Encarta Descarbonização - Parte 1

Page 1

70

60

50

40

30

20

10


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

S U M Á R I O

1

PR EFÁC IO

2

14

6

16

11

19

O DE S ENVOLV I M E N TO SUS TEN TÁV EL E A EC O N O M I A DA C OOPER AÇ ÃO

O C ONS ÓRC IO E A JOINT VENTURE

A A S S OC I AÇ ÃO E M PAR TIC I PAÇ ÃO

Propriedade e Edição APICER - Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria NIF: 503904023 Direção, Administração, Redação, Publicidade e Edição Rua Coronel Veiga Simão, Edifício C 3025-307 Coimbra [t] +351 239 497 600 [f] +351 239 497 601 [e-mail] info@apicer.pt [internet] www.apicer.pt Editor e Coordenação Albertina Sequeira [e-mail] keramica@apicer.pt

O AG RU PAM E N TO C O M PLE M E N TAR D E E M PR E S A S

O AG RU PAM E N TO EU R O PEU D E I N T E R E S S E EC O N Ó M I C O

S Í N T E S E F I N AL

Conteúdo desenvolvido por António Barreto Archer, do Gabinete de Projetos da APICER Capa e Paginação Nuno Ruano Impressão Gráfica Almondina - Progresso e Vida; Empresa Tipográfica e Jornalística, Lda Rua da Gráfica Almondina, Zona Industrial de Torres Novas, Apartado 29 2350-909 Torres Novas [t] 249 830 130 [f] 249 830 139 [email] geral@grafica-almondina.com [internet] www.grafica-almondina.com

Imagens: Freepik.com Páginas 3, 4, 12, 15, 16, 19 Conteúdos conforme o novo acordo ortográfico, salvo se os autores/colaboradores não o autorizarem Este destacável é distribuido juntamente com a revista Kéramica nº 373


P R E FÁ C I O Por, Manuel Ferreira Ramos.

O povo, na sua imensa sabedoria, foi sempre capaz de encontrar formas simples que condensam, numa simples frase, toda uma visão. A imensa sabedoria, muitas vezes, e esperteza, noutras tantas, leva a que haja dois provérbios, contraditórios, que abrangem todas as situações possíveis de acontecer. A situação mais conhecida é poder optar-se por “quem tudo quer, tudo perde” ou “quem não arrisca não petisca”. Dir-se-á que, nestas duas frases, se podem conter todas as situações plausíveis. “O segredo é a alma do negócio”. Este é um brocardo que continuamos a ouvir mas que teremos de actualizar.

Há, de resto, uma multiplicidade de episódios, de histórias, de relatos que todos temos e que todos já ouvimos, que evidenciam o que se perde, o que se gasta quando não somos capazes de articular iniciativas, de procurar compromissos, de ver concorrentes como parceiros. É por isso que este despretensioso trabalho do António Archer, Engenheiro e Advogado, é lapidar quando nos apresenta não só as várias formas e as várias fórmulas de cooperação empresarial, com o detalhe possível, como avança com a essência e natureza dessas construções jurídicas. A ler e a reter, nesta época em que, mais uma vez e de forma recorrente, os apoios existentes e disponibilizados, nomeadamente através do PRR, apela, muitas vezes, para alguns desses instrumentos de colaboração empresarial transversalmente em todos os sectores.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

É recorrente a crítica acerca da reserva de muitos empresários e de muitas empresas em actuar em concerto, de avaliar em conjunto, de partilhar investimentos.

DESCARBONIZAÇÃO

Ou seja, “uma andorinha não” pode trazer, “não traz a Primavera”,

1

Na economia actual, sem prejuízo de continuarmos a ter presente a necessidade da solidão de algumas decisões, do percurso isolado nalguns momentos, é determinante e é crucial a capacidade de colaboração, de partilha, de diálogo, de cooperação entre empresas e empresários.


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

2

I

O D E S E N V O LV I M E N T O S U S T E N TÁV E L E A ECONOMIA DA COOPERAÇÃO Por, António Barreto Archer, Advogado e Engenheiro O modelo económico atual assenta num imperativo de crescimento, alimentado pelo desenvolvimento tecnológico e pela competitividade, que tem como objetivo a maximização do lucro e se baseia na premissa de que os recursos são tendencialmente ilimitados. Pode ser visto como um sistema linear global: que se inicia com a extração de matérias-primas; prossegue através de uma cadeia sucessiva de etapas complexas de processamento e reprocessamento de matérias-primas e produtos intermédios; continua com a produção de uma imensa variedade de produtos; segue depois com a disponibilização destes produtos aos consumidores, através de cadeias logísticas sofisticadas, em mercados cada vez mais globalizados; e termina com a geração de resíduos e a necessidade de os eliminar ou valorizar. A base deste modelo está na permanente disponibilidadede capital de financiamento, obtido através de um processo de expansão e de acumulação. É verdade que a generalização deste modelo económico e os avanços científicos e tecnológicos alcançados promoveram de uma forma inédita na história da humanidade o aumento do bem-estar e da esperança de vida do ser humano. Porém, nos últimos séculos, perante o deslumbramento do seu engenho e rodeado de bens materiais por si concebidos e fabricados, o ser humano perdeu a noção de que é parte integrante desse grande sistema em equilíbrio dinâmico que é o planeta Terra. A mudança de paradigma no papel do ser humano perante a biosfera em que se integra, enquanto ser intelectualmente evoluído e superiormente capaz a quem é confiada a gestão consciente dos recursos naturais, é absolutamente fundamental para se seguir a via do desenvolvimento sustentável perene e acessível a todos. Vistos sob esta perspetiva, o ambiente e a natureza adquirem um significado novo, tornando-se em critérios de valoração ética para as condutas humanas, tanto coletivas como individuais. Estes valores são atualmente preconizados pelas instituições internacionais e estão contextualizados nos diversos documentos e resoluções emitidos por estas instituições. No ano 2000 a Organização das Nações Unidas (ONU) definiu os objetivos do milénio1, estabelecendo princípios básicos de sobrevivência como são a erradicação da pobreza, o acesso universal à educação básica, a melhoria dos cuidados de saúde e o combate às epidemias, que hoje se tornou numa prioridade política global face ao impacto avassalador em todo o mundo da pandemia da COVID-19. Tendo como suporte diversos trabalhos anteriores2, a Declaração do Milénio encarou também outras necessidades fundamentais para o desenvolvimento e melhoria das condições de vida da humanidade: a promoção da igualdade de género, a sustentabilidade ambiental e o estabelecimento de uma rede de cooperação internacional para o desenvolvimento mundial. “Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta”3 é o título de uma decisão da União Europeia (UE) com vista à sua atuação em termos de política ambiental. A UE reconhece o enorme impacto que a degradação dos ecossistemas e do ambiente exerce, de uma forma

1. United Nations Millennium Declaration. Resolution adopted by the General Assembly on 8 September 2000. A/RES/55/2. New York: United Nations Organization (ONU). 2. Agenda 21: United Nations Conference on Environment & Development (UNCED). Rio de Janeiro: United Nations.


geral, sobre a saúde e o bem-estar humanos. Neste documento é também reconhecida a necessidade de dissociar o crescimento económico da degradação ambiental. De facto, a União Europeia tem sido pioneira na definição de rumos políticos adequados aos problemas atuais com que o mundo lida, que são muitas vezes seguidos por outras instituições. Os maiores desafios ambientais, nomeadamente as alterações climáticas ou a poluição dos oceanos, têm uma abrangência universal e, como consequência, necessitam de ser abordados numa perspetiva global, requisitando maior cooperação internacional para a procura de soluções integradoras e de conjunto, tal como preconizam as metas da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.

image: Freepik.com

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

DESCARBONIZAÇÃO

3. Decisão n.º 1386/2013/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, relativa a um programa geral de ação da União para 2020 em matéria de ambiente "Viver bem, dentro dos limites do nosso planeta" (JO L 354 de 28.12.2013 ed., pp. 171- 200): Jornal Oficial da União Europeia, L 354 de 28.12.2013. 4. Schellnhuber, H. J., Hare, W., Serdeczny, O., Adams, S., Coumou, D., Frieler, K., et al. (2012). Turn Down the Heat: Why a 4°C Warmer World Must be Avoided. Washington: International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank.

