Encarta Descarbonização - Parte 6

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DESCARBONIZAÇÃO Capacitação para Energias Renováveis

SUMÁRIO

MESTRADO EM ENGENHARIA DE ENERGIAS RENOVÁVEIS

DA FCT NOVA: UM CONTRIBUTO PARA OS DESAFIOS DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Por João Pina Murta Professor Auxiliar e Coordenador do Mestrado em Engenharia de Energias Renováveis

OS JOVENS NAS INDÚSTRIAS DE PRODUTOS MINERAIS NÃO-METÁLICOS: LIGAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, EMPREGO E ECONOMIA ENTRE 2015 E 2019.

Por Rita Guimarães Assistente de Investigação do Observatório do Emprego Jovem

PERANTE A CRISE, MUDANÇA E AUTONOMIA

Por António Cardoso Marques Prof. Catedrático da Universidade da Beira Interior

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Conteúdos conforme o novo acordo ortográfico, salvo se os autores/colaboradores não o autorizarem Este destacável é distribuido juntamente com a revista Kéramica nº 378

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MESTRADO EM ENGENHARIA DE ENERGIAS RENOVÁVEIS DA FCT NOVA: UM CONTRIBUTO PARA OS DESAFIOS DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

A Transição Energética (TE), isto é, a descarbonização do sistema energético global na segunda metade do século XXI, é um desafio societal inultrapassável, com marcados impactes económicos e sociais. Requer uma transformação global do sistema energético, em que a maior integração de reno váveis, o aumento da eficiência energética, a prossecução da economia circular, ou a eletrificação dos consumos, para além da inovação tecnológica suportada em Investigação e Desenvolvimento (I&D), são alguns dos vários caminhos a prosseguir.

A urgência da TE encontra razões em diversos fatores, a múltiplas escalas.

Os efeitos das alterações climáticas, induzidas pela atividade humana, são cada vez mais frequen tes e evidentes. Sucedem-se eventos atmosféricos extremos e efeitos irreversíveis na biodiversidade. De acordo com a World Meteorological Organization, que monitoriza os níveis atmosféricos dos principais gases com efeito de estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso), estes atingiram novos recordes em 2021, desde que há registos desses dados1.

A guerra na Ucrânia tem efeitos dramáticos nos mercados energéticos. O custo crescente da ener gia impacta o dos alimentos, levando a uma maior pobreza energética, em paralelo com insegurança alimentar. A UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) reporta aumentos marcados no custo do barril de crude e no dos alimentos, que ascendem a 20% (face a janeiro de 2022) e mais de 30% (face a janeiro de 2020)2.

Por outro lado, as últimas alterações legislativas no domínio da produção descentralizada de ener gia elétrica estabeleceram a figura das Comunidades de Energia Renovável (CER), veículo fundamental para a Transição Energética. As CER gerem energia produzida localmente, em modelos de autoconsu mo, e têm o seu foco na promoção da sustentabilidade e não apenas na obtenção de lucros3. As CER, definidas na Diretiva 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis4, transposta para o regime jurídico nacional, requerem ainda desenvol vimentos técnicos, tecnológicos, e organizacionais rumo à sua implementação e disseminação.

A TE implica, como em qualquer transformação de paradigma, a capacitação técnica e científica de profissionais e académicos. Esta não se cinge a uma única área científica ou tecnológica, consequência da multi- e interdisciplinaridade dos aproveitamentos renováveis, dos inúmeros processos industriais que têm de ser abordados, da mobilidade elétrica, ou da economia circular, entre muitos outros fatores.

É este o enquadramento e os desafios que levam à aposta no Mestrado em Engenharia de Energias Renováveis (MEER), ministrado pela NOVA School of Science and Technology (FCT NOVA), da Universidade NOVA de Lisboa. O MEER beneficia de mais de uma década de experiência pedagógica, suportada por uma forte componente de I&D.

