S U M Á R I O
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P or, João Galamba
S ecretário de E stado A djunto e da Energia
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DESCARBONIZAÇÃO
TR ANS IÇ ÃO EN ER G É T IC A NO S E TOR DA C E R ÂM IC A
TR ANS IÇ ÃO EN ER G É T IC A N A I N D ÚS TR I A C E R ÂM IC A
P or, Paulo A lmeida
A s ses sor do C onselho de A dministração da Primus Vitória
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A TR ANS IÇ ÃO EN E R G É T IC A E A DE S C AR B ON IZ AÇ ÃO DA EC ONOM I A
Propriedade e Edição APICER - Associação Portuguesa das Indústrias de Cerâmica e de Cristalaria NIF: 503904023 Direção, Administração, Redação, Publicidade e Edição Rua Coronel Veiga Simão, Edifício C 3025-307 Coimbra [t] +351 239 497 600 [f] +351 239 497 601 [e-mail] info@apicer.pt [internet] www.apicer.pt Editor e Coordenação Albertina Sequeira [e-mail] keramica@apicer.pt
P or, A ntónio C ovas
Profes sor C atedrático da Univer sidade do A lgar ve
Conteúdo desenvolvido por João Galamba, Paulo Almeida e António Covas Capa e Paginação Nuno Ruano Impressão Gráfica Almondina - Progresso e Vida; Empresa Tipográfica e Jornalística, Lda Rua da Gráfica Almondina, Zona Industrial de Torres Novas, Apartado 29 2350-909 Torres Novas [t] 249 830 130 [f] 249 830 139 [email] geral@grafica-almondina.com [internet] www.grafica-almondina.com
Imagens: Freepik.com Páginas 2, 9, 7, 12, Conteúdos conforme o novo acordo ortográfico, salvo se os autores/colaboradores não o autorizarem Este destacável é distribuido juntamente com a revista Kéramica nº 374
Por, João Galamba
Secretário de Estado Adjunto e da Energia
A descarbonização e a transição energética são, sem sombra de dúvida, uns dos principais temas do séc. X XI e Portugal assumiu este compromisso de forma clara enquanto alavanca de competitividade para o país, com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica em 2050. O país tem vindo a prosseguir um caminho de descarbonização que terá, necessariamente, de ser acentuado nesta década de forma a alinhar a economia nacional com uma trajetória de neutralidade carbónica. Com efeito, Portugal reduziu, até 2019, as emissões de gases com efeito de estufa em 26%, em relação a 2005, e no caso particular do setor industrial, as emissões representaram em 2019 cerca de 24% das emissões nacionais.
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Adicionalmente, a tendência de aumento do preço de carbono que já se verifica, e que se prevê que continue em valores elevados nesta década, fomentará ainda mais a necessidade de adoção de soluções inovadoras de descarbonização da indústria, sobretudo para a indústria mais intensiva em carbono.
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Com efeito, existe no setor industrial potencial para melhorar o desempenho ambiental, energético e material, em particular apostando na eficiência energética, nas fontes de energia renovável, na eletrificação, nos combustíveis alternativos limpos, nos processos e tecnologias de baixo carbono, na adoção de modelos de economia circular, nas simbioses industriais, na dinamização de polos de inovação e criação de novos modelos de negócio, de novos processos, produtos e serviços direcionados para a sociedade do futuro, apostando também no maior conhecimento e capacitação dos agentes.
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Neste contexto, é reconhecido que a descarbonização da indústria é um vetor que contribui decisivamente para atingir as metas e os objetivos de redução de emissões nacionais. Pretende-se, assim, face ao desafio que o setor enfrenta, estimular a descarbonização e promover uma mudança de paradigma na utilização dos recursos, em linha com os objetivos estabelecidos para as próximas décadas.