3

Desde há cerca de uma década que a estratégia de combate às alterações climáticas se tornou parte integrante da política da UE, como forma indissociável de garantir o desenvolvimento sustentável, a competitividade e a segurança do aprovisionamento da energia. Existem fortes evidências científicas de que as alterações que se vêm registando no clima da Terra e, especialmente, o aumento da temperatura média global da atmosfera do planeta, têm como causa o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera resulta da atividade humana, nomeadamente, da alteração da utilização do solo, da desflorestação para obtenção de terrenos para a produção agrícola, para a construção ou para a indústria, dos incêndios, da exploração intensiva dos recursos naturais e, sobretudo, das emissões de gases da combustão do carvão e dos hidrocarbonetos líquidos e gasosos (combustíveis fósseis). O desenvolvimento industrial e a utilização da energia têm contribuído de forma inequívoca para o aumento das emissões de CO2 e de outros gases com efeito de estufa (GEE) e, consequentemente, para o aumento da concentração destas substâncias na atmosfera, que apesar de ser apenas vestigial em relação à concentração dos componentes mais abundantes (azoto e oxigénio) tem um efeito significativo na quantidade de radiação absorvida pela atmosfera em comprimentos de onda mais elevados do que o espetro visível (infravermelho)4. O efeito das emissões de GEE é cumulativo, pelo que as concentrações de CO2 na atmosfera que se verificam no momento presente resultam, não apenas das emissões atuais, mas da acumulação das emissões ocorridas ao longo dos últimos anos, dado que o tempo médio de residência do


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

4

CO2 na atmosfera atinge os 200 anos5. Em maio de 2013 a concentração média de CO2 na atmosfera registada no observatório de Mauna Loa (Hawai) chegou a 400 partes por milhão (ppm)6, valor muito mais elevado do que os 278 ppm que se estima fosse o valor médio da concentração de CO2 na atmosfera na época pré-industrial (século X VIII). A Organização Meteorológica Mundial (WMO) registou, em 2013, e comparativamente à era pré-industrial, valores das concentrações de GEE mais elevados em 121% para o óxido nitroso (N2O), em 142% para o CO2, e em 253% para o metano (CH4)7. A tomada de consciência da importância das alterações climáticas, da necessidade de limitar os seus efeitos e da responsabilidade de todo o planeta neste problema, cuja dimensão impõe a necessidade de mobilizar os governos de todos os países do mundo para a sua resolução, levou a ONU a estabelecer negociações entre os diferentes países com o propósito de alcançar compromissos políticos, definir metas e quantificar objetivos de redução das emissões de GEE. Tal como acontece com outros gases e substâncias poluentes, a emissão para a atmosfera de GEE de origem antropogénica está condicionada por acordos internacionais. Em 2015, os dirigentes mundiais reunidos em Paris na 21a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP21) definiram novos objetivos em matéria de luta contra as alterações climáticas e celebraram um acordo que apresentava um plano de ação para limitar o aquecimento global a 2°C face ao valor de referência do ano de 19908. Mais recentemente, entre 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, decorreu em Glasgow a 26a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que reuniu as 197 partes daquela Convenção-Quadro das Nações Unidas (CQNUAC), entre as quais se contam a União Europeia e todos os seus Estados-Membros. O pacto conseguido em Glasgow determina o aumento dos fundos destinados a ajudar os países em desenvolvimento a combater as alterações climáticas, o lançamento de um Compromisso Mundial sobre o Metano e a finalização das regras sobre os aspetos operacionais do Acordo de Paris (Regras de Katowice), deixando margem para envidar novos esforços nos próximos anos, a fim de alcançar a meta de 1,5 °C na limitação do aquecimento global face ao valor de referência da temperatura média global da atmosfera do planeta no ano de 1990. A Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões de 11 de dezembro de 2019 estabeleceu um Pacto Ecológico Europeu para a União Europeia e os seus cidadãos, redefinindo o compromisso da Comissão de enfrentar os desafios climáticos e ambientais e uma nova estratégia de crescimento que visa transformar a UE numa sociedade equitativa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva, que em 2050 tenha zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa e em que o crescimento económico esteja dissociado da utilização dos recursos. O Regulamento (UE) 2021/1119 do Parlamento Europeu e do Conselho de 30 de junho de 2021, designado como «Lei Europeia em matéria de Clima» veio dar força jurídica vinculativa a esta meta, criando o regime para alcançar a neutralidade climática e alterando os Regulamentos (CE) no401/2009 e (UE) 2018/1999. O artigo 4o, no 1, do Regulamento(UE) 2021/1119 preceitua que, a fim de alcançar o objetivo de neutrali-

5. Climate Change 2013 - The Physical Science Basis. Working Group I contribution to the Fifth Assessment Report (AR5) of Intergovernmental Panel on Climate Change. New York: Cambridge University Press 6. Dlugokencky, E., & Tans, P. (2015). Trends in Atmospheric Carbon Dioxide. NOAA /ESRL - Earth System Research Laboratory, Retrieved from http://www.esrl.noaa.gov/ gmd/ccgg/trends/global.html. 7. World Meteorological Organization (WMO), & WMO’s Global Atmosphere Watch (GAW). (2014). The State of Greenhouse Gases in the Atmosphere Based on Global Observations through 2013. WMO Greenhouse Gas Bulletin N. 10, 6 November 2014, 8. 8. Edenhofer, O., Flachsland, C., Jakob, M., & Lessmann, K. (2013). The Atmosphere as a Global Commons - Challenges for International Cooperation and Governance. Discussion Paper 2013-58. Cambridge: Harvard Project on Climate Agreements, Belfer Center for Science and International Affairs, Harvard Kennedy School, Harvard University.


dade climática até 2050, a meta climática vinculativa da União para 2030 deve consistir numa redução interna das emissões líquidas de gases com efeito de estufa (emissões após dedução das remoções) de, pelo menos, 55% em relação aos níveis de 1990. As alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas, da biosfera e do meio ambiente em geral, constituem, pois, problemas verdadeiramente universais, considerados por muitos como os maiores desafios do século X XI. Mas o mundo de hoje enfrenta outros sérios problemas relacionados com a globalização, como a dinâmica populacional e os fluxos migratórios, a crescente urbanização, o extremismo associado a fundamentalismos religiosos ou a tiranias políticas, a disseminação de doenças alargadas a zonas geográficas onde não ocorriam ou estavam erradicadas e o risco de novas pandemias. Estes problemas são os maiores fatores de pressão sobre o desenvolvimento sustentável, incluem-se na equação da degradação global do meio ambiente e são, simultaneamente, parte da solução: o desenvolvimento sustentável não poderá alcançar-se em sociedades vítimas de conflitos, mas a paz e a segurança também não se garantem sem o desenvolvimento sustentável das sociedades, tal como preconiza a meta 16 da Agenda 2030 da ONU (16. Paz e Justiça: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis).

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

12. Elkington, J. 25 years ago I coined the phrase “triple bottom line”: Here's Why It's Time to Rethink It. Harvard Business Review, Jun 25, 2018.

DESCARBONIZAÇÃO

9. Geddes, P. (1915). Cities in evolution: an introduction to the town planning movement and to the study of civics. London: Williams & Norgat; 10. Roman, P.; Muylaert, C.; Ruwet,C.; Thiry, G.; Maréchal, K. Intégrer la territorialité pour une économie de la fonctionnalité plus soutenable. Vol. 11. No. 1. Développement durable et territoires, 2020. 11. Ademe; Atemis; Vuidel, P; Paquelin, B. Vers une Économie de la Fonctionnalité à Haute Valeur Environnementale et Sociale en 2050: Les Dynamiques Servicielle et Territoriale au Coeur du Nouveau Modèle. Synthèse. Agence de l’Environnement et de la Maîtrise de l’Energie (ADEME), 2017.