1. WMO Greenhouse Gas Bulletin (GHG Bulletin), No.18, “The State of Greenhouse Gases in the Atmosphere Based on Global Observations through 2021”, disponível em https://library.wmo.int/doc num.php?explnum id=11352

2. https://unctad.org/global-crisis

3. Decreto-Lei n. º 15/2022, de 14 de janeiro, disponível em https://www.dgeg.gov.pt/media/5kflrfpw/dl15 2022 14 de janeiro.pdf

4. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32018L2001&from=LV

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I
Por Prof. João Pina Murta, Professor Auxiliar e Coordenador do Mestrado em Engenharia de Energias Renováveis

Como referido, os desafios que se colocam só podem ser abordados pela prossecução de estratégias e metodologias multi- e interdiscipli nares. Para tal, o MEER conta com o forte envol vimento de quatro departamentos da FCT NOVA, nomeadamente o de Eng. Eletrotécnica e de Computadores (a cargo de quem está a coorde nação do curso), o de Eng. Mecânica e Industrial, o de Eng. Química, e o de Ciências e Engenha ria do Ambiente. Em estreita colaboração, estes departamentos permitem oferecer uma estrutura curricular que, respeitando a formação académica prévia dos seus alunos, dota-os das competên cias técnicas e científicas para intervir, decidir e projetar no domínio da energia, em geral, e das energias renováveis, em particular. A conversão elétrica, fruto da necessidade de eletrificação da economia, tem uma ênfase especial no MEER, mas outras formas de energia, como a proveniente da biomassa, são também focadas, a par com os aspetos económicos, ambientais e legais destes empreendimentos. É promovido o contacto com empresas, nomeadamente ao nível das dissertações de mestrado, o que possibilita um contacto próximo com profissionais da área, mas capacitam-se também os alunos para a prossecução de atividades focadas na I&D.

O MEER pretende responder a uma necessidade do mercado e da sociedade, e a uma lacuna da oferta académica. Sendo um curso de engenharia, recebe alunos com essa formação prévia, ou em áreas afins. A diversidade das formações académicas de alunos e professores, e a proximidade entre os mesmos, contribui para um ambiente dinâmico, rico em frutíferas discussões, com resultados muito positivos para todas as partes. Tal é a opinião de muitos dos antigos alunos, que reconhecem a oportu nidade das competências adquiridas, ao lhes permitir ter acesso a, por exemplo, atividade profissional em setores que lhes estariam provavelmente vedados pela sua formação de base.

As unidades curriculares (UC) que compõem a estrutura curricular do MEER beneficiam das com petências dos departamentos anteriormente referidos.

A UC de Engenharia e Ambiente discute a utilização da energia na sociedade e a distribuição dos recursos fósseis e renováveis na sua exploração. Mais recentemente, introduziu também o papel do hidrogénio na Transição Energética.

Em Eletrotecnia e Máquinas Elétricas dotam-se os alunos dos conceitos fundamentais e avan çados de energia elétrica. Esta UC serve de base para as disciplinas de Gestão da Energia (onde se versam temas relacionados com a gestão da energia ou com a gestão de renováveis); Processamento e Armazenamento de Energia Elétrica (em que se visam, por exemplo, as interfaces de eletrónica de potência indispensáveis a aproveitamentos renováveis); e Projeto de Instalações Solares e Fotovoltaicas (que foca, em particular, as instalações fotovoltaicas, mas também os aproveitamentos solares térmicos e termoelétricos).

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João Pina Murta

Na UC de Processos Ambientais abor dam-se as temáticas do ambiente e sustentabi lidade, os seus sistemas, fluxos e inter-relações. Esta UC precede a de Avaliação Ambiental Estratégica e de Projetos, que dota os alunos das competências de avaliação de impactes am bientais e da avaliação ambiental estratégica, integrando também vertentes sociais, económi cas, culturais e de saúde, que permitam aferir os riscos e oportunidades associados às políticas, planos e programas.