João Galamba
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TRANSIÇÃO ENERGÉTICA NO SETOR DA CERÂMICA
Desta ação conjunta do Governo, resultou que todos os consumidores de eletricidade tiveram, desde 1 de janeiro de 2022 reduções muito significativas, mesmo históricas, nas suas tarifas de acesso às redes de eletricidade, que no caso dos consumidores (industriais) ligados em Muito Alta Tensão, Alta Tensão e Média Tensão a redução é de 94%. Tra ns i ç ã o En e rg é ti c a
Por estes motivos, a descarbonização e a transição energética no setor da indústria são absolutamente fundamentais para garantir a sua competitividade e posicionamento estratégico nas exportações, garantindo a sua sustentabilidade a longo prazo, promovendo a criação de emprego e gerando riqueza. image: Freepik.com
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Acresce que, no atual contexto, verificando-se uma elevada volatilidade nos preços no Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), o Governo preparou e implementou um pacote de medidas com o objetivo de mitigar os impactes decorrentes da subida acentuada do custo da eletricidade no mercado grossista incidindo nos clientes domésticos e industriais através das tarifas de acesso às redes, com um montante global de 815 milhões de euros, ao qual acresceu sobreganho de cerca de 1700 milhões de euros da Produção em Regime Especial (PRE) que funcionará como um amortecedor para o sistema elétrico, contribuindo para diminuir as tarifas de acesso às redes.
O empenho e compromisso de Portugal nesta transição é total, quer seja na criação de legislação adaptada ao desenvolvimento de novos mercados e modelos energéticos, quer pela elaboração de planos e estratégias que visam impulsionar um novo paradigma energético. Exemplo deste compromisso é o Decreto-Lei n.º 15/2022, que estabelece a nova organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, e que prevê um sistema mais flexível, dinâmico, capaz de responder aos novos desafios da descarbonização. Para além de um considerável esforço em matéria de organização e sistematização, consagrando num único diploma matérias dispersas por vários diplomas legais, garantindo uma melhor articulação dos regimes jurídicos e, bem assim, uma mais fácil apreensão dos mesmos pelos respetivos destinatários e aplicadores, este novo enquadramento legal pretende ser um avanço significativo na legislação do setor rumo a um novo paradigma energético. Um dos aspetos mais relevantes que sai reforçado com este novo enquadramento legal, e que terá um contributo decisivo para a transição energética do setor, ao mesmo tempo que reduz os encargos com o consumo de energia, é o autoconsumo renovável para os consumi-
dores, mormente os empresariais e indústrias. A adoção de soluções de autoconsumo permite fixar um preço competitivo para os seus consumos e monetizar a energia excedentária da sua produção através da venda a um comercializador ou partilhá-la, por exemplo, através de autoconsumo coletivo, beneficiando de isenções nos custos de interesse económico geral (CIEG) caso utilizem a rede pública de eletricidade. A transição energética não se resumirá apenas à eletrificação, existem setores onde esta não consegue substituir os combustíveis fósseis, como é caso do setor industrial, e muito particularmente o setor da cerâmica, pelo que é essencial a aposta na incorporação de fontes renováveis de energia para a produção de calor, como o hidrogénio e outros gases renováveis. Desde a aprovação da Estratégia Nacional para o Hidrogénio, o Governo deu importantes passos para permitir que Portugal comece a construir uma nova realidade e que se crie um ecossistema de empresas e serviços que a impulsionem. Desde logo, aprovamos o quadro legal que estabelece o mecanismo de emissão de garantias de origem para gases de baixo teor de carbono e para gases de origem renovável e o quadro legal que cria as condições para o desenvolvimento e regulação das atividades de produção de gases de origem renovável e de produção de gases de baixo teor de carbono.
O apoio à descarbonização da indústria não se limitará ao PRR. Com a implementação do Novo Quadro Plurianual 2030 (Portugal 2030), será dada continuidade nos apoios ao setor, permitindo que o esforço de descarbonização possa ser apoiado durante esta década. Pese embora numa dimensão financeira menor, o Fundo para uma Transição Justa (FTJ) também
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Para complementar os apoios ao CAPEX no hidrogénio e outros gases renováveis, o Governo está a preparar um mecanismo de apoio ao OPEX através de um leilão direcionado para o consumidor final, leia-se indústria e transportes, baseado num Contrato por Diferenças. Este mecanismo, que se complementa com os apoios ao investimento, será uma peça fundamental para acelerar a adoção do hidrogénio e outros gases renováveis por substituição de combustíveis fósseis, como gás natural.