5

Muitos dos problemas ambientais globais têm dimensões marcadamente regionais, que são função das condições geográficas, naturais e climáticas que definem a vulnerabilidade de uma região, mas também das raízes culturais e, sobretudo, das políticas que aí são desenvolvidas. O reconhecimento desta realidade traduz-se na expressão, amplamente divulgada, “pensar global, agir local” conceito que, apesar dos seus 100 anos9 e da banalidade que adquiriu, continua a revelar-se da maior importância e aplicabilidade. É precisamente no contexto local que a atuação conjunta dos agentes económicos e a cooperação entre estes, a todos os níveis, se manifesta como um dos pilares fundamentais para a construção da sociedade e da economia do futuro. Alguns autores10 têm mesmo defendido a necessidade de um novo modelo económico, que designam como “economia da funcionalidade e da cooperação”, como base de ação para novas trajetórias de desenvolvimento sustentável, que considerem os setores económicos e o território como espaços de transformação e, sobretudo, de cooperação, num novo modo de produzir e comercializar. Nesta nova economia, as formas de cooperação entre empresas e outros agentes económicos, públicos e privados, adquirem uma importância fundamental, não só pelo aumento da capacidade de intervenção no mercado que proporcionam às empresas de pequena e média dimensão, como pela maior eficiência que o fornecimento de soluções integradas de bens e serviços pode permitir. Estas soluções permitem geralmente um menor consumo de energia e uma poupança de recursos, proporcionando uma menor pegada carbónica11. Para que a transição energética seja um impulso real para uma nova economia industrial sustentável, é, pois, necessário encontrar formas jurídicas de cooperação entre os vários agentes que assegurem o estabelecimento de relações duráveis e resilientes, mas que sejam também flexíveis, para se adaptarem às necessidades concretas dos agentes económicos e às exigências da concorrência e do mercado global.12 Disso trataremos nos próximos capítulos.


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

6

II O C O N S Ó R C I O E A J O I N T V E N T U R E Quando falamos em formas jurídicas de cooperação, surge na nossa mente a figura da cooperativa. De acordo com a definição constante no no 1 do artigo 2o do Código Cooperativo, aprovado pela Lei no119/2015, de 31 de agosto, as cooperativas são “pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles”. Os princípios cooperativos, elencados no artigo 3o do Código Cooperativo são: a adesão voluntária e livre; a gestão democrática pelos membros; a participação económica dos membros; a autonomia e a independência; a educação, a formação e a informação; a intercooperação e o interesse pela comunidade. Sem prejuízo das cooperativas poderem ter um importante papel na chamada “Economia de Francisco”, uma economia sustentável, democrática e fraterna, capaz de romper com as desigualdades sociais e proporcionar a emancipação humana, construindo mecanismos de criação de riqueza que respeitem a natureza e fortaleçam a cooperação13, a sua natureza não lucrativa coloca-as fora do âmbito de abordagem do presente trabalho. Um consórcio é uma forma contratual de cooperação entre pessoas jurídicas distintas que consiste numa associação de dois ou mais indivíduos, empresas, organizações ou governos, em qualquer combinação, que tem como objeto o exercício de uma atividade comum ou a partilha de recursos para atingir um objetivo comum. A criação legislativa da figura do “consórcio” em Portugal foi operada pelo Decreto-Lei no 231/81, de 28 de julho, que veio dar o necessário enquadramento legal a esta forma de cooperação entre empresas, considerando que as suas características, simplicidade e flexibilidade permitiriam que fosse utilizada com diversos objetivos economicamente relevantes. Os propósitos práticos dos agentes económicos e a natureza das relações que entre si estabelecem para certos fins afastam os seus negócios, muitas vezes, dos tipos tradicionais. Por exemplo, quando várias empresas se reúnem para a execução de uma obra, pública ou privada, ou de um projeto de investigação e desenvolvimento tecnológico, financiado ou não por sistemas de incentivos nacionais ou europeus, pode ser inconveniente constituírem entre si uma sociedade, numa das espécies de sociedades comerciais legalmente previstas, e também não fará sentido considerar, juridicamente, que tendo elas afastado voluntariamente esse tipo de enquadramento, pretenderam afinal constituir uma sociedade irregular. Os exemplos podem multiplicar-se se pensarmos na reunião de empresas apenas para o estudo preparatório de um projeto ou de um empreendimento ou para a pesquisa e exploração de recursos naturais, em que os associados, públicos ou privados, querem repartir os produtos extraídos e não os lucros da exploração.

13. A Economia de Francisco é um movimento internacional, lançado pelo Papa Francisco como desafio às gerações mais jovens, inspirado na figura de São Francisco de Assis, o santo da atenção aos frágeis e à natureza, com o objetivo de promover uma economia mais humana, que parta de uma ecologia integral e procure o bem comum, de acordo com os princípios doutrinários da Carta Encíclica Laudato si’, do Santo Padre Francisco, sobre o cuidado da casa comum, de 24 de maio de 2015, e da Carta Encíclica Fratelli Tutti do Santo Padre Francisco, sobre a fraternidade e a amizade social, de 3 de outubro de 2020.


Na gíria internacional dos negócios é utilizada com frequência a expressão inglesa ”joint venture”, para designar associações de empresas de duração variável, mesmo que não preencham os requisitos das sociedades comerciais. O “consórcio” de que aqui falamos e está expressamente regulamentado no nosso direito é adequado para consubstanciar os acordos de cooperação entre empresas que na linguagem internacional dos negócios se costumam designar por “unincorporated joint ventures”14 . Os consórcios não se confundem com as sociedades comerciais nem com os agrupamentos complementares de empresas, pois diferentes são os seus elementos. Quanto às sociedades, basta notar que os membros do consórcio não exercem uma atividade em comum, pois cada um continua a exercer uma atividade própria, embora concertada com as atividades dos outros membros. Quanto ao agrupamento complementar de empresas, de que falaremos adiante, visa também fins de cooperação entre empresas, mas em campos e com estruturas muito diversas das do consórcio.

O Decreto-Lei no231/81, de 28 de julho, define o contrato de consórcio como o contrato através do qual duas ou mais entidades (singulares ou coletivas) que exercem uma atividade económica, se obrigam, entre si e de forma concertada, a realizar certas atividades ou a efetuar determinadas contribuições, visando determinado fim comum.

14. Rui Pinto Duarte, Formas Jurídicas de Cooperação entre Empresas, Direito das Sociedades em Revista, Ano 2, Vol. 4, setembro de 2010, p. 142. 15. Sobre as incorporated joint ventures e a sua relação com o contrato de consórcio, que na gíria internacional dos negócios são designados por uncorporated joint ventures, ainda se mostra atual o estudo do Prof. Doutor Raul Ventura, Primeiras Notas sobre o Contrato de Consórcio, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 41, 1981, pp. 618-622. 16. Um artigo seminal sobre joint ventures no direito dos Estados Unidos da América e os perigos da sua utilização como instrumentos para a prática de atividades anticoncorrenciais é o do Prof. Joseph Brodley, Joint Ventures and Antitrust Policy, publicado na Harvard Law Review em 1982.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

A regulamentação do contrato de consórcio constante do Decreto-Lei no 231/81, de 28 de julho estabelece essencialmente preceitos supletivos. A lei não tolhe, portanto, a imaginação dos interessados, apenas procurando criar as grandes linhas definidoras do instituto e fornecer uma regulamentação-tipo para o contrato, da qual os interessados se poderão afastar ou na qual poderão introduzir aditamentos, se o julgarem conveniente face aos objetivos económicos que perseguem.

DESCARBONIZAÇÃO

A doutrina e a jurisprudência norte-americanas16 apontam como característica distintiva da incorporatedjoint venture relativamente a uma qualquer outra sociedade formada para institucionalizar uma parceria entre empresas ou empresários (partnership corporation), que a incorporated joint venture é formada para realizar um determinado projeto ou empreendimento (venture), enquanto as normais sociedades de parceria se destinam a prosseguir negócios (business). Há aqui uma perspetiva de transitoriedade, associada ao termo “venture”, em oposição a uma perspetiva de perenidade associada ao termo “business”.