Em Bioenergia avalia-se a importância des ta forma de energia no contexto global, e estuda -se a biomassa como fonte renovável de energia, detalhando-se os processos e tecnologias as sociados à sua produção e utilização. Na UC de Turbomáquinas analisam-se estes sistemas, que permitem a conversão de energia em aproveita mentos eólicos e hídricos.

Os aspetos económicos dos aproveitamen tos renováveis são abordados na UC de Econo mia das Energias Renováveis, suportados por casos práticos. Já as componentes fundamentais da política energética, a legislação nacional, comunitária e internacional, particularmente no que diz respeito às energias renováveis, são tratadas na disciplina de Política das Energias Renováveis.

Há uma particular preocupação em dotar os alunos de competências de projeto, colocando-os em contacto com problemas que refletem casos reais (por exemplo, projeto de instalações fotovoltaicas em autoconsumo).

Existem ainda dois aspetos fundamentais, no que é a visão do perfil curricular da FCT NOVA, consubstanciada numa prática pedagógica inovadora no seio do Ensino Superior. Por um lado, os alu nos têm a oportunidade de adquirir competências para a criação de valor a partir de ideias, na UC de Empreendedorismo. Adicionalmente, podem ainda enriquecer a sua formação com competências de áreas diversas, fora do âmbito do MEER, escolhendo uma UC das que são oferecidas a toda a FCT NOVA pelos distintos cursos de mestrado aí ministrados, na Opção Livre.

O MEER conclui-se com a realização de uma Dissertação, em que se incentivam os alunos a pro por assuntos do seu interesse. Esta prática tem promovido quer a coorientação entre departamentos, quer o envolvimento de outros fora da esfera do MEER, com claros ganhos para todos os envolvidos.

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Como aspeto distintivo adicional do MEER, refira-se ainda a organização, por alunos, do Workshop NOVA Energia5, cuja primeira edição (sob o mote “O contributo do hidrogénio no caminho para a neu tralidade carbónica”), fruto das circunstâncias da pandemia, permitiu contar com uma ampla assistência de países de expressão portuguesa, em particular de Portugal e Brasil, mas não só. Tal reflete a diversi dade encontrada no MEER, com uma forte presença de alunos de países de língua portuguesa, mas que conta, cada vez mais, com alunos e candidatos de outros países Europeus (como Espanha e Bélgica) e do médio oriente (por exemplo, Irão).

Em suma, o MEER responde a uma necessidade das empresas e instituições, e da sociedade em geral, colmatando uma lacuna ao nível da oferta académica de cursos de segundo ciclo, e em que, assente numa reconhecida e madura oferta curricular, forma profissionais e investigadores capacitados para os desafios impostos pela urgência da Transição Energética.

II

OS JOVENS NAS

INDÚSTRIAS

DE PRODUTOS MINERAIS NÃO-METÁLICOS: LIGAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, EMPREGO E ECONOMIA ENTRE 2015 E 2019.

Recentemente, o emprego jovem tem sido objeto de uma atenção especial em Portugal e na União Europeia. O mercado de trabalho dos jovens portugueses caracteriza-se, por um lado, por uma mãode-obra com níveis de educação médios muito elevados, reflexo de fortes investimentos na qualificação da população portuguesa ao longo das últimas décadas. Por outro lado, o emprego jovem continua a ser de baixa qualidade, tanto em termos salariais como em termos de contratos pouco estáveis, e particularmente afetado pelas crises económicas.

Estas fragilidades são indissociáveis do perfil de especialização da economia portuguesa. Setores pouco intensivo em conhecimento e tecnologia, nomeadamente os ligados ao turismo e habitação, cresceram muito nos últimos anos, acabando por absorver boa parte desta mão-de-obra com elevadas qualificações, apesar de oferecerem condições de trabalho pouco atrativas. Simultaneamente, são poucos os setores que oferecem emprego qualificado, com boa qualidade de emprego, e cujo crescimento tenha acompanhado as tendências de qualificação da população portuguesa.

