económico. Este novo modelo está assente na dissociação (decoupling) entre o crescimento económico e o consumo de recursos, entre o aumento do bem-estar e a redução dos impactos na natureza. Para isso, ninguém tem dúvidas sobre as virtudes e as vantagens da adoção de uma visão circular da economia e dos modelos de gestão das empresas, das matérias e dos sistemas de produção. Tudo pode ser aproveitado, reaproveitado e valorizado. Se à economia associarmos a máxima atribuída a Antoine Lavoisier, de que “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, temos a certeza que existe valor em tudo o que se transforma. Haja para isso, investigação científica, criatividade e oportunidade. Este novo modelo económico, só pode ser alterado se introduzirmos em todos os processos, a visão de uma economia circular, mas não sem que antes se reduza o consumo e combata o desperdício, como comportamentos de referência, nomeadamente para outros setores de atividade e para os países em desenvolvimento, que se confrontam com um crescimento rápido da população. A produção de conhecimento, a investigação, o desenvolvimento, a inovação (ID+i) e a evolução tecnológica, têm definido muitas das orientações estratégicas das empresas e das decisões dos Estados, levando à aposta em investimentos, metodologias e políticas mais sustentáveis e de proteção ambiental. Vejamos os exemplos que hoje existem, de reciclagem e reutilização de materiais, nomeadamente o vidro, o papel, o plástico, o metal e os biorresíduos, amplamente aceites. E os novos conceitos na mineração como o green mining, o reMining e o Urban Mining, assim como o potencial de utilização de novos materiais, como as terras raras, ou outros identificados pela União Europeia como matérias-primas essenciais, ou a necessidade de transição para novas fontes de energia, como o hidrogénio. Além disso, há que mencionar a reabilitação ambiental, associada à exploração e à preocupação global para a produção energética, assente nas fontes de energia renováveis e na sua capacidade de armazenamento. Apesar destas mudanças, o último relatório do estado da circularidade, de 2022, da ONG Circle Economy, denominado “ The Circularity Gap Report”, avançou com o número da circula-
ridade económica no mundo de apenas 8,6% do total de 500 mil milhões de toneladas de matérias-primas virgens, extraídas nos últimos 6 anos. Isto quer dizer, que apenas 43 mil milhões de toneladas de matérias-primas voltam à economia e ganham valor. Além da ainda baixa circularidade que ainda se consegue, há que contar com o aumento do consumo, que quadruplicou o uso de materiais face ao crescimento da população, entre 1972 e 2022. Este relatório é ainda mais alarmante, quando damos conta que entre 2018 e 2020, reduzimos a circularidade, associando uma produção de resíduos na ordem dos 90% do material extraído.
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Este é o tempo e a batalha das nossas gerações. Inverter a tendência de destruição, a partir de um novo modelo de desenvolvimento económico. O legado que deixaremos às futuras gerações.
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Em conclusão, mais do que meros conceitos, teorias e novas terminologias em torno desta área, seja a ecoeconomia, bioeconomia, economia verde, azul, partilhada ou circular, que muitas vezes vêm confundir ainda mais o cidadão comum, o fundamental é adotar praticas que sejam mais responsáveis e respeitem a natureza e as próximas gerações, considerando os nove limites da saúde planetária. Para isso, o primeiro passo é simplificar, continuando a educar e a comunicar mais e melhor, no sentido de sabermos fechar o ciclo de todos os materiais, produtos, sub-produtos e resíduos. O segundo é universalizar indicadores de desempenho ambiental e usar plataformas de medição desses mesmos indicadores, na área do ambiente e do desenvolvimento sustentável, sejam os ESG (environmental, social, and governance), os KPI (key performance indicator) ou a Pegada Ecológica, de forma a associar a gestão económica e financeira à gestão ambiental, e assim atingirmos a tão desejada neutralidade climática e cumprindo a agenda de descarbonização.