7

Cabe aqui, no entanto, uma referência à chamada “incorporated joint venture”, que se distingue do contrato de consórcio por dar origem a uma entidade com personalidade jurídica, constituída como sociedade comercial (corporation)15. Também aqui estamos perante um conjunto de empresas ou de empresários que pretendem cooperar entre si com vista à realização de uma determinada operação económica de interesse comum, mas neste caso, ainda que não pretendam exercer em comum uma atividade económica duradoura, decidem gerir essa operação de interesse comum sob a forma de sociedade, que constituem entre eles ou entre os seus sócios ou acionistas, porém com objeto social diferente do das sociedades participantes.


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

8

Entre os fins possíveis de um consórcio está a realização de atos materiais ou jurídicos preparatórios de uma atividade, a execução de determinado empreendimento, o fornecimento a terceiros de bens ou serviços iguais ou complementares produzidos por cada um dos consorciados, a pesquisa ou exploração de recursos naturais ou a produção de bens que possam ser repartidos em espécie entre os consorciados. O contrato está apenas sujeito a forma escrita, salvo se entre os membros do consórcio houver transmissão de bens imóveis, caso em que só é válido se for celebrado por escritura pública. Mas a falta de escritura pública só produz nulidade total do negócio quando se mostre que este não teria sido concluído sem esse vício formal e caso não seja possível converter-se o contrato num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, para que a contribuição se converta no simples uso dos bens cuja transmissão exige aquela forma. O consórcio não tem personalidade jurídica e pode ser interno ou externo. O consórcio será interno quando as atividades ou os bens são fornecidos a um dos consorciados e apenas esse estabelece relações com terceiros ou quando as atividades ou bens são fornecidos a terceiros por cada um dos consorciados, sem expressa invocação dessa qualidade. O consórcio será externo quando as atividades ou os bens são fornecidos diretamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade. Do ponto de vista de atuação no mercado, quer seja do lado da oferta ou do lado da procura, o consórcio externo é o modelo mais atraente, pois permite a criação de uma imagem externa própria, que ultrapassa a dimensão individual dos membros do consórcio, maximizando as sinergias entre os consorciados. Do ponto de vista da governança, o consórcio externo tem um Conselho de Orientação e Fiscalização (COF), que é o órgão deliberativo e um Chefe do Consórcio, que deve ser um dos consorciados e é o órgão de administração, a quem compete exercer funções internas, de organização da cooperação entre os consorciados na realização do objeto do contrato, e na execução deste; e externas, de representação do consórcio. Quando os consorciados são pessoas coletivas, cada um deles deve designar uma pessoa singular para integrar o COF e o Chefe de Consórcio deve designar uma pessoa singular para exercer as respetivas funções, de administração do consórcio, que na prática empresarial atual é frequentemente designado por CEO (Chief Executive Officer) do Consórcio. O Conselho de Orientação e Fiscalização é composto por todos os consorciados e é o órgão máximo do consórcio, sendo presidido pelo Chefe do Consórcio. Compete-lhe geralmente: a) Elaborar e aprovar o plano anual de atividades do consórcio e o respetivo orçamento; b) Elaborar e aprovar o relatório anual de gestão do consórcio; c) Planear e executar as atividades de comunicação, marketing destinadas à promoção do consórcio quando tal se justificar; d) Criar e gerir um portal na Internet do consórcio, bem como, a presença deste nas redes sociais, se for caso disso;


e) Divulgar internamente as oportunidades de celebração de negócios pelos consorciados no âmbito do consórcio; f ) Coordenar a elaboração e aprovar as propostas de celebração de negócios no âmbito do consórcio; g) Definir a política de preços do consórcio e as formas de repartição dos benefícios da atividade do consórcio entre os seus membros; h) Administrar o consórcio, recolhendo as receitas que lhe couberem e pagando as respetivas despesas; i) Deliberar sobre a admissão de novos consorciados nos termos do procedimento de admissão que se encontrar previsto no contrato; j) Fixar o valor da quota de admissão ou entrada de capital, se existirem; k) Fiscalizar a atuação do Chefe de Consórcio; l) Decidir os diferendos entre os consorciados; m) Pronunciar-se sobre qualquer assunto que lhe seja submetido pelos consorciados. As deliberações do Conselho de Orientação e Fiscalização, que serão sempre registadas em ata, serão tomadas por maioria, tendo o presidente, que é normalmente o Chefe do Consórcio, voto de qualidade. O Conselho de Orientação e Fiscalização reunirá mediante convocatória do Chefe do Consórcio ou de um número de Consorciados a definir no contrato.

Os consorciados poderão conceder ao Chefe do Consórcio os poderes que, em cada caso, se mostrem necessários ao exercício das suas funções, mediante instrumento legal apropriado. É importante referir que, como o Consórcio não tem personalidade jurídica, as receitas e despesas relativas à sua atividade terão de ser contabilizadas na esfera jurídico-contabilística dos consorciados, de acordo com a repartição que seja estabelecida no contrato. No entanto, poderão constituir receitas próprias do consórcio as quotas de admissão e eventuais tarifas ou comissões que sejam cobradas aos consorciados nos termos do contrato. E poderão constituir despesas próprias ou internas do consórcio os custos de promoção e administração do consórcio.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Externamente, cabe ao Chefe do Consórcio representar institucionalmente o consórcio e defender os interesses coletivos dos seus membros.

DESCARBONIZAÇÃO

a) Presidir ao Conselho de Orientação e Fiscalização; b) Executar as deliberações do Conselho de Orientação e Fiscalização que lhe sejam cometidas; c) Proceder à gestão financeira e contabilística das receitas e despesas do consórcio nos termos que se encontrem previstos no contrato.

9

Quanto ao Chefe do Consórcio, cabe-lhe, internamente:


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

10

A gestão das receitas e despesas próprias ou internas do consórcio deverá ser efetuada pelo Chefe do Consórcio, a quem competirá emitir e cobrar as respetivas faturas ou documentos contabilísticos, apondo nestes a indicação de que os mesmos dizem respeito à administração financeira do consórcio. Se o saldo for negativo, será distribuído pelos restantes consorciados, se for positivo constituirá um fundo autónomo para as receitas próprias do consórcio, em relação ao qual o Chefe do Consórcio atuará como fiduciário, procedendo depois à sua distribuição pelos consorciados na proporção, modo e tempo que estejam estabelecidos no contrato. Nas relações dos membros do consórcio externo com terceiros não se presume solidariedade ativa ou passiva entre aqueles membros. A estipulação em contratos com terceiros de multas ou outras cláusulas penais a cargo de todos os membros do consórcio não faz presumir solidariedade destes quanto a outras obrigações ativas ou passivas. A obrigação de indemnizar terceiros por facto constitutivo de responsabilidade civil é restrita aos membros do consórcio externo a quem, por lei, essa responsabilidade for imputável, sem prejuízo de estipulações internas quanto à distribuição desse encargo. O contrato de consórcio pode ser resolvido, quanto a alguns dos contraentes, por declarações escritas emanadas de todos os outros, ocorrendo justa causa. Considera-se justa causa para resolução do contrato de consórcio quanto a algum dos contraentes: a) A declaração de falência ou a homologação de concordata; b) A falta grave, em si mesma ou pela sua repetição, culposa ou não, a deveres de membro do consórcio, sendo que, neste caso, a resolução do contrato não afeta o direito à indemnização que for devida; c) A impossibilidade, culposa ou não, de cumprimento da obrigação de realizar certa atividade ou de efetuar certa contribuição. Um membro do consórcio pode exonerar-se deste se: a) Estiver impossibilitado, sem culpa, de cumprir as obrigações de realizar certa atividade ou de efetuar certa contribuição; b) Tiverem ocorrido as hipóteses previstas nas alíneas b) ou c) do parágrafo supra relativamente a outro membro e, havendo resultado prejuízo relevante, nem todos os membros acederem a resolver o contrato quanto ao inadimplente, caso em que o membro que se exonere do consórcio tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, dos danos decorrentes daquele facto. O consórcio extingue-se: a) Por acordo unânime dos seus membros; b) Pela realização do seu objeto ou por este se tornar impossível; c) Pelo decurso do prazo fixado no contrato, não havendo prorrogação;


d) Por se extinguir a pluralidade dos seus membros; e) Por qualquer outra causa prevista no contrato. Não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no número anterior, o consórcio extinguir-se-á decorridos dez anos sobre a data da sua celebração, sem prejuízo de eventuais prorrogações, que deverão ser expressas através de aditamento ao contrato escrito. Finalmente, cabe referir que “consórcio” é um termo que comporta outras definições, incluindo os chamados acordos de consórcio, em que acionistas de empresas independentes concordam em entregar o controlo das suas ações em troca de certificados de consórcio que os autorizam a participar do lucro comum. Exemplo de um consórcio deste tipo é a Airbus, quando foi criada, em 1970. Por outro lado, em Direito Administrativo um consórcio é uma organização de direito público constituída entre uma ou mais entidades públicas e um ou mais indivíduos ou organizações de Direito Privado. Um consórcio também pode ser uma associação de pessoas físicas e/ou jurídicas num grupo patrocinado por uma empresa administradora, com o fim de proporcionar aos seus membros a aquisição de bens por meio de autofinanciamento. E ainda hoje, alguns contratos denominados “consórcios”, surgem no mundo dos negócios, como é o caso dos chamados “sindicatos bancários”, que são acordos entre bancos para a celebração de mútuos simultâneos e coletivos a determinadas empresas17.