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Na componente específica do hidrogénio e outros gases renováveis estão disponíveis 185 milhões de euros, dos quais 62 milhões já foram disponibilizados, sendo que os restantes 123 milhões serão disponibilizados nos próximos dois anos através do lançamento de novos avisos, e onde projetos ligados ao setor industrial podem candidatar-se, em consórcios ou individualmente.
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Face a este desafio, Portugal está já a disponibilizar, e ainda irá disponibilizar nesta década, verbas muito significativas para promover a descarbonização e a transição energética. No contexto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estão disponíveis 715 milhões de euros para apoiar a descarbonização da indústria contribuindo assim para acelerar a transição para uma economia neutra em carbono e, ao mesmo tempo, para promover a competitividade da indústria e das empresas.
apoiará projetos de descarbonização da indústria, em particular na zona centro do país, estando para breve o lançamento das primeiras iniciativas. Com o envelope financeiro de apoio à descarbonização da indústria previsto nos diversos mecanismos de apoio – PRR, PT2030, FTJ – e que é superior a 1500 milhões de euros até 2030, constitui uma verdadeira oportunidade para o setor industrial promover a transição energética e reforçar a competitividade, e que este não pode perder.
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O caminho é longo e requer um investimento coerente nas formas mais eficientes e eficazes de reduzir a nossa dependência energética, promover o bem-estar da sociedade, a competitividade da economia, a criação de emprego, defesa do ambiente e proteção das populações dos efeitos adversos das alterações climáticas. A descarbonização e a transição energética devem ser encaradas como catalisadores para a mudança e melhoria das nossas vidas. Esta é uma grande oportunidade estratégica para o país, que implica a mobilização de todos os stakeholders.
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Portugal procura uma trajetória de crescimento sustentável assente num modelo de desenvolvimento mais competitivo e resiliente, com menor consumo de recursos naturais e energéticos, e que ao mesmo tempo gere novas oportunidades de emprego, de criação de riqueza e de reforço do conhecimento.
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA II N A I N D Ú S T R I A C E R Â M I C A Por, Paulo Almeida Assessor do Conselho de Administração da Primus Vitória
A transição energética caracteriza-se pela passagem de uma matriz focada em combustíveis fósseis para uma matriz com baixa ou zero emissões de carbono, baseada em fontes renováveis.
Enquadramento Histórico O uso de materiais cerâmicos na construção é tão antigo quanto a própria construção. Encontramos exemplos de seu uso em todas as partes do mundo e em civilizações tão antigas quanto o sumério, o egípcio ou o romano. O setor desde os anos 80 tem efetuado fortes investimentos para reduzir o consumo de energia e emissões de gases de efeito estufa, aplicando as tecnologias mais avançadas e, assim, demonstrando seu forte compromisso com a transição energética e com o avanço para a Indústria 4.0.
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HISPALYT - Associação Espanhola de Fabricantes de Tijolos e Telhas de Argila Assada - Decalogue https://www.hispalyt.es/es/sostenibilidad/decalogo
O equilíbrio em termos dos aspetos ambientais, sociais e económicos desse tipo de material é um dos requisitos fundamentais para considerar um produto "sustentável". Por isso, é comum relacionar o conceito de sustentabilidade aos produtos cerâmicos. As dez razões pelas quais os materiais de construção cerâmica são socialmente, economicamente e ambientalmente sustentáveis podem ser aprofundadas no quadro seguinte.