U M A P E R S P E T I VA E U R O P E I A S O B R E A II E C O N O M I A C I R C U L A R N A I N D ÚS T R I A C E R Â M I C A Por Nadège Seguel
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Cerame Unie
Com um novo Plano de Acção de Economia Circular (CEAP) adotado pela Comissão Europeia (CE) a 11 de Março de 2020, a transição de um modelo linear de "produzir, utilizar, desperdiçar " para um modelo circular onde os recursos e materiais são reutilizados, reciclados ou recuperados tornou-se uma alta prioridade na agenda política europeia e um elemento importante do Pacto Ecológico Europeu. A indústria europeia da cerâmica, representada pela Cerame-Unie (CU), congratula-se com este Plano de Acção e salienta que a circularidade é um dos principais motores para alcançar uma economia neutra em carbono. A CU sublinha igualmente que esta transição exige novos modelos de negócio e encoraja o desenvolvimento de soluções inovadoras na indústria. Este artigo sublinha como a indústria cerâmica já contribui para a mudança para uma economia circular, descrevendo algumas das melhores práticas da indústria e destacando os obstáculos regulamentares e técnicos que dificultam a adoção e o desenvolvimento de práticas circulares (1). A secção seguinte passa em revista as iniciativas da União Europeia (UE) sobre economia circular e salienta as ações da Cerame-Unie (2). 1.
Ponto da situação da circularidade na indústria cerâmica
As melhores práticas As características comuns de todos os produtos cerâmicos são a eficiência de recursos e a elevada durabilidade ligada a uma longa longevidade. Após a fase de fim de vida, os produtos cerâmicos podem ser reutilizados e reciclados. É também de notar que a transformação química da argila em cerâmica não permite uma reciclagem em circuito fechado a 100%, mas fornece um input valioso para um circuito aberto. Apesar disto, o trabalho e os esforços têm sido dedicados ao desenvolvimento de soluções inovadoras com o objetivo de minimizar o
consumo de matérias-primas e a geração de resíduos durante o processo de produção, através da reutilização de resíduos de outros processos industriais, seleção otimizada de matérias-primas, conceção de produtos, e cooperação na cadeia de fornecimento para reciclagem. A CU publicou em Junho de 2020 uma brochura de 14 páginas intitulada "Economia Circular & Sustentabilidade - Melhores práticas da indústria cerâmica"1. Este documento descreve as atuais melhores práticas circulares recolhidas entre os membros de cada subsector cerâmico e mostra como contribui para a mudança para a economia circular através de processos de produção inovadores e produtos sustentáveis.
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A brochura pode ser consultada aqui: https://cerameunie.eu/topics/cerame-unie-sectors/cerame-unie/cerame-unie-brochure-on-circular-economy-and-sustainability-best-practices-from-the-ceramic-industry/
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Na indústria de louça sanitária, um fabricante de Portugal criou um novo material com elevada incorporação de resíduos que compete com a louça produzida de forma mais comum. Este material único é formulado para reintegrar todos os resíduos resultantes do seu próprio processamento, bem como parte dos resíduos produzidos durante o processamento da louça. Não é necessário qualquer tratamento adicional antes da integração no circuito do processo de fabrico da cerâmica sanitária, uma vez que utiliza os mesmos meios desde a preparação da matéria-prima até à cozedura final, acompanhando as peças de louça em curso na cadeia de produção.
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No sector da cerâmica, um fabricante português criou um pavimento de grés porcelânico para áreas interiores, concebido segundo critérios de sustentabilidade. Este pavimento cerâmico é amovível e reutilizável e não necessita de colas, cimento ou mão-de-obra especializada. Como o pavimento cerâmico pode ser reutilizado, a sua vida útil foi prolongada, levando a uma menor produção de resíduos. Também não necessita de quaisquer produtos complementares de aplicação, implicando a redução do material.
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Dois exemplos portugueses são apresentados na brochura e ilustram como a indústria cerâmica portuguesa está a desenvolver práticas circulares.