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Por Rita Guimarães Assistente de Investigação do Observatório do Emprego Jovem
5. https://eventos.fct.unl.pt/nova-energia/

Nos setores das indústrias, isto é muito evidente. Já pouco expressivas no emprego a nível nacional, são as indústrias pouco intensivas em tecnologia que empregam as parcelas mais elevadas dos jovens, enquanto as indústrias de alta-tecnologia absorvem menos de 1% dos trabalhadores. Contudo, a última década registou algum crescimento da percentagem de jovens que trabalham em indústrias de médiaalta e média-baixa tecnologia, das quais é exemplo a fabricação de produtos minerais não-metálicos, que incluem os produtos cerâmicos1.

Um olhar aproximado sobre as indústrias de cerâmica2 permite-nos verificar que esta indústria é populada por uma mão-de-obra maioritariamente mais madura, com quase 80% dos seus trabalhadores com idades a partir dos 35 anos. Não obstante, o período de prosperidade económica da última década (2015-2019) foi positivo, registando um rejuvenescimento dos trabalhadores.

18-24 anos 25-34 anos 35-64 anos Total 2015 4,89 % 15,53 % 79,57 % 100 % 2019 5,64 % 17,04 % 77,32 % 100 %

2019.

Estes trabalhadores mais jovens têm, além do mais, características demográficas distintas dos restantes da área. Em primeiro lugar, enquanto para os trabalhadores a partir dos 35 anos, as mulheres constituem sensivelmente metade da força de trabalho, para os jovens o seu peso é de apenas 42%. Estes valores espelham, não obstante, uma evolução positiva nos últimos anos, especialmente para a faixa etária dos 18 aos 25 anos, onde a percentagem de mulheres era de apenas 30% em 2015.

Relativamente ao nível de qualificação, não obstante as melhorias registadas desde 2015, os jovens trabalhadores das cerâmicas são, ainda, largamente detentores de níveis de educação mais baixos, com apenas 15,7% dos empregados com idades entre os 25 e os 35 a terem concluído um grau de ensino superior, face a 35,4% em média nessa faixa etária para o país.

Uma importante ferramenta de atracão de jovens, e de jovens qualificados, para o setor passa pela oferta de contratos de trabalho estáveis. Em 2019, 41,6% dos jovens (25-35 anos) deste setor detinham contratos não-permanentes quando, para trabalhadores com mais de 35 anos, esta parcela era de apenas 18%. Na faixa etária dos jovens em idade de transição para o mercado de trabalho (17-24 anos), esta imagem é mais grave, embora tenha registado fortes melhorias desde 2015: um decréscimo de 82,5% para 62,5% de contratos não-permanentes.

Esta faixa etária (17-24 anos) tem-se mostrado particularmente vulnerável perante as fragilidades do mercado de trabalho, revelando as especiais dificuldades dos jovens de hoje em dia na transição para o mercado de trabalho. Nesse sentido, seria importante reforçar, também, as ligações entre economia, emprego e educação, numa perspetiva de melhorar a correspondência das necessidades do mercado de trabalho, do perfil económico do país, e dos jovens ainda em educação ou formação.

Um fator relevante nestes setores do fabrico de produtos minerais não-metálicos prende-se com o facto de serem tradicionalmente pouco empregadores de diplomados do ensino superior, de modo que

1. Guimarães, R. (2022) “O mercado de trabalho português tem-se tornado mais intensivo em conhecimento?” Policy Brief, Lisboa: Observatório do Emprego Jovem. https:// www.obsempregojovem.com/p/6356683708db1d41cec6ff37

2. Fabricação de produtos cerâmicos refratários; Fabricação de azulejos, ladrilhos, mosaicos e placas de cerâmica; Fabricação de tijolos, telhas e de outros produtos cerâmicos para a construção; Fabricação de outros produtos de porcelana e cerâmicos não refratários

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Tabela 1. Percentagem (%) dos trabalhadores das indústrias de cerâmica por faixa etária no setor privado em Portugal, em 2015 e em Fonte: Quadros de Pessoal (GEP/MTSSS), cálculos próprios.

a formação não-superior ganha uma importância redobrada. A formação profissional exige cada vez mais a combinação da componente teórica com a prática no local de trabalho e, consequentemente um maior envolvimento dos empregadores. A aproximação precoce de jovens ao mercado de trabalho não só facilita a aquisição de conhecimentos e capacidades relativos ao mundo do trabalho, mas oferece às empresas informação específica sobre as qualidades de potenciais candidatos.