11

Sob o nome de “associação em conta em participação”, o contrato era regulado no Código Comercial de 1833, sendo-lhe dedicados os artigos 224o a 227o do Código Comercial. Frequentes eram, contudo, nos nossos tribunais os litígios relativos a “contas em participação” causados pela escassez de regulamentação no Código. Assim, o Decreto-Lei no 231/81, de 28 de julho, procurou atualizar e alargar essa regulamentação, sem, no entanto, asfixiar a autonomia negocial, que nestes sectores contribui mais do que o legislador para o progresso dos institutos jurídicos.

17. Luís Vasconcelos Abreu, Os Sindicatos Bancários no Direito Português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II, Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 519 e ss. 18. O Anteprojeto que serviu de base à lei atual, da autoria do Prof. Doutor Raul Ventura, está publicado com uma exposição de motivos detalhada no Boletim do Ministério da Justiça: Associação em Participação (Anteprojecto), in BMJ nº189 e 190, Outubro e Novembro de 1969, pp. 15 e ss. e pp. 5 e ss.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Um outro contrato utilizável na cooperação entre empresas, cuja génese remonta já ao século XIX é o contrato de associação em participação18.

DESCARBONIZAÇÃO

III A A S S O C I A Ç Ã O E M P A R T I C I P A Ç Ã O


As matérias não reguladas na lei serão disciplinadas livremente pelas partes, podendo aplicar-se ainda, analogicamente, as disposições reguladoras de outros contratos. O contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, à exceção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir. Devem, contudo, ser escritas: a cláusula que exclua a participação do associado nas perdas do negócio e aquela que, quanto a essas perdas estabeleça a responsabilidade ilimitada do associado. A inobservância da forma exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir só anula todo o negócio se este não puder converter-se, segundo o disposto no artigo 293.º do Código Civil, de modo que a contribuição consista no simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial. O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante. A contribuição do associado pode ser dispensada no contrato, se aquele participar nas perdas.

12

DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Este contrato consiste na associação de uma ou mais pessoas (associados) a uma atividade económica exercida por outra pessoa (associante), ficando as primeiras a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda. A participação nos lucros é um elemento essencial do contrato enquanto a participação nas perdas pode ser dispensada.

À contribuição do associado deve ser contratualmente atribuído um valor em dinheiro: a avaliação pode, porém, ser feita judicialmente, a requerimento do interessado, quando se torne necessária para efeitos do contrato.

image: Freepik.com

O montante e a exigibilidade da participação do associado nos lucros ou nas perdas são livremente estipulados pelas partes, mas estando convencionado apenas o critério de determinação da participação do associado nos lucros ou nas perdas, aplicar-se-á o mesmo critério à determinação da participação do associado nas perdas ou nos lucros. Não podendo a participação ser determinada pela convenção das partes, mas estando contratualmente avaliadas as contribuições do associante e do associado, a participação do associado nos lucros e nas perdas será proporcional ao valor da sua contribuição; faltando aquela avaliação, a participação do associado será de metade dos lucros ou metade das perdas, mas o interessado poderá reque-


rer judicialmente uma redução que se considere equitativa, atendendo às circunstâncias do caso. A participação do associado nas perdas das operações é limitada à sua contribuição. São deveres do associante, além de outros resultantes da lei ou do contrato: a) Proceder, na gerência, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado; b) Conservar as bases essenciais da associação, tal como o associado pudesse esperar que elas se conservassem, atendendo às circunstâncias do contrato e ao funcionamento de empresas semelhantes; designadamente, não pode, sem consentimento do associado, fazer cessar ou suspender o funcionamento da empresa, substituir o objeto desta ou alterar a forma jurídica da sua exploração; c) Não concorrer com a empresa na qual foi contratada a associação, a não ser nos termos em que essa concorrência lhe for expressamente consentida; d) Prestar ao associado as informações justificadas pela natureza e pelo objeto do contrato.

O associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação. Sendo possível haver pluralidade de associados numa só associação, se existir mais do que um associado, não havendo cláusula contratual em contrário, os associados não são devedores solidários entre si nem credores solidários do associante, podendo os direitos de informação, fiscalização e intervenção na gerência ser exercidos separadamente por cada um dos associados. A associação extingue-se pelos factos previstos no contrato ou pela completa realização do objeto, impossibilidade de realização deste, extinção das partes, confusão das posições de associante e associado e resolução do contrato com fundamento em justa causa. No caso de contratos de duração indeterminada, uma vez decorridos dez anos sobre a sua celebração, o contrato pode ser denunciado livremente.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Os contratos cuja duração não seja determinada e cujo objeto não consista em operações determinadas podem ser extintos por vontade de uma das partes, em qualquer momento, depois de decorridos dez anos sobre a sua celebração.

DESCARBONIZAÇÃO

Os contratos celebrados por tempo determinado ou que tenham por objeto operações determinadas poderão ser resolvidos antecipadamente, por vontade de uma das partes, fundada em justa causa.

13

O contrato pode estipular que determinados atos de gestão não devam ser praticados pelo associante sem prévia audiência ou consentimento do associado. O associante responderá para com o associado pelos danos que este venha a sofrer por atos de gestão praticados sem a observância das estipulações contratuais.


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

14

O A G R U PA M E N T O IV C O M P L E M E N T A R D E E M P R E S A S Um agrupamento complementar de empresas (ACE) é uma pessoa coletiva, constituída por pessoas singulares ou coletivas (membros), cujo objeto é melhorar as condições de exercício ou de resultado das atividades económicas dos seus membros19. As bases desta forma de cooperação entre agentes económicos encontram-se no Regime dos Agrupamentos Complementares de Empresas, aprovado pela Lei no 4/73, de 4 de junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei no 157/81, de 11 de junho; pelo Decreto-Lei no 442-B/88, de 30 de novembro; pelo Decreto-Lei no 36/2000, de 14 de março e pelo Decreto-Lei no 76-A/2006, de 29 de março. Este Regime está regulamentado pelo Decreto-Lei no 430/73, de 25 de agosto. O legislador teve em vista a criação de um instituto que permitisse enquadrar legalmente a celebração de acordos de cooperação permanente entre empresas, com vista à criação de centrais de compras, de escritórios de exportação em países estrangeiros, de centros de investigação e desenvolvimento, etc 20. A atividade do ACE é uma atividade auxiliar ou complementar das atividades realizadas pelos seus membros, não podendo ter, por fim principal, a realização e partilha de lucros, que apenas é admissível como fim acessório (Base II, no1 da Lei no 4/73, de 4 de junho e artigos 1o, 15o e 16o do Decreto-Lei no 430/73, de 25 de agosto). Um ACE é constituído através de contrato escrito (contrato constitutivo), dependendo a sua forma (documento particular ou escritura pública) de haver ou não transmissão de imóveis (Base III, no 1 da Lei no 4/73, de 4 de junho). Pode constituir-se com ou sem capital social. Esse contrato escrito deve conter um conjunto de menções, como a firma (que conterá o aditamento “agrupamento complementar de empresas” ou a sigla “A.C.E.”), o objeto, a sede e a duração, quando limitada, do agrupamento, bem como as contribuições dos agrupados para os encargos e para a constituição do capital (Base III, no 2 da Lei no 4/73, de 4 de junho). O ACE distingue-se do Consórcio por poder ter capital e ser dotado de personalidade jurídica, que adquire com a inscrição do contrato constitutivo no registo comercial (Base IV da Lei no 4/73, de 4 de junho). Um ACE tem um órgão deliberativo – a assembleia geral – na qual, cada agrupado ou membro terá, em regra, um voto; e um órgão de administração. Poderá ainda ter um órgão de fiscalização, composto por um ou mais revisores oficiais de contas, ou por uma sociedade de revisores oficiais de contas, designados pela assembleia geral, sendo esta obrigatória se o agrupamento emitir obrigações (artigos 6o e seguintes do Decreto-Lei no 430/73, de 25 de agostoe Base V da Lei no 4/73, de 4 de junho). Em regra, os membros do ACE respondem solidariamente pelas dívidas do ACE, mas subsidiariamente em relação a este (Base II, nos 2 e 3 da Lei no 4/73, de 4 de junho).