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Obstáculos regulamentares e técnicos Embora a indústria cerâmica esteja a mostrar soluções inovadoras para acrescentar à economia circular na Europa, ainda existem barreiras regulamentares e técnicas para aumentar as iniciativas atuais ou para iniciar novas iniciativas. Em primeiro lugar, existe uma falta de um mercado europeu que funcione bem para as matérias-primas secundárias, combinada com uma falta de confiança na qualidade e consistência de tais materiais. Para ultrapassar esta questão, o desenvolvimento de normas para as matérias-primas secundárias seria um bom passo em frente. Além disso, as fontes de material e os fabricantes nem sempre estão próximos uns dos outros. O transporte eficaz através das fronteiras europeias e dos Estados-Membros é, portanto, a condição sine qua non para permitir a circularidade na indústria cerâmica. Contudo, os Estados-Membros europeus têm interpretações diferentes do fim do estatuto de resíduo e de subproduto, desenvolveram os seus próprios critérios e as suas próprias regras e procedimentos de recolha e tratamento de resíduos. Estas diferentes regras conduzem a questões de transferência de matérias-primas secundárias. A harmonização das legislações nacionais sobre a utilização de matérias-primas secundárias é, portanto, necessária para apoiar o caminho da indústria cerâmica no sentido da economia circular. Paralelamente, uma legislação favorável aos produtos químicos seria também um potenciador da circularidade na indústria da cerâmica. Finalmente, a indústria necessita de um sistema eficiente de recolha, triagem e separação de resíduos, a fim de melhorar a qualidade e quantidade de materiais disponíveis para reciclagem. 2.
Oportunidades e desafios das iniciativas da União Europeia
As iniciativas da União Europeia O Plano de Acção da Economia Circular Europeia publicado em 2020 pela Comissão Europeia estabelece o caminho da transição da UE para uma economia circular. Anuncia novas iniciativas que visam a conceção de produtos, promovendo processos circulares, encorajando o consumo sustentável, e visando assegurar a prevenção de resíduos. Introduz igualmente medidas legislativas e não legislativas que visam áreas onde a acção a nível da UE traz um real valor acrescentado. Mais particularmente, a Iniciativa da UE para Produtos Sustentáveis (ESPR) irá introduzir um Passaporte Digital do Produto (DPP), alargar o âmbito da Directiva de Conceção Ecológica, regular os aspetos de
sustentabilidade dos produtos e abordar a presença de produtos químicos nocivos nos produtos. Os fabricantes terão de comunicar informações ambientais e respeitar os novos requisitos de conceção ecológica sobre reciclagem, reutilização, durabilidade dos produtos, reutilização, eficiência energética e de recursos, conteúdo reciclado nos produtos e modelos de negócio circulares, entre outros. Em paralelo, a Comissão está também a rever o seu Regulamento de Produtos de Construção (CPR) para incluir novas disposições para produtos reutilizados e reciclados. Além disso, a Comissão está a rever o seu Regulamento de Transferência de Resíduos (WSR) para simplificar os procedimentos estabelecidos para facilitar a entrada de resíduos na economia circular. No novo WSR, a classificação dos resíduos será harmonizada, e a transferência de resíduos deverá ser facilitada. Além disso, no âmbito da revisão da Directiva-Quadro Resíduos, o Serviço Comum de Investigação da UE (JRC) realizou um estudo para ajudar os decisores a determinar os critérios de fim de resíduos e subprodutos a nível da UE. Os resíduos de construção e demolição poderiam ser considerados como um sector prioritário desta iniciativa nos próximos anos.