Por outro lado, por vezes as empresas reportaram défices de mão-de-obra especializada e não encontram respostas por parte do sistema de formação profissional para resolvê-los. A solução inclui assim a formação no posto de trabalho e, inúmeras vezes, a formação de jovens sem qualquer preparação.

É neste contexto que é preciso compreender o papel de instituições que poderemos designar de intermediação, cuja função seria a de ligar as necessidades das organizações com a oferta de qualificações e competências. Idealmente, estas instituições identificam as necessidades atuais e futuras do mercado de trabalho e fazem a articulação com o sistema educativo e formativo, no sentido de criar ou evoluir a oferta formativa quer de base como para adultos. Têm sido, tradicionalmente, os serviços públicos de emprego e, mais tarde, os privados, a assumir essa missão de encontrar soluções para as empresas e trabalhadores inscritos nos respetivos centros ou agências.

Não obstante, talvez de maior pertinência nos setores das indústrias ligadas ao fabrico de produtos minerais não-metálicos, existem também instituições de proximidade que atuam ao nível local, procurando aproximar a oferta e a procura de competências. Existem múltiplas iniciativas locais e parcerias de múltiplos atores para a empregabilidade e o empreendedorismo que visam soluções para os défices de competências individuais e das empresas. O seu trabalho envolve um conhecimento detalhado das especificidades locais e setoriais e uma maior aproximação entre diferentes atores.

Em suma, as indústrias de cerâmica, em linha com os restantes setores de produtos minerais não-metálicos, enfrentam desafios no rejuvenescimento da sua força de trabalho, e em especial na procura ou formação de trabalhadores com as competências adequadas. Ainda assim, o panorama geral dos anos anteriores à crise económica resultante da pandemia da Covid-19 era positivo: registaram-se melhorias na contratação de jovens, e também nas suas qualificações formais, no acesso das mulheres ao setor, e na oferta de vínculos contratuais permanentes. Os próximos anos devem redobrar os esforços neste sentido, e analisar a necessidade de competências mais específicas e de uma formação mais direcionada – para as quais existem respostas a nível nacional, embora tenham que ser reforçadas.

Esta investigação surge no seguimento da realização do Livro Branco “Mais e Melhores Empregos para os Jovens”, elaborado pela Fundação José Neves, o Observatório do Emprego Jovem e o Escritório da Organização Internacional do Trabalho em Lisboa, contando com o Alto Patrocínio de Sua Excelência

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Rita Guimarães

o Presidente da República. No âmbito da preparação do Livro Branco foi realizada uma sessão de auscultação pública, que teve lugar no dia 15 de julho de 2022, em Lisboa. O documento final será divulgado em breve, nas plataformas das entidades organizadoras.

PERANTE A CRISE, MUDANÇA E AUTONOMIA

Convidado pela APICER para escrever uma breve reflexão sobre a crise na energia e pensar em alternativas, ocorre-me pensar que importa começar do início para que assim percebamos onde queremos chegar. A Europa, e os seus líderes, foram vendendo uma ideia civilizacional, é certo, mas sem previamente acautelarem as condições da sua implementação. Essa ideia é a necessidade de se proceder à transição energética e à defesa da sustentabilidade, que passaram a ser referências obrigatória em todos os discursos, imitados por todos, num populismo que apela a uma modernidade latente nas pessoas, sem a elas ter sido dito que todas as mudanças têm um custo. E esse custo significa dependência, incerteza, subida de preços e, no final, pobreza.