19. José António Pinto Ribeiro e Rui Pinto Duarte, Dos Agrupamentos Complementares de Empresas, Lisboa, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº118, 1980. 20. Rui Pinto Duarte, Formas Jurídicas de Cooperação entre Empresas, Direito das Sociedades em Revista, Ano 2, Vol. 4, setembro de 2010, p.149.


image: Freepik.com

O membro do ACE pode exonerar-se nos termos autorizados no contrato, ou tendo-se oposto a modificação neste introduzida, ou ainda se houverem decorrido pelo menos dez anos desde a sua admissão e estiverem cumpridas as obrigações por ele assumidas. A exoneração produzirá efeitos vinte dias depois de aviso à administração, por carta registada com aviso de receção. A exclusão de membro do agrupamento compete à assembleia geral e pode ter lugar quando o membro deixar de exercer a atividade económica para a qual o ACE serve de complemento; for declarado insolvente; ou estiver em mora na contribuição que lhe caiba para as despesas do ACE, depois de notificado pela administração, em carta registada, para satisfazer o pagamento no prazo que lhe seja fixado e nunca inferior a trinta dias.

Os lucros ou prejuízos fiscais do ACE são imputados aos membros, conforme a respetiva participação no ACE, sendo esses rendimentos integrados nos respetivos rendimentos tributáveis. No período em que o ACE obtiver o lucro contabilístico pelo exercício da sua atividade, em termos contabilísticos, esse lucro deve ser imputado a cada uma das entidades empreendedoras através da aplicação do Método da Equivalência Patrimonial ou da Consolidação Proporcional, sendo corrigido das transações entre o ACE e o membro. Este procedimento deve ser efetuado independentemente de existir qualquer distribuição de resultados aos empreendedores, pressupondo que o investimento financeiro seja classificado como um empreendimento conjunto ou investimento numa associada ou subsidiária.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Cabe ainda referir que, nos termos do disposto no artigo 2o do Código do IRC (CIRC), os ACE são considerados sujeitos passivos de IRC, embora não sejam tributados por este imposto por força do disposto no artigo 12o do mesmo Código, visto estarem enquadrados no regime especial de transparência fiscal, previsto no artigo 6o do mesmo Código.

DESCARBONIZAÇÃO

O ACE dissolve-se nos termos do contrato; a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, quando violar as normas legais que disciplinam a concorrência ou persistentemente se dedicar, como objeto principal, a atividade diretamente lucrativa; ou a requerimento de membro que houver respondido por obrigações do agrupamento vencidas e em mora. A morte, interdição, inabilitação, falência, insolvência, dissolução ou vontade de um ou mais membros não determina a dissolução do agrupamento, salvo disposição em contrário do contrato.

15

O regime legal subsidiário aplicável aos ACE é o das sociedades em nome coletivo, pelo que, similarmente ao que acontece neste tipo de sociedades, os membros do ACE são responsáveis, solidariamente entre si, pelas dívidas dos agrupamentos, salvo cláusula em contrário constante de contratos celebrados com credores determinados.


O Agrupamento Europeu de Interesse Económico (AEIE) é um instrumento jurídico de cooperação entre agentes económicos criado pela então Comunidade Económica Europeia (CEE), com o objetivo de reduzir as dificuldades de natureza jurídica, fiscal e psicológica com que as pessoas singulares, sociedades e outras entidades se debatiam para intensificar a cooperação transfronteiriça dentro do espaço da então CEE21. De acordo com o Regulamento (CEE) no 2137/85 do Conselho de 25 de julho de 1985, relativo à instituição de um agrupamento europeu de interesse económico (AEIE), publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, no L199, de 31 de julho de 1985, o objetivo dos Agrupamentos Europeus de Interesse Económico era facilitar ou desenvolver as atividades económicas dos seus membros através da partilha de recursos, atividades ou competências, visando produzir resultados melhores do que os dos seus membros a título individual. Os AEIE podem ser formados por sociedades e outras entidades jurídicas de direito público ou privado, constituídas nos termos da legislação em vigor nos vários países da União Europeia e que tenham sede na União Europeia. Podem também ser constituídos por pessoas singulares que exerçam uma atividade industrial, comercial, artesanal ou agrícola dentro da UE, como profissionais liberais ou como prestadores de serviços.

image: Freepik.com

16

DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

O A G R U PA M E N T O V EUROPEU DE INTERESSE ECONÓMICO

Os AEIE devem ser compostos por um mínimo de dois membros oriundos de países diferentes da União Europeia. O seu contrato de constituição deverá incluir obrigatoriamente a denominação, a sede e o objeto do agrupamento, bem como, a denominação, o número e o local de registo de cada um dos seus membros e o período de vigência do agrupamento, caso não se trate de um contrato por tempo indeterminado. Os AEIE devem ter a sua sede social num dos países da UE, podendo a sede ser transferida de um estado-membro para outro, sob determinadas condições. O contrato tem de ser escrito e deverá ser depositado num registo a designar por cada país da UE. A denominação conterá obrigatoriamente o aditamento “agrupamento europeu de interesse económico” ou a sigla “A.E.I.E.”. Em Portugal, esse contrato é objeto de registo comercial, numa Conservatória do Registo Comercial, após a obtenção do certificado de admissibilidade da denominação, emitido pelo Registo Nacional das Pessoas Coletivas. Este

21. Maria do Céu Athayde de Tavares, O Agrupamento Europeu de Interesse Económico, Revista da Banca, nº8, Outubro/Dezembro de 1988, pp. 151 e ss.


registo confere plenos poderes legais ao Agrupamento Europeu de Interesse Económico em todo o espaço da União Europeia. O anúncio da criação ou da liquidação de um AEIE deverá ser publicado no Jornal Oficial da UE. Os AEIE não podem negociar os seus títulos publicamente e não têm necessariamente de dispor de capitais próprios. Os seus membros poderão recorrer a métodos alternativos de financiamento. Um AEIE não pode empregar mais de 500 pessoas. Os membros dos AEIE disporão de, pelo menos, um voto. O contrato de agrupamento poderá, contudo, atribuir mais votos a determinados membros, na condição de nenhum deles deter a maioria. O contrato especificará as decisões que devem ser tomadas por unanimidade. Os resultados positivos de um AEIE serão considerados lucros dos seus membros e repartidos entre si nos termos do contrato ou, se este for omisso, em partes iguais. Os resultados positivos ou negativos de um AEIE serão tributados aos membros.

Como contrapartida da liberdade contratual na base do AEIE e do facto de os membros não serem obrigados a participar com um determinado capital mínimo, os membros do AEIE respondem ilimitada e solidariamente (mas subsidiariamente) pelas dívidas do AEIE. A decisão de admitir novos membros será tomada por unanimidade dos membros do AEIE. Qualquer novo membro é responsável pelas dívidas do agrupamento, incluindo as resultantes da atividade do agrupamento anteriormente à sua admissão. O novo membro pode ser, no entanto, isento, por uma cláusula do contrato de agrupamento ou do ato de admissão, do pagamento das

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Um AEIE tem um órgão deliberativo, o colégio de membros, no qual, cada membro tem, em regra, um voto; e um órgão de administração, sem prejuízo de outros previstos no contrato, designadamente, de fiscalização.