Ações da Cerame Unie A CU está a conduzir ações sobre todas as iniciativas políticas da UE relacionadas com a economia circular acima descritas. Foi criada uma task force dedicada a reunir conhecimentos especializados sobre circularidade para responder a consultas públicas sobre as diferentes iniciativas políticas. A Cerame-Unie salienta igualmente que a criação de um tal ciclo de reciclagem gera custos significativos e não acontecerá à velocidade necessária sem os incentivos adequados, semelhantes aos implementados para as energias renováveis. Os projetos de investigação e inovação são também relatados no inventário anual da CU2.
2. Disponível aqui : https://cerameunie.eu/topics/research-innovation/eu-funding-programmes/2022-inventory-of-research-and-innovation-projects-in-the-ceramic-industry/
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Finalmente, a Comissão está a desenvolver roteiros de tecnologia industrial como parte da nova estratégia do Espaço Europeu da Investigação (ERA). Os roteiros têm como objetivo definir o caminho a seguir para a investigação e inovação na indústria em áreas-chave a nível europeu e nacional. Entre estes roteiros, um é dedicado às tecnologias industriais circulares.
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Além disso, a fim de alcançar os seus objectivos ambientais, a Comissão está a elaborar uma taxonomia da UE para orientar os investimentos financeiros para projetos e actividades sustentáveis. O segundo Acto Delegado, a ser publicado no final de 2022, incluirá critérios de economia circular para algumas actividades económicas específicas.
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A UE está também a rever a sua Directiva de Emissões Industriais (IED) com o objetivo de introduzir a descarbonização e elementos de economia circular. Com este objetivo, foi criado um subgrupo sobre descarbonização e economia circular no actual processo de revisão do Documento de Referência das Melhores Técnicas Disponíveis de Cerâmica (CER BREF).
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Novas iniciativas europeias sobre economia circular poderiam ser uma boa oportunidade para a indústria cerâmica ter mais apoio no desenvolvimento de projetos e iniciativas já existentes. No entanto, é essencial ter bons intercâmbios com os decisores políticos e continuar a transmitir mensagens fortes sobre as necessidades e a boa vontade da indústria.
ECONOMIA CIRCUL AR COMO PIL AR III D A SUS T E N TA B I L I D A D E
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Por Carlos Martins
Mestre em Planeamento Regional e Urbano; Engenheiro Especialista em Engenharia Sanitária; Professor Especialista do IPL
O livro “Limites ao Crescimento” publicado em 1972, que li já nos finais dos anos 70, foi um primeiro alerta para os temas ambientais e sobretudo para os riscos associados ao crescimento demográfico acentuado e para um modelo económico baseado em crescente aumento de consumo. Na sua génese um estudo publicado em 1971, encomendado a uma equipa de investigadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts pelo chamado Clube de Roma. O estudo tinha por objetivo prever as consequências a médio e longo prazo para as sociedades humanas e o mundo natural, do modelo de desenvolvimento económico e social baseado no progressivo crescimento da produção de bens materiais, acompanhado do crescimento acelerado da população mundial. Trinta anos mais tarde, alguns membros desse grupo de investigadores, procederam à revisão e atualização através do livro publicado em 2004 com o título “Limites ao Crescimento: Actualização 30 Anos depois” e podemos reter o seguinte comentário: “Em 1972 era impensável que os impactos físicos das atividades humanas pudessem avolumar-se a ponto de alterar
Dez anos mais tarde, Graham Turner, investigador da Universidade de Melbourne, procurou avaliar em que medida a situação existente em 2014 e a evolução verificada ao longo de quase 40 anos, se mostravam conformes com as previsões de 1972 do grupo do MIT. Através de compilação de dados publicados por vários organismos confirma que as previsões do livro “Limites ao Crescimento” se mostram no fundamental acertadas.
Foi com base nessa sensibilização à importância do tema que logo se promoveu a 1ª Conferência sobre Economia Circular no Centro Cultural de Belém, envolvendo o Ministério do Ambiente e o Ministério da Economia e empresas do setor do ambiente e dos resíduos em particular.