Está generalizada uma tendência na Europa, neste bloco que quer ser líder sem previamente ter verificado se o podia ser, para que se façam mudanças ´à força´, provocando ruturas nas famílias e nas empresas. Ditam as boas práticas que quando se pretende influenciar o comportamentono futuro de um agente económico, no sentido do que é socialmente desejável, então a ele devem ser atribuídos incentivos para essa mudança. A mudança quer como acompanhante o incentivo e não a punição. Quando se tributa incessantemente o uso de combustíveis fósseis sem a eles ser oferecida uma alternativa a preços comportáveis pelos consumidores, está a punir, não a incentivar. Quase vem à memória a história do senhor que tinha um burro, a quem foi reduzindo a dose diária de alimentação até deixar de comer. Nessa altura o animal morreu, para desgosto do dono, pois agora já não lhe pesava nas contas pois deixou de comer. Não se pode punir, taxando ainda mais, a manutenção de comportamentos quando os agentes não estão em condições para os alterar de imediato. Na mudança, o tempo é uma variável crucial.

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III

Os sectores altamente intensivos em ener gia, como é o sector da cerâmica, foram rapida mente confrontados com a concorrência de di versos destinos pelo input de produção que se habituaram a usar, o gás. Esta fonte foi chamada de transição. Péssima ideia ser apelidada de tal forma. Imagine-se uma empresa ou um país que produz um produto que lhe dizem ser provisório, que vai ser substituído. Esperam-se, de imediato, duas reações. A primeira, o aumento do seu pre ço, para que se maximize o lucro no menor período de tempo (porque é de transição e, portanto, vai ser dispensada). A segunda, o desinvestimento em novos locais de extração ou mesmo em modernização das instalações e da tecnologia atual. Pensam esses players do gás, que devem viver o dia-a-dia, aprovei tando ao máximo enquanto têm procura, comprometendo assim o futuro do abastecimento. Não porque encarnam algum tipo de indolência, mas porque quem os empurrou para essa situação se esqueceu que são agentes racionais e procuram empresas rentáveis. Em linguagem técnica, privilegia-se a operação em mercado à vista (mercado spot) em lugar dos contratos de longa duração take-or-pay que permitiam preços mais baixos, mas também maior previsibilidade e menor incerteza que, em conjunto suportavam investimentos nesta fonte de energia. A somar a isto juntou-se o sistema financeiro que cerceou investi mentos em fontes fósseis de energia, agravando ainda mais as condições da oferta. Empurraram-se assim as empresas/países, enfim os players no sector para o lucro imediato, porque o planeamento não foi acau telado e a ideia romântica de que a transição energética aconteceria, com custos despiciendos, bastando para isso que se repetisse vezes sem conta em discursos eloquentes, e cada vez mais alto.

Também não se perceberam os sinais que a OPEP+ foi dando desde o início da pandemia de COVID-19. Depois de uma cisma entre a Rússia e a Arábia Saudita, que cavalgaram uma guerra de preços, predatória entre eles mas também como arma para o gás e petróleo de xisto dos Estados Unidos, encontramo-nos numa nova fase em que este cartel alargado não está a deixar passar a oportunidade para fazer notar ao ocidente que o Cartel existe para ganhar dinheiro e não para dar suporte a uma transição energética em que os países encarecem a energia fóssil, punindo os consumidores com cargas fiscais excessivas.

Mas cá estamos, perante a necessidade de mudar. As empresas, em particular, são confrontadas com aumentos muito substanciais nos preços da energia nos seus processos produtivos. No gás o indi cador de referência para a fixação do preço na Europa tem sido o TTF (Title Transfer Facility), que é um mercado virtual de negociação do gás sediado na Holanda, e cujas transações têm sido essencialmente resultantes do gás transportado por gasodutos para o norte e centro Europa. Perante a incerteza e in terrupção de fornecimento do gás russo em consequência da guerra na Ucrânia e dos posicionamentos geopolíticos assumidos pelo Ocidente, e em particular pela Europa, os preços nesse hub virtual têm não apenas aumentado de forma abrupta, como também têm revelado enorme volatilidade. Deste modo, como alternativa aos fornecimentos da Rússia, em particular países de África e Estados Unidos da Améri ca, o preço do gás que a Europa está a comprar acaba por ser influenciado por esse índice de referência TTF, penalizando assim este gás liquefeito transportado em navios-tanque.