DESCARBONIZAÇÃO

Nos termos do Decreto-Lei no 148/90, de 9 de maio,o AEIE corresponde a uma pessoa coletiva, constituída por pessoas singulares ou coletivas (membros), cujo objeto é o de facilitar ou desenvolver a atividade económica dos seus membros, melhorar ou aumentar os resultados desta atividade, devendo apresentar uma conexão com esta. A atividade do AEIE é uma atividade auxiliar ou complementar das atividades realizadas pelos seus membros, não visando o AEIE realizar lucros para si próprio, pois os lucros que obtenha são considerados lucros dos seus membros e serão repartidos entre estes.

17

O AEIE apresenta características muito semelhantes ao Agrupamento Complementar de Empresas, já acima descrito, mas é uma entidade criada pelo ordenamento jurídico comunitário, através do citado Regulamento (CEE) no 2137/85, do Conselho, de 25 de julho de 1985, posteriormente desenvolvido, a nível nacional, pelo Decreto-Lei no 148/90, de 9 de maio, que veio aprovar as disposições de natureza substantiva necessárias para dar execução àquele regulamento comunitário.


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

18

dívidas contraídas anteriormente à sua admissão. Esta cláusula só é oponível a terceiros se for publicada. Um membro do AEIE pode exonerar-se nas condições previstas no contrato de agrupamento ou, se este for omisso, com o acordo unânime dos outros membros. Além disso, qualquer membro do AEIE pode exonerar-se com justa causa. Qualquer membro do AEIE pode ser excluído pelos motivos indicados no contrato de agrupamento e, em qualquer caso, quando faltar gravemente às suas obrigações ou provocar ou ameaçar provocar perturbações graves no funcionamento do agrupamento. Tal exclusão só pode verificar-se por decisão do tribunal, tomada a pedido conjunto da maioria dos restantes membros, a não ser que o contrato de agrupamento disponha de outro modo. Um AEIE com sede estatutária em Portugal adquire personalidade jurídica com a inscrição do contrato constitutivo no registo comercial. Um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) pode transformar-se em Agrupamento Europeu de Interesse Económico sem criação de uma nova pessoa coletiva, desde que satisfaça as condições previstas no referido Regulamento (CEE) no 2137/85, nomeadamente, ser constituído por membros de pelo menos dois países diferentes da União Europeia. Um Agrupamento Europeu de Interesse Económico pode transformar-se em ACE, independentemente de processo de liquidação e sem criação de uma nova pessoa coletiva, desde que deixe de satisfazer as condições previstas no referido Regulamento (CEE) no 2137/85. O AEIE é inspirado na figura francesa do ”groupement d'intérêt économique”22, em que o legislador português também se inspirou para criar o Agrupamento Complementar de Empresas (ACE). Esta origem comum justifica que se apliquem ao AEIE, subsidiariamente, as disposições da lei portuguesa sobre o ACE (fundamentalmente, a Lei no 4/73, de 4 de junho, e o Decreto-Lei no 430/73, de 25 de agosto). Um AEIE pode ser dissolvido por decisão dos seus membros que declare essa dissolução. Esta decisão é tomada por unanimidade, a não ser que o contrato de agrupamento disponha de outro modo. O AEIE deve ser dissolvido, por decisão dos seus membros, quando se verifique o decurso do prazo fixado no contrato de agrupamento ou qualquer outra causa de dissolução prevista nesse contrato; ou quando se verifique a realização do objetivo do agrupamento ou a impossibilidade de o prosseguir. Se, decorridos três meses após a ocorrência de uma das situações acima referidas, não tiver sido tomada a decisão dos membros que verifica a dissolução do agrupamento, qualquer membro pode solicitar ao tribunal que declare essa dissolução. Analogamente aos ACE, os AEIE não estão sujeitos a tributação pelo IRC, visto estarem enquadrados no regime especial de transparência fiscal, previsto no artigo 6o do Código do IRC.

22. Rui Pinto Duarte, Formas Jurídicas de Cooperação entre Empresas, Direito das Sociedades em Revista, Ano 2, Vol. 4, setembro de 2010, p.152.


VI S Í N T E S E F I N A L As alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas são problemas verdadeiramente globais e constituem dos maiores desafios da humanidade neste século XXI. Desde há cerca de uma década que a estratégia de combate às alterações climáticas se tornou parte integrante da política da União Europeia, como forma de garantir o desenvolvimento sustentável, a competitividade e a segurança no espaço europeu, sobretudo no plano energético. Mas o mundo de hoje enfrenta outros sérios problemas, relacionados com a globalização, como é o caso da dinâmica populacional e das migrações, da crescente urbanização, do terrorismo e extremismo associados ao fundamentalismo religioso ou a tiranias políticas e do risco de novas pandemias.

19 F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

DESCARBONIZAÇÃO

Todos estes problemas são fatores de pressão sobre o desenvolvimento sustentável e constituem os maiores obstáculos à sua implementação prática. Apesar de serem globais nas suas consequências, muitos destes problemas têm dimensões regionais, que são função das condições geográficas, naturais e climáticas que definem a vulnerabilidade de uma determinada região, mas também das raízes culturais e das políticas que aí são desenvolvidas.


DESCARBONIZAÇÃO

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

20

É neste contexto que a atuação conjunta dos agentes económicos e a cooperação entre estes, a todos os níveis, constitui um dos pilares fundamentais para a construção da sociedade e da economia do futuro. Alguns autores têm mesmo defendido a necessidade de criação de um novo modelo económico, que designam como “economia da funcionalidade e da cooperação”, como base de ação para novas trajetórias de desenvolvimento sustentável, que considerem os setores económicos e o território como espaços de transformação e, sobretudo, de cooperação. Neste novo modelo, as formas de cooperação entre empresas e outros agentes económicos, públicos e privados, adquirem uma importância crucial, não só pelo aumento da capacidade de intervenção no mercado que proporcionam, como pela maior eficiência associada ao fornecimento de soluções integradas de bens e serviços. Concretamente, numa época de transição energética e digital que pretendemos seja simultaneamente uma oportunidade para impulsionar o desenvolvimento de uma economia industrial sustentável em Portugal, é necessário encontrar formas de cooperação empresarial que assegurem o estabelecimento de relações duráveis e resilientes, mas que sejam também flexíveis, para se adaptarem aos novos mercados e às necessidades concretas dos diferentes agentes económicos. Neste trabalho passamos em revista as principais formas jurídicas de cooperação entre agentes económicos, que poderão ser utilizadas pelas empresas portuguesas no contexto de uma economia mais justa e sustentável, com mecanismos de criação de riqueza que respeitem a natureza e fortaleçam os laços sociais. Embora a sua regulamentação seja já antiga, estas formas jurídicas de cooperação interempresarial poderão revelar-se instrumentos jurídicos muito úteis na nova economia, pois são aptos para a constituição de parcerias sólidas entre agentes económicos. Estas parcerias, sendo bem sucedidas, robustecerão as empresas portuguesas, sobretudo as pequenas e médias, para enfrentarem os enormes desafios que têm pela frente no futuro próximo, aumentando a sua resiliência e ampliando o seu campo de ação. A utilização ponderada destas formas de cooperação empresarial permitirá a concretização de projetos de investigação e desenvolvimento, o lançamento no mercado de novos produtos ou serviços, a partilha de recursos, a definição de estratégias comuns para enfrentar a transição energética e digital ou a união de esforços com vista à aquisição de energia ou de matérias-primas e fornecimentos e serviços externos em condições económicas mais sustentáveis para as empresas portuguesas. Abordamos no presente trabalho os quatro institutos jurídicos de cooperação entre empresas que são tipos contratuais nominados na lei portuguesa: o Consórcio, a Associação em Participação, o Agrupamento Complementar de Empresas e o Agrupamento Europeu de Interesse Económico. Para permitir uma leitura comparativa das principais características destas quatro formas jurídicas de cooperação empresarial que possa ser útil aos seus potenciais utilizadores, concluímos com a apresentação da tabela da página seguinte:


Agrupamento Europeu de Interesse Económico

Definição

Contrato através do qual duas ou mais entidades que exercem uma atividade económica, se obrigam, entre si e de forma concertada, a realizar certas atividades ou a efetuar determinadas contribuições, visando determinado fim comum.