O caminho já percorrido A nossa indústria há mais de 30 anos que tem vindo a percorrer um caminho de redução de emissões que teve o seu ponto alto com a alteração do combustível (carvão/coque), e passando pela adoção do gás natural (MTD do setor) e de toda uma panóplia de medidas de eficiência energética que passo a exemplificar: • Utilização de queimadores de alta eficiência conjugados com sistemas de regulação da atmosfera do forno para otimização do ar de combustão e respetiva pressão;
• Eliminação quase total de processos de bicozedura;
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• Melhoria nos sistemas de isolamento térmico nos diversos equipamentos e condutas;
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• Aproveitamento do ar quente para melhorar a eficiência da combustão;
• Reaproveitamento de ar quente da zona de arrefecimento dos produtos nos fornos, para os secadores e/ou atomizadores com sistemas ar/ar e ar/água/ar; • Motores elétricos de alta eficiência e com variadores de velocidade; • Alterações na iluminação das unidades industriais através da maximização da utilização da luz natural e substituição da tecnologia por LEDs; • Utilização de compressores de velocidade variável e substituição das respetivas redes por sistemas que garantem uma menor probabilidade de fugas; • Instalação de centrais fotovoltaicas para autoconsumo; • Ecodesign dos produtos desde a sua conceção e avaliação de todo o ciclo de vida do produto, incluindo por exemplo o reaproveitamento de lamas das ETARs. Os desafios da transição energética no presente O objetivo da legislação Europeia é atingir a neutralidade climática na União Europeia em 2050. Até lá foram estabelecidas metas a curto prazo. Um destes objetivos é reduzir em 55% a emissão de gases efeitos de estufa (GEE) até 2030, em comparação com os valores de 1990, sendo que para os sectores abrangidos pelo CELE poderá atingir os 61% (ainda em discussão) A atribuição de licenças de emissão para o período de 2021-2025 recentemente comunicada às empresas do sector cerâmico estabelece um ritmo irreal e inalcançável para o nosso sector, mesmo utilizando as MTDs as melhores técnicas disponíveis, de acordo com o documento de referência europeu do sector.
Mas há que pensar no futuro e de facto existem várias tecnologias já consolidadas e com um TRL elevado que podem vir a ser o caminho a seguir pelo sector cerâmico. O desafio é mesmo a aplicação destas tecnologias aos atuais sistemas de queima existentes: • Embora a produção de hidrogénio verde já seja uma tecnologia consolidada e com um TRL elevado, a perspetiva de utilização de hidrogénio verde a 100% na indústria cerâmica exige ainda muita infraestrutura de base, incluindo a sua armazenagem e muita investigação e desenvolvimento em tecnologias de queima em fornos cerâmicos o que levará algum tempo até que seja possível a sua implementação industrial;
• Temos ainda a considerar a eletrificação de alguns processos, nomeadamente os de menor exigência térmica como é o caso dos secadores e estufas para retratilização do plástico utilizado nas paletes de produto acabado.
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• Tecnologias de captura de CO2 que no caso da indústria cerâmica apresenta uma dificuldade acrescida devido às baixas concentrações de CO2 nos gases emitidos. Por outro lado, a aplicação da captura do CO2 levanta o problema de saber o que fazer ao CO2 capturado, sendo que a racionalidade da aplicação desta tecnologia só será conseguida se for viável a produção de metano com CO2 capturado, criando desta forma um circuito fechado uma vez que o metano seria utilizado novamente no processo de queima sem necessidade de introdução de alterações no processo produtivo existente;
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• Existe também a possibilidade de utilizar biogás ou gás sintético, mas tendo em consideração que se teria também de ter em conta a questão do transporte e armazenamento desse tipo de combustível (e as emissões daí decorrentes)
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• Possibilidade mais imediata é a utilização de uma mistura de gás natural com por exemplo 15% de hidrogénio verde uma vez que grande parte dos queimadores atualmente existentes já o permite. Contudo teremos de ter em atenção que 15% de hidrogénio apenas permite 5% de redução de emissões o que é manifestamente insuficiente para conseguir cumprir as metas já referidas não deixando, contudo, de ser um primeiro passo;
O futuro da Indústria Cerâmica face à Transição Energética
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Para terminar não posso deixar de realçar que temos que continuar a empenhar os nossos esforços numa economia circular. E se realmente queremos aproveitar todo o potencial de uma economia circular, precisamos ser realistas sobre projetar para uma vida longa, manter e reparar, reutilizar, reformar.