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Nessa linha a União Europeia avançou com o primeiro Plano de Ação para a Economia Circular, lançado em 2015, intitulado «Fechar o ciclo – plano de ação da UE para a economia circular». Foi em Paris, no decorrer dos trabalhos que conduziriam ao Acordo de Paris, onde estava em representação de Portugal, que mergulhei no tema da Economia Circular, através da Joana Balsemão que na época acompanhava a negociação de propostas legislativas da UE relacionadas com a política ambiental, climática e energética, na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia.
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Tendo por base este quadro, não é de estranhar que a União Europeia tenha assumido no âmbito do Pacto Ecológico Europeu que se continuarmos a explorar os recursos naturais como o fizemos até 2015, em 2050 necessitaremos dos recursos de três planetas Terra. Os recursos finitos e as questões climáticas requerem a passagem de uma sociedade do “extrair, fabricar, deitar fora” para uma economia neutra em termos de carbono, sustentável, isenta de elementos tóxicos e circular até 2050.
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Mais recentemente o economista norte-americano Herman Daly, fundador da disciplina conhecida por “Ecologia Económica” chama a atenção para os valores da estimativa publicada na revista britânica, Lancet, que aponta para um custo anual da poluição de cerca de 6% da economia global ao passo que a taxa do crescimento económico global se aproxima de 2% ao ano. Valores que traduzem uma diminuição do bem-estar de 4% ao ano.
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processos naturais básicos do globo. Mas hoje, observamos, reconhecemos e discutimos, o buraco do ozono, a destruição de recursos marinhos, as alterações climáticas e problemas globais de poluição”.
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As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) foram mobilizadas para agendas de Economia Circular regionais e as principais Associações Empresariais desenvolveram um trabalho setorial muito relevante o que permitiu forte sensibilização ao tema e a dinamização de muitos casos de boas práticas. Portugal elabora e apresenta o Plano de Ação para a Economia Circular em Conselho de Ministros no dia 8 de junho de 2017. Trata-se de um conceito estratégico que assenta na prevenção, redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia, substituindo o conceito de «fimde-vida» da economia linear por novos fluxos circulares que a partir de ecodesign promovem a reutilização, restauração e renovação, num processo integrado. Na União Europeia essa política ganha força com «Um novo Plano de Ação para a Economia Circular: Para uma Europa mais limpa e mais competitiva», adotado no dia 11 de março de 2020 que constitui um dos principais alicerces do Pacto Ecológico Europeu, o novo roteiro da Europa para o crescimento sustentável. O novo Plano de Ação para a Economia Circular estabelece uma estratégia orientada para o futuro, visando criar uma Europa mais limpa e mais competitiva em associação com os agentes económicos, os consumidores, os cidadãos e as organizações da sociedade civil, tendo em vista acelerar a mudança exigida no contexto do Pacto Ecológico Europeu. Através da aplicação de medidas ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos, este novo Plano de Ação tem como objetivo adequar a economia a um futuro ecológico, reforçar a competitividade, protegendo o ambiente e conferindo novos direitos aos consumidores. Resulta desta mudança de paradigma a economia circular. Uma nova forma de pensar o nosso futuro olhando o crescimento económico desligado do consumo crescente de novos
recursos, tendo por certo que teremos de prolongar a vida útil de produtos e assegurar a circularidade dos materiais, promovendo e facilitando a reparação, reutilização e dinamizando sistemas industriais integrados. O design de produtos e processos para a circularidade está na base destes novos desafios e possibilita o aproveitamento inteligente dos recursos em usos industriais contínuos. Se pensarmos o setor da construção como um todo, encontramos grandes desafios. Se pensarmos o design circular aplicado ao projeto de edifícios e áreas construídas, temos campo de atuação no processo de conceção e montagem das partes que os constituem, ou seja, de suas paredes, pilares, vigas, lajes, coberturas, fundações, pavimentos, tubagens e cablagens, divisórias, mobiliário, etc. Temos de ter presente que a economia circular remete para um modelo em que os edifícios se assumem como “bancos” de novos materiais pelo que cada parte de uma construção tem seu valor e está inserida em um ciclo.