Contrato de associação de uma ou mais pessoas (associados) a uma atividade económica exercida por outra (associante), ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.

Pessoa coletiva constituída por pessoas singulares ou coletivas (membros) cujo objeto é melhorar as condições de exercício ou de resultado das atividades económicas dos seus membros.

Pessoa coletiva, constituída por pessoas singulares ou coletivas (membros) de estados europeus diferentes, cujo objeto é o de facilitar ou desenvolver a atividade económica dos seus membros, melhorar ou aumentar os resultados desta atividade, devendo apresentar uma conexão com esta.

Regime Legal

Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de julho.

Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de julho.

Lei nº 4/73, de 4 de junho e Decreto-Lei nº 430/73, de 25 de agosto.

Regulamento (CEE) nº 2137/85, do Conselho, de 25 de julho de 1985, posteriormente desenvolvido, a nível nacional, pelo Decreto-Lei nº 148/90, de 9 de maio.

Sujeitos

Qualquer número de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica (consorciados).

Duas ou mais pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica, sendo uma delas o associante e podendo haver uma pluralidade de associados.

Qualquer número de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica (membros).

Qualquer número de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica (membros), mas que sejam oriundas de, pelo menos, dois estados diferentes da União Europeia.

Forma Contratual

Contrato escrito ou escritura pública (se houver transmissão de imóveis).

Contrato escrito só se excluir o associado das perdas.

Contrato constitutivo escrito inscrito no registo comercial ou escritura pública (se houver transmissão de imóveis).

Contrato constitutivo escrito inscrito no registo comercial e publicado no Jornal Oficial da União Europeia ou escritura pública (se houver transmissão de imóveis).

Personalidade Jurídica

Não.

Não.

Sim.

Sim.

Capital

Não, mas pode haver um fundo comum.

Não.

Pode haver entradas de capital.

Pode haver entradas de capital.

Objeto ou Finalidade

Realização de atos materiais ou jurídicos preparatórios de uma atividade, execução de determinado empreendimento, fornecimento a terceiros de bens ou serviços iguais ou complementares aos produzidos por cada um dos consorciados, pesquisa ou exploração de recursos naturais ou produção de bens que possam ser repartidos em espécie entre os consorciados.

Associação de uma ou mais entidades (associados) a uma atividade económica exercida por outra entidade (associante), de modo a poder participar nos respetivos lucros ou nas perdas desta atividade.

Exercício de uma atividade auxiliar ou complementar das atividades económicas realizadas pelos membros, não podendo ter por fim principal a realização e partilha de lucros, que apenas é admissível como fim acessório.

Exercício de uma atividade auxiliar ou complementar das atividades realizadas pelos seus membros, não visando realizar lucros para si próprio.

Órgão Deliberativo

Conselho de Orientação e Fiscalização em que cada consorciado tem um voto.

Assembleia Geral do Associante. O exercício dos direitos de informação, de fiscalização e de intervenção na gerência pelos vários associados será regulado no contrato.

Assembleia Geral de Membros em que cada membro tem um voto.

Colégio de Membros em que cada membro tem um voto.

Administração

Chefe do Consórcio

A gerência da atividade económica cabe ao associante, mas o contrato pode estipular que determinados atos de gestão não devam ser praticados pelo associante sem prévia audiência ou consentimento do associado.

Órgão de Administração

Órgão de Administração

Resultados

Repartidos pelos consorciados em função da atividade efetivamente exercida por estes no âmbito do consórcio e de acordo com o regulado no contrato.

Lucros e/ou perdas são imputados ao associante e associado.

Os lucros obtidos pelo ACE não são tributados em sede de IRC e são considerados lucros dos seus membros, sendo repartidos entre estes, mas a parte do saldo de liquidação atribuída a cada empresa agrupada que exceda as entradas de capital ou contribuições por ela efetuadas para o agrupamento é tributada como lucro do membro.

Os lucros obtidos pelo AEIE não são tributados em sede de IRC e são considerados lucros dos seus membros, sendo repartidos entre estes, mas a parte do saldo de liquidação atribuída a cada empresa agrupada que exceda as entradas de capital ou contribuições por ela efetuadas para o agrupamento é tributada como lucro do membro.

Responsabilidade Para Com Terceiros

Nas relações dos membros do consórcio externo com terceiros não se presume solidariedade ativa ou passiva entre aqueles membros.

Regime idêntico ao do Consórcio.

Os membros respondem ilimitada e solidariamente, pelas dívidas do ACE, mas subsidiariamente em relação a este.

Os membros respondem ilimitada e solidariamente pelas dívidas do AEIE, mas subsidiariamente em relação a este.

Desvinculação de Sujeitos

Um membro do consórcio pode exonerar-se deste: se estiver impossibilitado, sem culpa, de cumprir as obrigações de realizar certa atividade ou de efetuar certa contribuição; se ocorrer falta grave, em si mesma ou pela sua repetição, culposa ou não, a deveres de outro membro; ou verificar-se a impossibilidade, culposa ou não, de cumprimento da obrigação de realizar certa atividade ou de efetuar certa contribuição relativamente a outro membro.

Os contratos celebrados por tempo determinado ou que tenham por objeto operações determinadas poderão ser resolvidos antecipadamente, por vontade de uma das partes, fundada em justa causa. Os contratos cuja duração não seja determinada e cujo objeto não consista em operações determinadas podem ser extintos por vontade de uma das partes, em qualquer momento, depois de decorridos dez anos sobre a sua celebração.

O membro do ACE pode exonerar-se nos termos autorizados no contrato, ou tendo-se oposto a modificação neste introduzida, ou ainda se houverem decorrido pelo menos dez anos desde a sua admissão e estiverem cumpridas as obrigações por ele assumidas.

Um membro do AEIE pode exonerar-se nas condições previstas no contrato de agrupamento ou, se este for omisso, com o acordo unânime dos outros membros. Além disso, qualquer membro do AEIE pode exonerar-se com justa causa.

Extinção

O consórcio extingue-se: por acordo unânime dos seus membros; pela realização do seu objeto ou por este se tornar impossível; pelo decurso do prazo fixado no contrato, não havendo prorrogação; por se extinguir a pluralidade dos seus membros; ou por qualquer outra causa prevista no contrato. Não se verificando nenhuma das hipóteses acima previstas o consórcio extinguir-se-á decorridos dez anos sobre a data da sua celebração, sem prejuízo de eventuais prorrogações, que têm de ser expressas.

A associação extingue-se pelos factos previstos no contrato ou pela completa realização do objeto, impossibilidade de realização deste, extinção das partes, confusão das posições de associante e associado e resolução do contrato com fundamento em justa causa. No caso de contratos de duração indeterminada, uma vez decorridos dez anos sobre a sua celebração, o contrato pode ser denunciado livremente.

O ACE dissolve-se nos termos do contrato; a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, quando violar as normas legais que disciplinam a concorrência ou persistentemente se dedicar, como objeto principal, a atividade diretamente lucrativa; ou a requerimento de membro que houver respondido por obrigações do agrupamento vencidas e em mora.

Um AEIE pode ser dissolvido por decisão dos seus membros que declare essa dissolução. Esta decisão é tomada por unanimidade, a não ser que o contrato de agrupamento disponha de outro modo. Deve ser dissolvido quando se verifique o decurso do prazo fixado no contrato ou qualquer outra causa de dissolução prevista nesse contrato; ou quando se verifique a realização do objetivo do agrupamento ou a impossibilidade de o prosseguir.

F o rmas Ju rí d i c as d e C o o p e ra ç ã o Em p re s a ria l c o m o Instru m e nto s da No va Ec o n o m ia

Agrupamento Complementar de Empresas

DESCARBONIZAÇÃO

Associação em Participação

21

Consórcio


Leading the way in green hydrogen. smartenergy.net

Green Hydrogen

Solar PV

Wind Power


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.