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Acredito convictamente que hoje temos tecnologias já consolidadas quer relativamente à produção de hidrogénio, quer à captura de CO2 e respetiva metanação. O futuro passará pela aplicação da tecnologia ou conjugação de tecnologias cuja aplicação à indústria cerâmica mais rapidamente se venha a consolidar de forma a garantir uma racionalidade técnica e económica que ao dia de hoje não é possível determinar. Contudo algumas pistas começam a ser apresentadas pelos principais fornecedores de equipamento, nomeadamente no que respeita ao lançamento de queimadores que já asseguram a utilização de uma mistura de 50% de hidrogénio com GN. Obviamente que a longo prazo a captura de CO2 e metanação poderá vir a ser uma realidade atendendo à existência de vários projetos em curso que com certeza consolidarão estas tecnologias de forma a que possam vir a fazer parte da solução uma vez que não implicariam qualquer alteração adicional nos processos de queima atualmente existentes.
A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E III A D E S C A R B O N I Z A Ç Ã O D A E C O N O M I A Por, António Covas
Professor Catedrático da Universidade do Algarve
As grandes transições – climática, energética, ecológica, agroalimentar, digital, laboral, demográfica, migratória, sociocultural – vão marcar profundamente as próximas décadas até 2050, o ano da neutralidade carbónica. Já aí estão o roteiro da neutralidade carbónica 2050 (RNC), o plano nacional da energia e clima 2030 (PNEC) e agora, também, o regime jurídico do sistema elétrico nacional (DL nº15/2022 de 14 de janeiro). Pela importância de que se revestem na reorganização da economia, pelo volume de investimentos que mobilizam na próxima década, pelo lugar central que irão ocupar nas políticas públicas do Portugal
2030, pelo impacto enorme que terão nos territórios, estamos perante uma transformação profunda da economia e da sociedade portuguesas. O assunto é sério e não pode ser tratado com ligeireza, embora todos saibamos que num horizonte tão largo de tempo tudo pode acontecer, mesmo os maiores imponderáveis. É, pois, uma boa altura para algumas reflexões sobre a constelação do sistema energético, muito para lá da descarbonização da economia. As grandes transições, convergência ou divergência?
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Em segundo lugar, a principal preocupação está focada no aquecimento global e, portanto, na descarbonização da economia com metas para 2030 e 2050, o ano da suposta neutralidade carbónica. Esta descarbonização será acelerada pela transição digital e acontecerá em todos os setores de atividade: no sistema de produção elétrica, no parque de edifícios, no sistema de transporte, nos processos industriais, na economia dos resíduos, nas práticas agrícolas sustentáveis, no reforço da capacidade de sequestro da floresta nacional, na descarbonização da administração pública e das cidades. O RNC 2050 e o PNEC 2030 cobrem uma extensa gama de setores que atravessam transversalmente toda a economia portuguesa. Da prevenção à mitigação e da adaptação à transformação, eis todo um
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2. Aquecimento global e descarbonização da economia
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Em primeiro lugar, as grandes transições estão em plena operação. A transição climática, por virtude do aquecimento global, uma nova era que alguns cientistas designam de Antropoceno. A transição energética em direção a um novo mix de energias renováveis e limpas. A transição ecológica e agroalimentar em consequência de uma adaptação dos seres vivos, plantas e animais, às alterações climáticas e a uma nova sazonalidade. A transição digital por via da desmaterialização de processos e procedimentos em praticamente todas as áreas. A transição demográfica por via de alterações no crescimento natural e nas migrações da grande aldeia global em que habitamos. Finalmente, a transição socio-laboral e sociocultural como expressão de um novo padrão de comportamento dos seres humanos confrontados com todas estas alterações. O que não sabemos, ao certo, é se estas grandes transições convergem ou divergem e, em consequência, qual a dose de mitigação, adaptação e transformação que deve ser recomendada e aplicada.