para Energias
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Renováveis

Espera-se de mercados financeiros evoluídos, que seja possível às empresas efetuar cobertura de risco, incluindo cobertura da volatilidade de preço. Mas aqui encontram-se vários óbices. Em primeiro lugar porque o sistema financeiro tem vindo a ser formatado para descartar fontes fósseis das carteiras dos investidores. Por outro lado, a elevada dependência do comportamento do preço do gás das decisões políticas que são tomadas e contrariadas no dia seguinte comportam um risco tal que nem mesmo os agentes mais amantes do risco estão dispostos a tomar. Perante isto, a Comissão Europeia trabalha numa proposta de mecanismo que retire este outro gás (que não o dos gasodutos) da referência do TTF, cons truindo um índice que reflita não apenas a procura e oferta neste ‘outro’ mercado de gás liquefeito, mas que anule uma parte da volatilidade, sendo que para isso pode tomar como referência preços históricos, aceitando sobre eles um prémio de contexto.

Mas é mesmo necessário mudar? Sim, mas mudar tornando-nos progressivamente autónomos, ou pelo menos aumentando o nosso grau de autonomia. O gás será ainda barato, mas não sabemos quando nem quanto. Mesmo com alguns players, como o Qatar, que estão já disponíveis para investir no aumento da capacidade de produção dessa fonte. Mas na verdade o gás será definitivamente mais barato quando se perceber que a transição energética passou a dispensar potência firme fóssil. Ora para isso é necessário persistir na eletrificação das economias, dos sectores, das atividades e das empresas. Tudo pela substituição de fontes, pela eletrificação. É certo que os preços de todas as formas de energia estão, de alguma forma, interligados e, no atual contexto, elevados. No entanto, os recursos fósseis têm a distribuição geográfica que têm, e a redução da dependência energética passa, de facto, pela produção local, pelo aproveitamento de fontes renováveis de energia, e, portanto, de eletricidade. Não aproveitar esta crise para se mudar é deixar passar a oportunidade. É não perceber que podemos libertar as amarras de um outro bloco comercial, de um ou outro movimento geopolítico e ficar dependente de outro ou de outros. Mas, claro, e capacidade para fazer a mudança?

Colocam-se aqui questões sobre a exequibilidade técnica e económica para essa mudança. Sobre a primeira, o desenvolvimento das tecnologias eletrificadas tem sido substancial permitindo já, em pratica mente todas as atividades, que a eletricidade seja viável tecnicamente e competitiva quando comparada com outras fontes, nomeadamente o gás. Já a questão económica é talvez mais complexa porque, por um lado as empresas confrontam-se com custos afundados, isto é, com investimentos no passado que foram feitos e que, ao abandonar-se essa tecnologia, dificilmente conseguem recuperar esses custos. De facto, nas empresas, a recomposição do investimento, da tecnologia, é um processo moroso a que, não raras vezes, se junta esse problema, não apenas psicológico, dos custos afundados (sunk costs). Por outro lado, coloca-se a questão objetiva da capacidade financeira para encetar essa alteração de tecnologias. Ora aqui, num contexto internacional de grande inflação, de escalada de preços de energia e de debate sobre medidas para lidar com essa conjuntura, a questão fiscal assume-se como muito relevante. Urge delinear um plano fiscal que apoie as empresas nessa mudança para a eletrificação e para a autoprodução de eletricidade. Os lucros investidos nessa mudança de tecnologias e nesse investimento não deveriam ser sujeitos a tributação porque, dessa forma, as empresas garantem a sua sustentabilidade financeira, re duzem a procura de gás, e aceleram a transição energética pois esse é, no final do dia, o nosso desígnio coletivo e o nosso objetivo partilhado. Pela mudança, com mais autonomia.

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Image by jcomp on Freepik

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