Assim, para uma melhor transição do setor para uma conceção e produção mais circulares é necessário que os atores de todos os segmentos do setor trabalhem de forma integrada e focada na circularidade. No que respeita a medidas que contribuem para melhorar a percentagem de reutilização dos materiais nas construções é essencial a participação dos
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Podemos intuir que para assegurar circularidade no setor são necessárias alterações legislativas (em maior ou menor exigência regulamentar, para os diferentes casos), ganhar eficiência global na produção, recolher e processar informações, mudar o panorama atual de sistemas construtivos e a adoção de sistemas de construção que sejam mais sustentáveis e circulares.
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Em termos globais, as obras de construção civil consomem cerca de 75% dos recursos naturais extraídos da natureza, sendo que a construção de edifícios, em particular, usa 40% dos recursos minerais, 40% da energia e 16% da água consumidos anualmente. Em Portugal, 20% dos recursos energéticos nacionais e 6,7% do consumo de água são da responsabilidade dos edifícios.
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Assegurar que os materiais usados nessas estruturas possam vir a ser reutilizáveis nas próximas gerações de construção passa a ser central no projeto e nos processos construtivos, tendo presente que os componentes apresentam uma durabilidade funcional e estrutural diferente.
atores que intervêm na fase da conceção, tanto dos produtos feitos com estes materiais, como dos projetos concebidos com os produtos.
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Tendo em conta os processos construtivos mais comuns em Portugal importa salientar que a nível europeu, a indústria cerâmica tem investido em inovação, nomeadamente em termos de economia circular, com tradução na reutilização de telhas e na reciclagem de materiais cerâmicos provenientes de resíduos de construção e demolição, que através da sua moagem são reutilizadas como subprodutos para diferentes aplicações. Tem havido ainda preocupações em promover processos energéticos mais eficientes e com menor desperdício de matéria-prima. A implementação desta estratégia em diversas indústrias pode trazer vários benefícios a nível ambiental, técnico e económico, no entanto, ainda se encontra aquém da situação ideal, devido principalmente a entraves burocráticos resultantes do quadro legislativo, custos associados elevados (nomeadamente quando necessitam de pré-processamento) e às características dos resíduos, neste caso devido à sua heterogeneidade. A investigação e a inovação são essenciais para o sucesso da Economia Circular, pois a mudança de paradigma necessária passa por mais estudos ou ensaios que permitam correlações mais precisas entre “novas matérias primas da reciclagem” incorporados e as características dos produtos fabricados, contribuindo para aumentar a confiança dos atores, a abertura da administração pública a um quadro de intervenção que incentive as empresas a aderir a esta prática, promovendo estratégias de economia circular e simbioses industriais. A fiscalidade verde sobre as matérias-primas virgens e as “matérias-primas” de processos de reciclagem deverá merecer particular atenção de molde a assegurar uma boa combinação entre valores económicos e valores ambientais. Em muitas áreas e setores da economia este novo paradigma encontrou campo para uma forte dinâmica e leva mesmo a alterações nos modelos de negócio, com grande sucesso, mas o quadro geral identifica grandes desafios e um caminho com maior complexidade, num mundo globalizado e a diferentes velocidades em políticas ambientais globais. A pandemia COVID-19 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia tornaram mais evidentes as fragilidades da Europa em termos energéticos, disponibilidade de matérias primas virgens e dos próprios modelos de produção, constituindo pelas piores razões motivo acrescido para repensar o futuro coletivo. A sensibilização dos cidadãos em matéria de hábitos de consumo e comportamentos ambientais e uma fiscalidade ambiental que penalize as matérias-primas virgens ou que incentive as novas matérias-primas de origem em recicláveis são outros aspetos a considerar neste caminho para a Economia Circular.
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