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programa de ação para a próxima década e um complexo de políticas públicas de difícil administração. 3. A descarbonização inteligente e a reconfiguração das políticas públicas
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Em terceiro lugar, a descarbonização será maioritariamente acessível através da nova economia da era digital: na cidade inteligente, na rede de energia inteligente, na economia circular, na economia da biodiversidade e dos serviços ambientais, na economia verde e alimentação, na economia azul, na economia da habitação e bioconstrução, na economia da saúde e dos cuidados primários e na economia da proteção civil e da biossegurança, entre os mais relevantes. As redes inteligentes tomarão conta destes setores e a desmaterialização de processos e procedimentos permitirá poupar muita energia. A descarbonização da economia reclama uma nova estrutura de custos e benefícios de contexto que é necessário antecipar para o momento zero do RNC e do PNEC. Se não fizermos de forma proativa a pedagogia desta nova estrutura de custos e benefícios podemos estar a criar uma nova geração de free raiders e um elevado risco moral em todo o processo de descarbonização. Se a nova estrutura de custos e benefícios de contexto não for acompanhada de um sistema de incentivos apropriado e de uma nova estrutura de despesa fiscal, ninguém poderá garantir o sucesso deste grande empreendimento. Com efeito, a descarbonização da economia implica uma nova geração de investimentos públicos no território, sobretudo a sua cobertura digital adequada para processar um grande volume de dados. A arritmia da inovação e do investimento em tantos setores que deviam estar conectados para produzir bons resultados ocasionará, inevitavelmente, um efeito de dissipação do próprio processo de descarbonização que é preciso levar em linha de conta desde o primeiro momento. 4. Alterações na estrutura empresarial, cadeias de valor e política regulatória A descarbonização da economia induz alterações profundas na estrutura empresarial, na repartição do valor das fileiras económicas e nos mercados de emprego regionais e, portanto, também na qualidade da política regulatória. É preciso cuidar da transição justa, dos efeitos de aglomeração territorial, de novas assimetrias territoriais, da concentração empresarial e dos efeitos de exclusão social em consequência da neutralidade carbónica e dos planos de energia e clima. Se em cada região NUTS II não cuidarmos do equilíbrio destes vários efeitos externos e não tivermos um nível de ataque para os programar e reparar a tempo e horas, teremos, seguramente, muitos problemas graves pela frente. A descarbonização da economia, ao alterar os custos e benefícios de contexto e a posição relativa dos agentes económicos nas cadeias de valor respetivas muda, também, a sua posição relativa no que diz respeito às regras de concorrência. Estas alterações devem, por isso, ser balizadas pela política regulatória da União Europeia sob pena de se transformarem em fatores ativos de violação das regras de concorrência e prejudicarem o
próprio processo de descarbonização da economia em curso. Os pagamentos por serviços de ecossistema, peça central da política de descarbonização e coesão territorial, deverão ser considerados efeitos externos positivos e como tal ser aceites pela política regulatória. 5. Uma complexa administração multiníveis do território A descarbonização da economia, na sua aceção mais ampla, é um complexo de políticas e medidas de política que se desenrola a vários níveis. Do lado da oferta ela contempla a produção e o armazenamento de energia de fontes renováveis, a distribuição grossista e a comercialização a retalho, a produção e distribuição descentralizada das comunidades locais de energia, o controlo e regulação da repartição do rendimento gerado no interior das novas cadeias de valor, as boas práticas de benchmarking em matéria de sustentabilidade e governança (metodologia ESG), uma política de transição justa de coesão territorial e uma adequada política de incentivos em matéria de economia circular. Do lado da procura, falamos de eficiência e poupança de recursos e consumos em todos os setores, de uma melhor organização das cidades, de uma correta política de transição justa no que diz respeito ao modo como usamos os recursos do território – solos, água, ventos, exposição solar, cobertura florestal, riquezas minerais. Além disso, o equilíbrio entre emissões e captura de carbono depende, como sabemos, de uma boa qualidade dos solos e uma boa cobertura florestal.
Uma primeira nota, nestas grandes transições há um risco elevado de dissipação e entropia que tem a ver com a descontinuação ou redução dos investimentos programados
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Os desafios lançados pelo RNC 2050 e o PNEC 2030, mas, também, pelo Programa Nacional de Investimentos (PNI), o PRR 2026 e o Programa Portugal 2030, só terão valido a pena se tivermos promovido a passagem da lei do mais forte para a lei do mais justo. Diz a primeira, privatize-se o benefício e socialize-se o prejuízo. Diz a segunda, socializem-se os serviços ambientais prestados por via de remuneração, privatizem-se os prejuízos causados por via de sanção. Esta é a grande transição paradigmática contida na descarbonização da economia e significa que é preciso superar a visão industrialista das políticas públicas, homogeneizante e normalizadora, geralmente dirigida a um destinatário abstrato e universal. A terminar, algumas notas finais.
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Notas Finais
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Dito isto, terá Portugal, apesar dos meios financeiros disponibilizados pelo PRR e o PT2030, capacidade empresarial, tecnológica e capital humano bastantes, para aproveitar as condições naturais do seu território e capitalizá-las sob a forma de energia solar, eólica, hídrica e marítima? Será o hidrogénio a resposta para os desafios do armazenamento e será o país capaz de integrar as cadeias de valor das baterias na União Europeia? E as interligações do Mercado Ibérico ao resto da União Europeia tendo em vista uma maior estabilização de preços da energia no quadro de um mercado único da energia, estarão elas concluídas nesta década?
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Uma segunda nota diz-nos que a descarbonização da economia associada a um plano de energia e clima pode constituir uma grande oportunidade para o aproveitamento dos recursos endógenos territoriais que passam a ser considerados sob uma outra perspetiva. Onde antes estavam recursos expectantes, imóveis, inertes e inúteis, por falta de tecnologia e iniciativa apropriadas, podem estar agora ativos preciosos que as tecnologias e a economia digital podem promover adequadamente.
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e com a desconexão ou lags das medidas de política previstas. Quem fica a perder são, geralmente, os micro e pequenos projetos que se inscrevem numa linha de coerência de médio e longo prazo e que neste enquadramento não encontram os benefícios de contexto e as economias de rede mais apropriados.
Uma terceira nota diz respeito ao modo como a administração pública local e regional aproveita esta oportunidade para se articular com as populações locais que se expressam em comunidades por via de plataformas locais de base tecnológica. Estamos a falar de modernização administrativa, mas, sobretudo, da articulação entre inovação tecnológica e inovação social no âmbito do que hoje se designa como a inteligência coletiva e a inovação colaborativa. Uma quarta nota diz respeito à forma como iremos ultrapassar a iliteracia e as lacunas de iniciativa empresarial nestas áreas da economia energética e digital, por exemplo, em tudo o que diga respeito às plataformas locais de inteligência coletiva territorial. Em jeito de síntese, um balanço final de argumentos. Complementaridade entre recursos do território (sol, água, vento, biomassa, mar), maior equilíbrio entre emissões e sequestro de carbono, custos de produção renovável mais competitivos e atração de indústrias eletro-intensivas, maior participação em cadeias de valor europeias e interligação às redes europeias, maior capilaridade territorial dos centros electroprodutores, transição justa e redução dos custos de contexto, produção descentralizada de energia, eficiência e redução de consumos, prossecução da estratégia nacional de hidrogénio, uma nova estrutura de despesa fiscal e financeira para a transição energética. Depois de tudo o que fica dito, estamos perante uma transformação tão complexa e profunda que todos os territórios estão obrigados a encontrar rapidamente o seu modus operandi e a cadência própria da sua transformação estrutural e operacional.
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